Casa de Sobrado do comerciante Lourenço Marques Duarte
Fotografia de Francisco Nogueira inserida no livro “Bijagós, Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Fevereiro de 2018:
Queridos amigos,
Nesta fase que antecede a II Guerra Mundial, esta documentação avulsa, verdadeiramente heteróclita, pois tudo aqui aparece desde reparação de móveis a crédito malparado, ressaltam as informações sobre transportes, neste caso a Companhia Colonial de Navegação, as safadezas de um empregado e um espantoso relato em torno das manifestações dos comerciantes a protestar com a contribuição industrial.
O gerente de Bissau que comprovadamente detestava o governador, ridiculariza-o por interposta pessoa, o oficial da polícia, é uma peça demolidora.
Importa esclarecer que estes relatos eram solicitados pela administração em Lisboa, queriam saber tudo.
Iremos ver mais adiante que a partir dos acontecimentos do Pidjiquiti, em 3 de agosto de 1959, se escreve textualmente que os senhores gerentes devem informar de tudo, para além do que vem nos papéis oficiais. E de facto iremos ver páginas espantosas que relatam os acontecimentos que precedem e acompanham os primeiros anos da luta armada, o gerente de Bissau ia buscar todas as informações ao diretor da PIDE em Bissau.
Um abraço do
Mário
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (50)
Beja Santos
A documentação avulsa respeitante aos anos de 1934 e 1935 abordam assuntos como a Companhia Nacional de Navegação, as transferências indevidas da Casa Gouveia para a metrópole e a denúncia das safadezas de Francisco Marques Perdigão, funcionário do BNU. E muito saborosa é a carta que o gerente de Bissau envia para Lisboa em 3 de maio de 1936. Vamos aos factos.
Quanto à Companhia Nacional de Navegação, o gerente de Bissau informa o seguinte:
“Esta Companhia não tem carreiras regulares para a Guiné. Durante os últimos três anos não me recordo de ter visto qualquer vapor seu nos portos da colónia.
Quanto às despesas a fazer com o aluguer de lanchas para a descarga em Bolama e a remuneração ao pessoal da Alfândega e Capitania para que os serviços corram sem entraves, não julgo de interesse para o Banco a representação definitiva da Companhia Nacional de Navegação, a não ser que tais despesas corram por conta da representada.
Se os portos da Guiné fossem regularmente representados por vapores dessa Companhia, era natural que devido a esse movimento se tirasse compensação material da representação; mas como assim não sucede e pode acontecer que o vapor chegue aos portos da Guiné em época em que o aluguer de lanchas seja dificílimo e caríssimo, como sucede durante a campanha da mancarra, os lucros auferidos com a representação seriam absorvidos por essas despesas extraordinárias. Assim, a representação só poderá convir desde que tais despesas sejam suportadas pela Companhia, pois, de contrário, as agências da Guiné teriam acréscimo de trabalho sem compensação”.
Nesse ano de 1933, o BNU abrira uma linha de crédito à Casa Gouveia de 9 mil contos, a empresa dizia não fazer transações bancárias e transferências para a metrópole, alegava que comprava por vezes produtos coloniais com a condição do seu contravalor ser pago em Lisboa. A Direção dos Serviços de Fazenda da Colónia da Guiné dizia que não era verdade, citando que a agência do BNU em Bissau já informara Lisboa que a Casa Gouveia continuava a fazer transferências para a metrópole ao contrário do que a lei dispunha. Este seria mais um dos litígios entre o BNU e a Casa Gouveia, o folhetim será enorme.
E vejamos agora as falcatruas do Sr. Perdigão.
António Esteves, em Bolama, escreve em 8 de agosto de 1935 para o gerente do BNU na mesma cidade:
“Venho trazer ao conhecimento de V. Ex.ª. que o Sr. Francisco Marques Perdigão, funcionário desse Banco, há tempos se acercou de mim prometendo-me uma transferência de mil escudos a favor de João Lopes sobre a Praça de Lisboa, e devido à grande dificuldade de transferências, eu na boa-fé e porque o Sr. Perdigão me merecia toda a confiança, entreguei-lhe a dita importância a fim de se proceder à dita operação.
Passou porém bastante tempo até que um dia o Sr. Perdigão me entregou um cheque em nome de João Lopes e que tornou a levar consigo visto que o nome do beneficiário vinha errado.
Constando-me agora que o Sr. Perdigão é useiro e vezeiro em toda a espécie de falcatruas, concluí que o cheque que me apresentou era falso, e como até agora mais nada me disse sobre o assunto, eu venho à presença de V. Ex.ª. pedir-lhe todas as providências que esta complicada história merece”.
Bissau, acerca deste assunto, escreve para Lisboa em 12 de agosto, informando que fora demitido como falsificador Francisco Perdigão e pedia-se a transferência com a maior urgência do filho do Sr. Diretor da Fazenda da Colónia daquele escritório, praticante do BNU em Santiago. O gerente de Bissau fora a Bolama e confirmava a falsificação do cheque. “O Perdigão disse ser verdadeira a acusação que lhe era feita, declarando que as assinaturas do cheque foram por ele falsificadas. Tivemos ainda conhecimento de que o Perdigão havia retirado do Arquivo cheques em branco de cadernetas de depósito que preencheu e deu em pagamento de débitos seus, não tendo a necessária cobertura. Esta irregularidade criminosa foi igualmente contada pelo Perdigão. Convidado a defender-se destas acusações, a fim de subtermos a sua defesa à superior apreciação de V. Ex.ª., respondeu que não tinha defesa a apresentar, por serem verdadeiras as acusações. O Sr. Diretor da Fazenda da Colónia, que teve conhecimento da demissão do escriturário Perdigão, procurou-nos para nos pedir a transferência para Bolama do seu filho que é praticante na filial de Santiago, para preenchimento da vaga aberta pela demissão daquele escriturário”.
A história do Sr. Correia versa uma queixa de um arrendatário de um prédio do BNU em Bissau, uma carta endereçada para Lisboa, segundo o gerente de Bissau uma prosa chicaneira e verrinosa, vejamos como contra-argumenta o gerente:
“Bem pior que a crise material e as sérias dificuldades que o comércio atravessa, a que se refere o Sr. Benjamin Correia, é a crise moral que também, como a tantos outros, o afetou.
O Sr. Correia pediu-nos para que lhes baixássemos a renda do prédio que ocupava, como permanentemente fazem, por via de regra, todos os inquilinos, e nós respondemos-lhe com uma evasiva.
Obedecendo ao seu feitio chicaneiro e atrabiliário, bem conhecido de toda a praça, o Sr. Benjamin Correia, ao dirigir-se a V. Ex.ª, não resistiu, embora veladamente, à aleivosiazinha reles e tola ‘pedindo vénia para chamar a atenção especial de V. Exas. para as rendas das casas que antigamente eram 250 escudos e são hoje 150.’
‘Antigamente’ é tão vago que não podemos deixar de precisar a V. Ex.ª. que o facto relatado data do tempo em que ele era o senhorio dessas casas e da que ocupava, pela qual cobrava ao Sr. Dr. Marques Belo 1200 escudos, justamente o dobro da renda que ele estava pagando.
Quanto ao pagamento das rendas que o Sr. Benjamin Correia afirma ter andado sempre em dia, não é bem como diz, o que V. Ex.ª. poderá mandar verificar pelas datas das respetivas cobranças; e mesmo assim o pagamento só se conseguia com a insistência constante e insultando por mais de uma vez, como lhe é peculiar, o nosso cobrador. Mas o Sr. Benjamin Correia já abandonou o prédio, em boa hora”.
Data de 13 de janeiro de 1936 o ofício dirigido ao BNU em Lisboa sobre o protesto do comércio da colónia quanto ao lançamento da contribuição industrial. É um documento altamente crítico:
“Se a governação local se servisse dos moldes usados pelo Governo Central, teria procedido, primeiro que tudo, a um inquérito aos vencimentos, rendimentos ou lucros de todos os que se pretendia tributar, e depois de averiguar as possibilidades ou capacidade de cada profissão, tributar-se-ia mas com conhecimento de causa.
Entendeu-se o contrário, legislou-se sem se ouvir ninguém, com o simples fundamento de que noutras colónias também se pagava contribuição industrial, organizando-se um quadro publicado no preâmbulo do diploma que nada diz porque foi elaborado em relação à contribuição industrial das outras colónias, em vez de o ser em relação a todos os impostos e por habitante.
Reuniu-se o Conselho do Governo e os vogais não oficiais rejeitaram, na generalidade, a proposta do diploma que criava a contribuição industrial direta, ficando assim empatada a votação; convocado de novo o Conselho, seguiu-se a discussão na especialidade, com o mesmo resultado, usando então o Sr. Governador o seu voto de qualidade.
A discussão, tanto na generalidade como na especialidade, decorreu com muita falta de elevação por parte dos vogais oficiais, a quem cegou a subserviência, confundida com o desconhecimento completo do estado da economia privada da colónia”.
É um documento de grande minúcia, refere quem esteve nas reuniões, como argumentou, os protestos dos estabelecimentos comerciais com as portas encerradas, a manifestação dos empresários que se dirigiam às lojas estrangeiras pedindo-lhes que fechassem, tal como aconteceu. Tratou-se, segundo o relator, de um movimento de protesto ordeiro e pacífico. Importa não esquecer que Carvalho Viegas em nada era estimado pelo BNU, há correspondência para a Sede em que o governador é denunciado como criatura reles e imoral, noutro apartado descreve-se o que o gerente reporta sobre certos comportamentos de Carvalho Viegas, tratado como um dissoluto, arranjista e fazedor de empregos, rodeado por gente subserviente e tacanha.
Daí a prosa deste documento o caricaturar, como se pode ver a propósito destas manifestações e a reacção do governador:
“Entretanto, em 2 de janeiro, à noite, chegava de Bolama um oficial da polícia, muito conhecido pela sua dedicação ao Governo, mas um tanto disparatado na maneira de exteriorizar.
Logo ao desembarcar se precipitou declarando comunista o movimento de protesto do comércio. Foi recebido à gargalhada e isso irritou-o; toda a gente se ria do seu espalhafato, da forma como, em grandes gestos, dava instruções às patrulhas. Com as suas atitudes, esse oficial, além de bom defensor da ordem e elemento seguro da situação nacional, tinha o aspecto de ser o único elemento de desordem, porque toda a população da cidade, mas absolutamente toda, estava na tranquilidade mais perfeita que se possa imaginar.
Quando o barco que conduzia os componentes da comissão de protesto se aproximava do canal de Bolama, surgiu-lhes pela proa um gasolina da Delegação Marítima daquela cidade tripulado por soldados de baioneta calada, comandamos pelo tenente-maquinista das Oficinas Navais, que, disparando para o ar, os intimou a parar. Chegados à fala, aquele oficial-maquinista intimou-os a regressar a Bissau, informando-os de que não tentassem desobedecer porque o Sr. Governador os não receberia e não responderia pelas suas vidas, visto que a polícia tinha ordem para matar quem desembarcasse em Bolama!”.
E o gerente, que assina sempre “O Gerente Geral da Guiné”, na sua prosa acerada, conta os demais episódios desta ópera bufa, tudo acabou bem, o comércio reabriu no dia 6 de manhã, a Associação Comercial de Bissau constituiu um advogado, o protesto dos comerciantes prosseguia a sua marcha.
(Continua)
Notas do editor:
Poste anterior de 31 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18967: Notas de leitura (1096): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (49) (Mário Beja Santos)
Último poste da série 3 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18977: Notas de leitura (1097): Relendo uma obra soberba - "Vindimas no Capim", por José Brás; Publicações Europa-América (1) (Mário Beja Santos)
Se os portos da Guiné fossem regularmente representados por vapores dessa Companhia, era natural que devido a esse movimento se tirasse compensação material da representação; mas como assim não sucede e pode acontecer que o vapor chegue aos portos da Guiné em época em que o aluguer de lanchas seja dificílimo e caríssimo, como sucede durante a campanha da mancarra, os lucros auferidos com a representação seriam absorvidos por essas despesas extraordinárias. Assim, a representação só poderá convir desde que tais despesas sejam suportadas pela Companhia, pois, de contrário, as agências da Guiné teriam acréscimo de trabalho sem compensação”.
Nesse ano de 1933, o BNU abrira uma linha de crédito à Casa Gouveia de 9 mil contos, a empresa dizia não fazer transações bancárias e transferências para a metrópole, alegava que comprava por vezes produtos coloniais com a condição do seu contravalor ser pago em Lisboa. A Direção dos Serviços de Fazenda da Colónia da Guiné dizia que não era verdade, citando que a agência do BNU em Bissau já informara Lisboa que a Casa Gouveia continuava a fazer transferências para a metrópole ao contrário do que a lei dispunha. Este seria mais um dos litígios entre o BNU e a Casa Gouveia, o folhetim será enorme.
E vejamos agora as falcatruas do Sr. Perdigão.
António Esteves, em Bolama, escreve em 8 de agosto de 1935 para o gerente do BNU na mesma cidade:
“Venho trazer ao conhecimento de V. Ex.ª. que o Sr. Francisco Marques Perdigão, funcionário desse Banco, há tempos se acercou de mim prometendo-me uma transferência de mil escudos a favor de João Lopes sobre a Praça de Lisboa, e devido à grande dificuldade de transferências, eu na boa-fé e porque o Sr. Perdigão me merecia toda a confiança, entreguei-lhe a dita importância a fim de se proceder à dita operação.
Passou porém bastante tempo até que um dia o Sr. Perdigão me entregou um cheque em nome de João Lopes e que tornou a levar consigo visto que o nome do beneficiário vinha errado.
Constando-me agora que o Sr. Perdigão é useiro e vezeiro em toda a espécie de falcatruas, concluí que o cheque que me apresentou era falso, e como até agora mais nada me disse sobre o assunto, eu venho à presença de V. Ex.ª. pedir-lhe todas as providências que esta complicada história merece”.
Bissau, acerca deste assunto, escreve para Lisboa em 12 de agosto, informando que fora demitido como falsificador Francisco Perdigão e pedia-se a transferência com a maior urgência do filho do Sr. Diretor da Fazenda da Colónia daquele escritório, praticante do BNU em Santiago. O gerente de Bissau fora a Bolama e confirmava a falsificação do cheque. “O Perdigão disse ser verdadeira a acusação que lhe era feita, declarando que as assinaturas do cheque foram por ele falsificadas. Tivemos ainda conhecimento de que o Perdigão havia retirado do Arquivo cheques em branco de cadernetas de depósito que preencheu e deu em pagamento de débitos seus, não tendo a necessária cobertura. Esta irregularidade criminosa foi igualmente contada pelo Perdigão. Convidado a defender-se destas acusações, a fim de subtermos a sua defesa à superior apreciação de V. Ex.ª., respondeu que não tinha defesa a apresentar, por serem verdadeiras as acusações. O Sr. Diretor da Fazenda da Colónia, que teve conhecimento da demissão do escriturário Perdigão, procurou-nos para nos pedir a transferência para Bolama do seu filho que é praticante na filial de Santiago, para preenchimento da vaga aberta pela demissão daquele escriturário”.
A história do Sr. Correia versa uma queixa de um arrendatário de um prédio do BNU em Bissau, uma carta endereçada para Lisboa, segundo o gerente de Bissau uma prosa chicaneira e verrinosa, vejamos como contra-argumenta o gerente:
“Bem pior que a crise material e as sérias dificuldades que o comércio atravessa, a que se refere o Sr. Benjamin Correia, é a crise moral que também, como a tantos outros, o afetou.
O Sr. Correia pediu-nos para que lhes baixássemos a renda do prédio que ocupava, como permanentemente fazem, por via de regra, todos os inquilinos, e nós respondemos-lhe com uma evasiva.
Obedecendo ao seu feitio chicaneiro e atrabiliário, bem conhecido de toda a praça, o Sr. Benjamin Correia, ao dirigir-se a V. Ex.ª, não resistiu, embora veladamente, à aleivosiazinha reles e tola ‘pedindo vénia para chamar a atenção especial de V. Exas. para as rendas das casas que antigamente eram 250 escudos e são hoje 150.’
‘Antigamente’ é tão vago que não podemos deixar de precisar a V. Ex.ª. que o facto relatado data do tempo em que ele era o senhorio dessas casas e da que ocupava, pela qual cobrava ao Sr. Dr. Marques Belo 1200 escudos, justamente o dobro da renda que ele estava pagando.
Quanto ao pagamento das rendas que o Sr. Benjamin Correia afirma ter andado sempre em dia, não é bem como diz, o que V. Ex.ª. poderá mandar verificar pelas datas das respetivas cobranças; e mesmo assim o pagamento só se conseguia com a insistência constante e insultando por mais de uma vez, como lhe é peculiar, o nosso cobrador. Mas o Sr. Benjamin Correia já abandonou o prédio, em boa hora”.
Data de 13 de janeiro de 1936 o ofício dirigido ao BNU em Lisboa sobre o protesto do comércio da colónia quanto ao lançamento da contribuição industrial. É um documento altamente crítico:
“Se a governação local se servisse dos moldes usados pelo Governo Central, teria procedido, primeiro que tudo, a um inquérito aos vencimentos, rendimentos ou lucros de todos os que se pretendia tributar, e depois de averiguar as possibilidades ou capacidade de cada profissão, tributar-se-ia mas com conhecimento de causa.
Entendeu-se o contrário, legislou-se sem se ouvir ninguém, com o simples fundamento de que noutras colónias também se pagava contribuição industrial, organizando-se um quadro publicado no preâmbulo do diploma que nada diz porque foi elaborado em relação à contribuição industrial das outras colónias, em vez de o ser em relação a todos os impostos e por habitante.
Reuniu-se o Conselho do Governo e os vogais não oficiais rejeitaram, na generalidade, a proposta do diploma que criava a contribuição industrial direta, ficando assim empatada a votação; convocado de novo o Conselho, seguiu-se a discussão na especialidade, com o mesmo resultado, usando então o Sr. Governador o seu voto de qualidade.
A discussão, tanto na generalidade como na especialidade, decorreu com muita falta de elevação por parte dos vogais oficiais, a quem cegou a subserviência, confundida com o desconhecimento completo do estado da economia privada da colónia”.
É um documento de grande minúcia, refere quem esteve nas reuniões, como argumentou, os protestos dos estabelecimentos comerciais com as portas encerradas, a manifestação dos empresários que se dirigiam às lojas estrangeiras pedindo-lhes que fechassem, tal como aconteceu. Tratou-se, segundo o relator, de um movimento de protesto ordeiro e pacífico. Importa não esquecer que Carvalho Viegas em nada era estimado pelo BNU, há correspondência para a Sede em que o governador é denunciado como criatura reles e imoral, noutro apartado descreve-se o que o gerente reporta sobre certos comportamentos de Carvalho Viegas, tratado como um dissoluto, arranjista e fazedor de empregos, rodeado por gente subserviente e tacanha.
Daí a prosa deste documento o caricaturar, como se pode ver a propósito destas manifestações e a reacção do governador:
“Entretanto, em 2 de janeiro, à noite, chegava de Bolama um oficial da polícia, muito conhecido pela sua dedicação ao Governo, mas um tanto disparatado na maneira de exteriorizar.
Logo ao desembarcar se precipitou declarando comunista o movimento de protesto do comércio. Foi recebido à gargalhada e isso irritou-o; toda a gente se ria do seu espalhafato, da forma como, em grandes gestos, dava instruções às patrulhas. Com as suas atitudes, esse oficial, além de bom defensor da ordem e elemento seguro da situação nacional, tinha o aspecto de ser o único elemento de desordem, porque toda a população da cidade, mas absolutamente toda, estava na tranquilidade mais perfeita que se possa imaginar.
Quando o barco que conduzia os componentes da comissão de protesto se aproximava do canal de Bolama, surgiu-lhes pela proa um gasolina da Delegação Marítima daquela cidade tripulado por soldados de baioneta calada, comandamos pelo tenente-maquinista das Oficinas Navais, que, disparando para o ar, os intimou a parar. Chegados à fala, aquele oficial-maquinista intimou-os a regressar a Bissau, informando-os de que não tentassem desobedecer porque o Sr. Governador os não receberia e não responderia pelas suas vidas, visto que a polícia tinha ordem para matar quem desembarcasse em Bolama!”.
E o gerente, que assina sempre “O Gerente Geral da Guiné”, na sua prosa acerada, conta os demais episódios desta ópera bufa, tudo acabou bem, o comércio reabriu no dia 6 de manhã, a Associação Comercial de Bissau constituiu um advogado, o protesto dos comerciantes prosseguia a sua marcha.
(Continua)
Mulher Felupe
Imagem retirada do “Anuário da Guiné Portuguesa”, 1948.
Mulher Futa-Fula
Imagem retirada do “Anuário da Guiné Portuguesa”, 1948.
____________Notas do editor:
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Último poste da série 3 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18977: Notas de leitura (1097): Relendo uma obra soberba - "Vindimas no Capim", por José Brás; Publicações Europa-América (1) (Mário Beja Santos)
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