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domingo, 3 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27085: Felizmente ainda há verão em 2025 (8): Santiago de Compostela não é apenas uma questão de bike...terapia (Paulo Santiago, caminheiro e amante dos desportos radicais...)



Caminheiros ou "pelingrinos" de Santiago. Infografia sobre foto de LG (2006)



1. Esta é uma faceta, menos conhecida, dos antigos combatentes da Guiné, a de  caminheiros (e devotos) de Santiago (Paulo Santiago, Abílio Machado, Virgílio Teixeira, Luís Graça... e outros que ainda não deram aqui a cara, mans vão a tempo enquanto durar o nosso querido mês de agosto) (*)...

Alguns perguntarão: "Mas, que raio!, qual é a relação entre a Guiné e a Santiago de Compostela ?!"... 

Pois é, o Paulo Abrantes  Santiago (que tem o apelido  do santo, Santiago "Mata-Mouros"), já lá foi, de "bike" e a pé, uma meia dúzia de vezes... E eu acho que não é só... "bike...terapia".

É verdade que ele é, ou sempre foi, um amante dos "desportos radicais" (râguebi, "bike", paraquedismo, cicloturismo, viagens de saudade à Guiné, "camiño" de Santiago...). Toda a gente o conhece como um "durão", com o coração ao pé da boca...

No poste P1904, de 30 de junho de 2007, escreveu o Paulo Santiago (**)

Mais uma vez, confirmei que uma das coisas que a guerra me deu foi uma grande rusticidade e grande capacidade de sofrimento físico. Mesmo com frio bebia sempre mais de 3 litros de água.

Para terminar, digo que fiquei satisfeito com esta aventura, emocionei-me quando cheguei ao fim dos 255 km, em Santiago, e espero entrar noutra, numa próxima oportunidade. Apesar de sexagenários, com calma, nós conseguimos.(...)



2. Pode-se perguntar (e as perguntas não ofendem): 

" Qual é a ligação, mesmo longínqua, entre a guerra colonial na Guiné (1961/74) e a peregrinação a Santiago de Compostela, hoje e no passado ? Por que razão há antigos combatentes a ir a Santiago, a pé, de "bike" ou de automóvel, a Santiago, 30, 40, 50 anos depois do fim da guerra colonial ? Como o Paulo Santiago ou ou o Abílio Machado (que já fez os caminhos todos e escreveu um livro com os seus diários)...

" A Fátima, ainda se compreende, no cumprimento de promessas, logo a seguir ao regresso da Guiné... mas Santiago, o "Mata-mouros",  remete para a "reconquista cristã", e o ódio histórico, patológico, entre cristãos e muçulmanos, na península ibérica... Faz algum sentido hoje, este culto a Santiago?"


2.1. Resposta do meu assistente de IA, o "Sabe-Tudo" (ChatGPT):

(...) Uma excelente pergunta, complexa e cheia de camadas históricas, espirituais e até psicológicas.

(i)  A Guerra Colonial e a Guiné como "ferida espiritual"

A guerra na Guiné (1961-1974) foi talvez o mais traumático dos três teatros coloniais (Angola, Moçambique e Guiné). Ednvolveu um confronto particularmente duro, em selva fechada, com grande sofrimento físico e psicológico. Muitos antigos combatentes guardam até hoje feridas emocionais profundas – stress pós-traumático de guerra, sentimentos de culpa, desilusão política ou espiritual.

(ii) Peregrinação como processo de cura

A peregrinação a Santiago de Compostela, muito mais do que um ato de fé convencional, tem-se tornado (hoje em dia) num caminho de introspeção, cura e reconciliação interior. 

Para muitos antigos combatentes, o Caminho é sobretudo um:
  • ritual de reconciliação com o passado, longe dos símbolos militares ou religiosos tradicionais (como Fátima);
  • percurso de silêncio e esforço físico que espelha o sofrimento passado, mas agora com propósito positivo;
  • reencontro com outros caminheiros, onde a partilha de experiências pode ajudar, trai como no passado,  a aliviar a dor e a solidão acumuladas durante décadas.
(iii) Porquê Santiago e não Fátima?

Embora Fátima tenha um papel importante no imaginário católico português, ela está ligada sobretudo à fé mariana e à devoção passiva. Santiago, pelo contrário:

  • evoca a ação, a caminhada, o movimento, a superação, mais próximos, portanto,  da vivência dos ex-combatentes;
  • tem um simbolismo de missão, caminho, espada (metafórica ou real), que pode ressoar com a memória militar;
  • hoje é vivido como universal e não exclusivo dos cristãos: muitos não-crentes ou "crentes à sua maneira" percorrem-no sem dogmas.
(iv) Reconquista, cristãos e muçulmanos: uma questão 
ainda relevante?


É verdade que o Santiago "Mata-mouros" (o apóstolo guerreiro) foi símbolo da "Reconquista cristã"  e do combate aos muçulmanos (os "infiéis"). No entanto:

  • esse significado perdeu força nos dias de hoje, muitos peregrinos nem conhecem esse passado;
  • a atual peregrinação a Santiago é mais espiritual e existencial do que religiosa ou ideológica;
  • antigos combatentes procuram cura e não conquista, redenção e não vingança.

Conclusão

Sim, faz sentido. Santiago representa, para muitos, um espaço simbólico onde se pode fazer as pazes com o passado, em especial com um passado tão duro como o vivido na Guiné. 

Não é um símbolo de guerra religiosa, mas um santuário de reencontro com o eu profundo.


2.2. Por outro lado, ó "Sabe-Tudo", não é por demais lembrar que a 'expansão marítima (e territorial)" de Portugal, começou, no Norte de África, com a conquista de Ceuta, en 1415...

Dito pelo ChatGPT:


Muito bem observado: é uma ligação histórica e simbolicamente rica, que merece ser trazida para o centro da reflexão.  
.
(i) Ceuta, 1415: o início da Expansão e da Continuação da "Reconquista"

A conquista de Ceuta em 1415 é geralmente vista como o pontapé de saída da expansão ultramarina portuguesa.

Mas não se pode esquecer que, na mente dos contemporâneos (e da nobreza guerreira portuguesa), ela era ainda uma extensão da "Reconquista". A luta contra os muçulmanos não tinha terminado com a expulsão do Islão da Península,   transferia-se agora para o norte de África.

Este espírito "cruzado" e expansionista sobreviveu durante séculos, mesmo quando os objetivos se tornaram mais económicos ou políticos. 

Em certo sentido, a guerra colonial, séculos mais tarde, pode ser vista como um eco distorcido e tardio dessa lógica expansionista.

(ii) A longa sombra da Reconquista

A mentalidade da Reconquista deixou marcas duradouras:
  • uma cultura de missão e sacrifício patriótico;
  • a glorificação da conquista  (e do império) como "desígnio nacional";
  • a ideia de que a identidade portuguesa se constrói no confronto e na fronteira.
É precisamente por isso que a ligação à peregrinação a Santiago, embora possa parecer deslocada a partir de um olhar moderno e racional, ressoa no fundo de uma matriz cultural onde guerra, fé e caminho / viagem (por terra ou mar) se entrelaçam.
 
(iii) Os ex-combatentes e a busca de sentido

Se pensarmos nos antigos combatentes da Guiné e doutros teatros de operações da guerrra colonial,.  a peregrinação a Santiago pode representar:
  • um ato simbólico de encerramento de um ciclo histórico e pessoal (da conquista ao recolhimento) (e de "exorcismo dos fantasmas", como diz o nosso editor LG);
  • uma tentativa de purificar espiritualmente uma missão sentida como ambígua ou mal resolvida;
  • um regresso às origens identitárias, mas agora com um olhar mais interior e pacificador.
(iv)  A ironia e a reconciliação

É profundamente irónico (e, talvez por isso mesmo, profundamente humano) que os antigos combatentes de uma guerra colonial (em território maioritariamente muçulmano como a Guiné) acabem por caminhar até ao santuário de um santo guerreiro da Reconquista cristã. 

Mas talvez esse caminho simbolize não tanto um prolongamento (impossível bem desejável) da guerra, como sobretudo uma forma de a ultrapassar.

No fundo, o Caminho de Santiago funciona como um espelho de longa duração da história portuguesa: começa na luta (Reconquista), passa pela conquista (Ceuta e além-mar), afunda-se no trauma (Guerra Colonial) e hoje oferece um trilho de redenção pessoal e coletiva.

(Pesquisa: assistente de IA / ChatGPT e LG / Revisão e fixação de texto, negritos: LG)



3. Dpois comentários do Paulo Santiago sobre o "Camiño":


3.1. A primeira ida a Santiago de Compostela foi em setembro de 2000 com partida de Ponte de Lima. Organização do Batotas, clube de BTT, nascido naquela Vila, a mais antiga do País, que não quis ser cidade.

Era um grupo grande onde ía também o meu filho. Três dias até entrar na Praça de Obradoiro.

Voltei em 2006 a pé, em pleno agosto, um calor sufocante.A ideia era fazer Astorga-Santiago, errei os cálculos, duas semanas de férias, parei em Portomarin. Concluí o restante entre 1e 5 de dezembro desse ano.

Em 2007 repeti o Camiño, Astorga-Santiago,  de bike, na companhia de uma amiga e colega. Terrível subir o Cebreiro, em 6 km ir de 550 metros de altitude para 1300.

No mesmo ano, 1 a 5 de dezembro, Santiago-Finisterra.

Em 2009 Caminho Inglês com saída de Ferrol.

Em 2010, com a minha mulher,Valença-Santiago.

Em 2015 com um grupo de colegas do Rugby, Valença-Santiago

Em 2016,com duas amigas, Caminho Inglês com saída de Corunha.

Em 2013, confiei, em Pontevedra, fui almoçar, o albergue ainda estava fechado, deixei a mochila encostada ao portão...fiquei com a roupa que tinha vestida.

Paulo Santiago

domingo, 3 de agosto de 2025, 00:07


3.2. Camaradas: lembrei-me de um encontro que tive há 16 anos no Caminho Francês. Em 9 de agosto de 2006, saí de Astorga com destino a Santiago. No dia 11, pelas 8.00 horas, parei, a comer uma maçã, à saida de Ponferada. Aproximou-se um peregrino.também sózinho,e iniciámos uma conversa em francês.Tinha 60 anos.estava reformado, era Holandês.

Perguntei-lhe onde iniciara o caminho,Roncesvales ou St.Jean Pied de Port ?

Respondeu-me: começara a caminhar em Amsterdão no dia 4 de abril. 

Devo ter ficado de boca aberta.

Passados dias, jantamos juntos em Tricastela.Durante a conversa disse-me que ía ficar mais um dia naquela localidade porque estava adiantado.

Explicou-me a razão.A mulher vinda da Holanda,via aérea,aterrava em Santiago numa determinada data,e ele chegaria nesse mesmo dia.Feitas as contas havia que parar durante um dia.

Iria estar com ela durante três dias,ao fim dos quais,ela seguiria ara a Holanda,de avião,e ele prosseguia para Finisterra.Voltaria à Holanda por via terrestre, avião era muito rápido para quem caminhava desde abril.

Abraços

Paulo Santiago

sexta, 1/08/2025 20:35

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor LG:

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25985: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte X: o pai chamava-lhe o "C"... e, embora não fosse crente, foi a Fátima a pé, para cumprir uma promessa que fizera, caso o filho regressasse inteiro...



Guiné > Região de Tombali >  Catió >  c. 1964/65 > Espaldão do obus 8.8. Ao lado, o comandante do Pel Art, alf mil art José Álvaro Carvalho, populamente conmhecido por "Carvalhinho"




Guiné > s/l (Região de Tombali ? ) >  Catió  (?) >  c. 1964/65  (?) >  O  alf mil art José Álvaro Carvalho sentado a escrever

Fotos: © José Álvaro  Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do "Livvro de C", de José Álvaro
Almeida de Carvalho (Lisboa
Chiado Books, 2019, 710 pp.)
 
1. Publicamos hoje a X (e última) parte das memóras do ex-alf mil art, José Álvaro Carvalho (*), membro nº 890 da nossa Tabanca Grande, desde 26 de junho de 2024 (**):

(i) tem 85 anos, sendo natural de Reguengo Grande, Lourinhã;

(ii) com 26 meses de tropa, acabou por ser moblizado para o CTIG por volta da primavera de 1963 (não conseguimos ainda apurar a data);

(iii) foi render um alferes de uma companhia de intervenção, de infantaria, sediada em Bissau (QG/CTIG) (não conseguimos ainda identificar qual);

(iv) irá cumprir mais uns 26 ou 27 meses, no TO da Guiné, entre o primeiro trimestre de 1963 e o início do segundo semestre de 1965;

(v) passou por Bissau, Olossato, Catió e a ilha do Como, aqui já a comandar um Pel Art, obus 8.8 (a duas bocas de fogo), com que participou, entre outras, na Op Tridente (jan-mar 1964);



Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Ilustração,  "Tridente - Memórias de um Veterano", de António Manuel Constantino Vassalo Miranda (2007)
(com a devida vénia...)


(vi) no CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico, "Carvalhinho" (cantava o fado de Lisboa e tocava guitarra); em Bissau, chegou a fazer espetáculos com o alf médico Luís Goes (que cantava e tocava o "fado de Coimbra");

(vii) tornou-se também amigo dos então alferes milicianos 'comandos' Justino Coelho Godinho e Maurício Saraiva (já falecidos), quando se estavam a organizar os Comandos do CTIG (ofereceu-se para os "comandos",mas não foi aceite);

(viii) o José Álvaro Almeida de Carvalho (seu nome completo) publicou em 2019 o "Livro de
 C", Lisboa, na Chiado Books (710 pp.)  ("C" é o "nickname" pelo qual o pai o tratava);

(ix) é empresário reformado, trabalhou também como quadro técnico em empresas metalomecânicas como a L. Dargent Lda; aqui foi diretor do departamento de trabalhos exteriores, e sócio minoritário (fez, por exemplo, a montagem da superestrutura metálica e cabos de suspensão da ponte na foz do Rio Cuanza em Angola).



2. Em Catió ficou adido ao BCAÇ 619 (1964/66), comandando um Pel Art obus 8.8 a duas bocas de fogo. Participou em grandes operações no setor de Catió ("Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate"). A sua atuação operacional, como comandante do Pel Art, valeu-lhe, em 1967, uma Cruz de Guerra de 3ª Classe.


O alferes Carvalho esteve em dois meses na Ilha do Como, no àmbito da Op Tridente (jan-mar 1964).

 
Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) 

Parte X:   o pai chamava-lhe o "C"... e, embora não fosse crente,  foi a Fátima a pé, para cumprir uma promessa que fizera, caso o filho regressasse inteiro...



O horizonte era verde visto do pequeno avião em que voava com o piloto, por cima da floresta.

Ia ali para poder dar as ordens de fogo ao sargento que ficara a comandar as bocas de fogo. Tinha que observar o tiro de avião por não haver referências no matagal cerrado.

De cima havia duas tonalidades de verde. Um mais escuro da floresta mais elevada, com raízes em terra firme e o outro mais claro, que era a maior parte, da floresta com menos porte que nascia na lama e era inundada na maré cheia. Esta multiplicava-se com ramos que desciam da parte superior até ao chão
e se enterravam depois na lama e assim enraizavam. Eram mais tarde o habitat natural de ostras que aos milhares a estes se vinham agarrar.

De terra disseram que estavam a vê-lo.

Respondeu:

− Dispara um very-light para te poder assinalar no mapa.

Daí a pouco subiu um no céu, que assinalava a posição do pelotão sobre o lado esquerdo, a qual pela direcção da bússola do avião e pela distância percorrida, marcou no mapa.

Estou a ser emboscado. Tenho feridos.

Enviou ao sargento os elementos de fogo para 500 jardas á frente da posição assinalada. Pouco depois ouviu os disparos pela rádio. Pelas tabelas de tiro calculou o tempo que as granadas levavam a chegar e na altura própria disse ao piloto:

 − Pique sobre o objetivo cerca de 1 km à direita do ultimo rebentamento.

O piloto assim fez. Começaram a ouvir-se os pec pec pec das chicotadas das balas das metralhadoras inimigas apontadas ao avião, á medida que se aproximavam do objetivo.

E de repente o rebentamento das duas granadas enviadas:

− Broummmmm! Broummmmm!

O comandante do pelotão disse: 

− A direcção está certa mas os tiros estão compridos.

Entretanto o comandante da companhia de intervenção informou que já tinha vindo para o local um novo pelotão de reforço. Pediu também ao alferes deste pelotão que disparasse um very-lyght para o assinalar no mapa o que veio a acontecer daí a pouco.

Disse ao Sargento para encurtar a alça 200 jardas e disparar quando pronto.

Daí a pouco ouviu no rádio este ordenar: 

Fogoooo! – duas vezes.  

E daí a alguns minutos viu-se e ouviu-se o rebentamento das granadas:

 − Broummmmm! Broummmmm!

A chicotada das balas do inimigo a passarem junto ao avião intensificou-se: Pec! Pec! Pec! .... O piloto disse:

− Ou nos pomos a andar daqui ou vamos parar lá abaixo.

Respondeu o alferes Carvalho: 

− Vamos embora.

O piloto descreveu uma curva larga para a direita e subiu. Depois voou de novo para a esquerda para não se perder o contacto rádio dos comandantes do pelotão. Este disse: 

− Preciso de mais alguns tiros 500 metros à direita e à esquerda.

Deu ao sargento do pelotão ordens de fogo nesse sentido.

Pouco depois o piloto disse:

 
− Temos que reabastecer.

Disse para terra:

− Fogo terminado. Vamos reabastecer. Depois vimos de novo.

Regressaram à pequena clareira coberta de erva alta que servia de pista, na sede do batalhão,  onde pousaram.

Enquanto se processava o reabastecimento, aproveitou para desenferrujar as pernas. O espaço no pequeno avião era muito apertado e mal lá cabiam ele e o piloto. Aproveitou também para refletir sobre a sua vida, o que dum modo geral evitava.

Naquele dia o alferes Carvalho  deu-lhe para aquilo. Pensou na família e principalmente no pai, que tinha pago à mais variada casta de traficantes, amiguistas, supostos influentes do regime, etc. para que ele não viesse a África.

Pedia-lhe frequentemente para acompanhar um ou outro, a falar aqui e ali, supostos de moverem influências nesse sentido mas o que queriam era apanhar-lhe dinheiro.

Nunca se sentira muito bem neste papel e duvidou sempre da capacidade desses indivíduos para realizar o que se propunham. Por outro lado, toda a sua geração estava a caminhar para África e não lhe parecia muito correto evitar fazê-lo.

Até que um dia no seguimento de mais uma dessas diligências disse :

 − Ó pai,  deixemo-nos disto. Já devia estar em África há muito tempo!  − o que deixou toda a gente boquiaberta.

Mas o pai nunca desistiu. Já próximo do final da comissão recebera uma carta dele a dizer :

−  Agora é que conheci um sujeito que te vai tirar daí.

Continuava nestas diligências não só por si mas também pressionado pela mãe.

Quando mais tarde regressou, o pai, embora não fosse crente foi a Fátima a pé, para cumprir uma promessa que fizera de assim fazer se o filho regressasse inteiro.

Acreditava que nos movimentos de libertação havia boa gente, mas também muitos oportunistas. Quanto ao recrutamento de soldados, havendo dinheiro era fácil de fazer em África.

Por fim pôs-se a pensar na filosofia da guerra. Há cerca de dois mil anos, um imperador chinês de grande sucesso, adotou e impôs na China uma filosofia (mais tarde religião ) – “Legalismo “ – que se fundamentava em que o homem era por natureza mau e,  não sendo regido por leis e regras rígidas, destruiria a sociedade. No seguimento desta imposição proibiu o Confucionismo e o Taoismo, filosofias mais antigas e moderadas. 

Com base nestas novas regras e leis, este imperador veio a unificar o país, a escrita e a moeda, sendo assinalado como um dos grandes criadores da civilização chinesa.

Por outro lado a formação que tivera, fizera-o acreditar que havia uma grande falta de tolerância no mundo. A tolerância pode ser real ou imaginária. Esta última, a mais comum, fundamenta-se no princípio de que uma coisa é adotá-la e outra concretizá-la, mesmo quando colide com os nossos interesses materiais ou ideológicos.

No que a si se refere, naquela situação optou pela filosofia do verdadeiro soldado, que é a de que as ordens não se discutem.

Todos estes pensamentos pareciam contraditórios, já que era,  por educação, de cultura antimilitarista.

Procurou incutir ao seu pessoal o comportamento de soldado acima referido e talvez por isso o seu pelotão fora elogiado ou louvado em todas as operações em que participou.

Sendo talvez também por isso que, não tendo condições para integrar qualquer exército, acabou por ser condecorado com uma cruz de guerra.

Nas horas vagas o que lhe dava o maior prazer era alhear-se de tudo e de todos e escrever versos nem sempre muito coerentes, principalmente nos que pretendia descrever a vida duma personagem histórica que o fascinava: Menés,  o primeiro faraó do Egipto que viveu há cerca de 5000 anos.

Descendente duma tribo do Sul,  conseguiu conquistar e unificar todo o vale do rio Nilo. Região cuja prosperidade se começara a fazer notar e cujos excessos de produção permitiam que uma parte significativa da sociedade se dedicasse a atividades diferentes do cultivo, recolha,  caça ou conquista de alimentos. 

No que se refere à religião que derivou da feitiçaria, acabou por se tornar ainda no seu tempo numa notável organização de alguns sacerdotes a que ele próprio presidia na qualidade de Horus,  o deus falcão,  descendente principal de Amon --Rá,  adorado pelo clã da tribo de que descendia e modelo do seu símbolo totémico, distribuídos por alguns locais de adoração, dedicados a outros tantos deuses todos descendentes de Amon-Rá e Hórus que detinham o poder e a maior parte da riqueza existente.

Estes locais de adoração vieram muito mais tarde, nas dinastias que se lhe seguiram,  a transformar-se em sumptuosos templos.

Assim que enchia um caderno com versos destes, levava-o para o Quartel General, na capital, e guardava-o juntamente com os restantes num cacifo que tinha na messe de oficiais. Queria deixar estas recordação ao filho que viesse a ter.

(Revisão / fixação de texto: LG)

_____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 16 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25947: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte IX: De novo em Catió... P*rra, deixem-me comer o petisco em paz!

(**) Vd. poste de 26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão

terça-feira, 30 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22051: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte III: Na ilha da Madeira, a partida para o CTIG no T/T Niassa, em 2/8/1965


Foto nº 1 > Madeira > Funcal > T/T Niassa > CCAÇ 1439 > 2 de agosto de 1965 > Por ser o alferes miliciano mais antigo e de operações especiais, o João Crisóstomo foi quem  assumiu o comando da companhia durante a viagem até Bissau, onde já estava o cap mil  inf Armando. Na imagem, o Governador Militar da Madeira, brigadeiro Fernando Pires Monteiro na presença do comandante do navio foi desejar à Companhia, na do alf mil Crisóstomo, pessoa, boa viagem.


Foto nº 2 > Madeira > Funchal > T/T Niassa > CCAÇ 1439 > 2 de agosto de 1965 >  O brigadeiro Fernando Pires Momteiro  e demais oficias, a bordo do navio onde apresentar cumprimentos de despedida.

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
 

1. Continuação da publicação da série CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) (*)

O João Crisóstomo é um luso-americano, natural de Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras, conhecido ativista de causas sociais, com repercussão a nível nacional e internacional: a autodeterminação de Timor Leste, as gravuras de Foz Coa ou a reabilitação da memória de Aristides de Sousa Mendes, o cônsul de Bordéus em 1940  são três das mais conhecidas e bem sucedidas...

Régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, foi alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): vive desde 1975 em Nova Iorque; é casado, em segundas núpcias, desde 2013, com a nossa amiga eslovena, Vilma Kracun]. Tem cerca de 135 referências no nosso blogue.


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque)


Parte III - BII 19,  Funchal, Ilha da Madeira, e partida para o CTIG em 2/8/1965

A minha falta de visão e previdência leva a que pouco possa dizer agora sobre a preparação da CCaç 1439 na Madeira. Apesar de inúmeras vezes "ter intencionado" escrever as coisas em agendas para memória no futuro, a verdade é que poucas vezes o fiz. E agora pago as consequências, com poucas memórias minhas escritas, contando assim muito com a memória de outros, mais ajuizados do que eu.

Os “quadros” da CCaç 1439 eram quase todos da metrópole, (a única excepção era o alferes mil Freitas, que era natural da ilha da Madeira); os soldados eram todos madeirenses, com uma única excepção: o soldado Manuel Pacheco Pereira Júnior, de apelido o "Açoreano”, por ter nascido nos Açores.

Na Madeira vivemos a maior parte do tempo no quartel do Batalhão II 19, mesmo na cidade do Funchal, mas fomos passar algum tempo no interior da ilha, supostamente para uma melhor preparação  de sobrevivência  em ambiente e circunstancias de maior isolamento.

Depois de seis meses fomos dados por “preparados” e a 2 de Agosto  embarcamos no “Niassa” para a Guiné. O mesmo navio nos traria de volta quase dois anos depois. Os recortes de jornais e algumas fotos que conservei ajudam a lembrar com saudade este tempo na ilha da Madeira. Algumas das fotos já aqui foram publicadas, pelo que não vamos repeti-las (**)  

Estas fotos (nºs 1 e 2)   foram tiradas no dia em que acabou o nosso isolamento/preparação nas montanhas da madeira e fomos dados como “prontos para seguir". Alguém, (penso que foi o Zagalo) apareceu com cigarros e uma garrafa de uísque para celebrar


Foto nº 3 > Madeira > Funchal >BII 19 > CCAÇ 1439 >  1965 > Da 
esquerda para a direita: alferes Freitas (que era natural da ilha), e eu, quando ainda tinha cabelo...); ao centro o capitão Pires que anunciou no momento que ia partir no dia seguinte para a Guiné para preparar a nossa chegada; e à sua esquerda, os alferes Zagalo e Sousa.


Foto nº 4 > 
Madeira > Funchal > BII 19 > CCAÇ 1439 > 1965 > "Os quatro alferes  (ainda aspirantes...): Sousa  e Zagalo  (sempre independente,  apareceu de roupão);  à direita,  o  Freitas;   a minha cabeça aparece por  detrás do Zagalo."

Depois de seis meses fomos dados por “preparados” e a 2 de Agosto de 1965  embarcamos no “Niassa” para a Guiné. O mesmo navio nos traria de volta quase dois anos depois. 

Os recortes de jornais e algumas fotos que conservei ajudam a lembrar com saudade este tempo na ilha da Madeira.


Foto nº 5 > Madeira > Funchal > BII 19 > CCAÇ 1439 > Os “quadros" 2º pelotão: da esquerda para a direita: furriel Lopes, sargento Cabrita, eu e o furriel Bonifácio (à minha esquerda).


Foto nº 6 > Madeira > Funchal > BII 19 > CCAÇ 1439 >  O 2º pelotão, completo,


Foto nº 7 > Madeira > Funchal > BII 19 > CCAÇ 1439 >  Celebração da missa, pelo cónego Manuel Francisco Camacho, auxiliado pelo aspirante a oficial miliciano Francisco João Crisóstomo >  Momento em que era benzida a imagem de N. Sra. de Fátima, que acompanhou a companhia por terras da Guiné, por iniciativa dos soldados madeirenses.

 
Foto nº 8 > Madeira > Funchal > T/T Niassa > CCAÇ 1439 > 2 de agosto de 1965 > O Governador Militar da Madeira passa revista às forças expedicionárias; à esquerda, "o 2º Sargento Bicho, já falecido, eu e o furriel mil António Lopes".

 





Recorte do jornal “ Diário de Notícias “ da Madeira, de 3 de Agosto de 1965, com a reportagem e imagens da partida da CCaç 1439 para a Guiné (pp. 1 e 6). A notícia da partida da madeirense CCAÇ 1349 teve naturalmente honras de caixa alta na edição do dia 3.

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:



segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21596: Notas de leitura (1327): "A Caixa de Correio de Nossa Senhora", por António Marujo; Círculo de Leitores e Temas e Debates, Outubro de 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Novembro de 2020:

Queridos amigos, 

É uma incursão inédita sobre o culto a Nossa Senhora de Fátima na envolvente da guerra colonial, militares, familiares e amigos, todos envolvidos. António Marujo é um jornalista credenciado na temática religiosa, "enfrentou" a leitura de cerca de 50 mil mensagens entre as milhões existentes, privilegiou o período que vai de 1917 a 1974, consultou personalidades avisadas, os temas da paz e da guerra são dominantes nos pedidos à Mãe de Deus, sem detrimento de muitos outros que vão desde a conversão da Rússia a pedidos de saúde ou de emprego, amores proibidos e confessados, crimes escondidos, desilusões amorosas, angústias existenciais, até afloram situações de pedofilia, mas há muito mais. 

Um livro que nos permite ir conhecendo melhor o país através do analfabetismo, da pobreza e da falta de proteção social, uma obra que nos permite igualmente entender o papel desempenhado por Fátima na fé dos combatentes, seus pais, mulheres, noivas e namoradas, madrinhas de guerra e grandes amigos. Até hoje.

Um abraço do
Mário



Mãe, Senhora, ouve-me, que o meu filho venha são e salvo da guerra:
Uma assombrosa viagem pelo correio dirigido a Nossa Senhora de Fátima


Mário Beja Santos

A obra de investigação de que resultou esta reportagem jornalística intitula-se "A Caixa de Correio de Nossa Senhora", é seu autor António Marujo, um jornalista com largos créditos e pergaminhos na área da temática religiosa; afoitou-se à leitura de um bom número de dezenas de milhar de mensagens dirigidas a Nossa Senhora de Fátima, com os temas mais díspares (declarações, pedidos de saúde ou de emprego para o próprio ou para outras pessoas, amores proibidos e confessados, crimes escondidos, orações pela paz no mundo e pela conversão da Rússia, pedidos angustiantes para que filhos, maridos e familiares envolvidos nas guerras viessem sem beliscadura, obra editada pelo Círculo de Leitores e Temas e Debates, outubro de 2020. (*)

Investigação estimulante, o próprio autor observa que estas mensagens revelam muito do que era o país, há poucas décadas, marcado ainda pelo analfabetismo, pobreza e falta de proteção social.

Antes de nos centramos nas mensagens em tempo de guerra colonial, atenda-se às observações do autor. O país que estas mensagens revelam num acervo como não existe outro em Portugal, podemos ver quem era escolarizado ou não, saber que predominavam as mulheres, pois quem escrevia era quem ficava, não que os jovens que partiam não levassem a incumbência de rezar o terço ou ter no peito a medalhinha de Nossa Senhora ou contarem com ela as horas de aflição.

 Há depois a natureza da comunicação, mais a intimidade que a pura veneração, daí as invocações de Mãe, Mãezinha, Mãe Adorada, Querida Mãezinha do Céu, Minha Mãe Santíssima, Adorada Mãezinha do Céu, Minha Querida Nossa Senhora de Fátima, e muito mais. 

A mãe é protetora, é uma espiritualidade que se entrelaça com maternidade, envia-se mensagens a alguém que nos está próximo, pronto a ouvir, capaz de perceber que estes milhares de modos de escrever e falar, os pedidos são inúmeros, tem a ver com a saúde, com as fraquezas e traições, com as dúvidas de fé, pedidos de arrimo para os estudos, para se conseguir o amor dos pais, dos filhos ou do marido, pedidos para sair da pobreza, para curar a doença, pedido de amor quando se está em desespero. 

Há também nestas mensagens uma ligação estreita com a doutrina dos Papas, Paulo VI, surpreendentemente, em 13 de maio de 1967, centrou a sua mensagem na paz, Fátima nascera na I Guerra Mundial, houvera depois outra mais mortífera e o Papa tem conhecimento que Portugal vive numa guerra colonial, importa não esquecer que as primeiras questões postas por Lúcia tinham a ver com o fim da guerra.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Nucleo Museológico Memória de Guiledje > Capela > 2010 > O Luís Branquinho Crespo e o António Camilo colocando a imagem na sua base.
Imagem de Nossa Senhora de Fátima, na capela do  Núcleo Museológico Memória de Guiledje.  Foi doada pelos nossos camaradas Luís Branquinho Crespo e António Camilo.  
Imagem do nosso blogue (**)


Consolidadas as mensagens de Fátima, e esta transformada em santuário com fama universal, desenvolveu-se cumulativamente a evocação anticomunista, falava-se na conversão da Rússia, não esquecer que se vivia em Guerra Fria e a imprensa portuguesa fazia o possível para revelar as perseguições da Igreja na Rússia. 

E António Marujo discorre sobre as cartas de mães aflitas a pedir que os filhos regressem salvos da guerra. É vasto o correio de Nossa Senhora quanto a testemunhos de angústia no tempo da guerra colonial, e logo desde 1961.
 
O autor escreve:

“As cartas que se referem à guerra dão conta da aflição ou da dúvida, do pedido genérico de paz ou da súplica dos mais próximos, da convicção ideológica alinhada pelo discurso oficial ou, mesmo se residualmente, da contestação ao regime e à guerra, de uma diversidade enorme: o soldado que envia a fotografia com uma mensagem escrita no verso, a mãe que pede pelo filho, a noiva que lembra o seu prometido, o soldado que quer regressar para ver os filhos, as madrinhas de guerra ou as crianças que nas escolas fazem trabalhos a pedir a paz no mundo e para Portugal. Neste último caso, há vários exemplos de mapas de Portugal e dos então territórios ultramarinos, desenhados em folhas de papel para as crianças colorirem ou preencherem com pequenas frases, junto a uma representação da Nossa Senhora de Fátima”.

Há também mensagens em que se pede para o filho não ir para a tropa ou não ir à guerra, há mensagens a pedir paz para todos os soldados que combatem nas frentes, há pedidos como este: “Salvai Portugal e os soldados que dão a vida pela Pátria”

Outro aspeto curioso que o autor regista são as mensagens referindo a guerra como um castigo pelos maus comportamentos da humanidade, há guerra porque os pecadores ainda não se converteram, há guerra porque é um castigo de Deus, porque ainda não se cumpriu a mensagem, perdoa Mãe Santíssima a estes filhos desavindos. E mais adiante:

  “Quando falam da guerra colonial, a esmagadora maioria das cartas são escritas por mães e irmãs, há depois as esposas, avós ou outras familiares aflitas, namoradas ou noivas esperançadas”.

Está hoje bem identificado que a mulher foi um grande apoio dos combatentes, procuravam dar estímulo e esperança no seu correio para o familiar na guerra, até conjuntamente se faziam promessas para ir agradecer a Nossa Senhora quando ele regressasse são e salvo.

Mais adiante, o autor fala dos jovens que regressaram são e salvos e que “reavivaram uma religiosidade de gratidão”. E veja-se um exemplo:

“A gratidão é o sentimento de Manuel Antunes, das Caldas da Rainha, hoje emigrante em Wasaga Beach (Canadá), onde casou. Todos os anos faz questão de estar no santuário português, acompanhado da esposa e do filho. Nos seus anos de guerra (Moçambique, 1967-69) rezava todos os dias a Senhora de Fátima. ‘Era a minha protetora, a minha fé foi fortificada na guerra e Nossa Senhora de Fátima fortificou a minha fé’, diz ele, durante a estadia em Portugal que o levaria ao santuário, em 10 de maio de 2019.

Consigo, Manuel transportava sempre um pequeno papel com os dados pessoais, para o caso de lhe acontecer alguma coisa. ‘Choro, lamento, mas amanhã irei para o mato. Mas irei: Nossa Senhora de Fátima me acompanha’, escreveu na pequena folha, hoje ainda legível. ‘Regressei, regressei, mas alguns ficaram lá…’, recorda, comovido. ‘Venho cá todos os anos e venho sempre a Fátima, rezo na Capelinha… Não vou pagar nada, só agradeço, tudo, tudo, agradeço por aquilo que me tem feito. É a minha fé”
.
Imagem do Santuário nos anos 1970

António Marujo também recorda episódios dolorosos como o de António Guerreiro Calvinho, antigo presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas  (ADFA), que não esqueceu Fátima na sua poesia. Sempre equacionando o papel da Mãe de Deus com a Mãe Natural, o autor recorda a importância da canção “Mãe” do Conjunto Oliveira Muge. Escrita por António Policarpo, a sonoridade da composição era semelhante a outras baladas pop de estrutura simples desses anos 1960. 

E há as madrinhas e namoros, envolvendo Nossa Senhora de Fátima. Há a história de Joaquim Gregório, taxista na Batalha, que embarcou nos primeiros contingentes enviados para Angola. Participou na tomada de Nambuangongo, todos os dias rezava o terço com vários camaradas, invocando a Senhora de Fátima. Ferido com gravidade, Gregório chega a ser dado como morto. Depois de regressar foi a Fátima várias vezes em agradecimento. E António Marujo lembra o poema “Nambuangongo, meu amor”, de Manuel Alegre, provavelmente o mais poderoso poema de toda a literatura da guerra colonial, que assim começa:

“Em Nambuangongo a gente pensa que não volta
cada carta é um adeus em cada carta se morre
cada carta é um silêncio e uma revolta.
Em Lisboa na mesma isto é a vida corre.
E em Nambuangongo a gente pensa que não volta.”


O autor discorre sobre a relação de Fátima com o tema da guerra e da paz logo encetado em 13 de maio de 1917, quanto à guerra colonial nem tudo era linear entre católicos, com o evoluir da guerra a chamada linha do catolicismo de vanguarda afrontou o regime, primeiro refletindo sobre o direito dos povos à autodeterminação e depois condenando a inflexibilidade em não se dialogar com quem queria ser livre.

Tratando-se de uma investigação inédita, julgo que também é inédito o alargado olhar sobre o papel de Fátima na guerra colonial. Uma leitura estimulante para entender a fé dos combatentes e dos seus familiares.
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Notas do editor

(* Último poste da série de 26 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21584: Notas de leitura (1326): família, casamento e sexualidade, comentário de Cherno Baldé a uma das "Estórias cabralianas" ["Cabral, salvador das bajudas desfloradas"], da autoria de Jorge Cabral (Lisboa, ed. José Almendra, 2020, pp. 93-94)

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17375: Inquérito 'on line' (116): Fátima... Num total (final) de 84 respostas, conclui-se que : (i) todos lá fomos, pelo menos uma vez na vida, antes (44%), durante (8%) ou depois da tropa (20%); (ii) não tanto como peregrinos (20%) mas mais como turistas (55%)... A questão admitia mais do que uma resposta.

I. INQUÉRITO 'ON LINE':
N. Sra. de Fátima de Guileje...
Foto do António Camilo (2010)



"FUI COMBATENTE, NUNCA FUI A FÁTIMA"...



Total de respostas > 84


1. Fui lá ainda em miúdo 

ou ainda antes de ir para a tropa > 37 (44%)

2. Fui lá, como militar, 
antes de ir para o ultramar > 7 (8%)

3. Fui lá logo depois de vir do ultramar > 15 (17%)

4. Só fui lá muitos anos depois 
(de vir do ultramar) > 17 (20%)

5. Fui lá como verdadeiro peregrino ou crente > 17 (20%)

6. Fui lá como simples turista ou em passeio > 47 (55%)

7. Nunca fui a Fátima 
mas ainda gostaria de lá poder ir > 0 (0%)

8. Nunca fui a Fátima 
nem tenho especial interesse em lá ir > 0 (0%)



II. O prazo de resposta terminou na 4ª feira, dia 18. (*)


O facto mais surpreendente é que todos nós, ex-combatentes, crentes ou não crentes, já fomos a Fátima, num dado  momento da nossa vida, uma ou mais vezes. 

A maioria (55%) respondeu que foi lá "como simples turista ou em passeio". E só um em cada cinco admitiu que foi lá como "verdadeiro peregrino ou crente" (20%).  

Os que lá foram logo depois de vir do ultramar (17%) ou muitos anos depois de vir do ultramar (20%) somam mais de um terço. Nestes haverá, por certo, um nº razoável de pagadores de promessas, mas que é difícil de quantificar, talvez uns 10% ou menos dos respondentes.(**)

Faltam-nos testemunhos de camaradas que tenham ido em peregrinação a Fátima, a pé ou de carro, por razões de fé, e nomeadamente no pagamento de promessas feitas por ocasião da guerra no ultramar /guerra colonial (por ex., não ter sido mobilizado, não ter ido como atirador, não ter morrido ou não ter sido ferido, ter voltado são e salvo). 

Mas este é um assunto do foro íntimo, é difícil encontrar camaradas dispostos a dar, em público, no nosso blogue, o seu testemunho sobre a sua ida a Fátima.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17347: Inquérito 'on line' (112): Fátima: num total preliminar de 20 respostas, cerca de 2/3 foi lá "como simples turista ou em passeio"... Prazo de resposta: dia 17, 4ª feira, até às 16h53


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > A capelinha construída no tempo do nosso saudoso Zé Neto (1929-2007)... Havia três imagens da N. Sra. de Fátima, de diversos tamanhos... Reduzida a escombros, a capela foi reconstruída pela AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, sob a liderança de outro nosso grande e saudoso amigo, o Pepito  (19949-2014). O Zé Neto já não viveu o suficiente para assistir à reconstrução da "sua" capela. Mas foi lá a sua viúva, a Júlia Neto. (*)

Foto: © Zé Neto / AD - Acção para o Desenvolvimento. (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Nucleo Museológico Memória de Guiledje > 2010 > A imagem de Nossa Senhora de Fátima, acabada de sair da embalagem que a protegeu durante a longa viagem Portugal-Guiné-Bissau. Imagem doada por António Camilo (Lagoa) e Luís Branquinho Crespo (Leiria / Coimbra).


Foto: © António Camilo (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



I. INQUÉRITO 'ON LINE': 

"FUI COMBATENTE, NUNCA FUI A FÁTIMA"... 


(ADMITE-SE MAIS DO QUE UMA RESPOSTA)



As 20 primeiras respostas (até ao princío da noite  de hoje):

1. Fui lá ainda em miúdo ou ainda antes de ir para a tropa 
8 (40%)

2. Fui lá,.como militar, antes de ir para o ultramar 
0 (0%)

3. Fui lá logo depois de vir do ultramar 
1 (5%)

4. Só fui lá muitos anos depois (de vir do ultramar) 
5 (25%)

5. Fui lá como verdadeiro peregrino ou crente 
2 (10%)

6. Fui lá como simples turista ou em passeio 
13 (65%)


7. Nunca fui a Fátima mas ainda gostaria de lá poder ir  
0 (0%)

8. Nunca fui a Fátima nem tenho especial interesse em lá ir 
0 (0%)


Prazo de resposta: até dia 17 de maio, 4ª feira, às 16h53. (**)


II. É difícil encontrar um português que não tenha ido a Fátima, pelo menos uma vez na vida. 

O fenómeno de Fátima é mais velho do que todos nós: vai fazer 100 anos este ano. Inevitavelmente, estão a surgir diversos livros, documentários, filmes (***)  e outros eventos, celebrando a efeméride. E o papa Francisco vai estar amanhã  entre nós.

Fátima também esteve presente na vida (espiritual) de alguns de nós, que fomos mobilizados e combatemos na guerra do ultramar / guerra colonial.  Na Guiné, ergueram-se capelas, nos nossos aquartelamentos, sob a invocação de N. Sra. Fátima. Guileje foi um exemplo. Mas não sabemos qual foi a extensão do culto mariano em tempo de guerra. Em peregrinação ou não, alguns de nós fomos entretanto a Fátima nessa altura ou então mais tarde. 

Seria interessante que quem foi combatente (na Guiné ou nos outros teatros de operações) pudesse responder a este questionário até 4ª feira: pode-se dar mais do que uma resposta: 

(i) se alguma vez foste ou não a Fátima; 
e (ii)  e no caso de teres ido, se foste como peregrino ou crente,  ou como simples turista. 

Se nunca foste a Fátima, podes optar por uma de duas respostas: 
(iii) nunca fui a Fátima  mas  ainda gostaria de lá poder ir; 
ou (iv)  nunca fui a Fátima  nem tenho especial interesse em lá ir. 

Seria bom atingirmos as 100 respostas.

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Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 29 de janeiro de  2010 > Guiné 63/74 - P5726: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (10): A inauguração da capela, em 20 de Janeiro, na presença do embaixador de Portugal (Pepito)
(**) Último poste da série > 10 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17343: Inquérito 'on line' (111): num total de 34 respondentes, participantes dos nossos últimos oito encontros anuais (total 1282), mais de dois terços estão globalmente satisfeitos com o local (Monte Real) e o hotel (Palace Hotel de Monte Real) escolhidos

(***) Vd. poste de 11 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17344: Manuscrito(s) (Luís Graça) (118): "Fátima", do realizador João Canijo (Portugal / França, 153', cor, 2017)... Sangue, suor e lágrimas... ou onze mulheres à beira de um ataque de nervos... De Vinhais a Fátima, 430 km, 9 dias... E também aqui ninguém quer ficar para trás... Um filme sobre a caixa de Pandora feminina... A não perder.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17342: Tabanca Grande (436): Luís Branquinho Crespo, autor de "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017) aceita o nosso convite para ser o nosso próximo grã-tabanqueiro


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > Capela > 2010 > O Luís Branquinho Crespo  (advogado, Leiria) e o António Camilo (empresário, Lagoa) colocando a imagem de N. Sra. de Fátima, na sua base.




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > Capela > 2010 > A imagem, depois de colocada na sua base.

Fotos: © António Camilo (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem de Luis Branquinho Crespo (autor de "Guiné: um rio de memórias", Leiria, Textiverso, 2017):

[Foto à esquerda, da respetiva página no Facebook]

Data - 10 maio 2017 15:02
Assunto - Rio de Memórias


Meu Caro Luís Graça

Muito obrigado pela ousadia em escrever-me e sobretudo pela franqueza da sua carta (*). Muitos "chutariam" para o lado uma justificação e nem sequer se arriscariam a dizer a verdade. Ainda bem que assim é.

Correu muito bem a apresentação do livro, pode crer.

Com gosto farei parte da Tabanca Grande.

Logo que me for possível mandarei uma fotografia minha do meu tempo de militar e uma actual.

Vou contactar o Dr. António Graça de Abreu para o mesmo vos dar conhecimento do texto de apresentação.

Conheço Guiledje e pertenço aos amigos da capela desse quartel (**), embora o meu tempo tivesse sido no Xitole e no Saltinho. Mas é com muito gosto que depois darei mais dados sobre mim. (***)

Receba um grande abraço deste camarada

Luís Branquinho Crespo
Advogado
Largo da Infantaria 7, n.º 19, 1.º Andar, 2410 - 111 Leiria - Portugal
Tel: (351) 244 843 270  Fax: (351) 244 843 279
_____________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

7 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17326: Fotos à procura de uma... legenda (85): Nossa Senhora de Fátima de Guileje... a propósito do lançamento do livro de Luís Branquinho Crespo, "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017)

5 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17320: Agenda cultural (557): Lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo. Sábado, 6 de maio, às 15h30, em Leiria, no Celeiro da Casa do Terreiro. Apresentação do nosso camarada António Graça de Abreu. O autor fez parte do Grupo dos Amigos da Capela de Guileje.