Guiné > Região de Tombali > Catió > c. 1964/65 > Espaldão do obus 8.8. Ao lado, o comandante do Pel Art, alf mil art José Álvaro Carvalho, populamente conmhecido por "Carvalhinho"
Guiné > s/l (Região de Tombali ? ) > Catió (?) > c. 1964/65 (?) > O alf mil art José Álvaro Carvalho sentado a escrever
Capa do "Livvro de C", de José Álvaro Almeida de Carvalho (Lisboa Chiado Books, 2019, 710 pp.) |
(i) tem 85 anos, sendo natural de Reguengo Grande, Lourinhã;
(ii) com 26 meses de tropa, acabou por ser moblizado para o CTIG por volta da primavera de 1963 (não conseguimos ainda apurar a data);
(iii) foi render um alferes de uma companhia de intervenção, de infantaria, sediada em Bissau (QG/CTIG) (não conseguimos ainda identificar qual);
(iv) irá cumprir mais uns 26 ou 27 meses, no TO da Guiné, entre o primeiro trimestre de 1963 e o início do segundo semestre de 1965;
(v) passou por Bissau, Olossato, Catió e a ilha do Como, aqui já a comandar um Pel Art, obus 8.8 (a duas bocas de fogo), com que participou, entre outras, na Op Tridente (jan-mar 1964);
Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Ilustração, "Tridente - Memórias de um Veterano", de António Manuel Constantino Vassalo Miranda (2007) (com a devida vénia...) |
(vii) tornou-se também amigo dos então alferes milicianos 'comandos' Justino Coelho Godinho e Maurício Saraiva (já falecidos), quando se estavam a organizar os Comandos do CTIG (ofereceu-se para os "comandos",mas não foi aceite);
(ix) é empresário reformado, trabalhou também como quadro técnico em empresas metalomecânicas como a L. Dargent Lda; aqui foi diretor do departamento de trabalhos exteriores, e sócio minoritário (fez, por exemplo, a montagem da superestrutura metálica e cabos de suspensão da ponte na foz do Rio Cuanza em Angola).
2. Em Catió ficou adido ao BCAÇ 619 (1964/66), comandando um Pel Art obus 8.8 a duas bocas de fogo. Participou em grandes operações no setor de Catió ("Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate"). A sua atuação operacional, como comandante do Pel Art, valeu-lhe, em 1967, uma Cruz de Guerra de 3ª Classe.
O alferes Carvalho esteve em dois meses na Ilha do Como, no àmbito da Op Tridente (jan-mar 1964).
O horizonte era verde visto do pequeno avião em que voava com o piloto, por cima da floresta.
Ia ali para poder dar as ordens de fogo ao sargento que ficara a comandar as bocas de fogo. Tinha que observar o tiro de avião por não haver referências no matagal cerrado.
De cima havia duas tonalidades de verde. Um mais escuro da floresta mais elevada, com raízes em terra firme e o outro mais claro, que era a maior parte, da floresta com menos porte que nascia na lama e era inundada na maré cheia. Esta multiplicava-se com ramos que desciam da parte superior até ao chão
e se enterravam depois na lama e assim enraizavam. Eram mais tarde o habitat natural de ostras que aos milhares a estes se vinham agarrar.
De terra disseram que estavam a vê-lo.
Respondeu:
− Dispara um very-light para te poder assinalar no mapa.
Daí a pouco subiu um no céu, que assinalava a posição do pelotão sobre o lado esquerdo, a qual pela direcção da bússola do avião e pela distância percorrida, marcou no mapa.
−Estou a ser emboscado. Tenho feridos.
Enviou ao sargento os elementos de fogo para 500 jardas á frente da posição assinalada. Pouco depois ouviu os disparos pela rádio. Pelas tabelas de tiro calculou o tempo que as granadas levavam a chegar e na altura própria disse ao piloto:
− Pique sobre o objetivo cerca de 1 km à direita do ultimo rebentamento.
O piloto assim fez. Começaram a ouvir-se os pec pec pec das chicotadas das balas das metralhadoras inimigas apontadas ao avião, á medida que se aproximavam do objetivo.
E de repente o rebentamento das duas granadas enviadas:
O comandante do pelotão disse:
− A direcção está certa mas os tiros estão compridos.
Entretanto o comandante da companhia de intervenção informou que já tinha vindo para o local um novo pelotão de reforço. Pediu também ao alferes deste pelotão que disparasse um very-lyght para o assinalar no mapa o que veio a acontecer daí a pouco.
Disse ao Sargento para encurtar a alça 200 jardas e disparar quando pronto.
Daí a pouco ouviu no rádio este ordenar:
A chicotada das balas do inimigo a passarem junto ao avião intensificou-se: Pec! Pec! Pec! .... O piloto disse:
− Ou nos pomos a andar daqui ou vamos parar lá abaixo.
Respondeu o alferes Carvalho:
− Vamos embora.
O piloto descreveu uma curva larga para a direita e subiu. Depois voou de novo para a esquerda para não se perder o contacto rádio dos comandantes do pelotão. Este disse:
− Preciso de mais alguns tiros 500 metros à direita e à esquerda.
Deu ao sargento do pelotão ordens de fogo nesse sentido.
Pouco depois o piloto disse:
− Temos que reabastecer.
Disse para terra:
− Fogo terminado. Vamos reabastecer. Depois vimos de novo.
Regressaram à pequena clareira coberta de erva alta que servia de pista, na sede do batalhão, onde pousaram.
Enquanto se processava o reabastecimento, aproveitou para desenferrujar as pernas. O espaço no pequeno avião era muito apertado e mal lá cabiam ele e o piloto. Aproveitou também para refletir sobre a sua vida, o que dum modo geral evitava.
Naquele dia o alferes Carvalho deu-lhe para aquilo. Pensou na família e principalmente no pai, que tinha pago à mais variada casta de traficantes, amiguistas, supostos influentes do regime, etc. para que ele não viesse a África.
Pedia-lhe frequentemente para acompanhar um ou outro, a falar aqui e ali, supostos de moverem influências nesse sentido mas o que queriam era apanhar-lhe dinheiro.
Nunca se sentira muito bem neste papel e duvidou sempre da capacidade desses indivíduos para realizar o que se propunham. Por outro lado, toda a sua geração estava a caminhar para África e não lhe parecia muito correto evitar fazê-lo.
Até que um dia no seguimento de mais uma dessas diligências disse :
Mas o pai nunca desistiu. Já próximo do final da comissão recebera uma carta dele a dizer :
Continuava nestas diligências não só por si mas também pressionado pela mãe.
Quando mais tarde regressou, o pai, embora não fosse crente foi a Fátima a pé, para cumprir uma promessa que fizera de assim fazer se o filho regressasse inteiro.
Acreditava que nos movimentos de libertação havia boa gente, mas também muitos oportunistas. Quanto ao recrutamento de soldados, havendo dinheiro era fácil de fazer em África.
Por fim pôs-se a pensar na filosofia da guerra. Há cerca de dois mil anos, um imperador chinês de grande sucesso, adotou e impôs na China uma filosofia (mais tarde religião ) – “Legalismo “ – que se fundamentava em que o homem era por natureza mau e, não sendo regido por leis e regras rígidas, destruiria a sociedade. No seguimento desta imposição proibiu o Confucionismo e o Taoismo, filosofias mais antigas e moderadas.
Por outro lado a formação que tivera, fizera-o acreditar que havia uma grande falta de tolerância no mundo. A tolerância pode ser real ou imaginária. Esta última, a mais comum, fundamenta-se no princípio de que uma coisa é adotá-la e outra concretizá-la, mesmo quando colide com os nossos interesses materiais ou ideológicos.
No que a si se refere, naquela situação optou pela filosofia do verdadeiro soldado, que é a de que as ordens não se discutem.
Todos estes pensamentos pareciam contraditórios, já que era, por educação, de cultura antimilitarista.
Procurou incutir ao seu pessoal o comportamento de soldado acima referido e talvez por isso o seu pelotão fora elogiado ou louvado em todas as operações em que participou.
Sendo talvez também por isso que, não tendo condições para integrar qualquer exército, acabou por ser condecorado com uma cruz de guerra.
Nas horas vagas o que lhe dava o maior prazer era alhear-se de tudo e de todos e escrever versos nem sempre muito coerentes, principalmente nos que pretendia descrever a vida duma personagem histórica que o fascinava: Menés, o primeiro faraó do Egipto que viveu há cerca de 5000 anos.
Descendente duma tribo do Sul, conseguiu conquistar e unificar todo o vale do rio Nilo. Região cuja prosperidade se começara a fazer notar e cujos excessos de produção permitiam que uma parte significativa da sociedade se dedicasse a atividades diferentes do cultivo, recolha, caça ou conquista de alimentos.
Estes locais de adoração vieram muito mais tarde, nas dinastias que se lhe seguiram, a transformar-se em sumptuosos templos.
Assim que enchia um caderno com versos destes, levava-o para o Quartel General, na capital, e guardava-o juntamente com os restantes num cacifo que tinha na messe de oficiais. Queria deixar estas recordação ao filho que viesse a ter.
(*) Último poste da série > 16 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25947: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte IX: De novo em Catió... P*rra, deixem-me comer o petisco em paz!
(**) Vd. poste de 26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão