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quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20319: Memória dos lugares (398): Roteiro de Bissau, que outrora foi um cidadezinha colonial, com as suas belas casas de sobrado...Mas umas achegas para a se compreender o "tsunami" toponímica que aconteceu em 20/1/1975, ao tempo do Luís Cabral...



Guiné > Bissau >  1956 > Casa Benjamim Correia, um comerciante de origem cabo-verdiana, estabelecido na Guiné em 1913, ao tempo da República, e que foi um moderado nacionalista, segundo o historiador Leopoldo Amado (membro da nossa Tabanca Grande desde a primeira hora)  ter pertencido ao PAIGC. Está sepultado no cemitério de Bissau..

Típica de arquitetura colonial, o " sobrado" (loja em baixo, e habitação em cima, com varandim a toda volta)... Ficava na esquina da Rua Almirante Reis (hoje Rua 1), com a Rua Miguel Bombarda (hoje, a Rua 12 de Setembro,  a da Fortaleza da Amura).

Foto de  anúncio comercial. Reproduzido, com a devida vénia, de  Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*) . Tem inegável interesse documental.

Foto (e legenda): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).



Guiné-Bissau > Bissau Velho > Excerto mapa do Google (com a devida vénia...), com a localização das Ruas 1, 2, 3 e 4 e outras à volta: Av 3 de Agosto; Av Amílcar Cabral; R 19 de Setembro; R António Nbana; R Guerra Mendes.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


1. Houve um "tsunami" que varreu as artérias de Bissau, pelo menos a Bissau "colonial", mudando as tabuletas das ruas, praças e avenidas da cidade dos "tugas"... A toponímia do tempo da República (Rua Almirante Reis, por ex.,) e do Estado Novo (Rua Oliveira Salazar, por ex.)  foi mudada por outra mais consentâneas com os "ventos da História": as datas marcantes da luta pela independência (3 de agosto de 1959, 24 de setembro...) e os seus heróis (Amílcar Cabral, Domingos Ramos, Pansau Na Isna, Osvaldo Vieira...)  substituiram a tralha "colonialista"... 

Acontece em todos os os tempos e lugares, sempre que há uma "revolução", uma "mudança de regime", ou os novos "senhores da guerra" substituem os outros... É um filme que alguns de nós, por já terem vivido uns aninhos, assistiram: mudam-se as placas das ruas, dos estádios, das pontes, dos aeroportos, das igrejas, apeam-as estátuas,  reconvertem-se os edifícios, etc. O ser humano é um animal iconoclasta.

 Em Bissau esse "tsunsami" toponímico terá ocorrido em 20 de janeiro de 1975, ao tempo do presidente Luís Cabral, segundo informação do António Estácio...  A "comissão de toponímca" ainda ficou com algumas ruas "devolutas", a que deu uma numeração (1, 2, 3, 4, 5...), à espera de novos "heróis"...

Estas coisas aprendi com a leitura do livro do nosso camarada António Estácio, que tem costela transmontana, mas que nasceu no "chão de papel", em Bissau, tendo também vivido em Bolama, onde a mãe foi professora, se não me engano. O livro a que me refiro é "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il.).

Sem ser um trabalho sistemático, aqui ficam algumas achegas para se compreender as mudanças de toponímica de Bissau, e em especial de Bissau Velho:

Legenda (mapa acima):

3A - Av 3 de Agosto (antiga Av Marginal ou R Agostinho Coelho, 1º governador da Guiné  [, referência ao 3 de Agosto de 1959, o "massacre do Pdjiguiti"]
19S - R 19 de Setembro (antiga
AC - Av Amílcar Cabral (antiga Av da República)
AM - R António Nbana (antiga R Tomás Ribeiro)
GM - R Guerra Mendes (antiga R Oliveira Salazar, e antes R Advento da República)

1 > Rua 1 - Antiga Rua Almirante Reis

2 > Rua 2 - Antiga Rua General Bastos

3 > Rua 3 - Antiga Rua Nozoliny [José Caetano Nozolini figura proeminente, oriunda de Cabo Verde com fortes ligações e interesses locais, o maior negociante do seu tempo, responsável pela a construção, que levou 3 anos (1843/46), do Fortim Nozolini, no local do Pidjiguiti: dele partia um muro, de 4 metros de altura, que se ligava até ao baluarte da Balança, protegendo a preciosa fonte de água potável do Pidjiguiti].

4 > Rua 4 - Antiga Rua Governador Polaco [Alois da Rolla Dziezaski, de origem polaca; no período em que a Guiné foi distrito de Cabo Verde, exerceu funções governativas por três vezes, sendo duas como interino e, em 1851, uma outra como provisório]

Outras artérias cujos nomes foram mudados em 1975:

Av Pansau Na Isna - Antiga Av Américo Tomás (e antes R Mousinho de Albuquerque)
Largo das F.A.R.P. > Antiga Praça Diogo Cão
Rua 12 de Setembro - Antiga Rua Miguel Bombarda
Rua 24 de Setembro - Antiga Rua Capitão Barato Feio e outrora conhecida como a Rua do Fosso
Rua 7 - Antiga Rua Sargento Moens
Rua Eduardo Mondlane - Antiga Rua Sá Carneiro
Rua Justino Lopes . Antiga Rua Administrador Alberto Gomes Pimentel

Haja alguém que arrange um croqui da parte ocidental da Bissau Velho, ou Bissau Colonial... Não se esqueçam que este traçado, feito a a régua e esquadro,é do tempo da I República, ou da República, já que só houve uma... Somos masoquistas, gostamos de dar tiro nos pés, mas temos de reconhecer que, para a época, era uma inovação em termos de planeamento urbanístico...Pena que a Bissau Velha esteja a cair de podre, desde 1975, sem a gente lhe poder valer, sem a UNESCO a classificar... 

Ao menos que a Câmara Municipal de Bissau tenha um rasgo de génio e "proteja" do camartelo aqueles edifícios, aquelas ruas, que tinham a sua graça, o sue encanto, a sua beleza, e até algum interesse arquitetónico (, as casas de "sobrado", a Amura, etc.)... De qualquer modo, as cidades e os países e o seu património são muito vulneráveis ao "desvario" da economia e aos "humores" dos governos.

A Guiné-Bissau precisa de "recuperar" a sua memória... E os "tugas" que por lá passaram também.  Parte dessa "memória, material e imaterial" também nos pertcnce... É património comum da humanidade... Todos os povos deixam deixam maiores ou menores marcas ou vestígios da sua passagem pelos sítios que ocuparam, dominaram, colonizaram... Como os romanos, os visigodos, os suevos, os árabes e os bérberes, etc., que cá estiveram muitos séculos, neste pequeno rectângulo que se chama Portugal,  há mil anos... Os guineenses têm que ter orgulho no seu país como nós temos no nosso... A Guiné-Bissau é feita de muitas "camadas", ou "sedimentos", como todos os outros países...

Por outro lado, as comissões de toponímica precisam de fazer um trabalho pedagógico: no caso de Bissau, é preciso que os jovens de hoje sabem quem froam os "combatentes da libedade da pátria" que já morreram, quase todos em combate como o António Nbana (1968) ou o Domingos Ramos (1966) ou Pansau na Isna (1970).
Guiné-Bissau > Bissau > c. 2006 > Artérias à volta do Estádio Lino Correia, antigo Estádio Sarmento Rodrigues, na Bissau Velha

Fonte: Adapt. de  António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il.).

Precisamos de ajuda para saber os nomes do "antigamente" destas "novas" artérias... Há camaradas que conhecem muito melhor do que eu a cidade de Bissau: só lá voltei uma vez, em Março de 2008... (LG)
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As "novas" artérias de Bissau:

Avenida dos Combatentes da Liberdade da Pátria
Rua Vitorina Costa
Rua Rui Djassi
Avenida  Francisco Mendes
Avenida Domingos Ramos
Avenida da Unidade Africana
Rua Osvaldo Vieira
Praça dos Heróis Nacionais
Rua Areolino Cruz
Rua Eduardo Mondlane
Avenida do Brasil
Rua de São Tomé
Rua Justino Lopes
Rua de Angola
Rua de Bolama
Avenida Cidade de Lisboa
Rua de Boé
Rua de Bafatá
Rua Cacheu
2° Avenida de Cintura

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Notas do editor:


Vd. também poste de 4 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20311: Memória dos lugares (395): Roteiro de Bissau Velha: ruas antigas e ruas atuais, onde se localizavam algumas casas comerciais do nosso tempo: café Bento, Zé da Amura, Pintosinho, Pinto Grande / Henrique Carvalho, Taufik Saad, António Augusto Esteves, Farmácia Moderna...

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20144: Controvérsias (137): Craveiro Lopes em Bolama, em visita de Estado... Era presidente da câmara municipal o Júlio [Lopes] Pereira, que passa, em dez anos, de cidadão respeitável a proscrito social... (Recorte de imprensa: "Diário Popular", Lisboa, 6 de maio de 1955)















Notícia do "Diário Popular", de 6 de maio de 1955, relativa à viagem do Chefe de Estado,  general Craveiro Lopes, à Guiné, com passagem por Bissau e Bolama e depois visita ao interior. Em Bolama, era presidente da Câmara o Júlio Lopes Pereira, colono e comerciante em Bolama, condecorado em 1947, ao tempo do governador Sarmento Rodrigues,  com o grau de Cavaleiro da Ordem do Mérito - Classe de Mérito Industrial. (Decreto de concessão publicado em D.G. de 29 de abril de 1947). Já nos anos 30 estava radicado em Bolama.


1. Presumimos que seja o mesmo Júlio [Lopes] Pereira, morto em novembro de 1965, em Farim... Foi acusado pela PIDE e pelas autoridades militares de Farim (comando do BART 733) de ser o "autor moral" do atentado terrorista de 1 de novembro de 1965, em Farim.

A tratar-se da mesma pessoa, o Júlio [Lopes] Pereira,  radicado em Bolama,  desde os anos  30 e depois em Farim (nos anos 60), seria o pai da jornalista Ana Emília Pereira (,"Milocas" Pereira, para os amigos), jornalista e docente universitária da Guiné-Bissau, a viver em Luanda desde 2004 e entretanto desaparecida, "misteriosamente", em 2012.

A tratar-se da mesma pessoa, verifica-se terá passado de cidadão respeitável a "proscrito social", tendo sido morto às mãos da PIDE em Farim, na sequência do "atentado terrorista" de 1 de novembro de 1965. cuja autoria nunca foi reivindicada.(*)

As circunstâncias da morte do Júlio [Lopes] Pereira, de Farim, já aqui foi relatada por Carlos Domingos Gomes, "Cadogo Pai" (n. 1929), seu amigo (**):

(...) "Em 1964, requeri terreno onde se encontram as minhas actuais instalações e iniciei as obras. Então o número de contactos aumentou. Concentrávamo-nos frente às minhas obras, com o perigo a aumentar passamos a organizar jantares e mais festas. O grupo engrossou, com Júlio Pereira (que vinha de Farim), Armando Lobo de Pina, Domingos Maria Deybs, João Vaz, Elisée Turpin, Pedro Pinto Ferreira, Duarte Vieira, Aguinaldo Paquete, eu, Carlos Domingos Gomes, etc.

Estes encontros organizavam-se sempre que o Júlio Pereira vinha de Farim para nos trazer as notícias da evolução da luta, que já estava muito avançada. Tudo estava sob perigo, sob vigilância da PIDE.

(...) Como uma bomba soou-nos a notícia da prisão de Júlio Pereira em Farim, na sequência de uma granada atirada a um ajuntamenmto numa festa de tambor em Farim. Foi sovado que nem um animal e obrigado numa cela a lutar com um companheiro até à morte.

Eu era vereador da Câmara Municipal de Bissau, com o velho companheiro Benjamim Correio, Dr. Armando Pereira e Lauride Bela. Ninguém me fazia acreditar que seria preso, dada a forma isolada como actuava durante a distribuição de arroz. Atendia tudo e todos, até às pessoas que desmaiavam oferecia arroz, punha no meu carro e levava-as a suas casas, mas sempre de cara amarada (sic), porque sabia que a minha actividade estava sendo vigiada.


(...) Com a morte de Júlio Pereira, a raiva que gerou,  atingiu-nos a todos, Benjamim Correia que era meu colega, também vereador da Câmara [de Bissau], todos muito vigiados, colocou-me os anseio da filha, Luisa Pereira, esposa do  Júlio Pereira, de pedir o corpo do marido. 

Dirigi.me ao gerente da casa onde trabalhava, a Ultramarina, de nome Figueiredo, a transmitir-lhe a mensagem de Benjamim Correia e da filha. Telefonou para o director da PIDE, e este para me perguntar quem nos informou da morte. Situação que aumentou ainda mais as suspeitas da minha atuação, isto já no decorrer dos anos 1965/66. Esta onda passou." (...)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá >  Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general da FAP Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. Era Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos...) o Capitão de Fragata Diogo de Melo e Alvim... Craveiro Lopes nasceu (1894) e morreu (1964), aos 70 anos.  Foi presidente da República entre 1951 e 1958 (substituído então pelo Almirante Américo Tomás). Não morria de amores por Salazar.

Como se pode ler na página do Museu da Presidência da República:

(...)  Após a eleição de Américo Tomás para a Presidência, em 1958, Craveiro Lopes é, em Novembro desse ano, promovido a marechal.

Apesar da promoção, torna-se progressivamente crítico do regime. Logo em 1959, alguns militares que lhe são próximos, participam activamente no "golpe da Sé", movimento militar revolucionário, promovido por oficiais ligados a Humberto Delgado, desmantelado pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Esta mesma polícia não deixará de o manter sob apertada vigilância, controlando todos os seus movimentos até ao final da sua vida. É com total envolvimento que o vamos encontrar ligado à chamada "Abrilada" de 1961 ("golpe de Botelho Moniz"). Craveiro Lopes é um dos militares presentes no plenário dos comandantes militares, na Cova da Moura, convocado por Botelho Moniz. O plano delineado previa que Craveiro Lopes voltasse a ocupar a chefia do Estado, e que Marcelo Caetano pudesse vir a tornar-se chefe do Governo. Considerando a situação irremediavelmente perdida, e perante a desistência dos outros implicados na conspiração, o marechal é um dos poucos que defende a desobediência e o confronto militar com as forças fiéis ao regime.

(...) O seu ressentimento em relação a Salazar e a certas figuras do regime será (...),  até ao fim da sua vida, profundo e irremediável. (...) As suas últimas intervenções com peso político dão-se em 196[2]: o prefácio que aceita fazer ao opúsculo da autoria de Manuel José Homem de Mello "Portugal.  o Ultramar e o Futuro", no qual defende a necessidade de se encontrar uma "solução verdadeiramente nacional" e promover uma "livre discussão", para o que uma maior liberdade de imprensa constituía factor fundamental; a entrevista que concede, meses depois, ao Diário de Lisboa, publicada na edição de 10 de Agosto, onde leva as suas críticas mais longe, defendendo a livre discussão dos principais problemas do país, "a evolução gradual do regime", a abolição da censura" e a "liberdade de expressão e discussão", apelando ainda à "coragem" e ao "bom senso", no âmbito da política ultramarina, a fim de que se reconheçam "as realidades da hora presente". (...)

Foto: © Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20142: Controvérsias (136): Não consta que o Amílcar Cabral, o "pai da Pátria", tenha reivindicado a autoria (moral e política) do "atentado terrorista" de 1 de novembro de 1965, em Morocunda, Farim, e muito menos denunciado ou condenado esse ato monstruoso... Pelo contrário, até lhe convinha, para memória futura, que as criancinhas de Farim continuassem a repetir, em coro, estes anos todos, na escola, que esse ato foi obra maquiavélica e tenebrosa dos "colonialistas portugueses"...

(**) Vd. poste de  10 de agosto de  2010 > Guiné 63/74 - P6843: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (5): Júlio Pereira, preso, torturado e morto na prisão pela PIDE, suspeito de estar por detrás dos graves acontecimentos de Farim, em 1/11/1965

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P18992: Notas de leitura (1098): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (50) (Mário Beja Santos)

Casa de Sobrado do comerciante Lourenço Marques Duarte 
Fotografia de Francisco Nogueira inserida no livro “Bijagós, Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
Nesta fase que antecede a II Guerra Mundial, esta documentação avulsa, verdadeiramente heteróclita, pois tudo aqui aparece desde reparação de móveis a crédito malparado, ressaltam as informações sobre transportes, neste caso a Companhia Colonial de Navegação, as safadezas de um empregado e um espantoso relato em torno das manifestações dos comerciantes a protestar com a contribuição industrial.

O gerente de Bissau que comprovadamente detestava o governador, ridiculariza-o por interposta pessoa, o oficial da polícia, é uma peça demolidora.

Importa esclarecer que estes relatos eram solicitados pela administração em Lisboa, queriam saber tudo.

Iremos ver mais adiante que a partir dos acontecimentos do Pidjiquiti, em 3 de agosto de 1959, se escreve textualmente que os senhores gerentes devem informar de tudo, para além do que vem nos papéis oficiais. E de facto iremos ver páginas espantosas que relatam os acontecimentos que precedem e acompanham os primeiros anos da luta armada, o gerente de Bissau ia buscar todas as informações ao diretor da PIDE em Bissau.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (50)

Beja Santos

A documentação avulsa respeitante aos anos de 1934 e 1935 abordam assuntos como a Companhia Nacional de Navegação, as transferências indevidas da Casa Gouveia para a metrópole e a denúncia das safadezas de Francisco Marques Perdigão, funcionário do BNU. E muito saborosa é a carta que o gerente de Bissau envia para Lisboa em 3 de maio de 1936. Vamos aos factos.

Quanto à Companhia Nacional de Navegação, o gerente de Bissau informa o seguinte:

“Esta Companhia não tem carreiras regulares para a Guiné.  Durante os últimos três anos não me recordo de ter visto qualquer vapor seu nos portos da colónia.

Quanto às despesas a fazer com o aluguer de lanchas para a descarga em Bolama e a remuneração ao pessoal da Alfândega e Capitania para que os serviços corram sem entraves, não julgo de interesse para o Banco a representação definitiva da Companhia Nacional de Navegação, a não ser que tais despesas corram por conta da representada.

Se os portos da Guiné fossem regularmente representados por vapores dessa Companhia, era natural que devido a esse movimento se tirasse compensação material da representação; mas como assim não sucede e pode acontecer que o vapor chegue aos portos da Guiné em época em que o aluguer de lanchas seja dificílimo e caríssimo, como sucede durante a campanha da mancarra, os lucros auferidos com a representação seriam absorvidos por essas despesas extraordinárias. Assim, a representação só poderá convir desde que tais despesas sejam suportadas pela Companhia, pois, de contrário, as agências da Guiné teriam acréscimo de trabalho sem compensação”.

Nesse ano de 1933, o BNU abrira uma linha de crédito à Casa Gouveia de 9 mil contos, a empresa dizia não fazer transações bancárias e transferências para a metrópole, alegava que comprava por vezes produtos coloniais com a condição do seu contravalor ser pago em Lisboa. A Direção dos Serviços de Fazenda da Colónia da Guiné dizia que não era verdade, citando que a agência do BNU em Bissau já informara Lisboa que a Casa Gouveia continuava a fazer transferências para a metrópole ao contrário do que a lei dispunha. Este seria mais um dos litígios entre o BNU e a Casa Gouveia, o folhetim será enorme.

E vejamos agora as falcatruas do Sr. Perdigão.
António Esteves, em Bolama, escreve em 8 de agosto de 1935 para o gerente do BNU na mesma cidade:
“Venho trazer ao conhecimento de V. Ex.ª. que o Sr. Francisco Marques Perdigão, funcionário desse Banco, há tempos se acercou de mim prometendo-me uma transferência de mil escudos a favor de João Lopes sobre a Praça de Lisboa, e devido à grande dificuldade de transferências, eu na boa-fé e porque o Sr. Perdigão me merecia toda a confiança, entreguei-lhe a dita importância a fim de se proceder à dita operação.
Passou porém bastante tempo até que um dia o Sr. Perdigão me entregou um cheque em nome de João Lopes e que tornou a levar consigo visto que o nome do beneficiário vinha errado.
Constando-me agora que o Sr. Perdigão é useiro e vezeiro em toda a espécie de falcatruas, concluí que o cheque que me apresentou era falso, e como até agora mais nada me disse sobre o assunto, eu venho à presença de V. Ex.ª. pedir-lhe todas as providências que esta complicada história merece”.

Bissau, acerca deste assunto, escreve para Lisboa em 12 de agosto, informando que fora demitido como falsificador Francisco Perdigão e pedia-se a transferência com a maior urgência do filho do Sr. Diretor da Fazenda da Colónia daquele escritório, praticante do BNU em Santiago. O gerente de Bissau fora a Bolama e confirmava a falsificação do cheque. “O Perdigão disse ser verdadeira a acusação que lhe era feita, declarando que as assinaturas do cheque foram por ele falsificadas. Tivemos ainda conhecimento de que o Perdigão havia retirado do Arquivo cheques em branco de cadernetas de depósito que preencheu e deu em pagamento de débitos seus, não tendo a necessária cobertura. Esta irregularidade criminosa foi igualmente contada pelo Perdigão. Convidado a defender-se destas acusações, a fim de subtermos a sua defesa à superior apreciação de V. Ex.ª., respondeu que não tinha defesa a apresentar, por serem verdadeiras as acusações. O Sr. Diretor da Fazenda da Colónia, que teve conhecimento da demissão do escriturário Perdigão, procurou-nos para nos pedir a transferência para Bolama do seu filho que é praticante na filial de Santiago, para preenchimento da vaga aberta pela demissão daquele escriturário”.

A história do Sr. Correia versa uma queixa de um arrendatário de um prédio do BNU em Bissau, uma carta endereçada para Lisboa, segundo o gerente de Bissau uma prosa chicaneira e verrinosa, vejamos como contra-argumenta o gerente:
“Bem pior que a crise material e as sérias dificuldades que o comércio atravessa, a que se refere o Sr. Benjamin Correia, é a crise moral que também, como a tantos outros, o afetou.
O Sr. Correia pediu-nos para que lhes baixássemos a renda do prédio que ocupava, como permanentemente fazem, por via de regra, todos os inquilinos, e nós respondemos-lhe com uma evasiva.
Obedecendo ao seu feitio chicaneiro e atrabiliário, bem conhecido de toda a praça, o Sr. Benjamin Correia, ao dirigir-se a V. Ex.ª, não resistiu, embora veladamente, à aleivosiazinha reles e tola ‘pedindo vénia para chamar a atenção especial de V. Exas. para as rendas das casas que antigamente eram 250 escudos e são hoje 150.’
‘Antigamente’ é tão vago que não podemos deixar de precisar a V. Ex.ª. que o facto relatado data do tempo em que ele era o senhorio dessas casas e da que ocupava, pela qual cobrava ao Sr. Dr. Marques Belo 1200 escudos, justamente o dobro da renda que ele estava pagando.
Quanto ao pagamento das rendas que o Sr. Benjamin Correia afirma ter andado sempre em dia, não é bem como diz, o que V. Ex.ª. poderá mandar verificar pelas datas das respetivas cobranças; e mesmo assim o pagamento só se conseguia com a insistência constante e insultando por mais de uma vez, como lhe é peculiar, o nosso cobrador. Mas o Sr. Benjamin Correia já abandonou o prédio, em boa hora”.

Data de 13 de janeiro de 1936 o ofício dirigido ao BNU em Lisboa sobre o protesto do comércio da colónia quanto ao lançamento da contribuição industrial. É um documento altamente crítico:

“Se a governação local se servisse dos moldes usados pelo Governo Central, teria procedido, primeiro que tudo, a um inquérito aos vencimentos, rendimentos ou lucros de todos os que se pretendia tributar, e depois de averiguar as possibilidades ou capacidade de cada profissão, tributar-se-ia mas com conhecimento de causa.

Entendeu-se o contrário, legislou-se sem se ouvir ninguém, com o simples fundamento de que noutras colónias também se pagava contribuição industrial, organizando-se um quadro publicado no preâmbulo do diploma que nada diz porque foi elaborado em relação à contribuição industrial das outras colónias, em vez de o ser em relação a todos os impostos e por habitante.

Reuniu-se o Conselho do Governo e os vogais não oficiais rejeitaram, na generalidade, a proposta do diploma que criava a contribuição industrial direta, ficando assim empatada a votação; convocado de novo o Conselho, seguiu-se a discussão na especialidade, com o mesmo resultado, usando então o Sr. Governador o seu voto de qualidade.

A discussão, tanto na generalidade como na especialidade, decorreu com muita falta de elevação por parte dos vogais oficiais, a quem cegou a subserviência, confundida com o desconhecimento completo do estado da economia privada da colónia”.

É um documento de grande minúcia, refere quem esteve nas reuniões, como argumentou, os protestos dos estabelecimentos comerciais com as portas encerradas, a manifestação dos empresários que se dirigiam às lojas estrangeiras pedindo-lhes que fechassem, tal como aconteceu. Tratou-se, segundo o relator, de um movimento de protesto ordeiro e pacífico. Importa não esquecer que Carvalho Viegas em nada era estimado pelo BNU, há correspondência para a Sede em que o governador é denunciado como criatura reles e imoral, noutro apartado descreve-se o que o gerente reporta sobre certos comportamentos de Carvalho Viegas, tratado como um dissoluto, arranjista e fazedor de empregos, rodeado por gente subserviente e tacanha.

Daí a prosa deste documento o caricaturar, como se pode ver a propósito destas manifestações e a reacção do governador:

“Entretanto, em 2 de janeiro, à noite, chegava de Bolama um oficial da polícia, muito conhecido pela sua dedicação ao Governo, mas um tanto disparatado na maneira de exteriorizar.

Logo ao desembarcar se precipitou declarando comunista o movimento de protesto do comércio. Foi recebido à gargalhada e isso irritou-o; toda a gente se ria do seu espalhafato, da forma como, em grandes gestos, dava instruções às patrulhas. Com as suas atitudes, esse oficial, além de bom defensor da ordem e elemento seguro da situação nacional, tinha o aspecto de ser o único elemento de desordem, porque toda a população da cidade, mas absolutamente toda, estava na tranquilidade mais perfeita que se possa imaginar.

Quando o barco que conduzia os componentes da comissão de protesto se aproximava do canal de Bolama, surgiu-lhes pela proa um gasolina da Delegação Marítima daquela cidade tripulado por soldados de baioneta calada, comandamos pelo tenente-maquinista das Oficinas Navais, que, disparando para o ar, os intimou a parar. Chegados à fala, aquele oficial-maquinista intimou-os a regressar a Bissau, informando-os de que não tentassem desobedecer porque o Sr. Governador os não receberia e não responderia pelas suas vidas, visto que a polícia tinha ordem para matar quem desembarcasse em Bolama!”.

E o gerente, que assina sempre “O Gerente Geral da Guiné”, na sua prosa acerada, conta os demais episódios desta ópera bufa, tudo acabou bem, o comércio reabriu no dia 6 de manhã, a Associação Comercial de Bissau constituiu um advogado, o protesto dos comerciantes prosseguia a sua marcha.

(Continua)

Mulher Felupe 
Imagem retirada do “Anuário da Guiné Portuguesa”, 1948.

Mulher Futa-Fula
Imagem retirada do “Anuário da Guiné Portuguesa”, 1948.
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Notas do editor:

Poste anterior de 31 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18967: Notas de leitura (1096): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (49) (Mário Beja Santos)

Último poste da série 3 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18977: Notas de leitura (1097): Relendo uma obra soberba - "Vindimas no Capim", por José Brás; Publicações Europa-América (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14176: Historiografia da presença portuguesa em África (53): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte V (Mário Vasconcelos): 4 firmas de Bissau: Benjamim Correia (fundada em 1913), NOSOCO (francesa), Augusto Pinto Lda, e C. J. Matoso (talho moderno)








Fotos: © Mário Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Continuação da publicação de anúncios de casas comerciais, da Guiné. Reproduzidos, com a devida vénia, da em Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*). Tem inegável interesse documental.

São uma gentileza do nosso camarada Mário Vasconcelos, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72, Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à direita] que descobriu um exemplar, já raro, deste edição, no espólio do seu falecido pai.

E, a propósito, faz hoje 52 anos que se iniciou, oficial ou oficiosamente, a guerra colonial na Guiné, com o ataque a Tite, na região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963. Tenhamos um pensamento de homenagem a todas as vítimas desta guerra, civis e miliaters,  de ambos os lados.


2. Numa destas firmas, a NOSOCO - Nouvclle Société Commerciale Africaine [e não Africane, mais uma gralha], com sucursais em Bafatá, Farim, Bolama, Bissorã, Sonaco e Nova Lamego, trabalharam camaradas nossos como o Mário Dias [. ex-srgt comando, reformado], bem como o pai do nosso amigo Herbert Lopes, mas também conhecidos militantes do PAIGC, como o João Rosa, que guarda-livros...

A NOSOCO era então uma das principais firmas da Guiné, na opinião (qualificada) do nosso amigo e camarada Mário Dias, a propósito dos acontecimentos de 3 de agosto de 1959, no cais do Pidjuiguiti: "as principais casas comerciais da Guiné (vou designá-las pelo nome abreviado como eram conhecidas, Casa Gouveia (CUF), NOSOCO, Eduardo Guedes, Ultramarina e Barbosas & Comandita, tinham ao seu serviço frotas de lanchas - umas à vela e outras a motor - que utilizavam no serviço de cabotagem transportando mercadorias para os seus estabelecimentos comerciais e, no regresso, traziam para Bissau os produtos da terra, principalmente mancarra e arroz. A maioria deste tráfego era pelo rio Geba, até Bafatá e, para o Sul, até Catió e Cacine."

Segundo Carlos Domingos Gomes. Cadogo Pai, as empresas francesas sediadas na Guiné (SCOA, NOSOCO,  CFAO) começaram a ter problemas de liberdade comercial, face à posição monopolista da Casa Gouveia, ligada ao grupo CUF. O Luís Cabral, meio irmão de Amílcar Cabral, era empregado da Casa Gouveia, guarda-livros. As casas comerciais de Bissau, tal como o futebol e o 1º curso de sargentos milicianos, de 1959, deram fornadas de gente... ao PAIGC!


Guiné > Bissalanca > c. 1958/59 > Fotografia tirada na despedida do gerente da NOSOCO, Monsieur Boris, que nesse dia regressava a Paris (está ao centro de fato e gravata). O João [da Silva] Rosa, o guarda-livros, [e que foi um dos fundadores do MLG - Movimento de Libertação da Guiné e um dos primeiros contactos políticos de Amílcar Cabral, tendo feito reuniões clandestinas, na sua casa, com o próprio Amílcar Cabral e outros nacionalistas guineenses, segundo informação do Leopoldo Amado, e que morreu em 1961, no hospital, na sequência da sua prisão pela PIDE], está na segunda fila à direita; à sua frente, o 2º da direita é o Toi Cabral. Os restantes elementos da foto são alguns (quase todos) dos empregados do escritório da NOSOCO em Bissau (MD)

O terceiro elemento do grupo, a contar da esquerda, é Armando Duarte Lopes, o pai do nosso amigo Nelson Herbert, e velha glória do futebol guineense... (Esteve em 1943 no Mindelo, sua terra natal, integrado numa força expedicionária, vinda do continente, que veio reforçar o sistema de defesa da Ilha de São Vicente durante a II Guerra Mundial; viveu depois, trabalhou e casou em Bissau.

Como nos relembrou o Nelson, o pai era então "um jovem, robusto, futebolista conhecido na Guiné (Armando Bufallo Bill, seu nome de guerra, o melhor de futebolista da UDIB, do Benfica de Bissau, internacional pela selecção da antiga Guiné Portuguesa..). Foi encarregado, por muitos anos, do porto fluvial de Bambadinca, e ainda se lembra de episódios do djunda djunda (braço de ferro) entre a JAPG (Junta Autónoma dos Portos da Guine) e a tropa, relativamente a um batelão, propriedade do primeiro e que fazia regularmente o trajecto Bambadinca-Bissau, mas que a tropa insistia em açambarcar... para revolta das população da zona leste, já que dessa boleia dependia o escoamento da produção local (caprinos e produtos hortícolas) para os mercados de Bissau... (Seria o BOR?).

O apelido Herbert vem de outro lado, de um avô materno francês, que foi o representante local, na Guiné, da CFAO - Compagnie Française de l'Afrique Occidentale, fundada em 1887, e que continua a ser um importante grupo económico, líder da distribuição especializada em África e nos territórios franceses do Ultramar.

Foto: © Mário Dias (2006) . Todos os direitos reservado

2. Temos inúmeros postes sobre a cidade de Bissau. Alguns de nós fizemos lá comissão, tendo por isso um conhecimento das suas ruas, praças, monumentos,  restaurantes, esplanadas, casas comerciais, etc.  É o caso por exemplo do nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º cabo  trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70):

Vd. poste de 20 de abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8138: Memória dos lugares (152): A cidade de Bissau em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)

Outros camaradas viveram lá antes e depois da tropa, acompanhando o progresso da cidade, nos anos 50/60, como foi o caso do Mário Dias (ex-srgt comando, ref, trabalhou e viveu em Bissau na sua aolescência e juventude, tendo frequentado em 1959 o 1º curso de sargentos milicianos que se realizou no CTIG):


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