quarta-feira, 10 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21991: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (22): minas, terríveis minas...


Guiné > Região de Quínara > São João > CCAÇ 423 (1963/65) > Os efeitos devastadores das primeiras minas e fornilhos A/C no CTIG, na estrada Nova Sintra-Fulacunda.


Foto (e legenda): © Gonçalo Inocentes (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais uma pequena história do Carlos Barros:

(i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; 

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem cerca de 3 dezenas referênciasmo nosso blogue.


Minas, terríveis minas...


O soldado Sousa, da 2ª CART / Bart 6520, de Nova Sintra  –Ramiro de Silva Sousa, natural de Quiaios, Figueira da Foz
 – estava no destacamento à espera do correio que vinha numa avioneta, DO-27,  e, nesse dia, não tinha recebido correspondência, o que o entristeceu, um sentimento semelhante ao de todos nós, quando não recebíamos correio.

Estava junto à sua caserna e um seu amigo encontrava-se a ler um jornal da sua região onde noticiava que tinha havido um acidente na zona Quiaios, terra do Sousa,  e, por infelicidade, esse acidente foi grave e trágico...  Tratava-se de  familiares do soldado Sousa que, compreensivelmente,  ficou num estado psicológico desesperado.

Pela tardinha, furtivamente, o Sousa desertou do destacamento de Nova Sintra e foi ao aquartelamento de S. João, onde se encontrava o seu amigo Alferes Garcia, do qual esperava um apoio para a sua situação .

O Alferes Garcia (já falecido) era um grande amigo dos militares, homem simples, colaborador, alegre, simpático e com um elevado sentido de humor e quando se juntava ao alferes Figueira, e aos furriéis Elias e Mendonça, era um ambiente de alegria transbordante e grandes “palhaçadas” no bom sentido do termo.

O soldado Sousa seguiu pelo caminho ou trilho em direção a S. João e pisou uma mina anti-pessoal e deu-se a tragédia! Essa mina tinha sido colocada pelos sapadores de S. João, como “armadilha” de defesa do destacamento.

Um milícia, chamado Atilo, que andava à caça, ouviu essa explosão e aproximou-se do local onde tinha deflagrado a mina e encontrou o Sousa, o “Meio Quilo”, estendido no solo poeirento e com ferimentos extremamente graves.

O milícia Atilo foi, de imediato, avisar o alferes Garcia,  comandante do destacamento que mandou uma Berliet buscar o ferido, sendo, posteriormente, evacuado de helicóptero, pela tardinha, de S. João para o Hospital Militar de Bissau.

O Sousa recuperou, regressou à Metrópole, casou e constituiu família e foi a todos os Encontros – Convívios Anuais organizados pelos “Os Mais de Nova Sintra”. Como um dos organizadores, desses convívios, eu posso afirmar e justificar que o Sousa esteve presente com a sua esposa, pelo menos, nos últimos 41 anos consecutivos.

Infelizmente, há 4 anos faleceu, deixando-nos imensas saudades.

Fisicamente perdemos o Sousa mas, espiritualmente, está sempre presente entre nós.

Testemunho do ex-furriel Barros, 2ª Cart / BART 6520, sendo apoiado neste testemunho, pelo amigo Joaquim Manuel Rodrigues Cunha (que estava em São João).

Carlos Manuel de Lima Barros,

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Como vês, Carlos, já te publiquei mais uma pequena grande história do nosso tempo de Guiné... Imfelizmente, casos como este do Sousa, de Quiaios, não foram casos únicos... As más notícias que nos chegavam, tardiamente, de casa ou da terra, afetavam-nos, purturbavam-nos e, como aconteceu ao Sousa, pediam levar-nos a tomar decisões precipitadas...

O Sousa não morreu muma mina das nossas, mas podia ser morrido, e de morte atroz, sem socorro de ninguém. Sobreviveu e "refez" a vida. Infelizmente, também já partiu, como boa parte dos antigos combatentes.

Olha, preciso é de fotos, da tua companhia!... E traz mais camaradas do teu batalhão para a Tabanca Grande!... Gente que tenha fotos e outras memórias, gente que tenha gosto pela escrita como tu!...

Um grande abraço para ti e o Mário Miguéis, o teu vizinho e meu camarada de Bambadinca, quando o vires...Luís

Anónimo disse...

Carlos Barros (by email)
10 mar 2021 14:45


Luís: Sabes que a maioria, penso eu, dos meus companheiros da Companhia, não possuem Facebook, e tenho a realçar que não tenho grandes contactos com ex-militares do Batalhão. mas farei o possível para trazer mais "gente" para a nossa familía da "Tabanca Grande".

Infelizmente, tenho algumas fotos, algumas delas de amigos meus da Companhia porque eu. na altura, não dispunha de máquina fotográfica e pensei, embora reconheça erradamente, na altura não querer fotos da guerra da Guiné.

Não queria recordações e agora "virei a página" e disponho de álbuns de todos os
encontros/convívios que tenho organizado e são centenas de fotografias que possuo.

Todos os anos "peço a demissão do cargo de organizador" mas, como não aceitam, continuo, com agraço e "amor à camisola"...

De inicio, foi o furriel Sousa Gonçalves, o primeiro organizador dos Encontros anuais , de 1975 a 1986 depois, como não havia mais ninguém disponível fiquei com a "pasta".

Os encontros são sempre em Recardães, zona de Águeda, centro do País e só uma vez, foi em Esposende, minha terra Natal...

Peço desculpa, isto é apenas um mero "desabafo" e comentário, talvez, sem importância para ti e reafirmo porém, que o nosso grupo é unido, sólido e solidário: média de 40 pessoas nos encontros anuais.

Muitos "já partiram" e os respetivos familiares deixaram de vir. É a vida...

Um abraço meu e do Mário Miguéis.

Barros

Anónimo disse...

Caro Carlos Barros,
Pode dizer-me a data aproximada deste acontecimento?
Eu saí do Destacamento de São João no dia 3 de Dezembro de 1972. Seria pretensão da minha parte saber o que se passou na zona daquele Destacamento depois dessa data. Dito isso, em benefício da história, o furriel Cunha tinha como primeiro nome José (Manuel Rodrigues da Cunha). O Atílio, se era o mesmo de quando eu estava em São João, era soldado e não milícia. Aliás, os Pelotões de Caçadores Nativos 56, do qual fiz parte, e o 66, ambos sediados em São João, eram constituídos por soldados. Ao tempo não havia nenhuma milícia. Quando saí de São João havia apenas um Unimog 404.
Mais,
Durante a minha estada no Destacamento de São João, o serviço de minas e armadilhas era providenciado por um FurMIl de Bolama. É bem possível que depois da minha saída daquele Destacamento tenha acontecido a implantação de minas por parte das nossas tropas. Todavia, se tal não aconteceu, havia apenas um fornilho montado na picada que ligava São João a Nova Sintra. A outra picada, em desuso, minada era a que dava acesso à praia de Colónia com minas montadas em dois diferentes lugares.
Depois disto, se o acidente do Sousa aconteceu no fornilho que acima referi, ele acabou por ser um felizardo. Regressou, certamente com mazelas, mas conseguiu fazer a sua vida. De notar a sua presença nos vossos convívios.
Abraço transatlântico do
José Câmara