(Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)
Ficha de Unidade
Unidade de Mobilização: BII 19 – Funchal
Cmdt: Cap Mil Inf Amândio Manuel Pires
Partida: Embarque em 10 Agosto 1965 | Desembarque em 06 Agosto 65
Regresso: Embarque em 18 Abril 1967
Síntese da Actividade
Operacional
(i) Após o desembarque, em 6 de agosto de 1965, seguiu imediatamente para Xime, a fim de efectuar o treino operacional com forças da CCav 678 e assumiu a responsabilidade do subsector de Xime em substituição da CCaç 508, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 697, com a missão de intervenção e reserva do sector.
(ii) Em 10 de setembro 65, por troca com a CCav 678, foi deslocada para Bambadinca, onde continuou com a missão de intervenção e reserva do sector e assumiu cumulativamente a responsabilidade do respectivo subsector de Bambadinca;
(iv) Em 9 de outubro de 1965, por troca com a CCaç 556 assumiu a responsabilidade do subsector de Enxalé, com destacamentos em Missirá e Porto Gole, mantendo-se na dependência do BCaç 697 e depois do BCaç 1888.
(vi) Em 8 de abril 1967, foi rendida no subsector de Enxalé, por troca pela CArt 1661 e recolheu seguidamente a Fá Mandinga, onde se manteve temporariamente, como subunidade de reserve do sector.
(vi) Em 17 de abril de 1967 seguiu para Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso.
Observações : Tem História da Unidade (Caixa no 74-2ª Div/4ª.Sec, do AHM - Arquivo Histórico Militar).
Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro I (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014), pp. 349
O que me proponho neste trabalho não pode na verdade ser considerado uma “história" da CCAÇ 1439.
Passados cinquenta e cinco anos do nosso regresso da
Guiné, isso é tarefa quase impossível. Durante muito tempo tentei propositadamente "esquecer” e não quis saber mais desse tempo que estive na Guiné. O ter decidido "tirar uns anos fora de Portugal para aperfeiçoar línguas" (, eu queria dedicar-me ao turismo em Portugal,) de certa maneira ajudou mesmo a esquecer esses meus tempos de serviço militar.
Houve alguns esporádicos momentos em que o assunto vinha à tona. Lembro-me, por exemplo, pouco depois de chegar a Londres, ter encontrado no "Hyde Park Corner" um indivíduo em cima dum escadote a falar sobre Portugal e o colonialismo português na Guiné… Mas eu quase nem liguei: estava farto.
Quando aconteceu o 25 de Abril (, estava eu no Brasil na altura,) fiquei curioso e esperançado, mas logo essa esperança começou a desaparecer: o pouco que ouvia fora de Portugal sobre o assunto era geralmente negativo e que em Angola, Moçambique e em quase toda a parte, Portugal só tinha deixado uma grande confusão e guerras civis. E eu de jeito nenhum queria ouvir falar desse aspecto da nossa “herança.”
A tal ponto era a minha vontade de não querer saber de nada que, mesmo quando houve o massacre em Timor, eu andava tão alheado de tudo que nem apercebi de que tinha havido uma invasão da ilha pelos indonésios e que o que se passava em Timor não era resultado de guerra civil. E quando em 1996 um estudante luso-americano que, no ano anterior, eu tinha convencido a envolver-se na defesa das gravuras de Foz Coa, veio ter comigo pedindo-me para eu me envolver no caso de Timor Leste, a minha primeira e rápida resposta foi de que eu não queria saber de nada que estivesse relacionado com as lutas nas nossas ex-colónias.
Ele ficou espantado com a minha ignorância e foi perseverante; e, passados dois dias, quando me apercebi da verdadeira situação em Timor — e de que os Estados Unidos, Inglaterra, França e quase todo o mundo, mesmo Portugal, estavam todos mais ou menos a fazer o jogo da Indonésia —, eu também não tive dúvidas em me embrenhar a fundo nessa polémica.
Em bom momento o fiz. Foi esse envolvimento que me levou a começar a prestar atenção ao que se estava a passar em outros lugares, incluindo a Guiné.
Um dia uma de minhas irmãs ao telefone contou-me que tinha encontrado numa excursão de autocarro um indivíduo que ao saber o nome dela disse que me conhecia pois ele "tinha estado comigo na Guiné". "Chamava-se Abrantes", disse. Ela disse-me e eu lembrando-me bem de quem se tratava, comecei então a lembrar os outros que que lá estiveram comigo e de quem nunca mais tinha ouvido falar. E a lembrar com um misto de revolta, mas paradoxalmente também de nostalgia e saudades esses tempos.
Passados uns tempos ao chegar a casa encontrei um papel onde a minha esposa antes de sair tinha escrito : "Um indivíduo que diz ser teu amigo, Abrantes, telefonou: que te dissesse que o capitão Pires morreu”. Mas não dizia mais nada. Respirei fundo, mas foi um respirar de tristeza, sentindo-me culpado de nunca ter sequer tentado saber dele nem de mais ninguém. Agora, pensei eu, já é tarde demais para o reencontrar.
Não sabia de ninguém mais nem de que havia encontros de antigos camaradas; vim a saber mais tarde que os havia, que tentaram mas nunca me conseguiram contactar, talvez em resultado das minhas muitas mudanças de Pilatos para Herodes. Mas eu pouco a pouco comecei a interessar-me mais, procurando algum livro, jornal ou revista que falasse da Guiné; mas sem sucesso.
Cheguei a encontrar alguns cabo-verdianos, em New Jersey, mas não guineenses. Mas se tenho um defeito grande (, alguns dizem que é virtude,) é o de ser teimoso. Ano após ano eu vasculhava livrarias, bibliotecas e nada… Eu queria saber do que se passou depois que de lá saí. E um dia de férias em Lisboa, na véspera de voltar aos Estados Unidos, na feira do livro na estação da Portela, deparei com o primeiro livro do Beja Santos "Diário da Guiné: 1968-1968, Na Terra dos Soncó.” Foi como se me tivessem dado um murro do qual acordei estremunhado. E cedo eu estava à procura do Zagalo, e logo tomei conhecimento deste blogue e comecei uma nova vida contactando os meus colegas que tinham estado comigo na Guiné.
Lembro que, quando estava na Guiné, o comandante da minha companhia CCaç 1439, Capitão Amândio Manuel Pires, queria a toda a força que alguém escrevesse um “diário” da CCaç 1439. Parece que ninguém estava pelos ajustes, e cada um tentou livrar-se, empurrando o fardo para outro. No meu caso, quando ele me abordou eu disse-lhe da minha quase aversão a tudo o que era coisa de escritas. E sugeri que ele falasse com o Alferes Freitas, que era mais dotado e parecia não ter aversões a escrever. Mas parece que ninguém mesmo se deu a esse cuidado.
Há meses atrás lembrei-me de tentar fazer/escrever uma história desta Companhia, pequena e resumida que fosse. Cedo me apercebi da minha ilusão. Felizmente há algumas fontes escritas já, como são os casos do Beja Santos, Henrique Matos e outros, mas não o suficiente para um trabalho compreensivo e abrangente a que se possa chamar história. Vários contactos que tenho feito vieram-me confirmar isso, pois o tempo leva a que na maioria dos casos venham razões e desculpas como: “a minha memória já não me ajuda’; “já não me lembro bem’ e “não me recordo dos pormenores”.
Recebi, porém uma boa ajuda com um caderno (20 páginas) intitulado "Resumo descritivo dos factos e feitos mais importantes da Companhia de Caçadores 1439” que o alferes Freitas [, natural do Funchal e a viver lá.] me mandou. A princípio pensei que tinha sido ele que o tinha escrito. Mas há pouco esclareceu-me que o autor não é ele, mas sim é da autoria do Capitão Pires (que, a avaliar pelo texto, o deve ter ditado a alguém) e de que conseguiu dele uma cópia para si.
É sem dúvida um documento de valor, até porque pelo que sei (ou não sei!) é o único "documento oficial” abrangente sobre o assunto. Mas se eu não tivesse conhecido bem e estar certo da muita honestidade e idoneidade do Cap Pires (, o único defeito dele era não saber e não admitir perder no jogo de dados e de cartas; mas mesmo aí, salvo o perder o controle do seu temperamento, levantando-se repentinamente da mesa para nunca ter de admitir ter perdido, nunca o vi agir desonestamente), eu diria que era impossível este documento ter sido escrito por ele.
Acredito que documento deve ter sido escrito bem depois de ter voltado e daí alguns bem evidentes lapsos e lacunas. Mas como o próprio título diz e bem: ele é um “resumo”; e por vezes é tão resumido que não chega a mostrar a importância que alguns dos acontecimentos mencionados tiveram.
São vários os casos em que o relato de operações se resume a isto:
(...) "Um grupo de combate da CCaç 1439 participou na Op [...]" (um ou mais pelotões? a palavra “participou” parece indicar que haviam outros grupos: era um oficial da CCaç 1439 que comandava ou era um oficial de outro grupo que comandava essa operação? qual/quem era esse grupo e que efectivo?, operação essas que consistiu numa "acção ofensiva na mata":
(...) "As NT detectaram um acampamento IN o qual se encontrava abandonado. Foram destruídas as casas de mato e culturas. No regresso as NT foram emboscadas duas vezes " (; eram uns simples tiros ou flagelações só para chatear, ou eram “emboscadas” mesmo?).... "não tendo sofrido qualquer baixa."
Por outro lado - e ainda bem que o aviso de limitação é feito - , este documento diz respeito (apenas) aos factos e feitos "mais importantes”.
Na verdade houve casos de acontecimentos que nem estão nele mencionados, mas que pelas circunstâncias em que sucederam vieram a ser mais importantes do que muitos que aqui estão mencionados. E pelo que posso eu mesmo testemunhar e que confirmei em conversas com outros meus colegas que os mesmos acontecimentos viveram, alguns dos relatos feitos são claramente descritos duma maneira muito subjectiva, umas vezes beneficiando, outras diminuindo ou de alguma maneira alterando o seu verdadeiro valor.
De novo quero deixar bem claro que “ponho as mãos no fogo” pela idoneidade do Cap Pires; se foi ele mesmo que escreveu este documento sei bem que estes lapsos na descrição de alguns acontecimentos não foram de maneira nenhuma propositados, nem as descrições foram manipuladas consciente e propositadamente. Ou se foram manipulados, não foi pelo Capitão Pires, mas por outros que o manusearam a seguir, como parece ter sido o caso mais do que uma vez.
Dito isto o que segue pode e deve ser considerado apenas um “contributo” para a história da CCaç 1439 e não como uma "história da Companhia CCAÇ 1439". Embora eu siga cronologicamente e me baseie neste relatório, copiando grandes partes, sem falhar qualquer dia que nele vem mencionado, este é um contributo e relatório muito pessoal em que, sempre e à medida que a minha memória me ajuda eu relato com toda a honestidade os factos como os vivi, sem querer aumentar ou diminuir nada nem ninguém. E não deixarei de mencionar os casos em que eu e o que fiz deixou muito a desejar. E faço-o porque uma enumeração e relato cronológico simples não chega. Cada ataque, cada mina, cada emboscada ou acidente têm a sua história própria que os distingue de todos dos outros. E é isso que vou tentar fazer; e, se me não é possível apresentar a descrição da realidade absoluta, vou relatar pelo menos o que sobre ela eu sei e o que vivi.
A maior parte das fotos foram tiradas por mim, mas há fotos cuja origem pode suceder não ser minha. Lembro, por exemplo, que depois do ataque a Missirá eu e o furriel Viegas, do Pelotão de Caçadores Nativos 54, e que tem muitas fotos no blogue, estávamos por vezes juntos a fazer as mesmas fotos ao mesmo tempo. E quando estivemos juntos há anos atrás depois do nosso reencontro de quarenta e picos anos, manuseamos, trocamos e partilhamos memos e fotos.
E isso sucedeu com outros, e mais do que uma vez. É possível que em resultado disso hajam confusões da sua origem ou autoria. Mas qualquer discrepância ou engano não será nunca resultado de má intenção da minha parte. Sempre tenho oferecido e consentido que todas as fotos da minha autoria sejam reproduzidas em qualquer altura, sem necessidade de me mencionarem sequer como o seu autor.
Reitero que este meu trabalho é um testemunho de âmbito muito limitado pois que, embora intencionado como um contributo para a historia da CCaç 1439, é em grande parte um relato muito pessoal e por isso mesmo também subjectivo e parcial, feito/escrito passados já mais de 50 anos.
Para uma melhor compreensão não posso deixar de deixar de ir ao princípio onde no meu caso tudo começou, pois não sendo isto uma autobiografia, sem dúvida que toda a minha experiência militar foi marcada e influenciada por estes antecedentes que foram o ingresso e logo a preparação para o serviço militar.
(Continua)
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Nota do editor:
(*) A CCaç 1439 tem mais de 7 de dezenas de referências no nosso blogue. O João Crisóstomo, por sua vez, entrou para a Tabanca Grande, em 26 de julho de 2010, e tem mais de 130 referências. É o nº 432:
Vd. poste de 26 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6786: Tabanca Grande (233): João Crisóstomo, ex-Alf Mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/66), e grande português da diáspora
2 comentários:
Parabéns ao João Crisóstomo pela tenacidade. Há um pequeno lapso que não tem grande importância: o Viegas era do Pelotão de Caçadores Nativos 54. Abraço. Henrique Matos
Henrique, bem podes dar os parabéns ao João, pela sua tenacidade... Antes de o texto chegar, finalmente, às minhas mãos, houve vários percalços e o João chegou a estar à beira de um ataque de nervos... Mas tudo está bem quando acaba bem.
Quanto ao erro que apontaste, já foi corrigido. Pedimos desculpa ao Viegas. LG
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