sábado, 14 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16954: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (9): cenas do quotidiano do destacamento de Mato Cão


Foto nº 1 


Foto nº 1 A 


Foto nº 1 B




Foto nº 3


Foto nº 3A

Guiné >Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973/74) >  Aspetos da vida do dia a dia do destacamento: (i) cortar lenha com a motoserra; (ii) passatempo dos soldados,

Fotos (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Ediçãor: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Luis Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro, que foi alf mil da CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/73) e do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)

Lisboeta, com família materna na Lourinhã, hoje bancário aposentado, cicloturista, o  Luís Mourato Oliveira esteve na Guiné, em rendição individual de 1972  1074... Foi o último comandante do Pel Caç Nat 52. Ele irá terminar a sua comissão em Missirá e extinguir o pelotão, em agosto de 1974. 

Em meados de 1973 (por volta de julho), veio de Cufar, no sul, região de Tombali, para o CIM de Bolama, para fazer formação antes de ir comandar, em agosto, o Pel Caç Nat 52, no setor L1, zona leste (Bambadinca), região de Bafatá. 

Publicam-se mais algumas fotos do tempo em que o alf mil Luís Mourato Oliveira passou no destacamento de Mato Cão: (i) a cortar lenha com moto-serra (fotos nºs 1 e 2) : (ii) passatempos dos soldados do pelotão, nas horas vagas (foto nº 3).

A missão principal do destacamento do Mato Cão era proteger as embarcações que circulavam no Rio Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca. As condições de alojamento e segurança eram precárias.

Sobre o Mato Cão, que era um lugar mítico, temos já mais de 70 referências... Pertencia ao subsetor do Xime. Por lá passaram diversos camaradas nossos, membros da Tabanca Grande...
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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16953: Notas de leitura (919): "Noites de Insónia na Terra Adormecida", por Tony Tcheka (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se do primeiro livro individual de poesia de Tony Tcheka editado pelo INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, 1996. De seu nome próprio António Soares Lopes Júnior, exerceu funções em lugares prestigiados da comunicação e foi presidente da Associação de Jornalistas da Guiné-Bissau. É indubitavelmente um dos poetas mais completos da sua geração: lírico, denunciador e crítico de um país à deriva que nem respeitou os seus combatentes vitoriosos, contemplando, sofredor, a criança subnutrida e sem esperança, é um dos poetas mais surpreendentes da lusofonia, uma voz que afirma que a literatura guineense está viva. Pena é que nenhum editor português se abalance a publicar poesia de tão elevada qualidade.

Um abraço do
Mário


Noites de insónia na terra adormecida, por Tony Tcheka

Beja Santos

Em “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, Fronteira do Caos, 2014, houve a preocupação de dar uma sinopse da literatura da Guiné-Bissau e intitulámo-la “Uma literatura de alentos e desalentos, uma tumultuosa viagem à procura da identidade”. Na génese, Amílcar Cabral e Vasco Cabral revelaram uma poesia de inconfundível matriz portuguesa. No pós-independência impuseram-se outros nomes: Hélder Proença, Agnelo Regalla, António Soares Lopes Júnior ou Tony Tcheka, José Carlos Schwartz, entre outros, exaltadores da luta e dos sonhos, portadores da ingenuidade dos amanhãs que cantam, dececionados com a multiplicidade dos desastres. O leitor tem à sua mercê uma sinopse da tese de doutoramento de Moema Parente Augel com a epígrafe “O desafio do escombro”, aí encontrará de forma caleidoscópica as grandes manifestações desta poesia tantas vezes eivada de crioulidade:
https://books.google.pt/books?id=TkP6NAsbQskC&pg=PA15&lpg=PA15&dq=moema+parente+augel+desafio+do+escombro&source=bl&ots=d5SZnGl7iR&sig=_j73LPrVp34Vh98t8BksextcXKk&hl=pt-PT&sa=X&ved=0CB4Q6AEwAGoVChMIqs7zyJL3yAIVy4kaCh0-LwEj#v=onepage&q=moema%20parente%20augel%20desafio%20do%20escombro&f=false

A mesma Moema Parente Augel apresenta este livro de Tony Tcheka, adiantando o seguinte:
é um escritor com maturidade literária onde transparece, pela forma e pela linguagem, uma grande criatividade e inesperada ousadia na expressão poética; são versos de amor em que o poeta lança mão do crioulo mais próximo dos sentimentos do coração, dirigindo-se ao seu amor na linguagem, universal dos namorados; os temas sociais são igualmente preponderantes, nomeiam-se os males sociais e podemos apercebermo-nos quanto aos motivos da inquietação poética, ele vai anotando os diferentes indícios de dificuldades económicas do povo guineense; e trata-se igualmente de uma grande natividade poética onde se fala guinéu: lalas e bolanhas, tabanca e morança, arrozais, palmeiras, mangueiros e poilões, tambores, o korá e os djidius. E a estudiosa conclui: “Um Tony Tcheka multifacetado, emocionado pela sorte das crianças e dos sofredores, denunciando as injustiças sociais e a hipocrisia. É uma poesia brava, a lírica de Tony Tcheka”.

Vejamos as suas lembranças familiares em “Carta ao pai amigo”:
Que saudades pai/Que nostalgia e dor/lembrar-te/Como o tempo não passa/sem ti/Que saudade trago/do calor do teu olhar/amigo/penetrando em mim/envolvendo/acariciando/as minhas traquinices/Que saudade do som melódico/do teu violão… /Fecho os olhos/e vejo os teus dedos/calcando as cordas do velho banjo/que estremecia/no “monte cara”/dos teus braços/São acordes/que ainda hoje, sublimam o meu canto/Ainda trago comigo a melodia/das tuas palavras de Homem das Ilhas/vertical e frondoso/como o poilão/desta Guiné/que tanto amaste/e fizeste tua… /Ah! Mas como o tempo não passa sem ti/E como senti tua partida/lá longe… /para além do sonho/onde o sono se eterniza.

Tony Tcheka não é alheio aos amanhãs que cantam, e em 1973 a sua melodia fala pelas trombetas do futuro, no poema “Guiné”:
De longe/entre as sete colinas/vejo-te/mulher grande/sofredora/e meiga/Imagino-te/suave/como quem diz amor/balbuciando temor/Sinto-te sombra minha/protegendo as minhas ibéricas noites/Esta ausência demorada/faz-me ver o Geba/subindo sobre o Tejo/Imagino-te/mulher-mãe/gente adulta/renascendo como companheira do mundo novo.

Em 1993, a lírica revela amargura no seu poema “Povo adormecido”:
Há chuvas/que o meu povo não canta/há chuvas/que o meu povo não ri/Perdeu a alma/na parede alta do macaréu/Fala calado/e canta magoado/Vinga-se no tambor/na palma e no caju/mas o ritmo não sai/Dobra-se sob o sikó/como o guerreiro vergado/cala o sofrimento no peito/O meu povo/chora no canto/canta no choro/e fala na garganta do bombolon/Grei silêncio/quebrado/nas gargalhadas de Kussilintra/em quedas de água/moldando pedras/esfriando corpos/esculpidos/no corpo do bissilão.

Não poucas vezes Tony Tcheka enuncia com exaltação os guerreiros que acabaram sentindo-se traídos, deram a vida pela independência e a independência não lhes trouxe nada de novo. Como no poema “Batucada na noite”, refere a cidade que não dorme, com corpos inflamados que se saracoteiam, indiferentes à triste condição em que se encontra o país. É uma poesia, tal como refere Moema Parente Augel, carregada de lágrimas, de desilusão, tanta amargura que se estende, aliás, a toda a África sofredora. O poeta também reage, e convida a sua companheira a cantarem a nova madrugada, em que as crianças deixarão de ter a barriga grande de fome, e embriaga-se nos grandes sonhos dos dias da luta armada, assim tecendo o futuro:
vem, Companheira/vamos a Komo rebuscar a força/para não desfalecermos depois da/caminhada/vamos a Komo beber na fonte/onde bebeu a última gota/o primeiro guerrilheiro sem-nome que/caiu… 

A última coletânea de poemas do livro dá pelo nome de “Canto menino”, canta-se a vida que se estampa no sorriso aberto das crianças que têm o pranto a fome, são filhos da miséria, e aí o poeta socorre-se da universalidade no poema “Chamo-me menino”:
Sou a criança pobre/de uma rua sem nome/de um bairro escuro/de covas fundas/em garganta/fatalmente magra/carente de pão/e sem muita ambição/Sou filho da miséria/escancarada/enteado da vida/entreaberta/Sofro de raquitismo/por comer com os olhos/enquanto na garganta/destilam bolas de saliva.

E, mais adiante, dá-nos num magnífico poema intitulado “Mininu di kriason” a imagem do abandono e da deriva da criança e do país:
Nunca teve berço/já sobreviveu um terço/da vida que não tem/Ei-lo nos becos da cidade/esquivando-se ao cassetete/ou livrando-se lesto ao tabefe/factura de mil traquinices/Ziguezagueia pelos cantos/enquanto aguardo/uma tigela de cuntango/que se não aparece/é na cabaça da Tia Mandjendja/o banquete que apetece/E depois a corrida/mais uma esquivadela/Djondjon – mininu di kriason/não tem criação.

Um grande poeta que devia ter as portas abertas em toda a lusofonia.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16935: Notas de leitura (918): O tráfico de escravos nos rios de Guiné e ilhas de Cabo Verde (1810-1850), por António Carreira (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P16952: Banco do Afecto contra a Solidão (21): o lar onde estive... (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

1. Mensagem do Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68

Data: 14 de setembro de 2016 às 02:28 

Assunto: O LAR ONDE ESTIVE

Camaradas

Estou em casa, portanto saí do Lar. Não era o local adequado para  acabar os meus dias. 

O livro que lancei, com o título "O Corredor da Morte", tem a ver com  este período que passei num local isolado. Longe da civilização, tive  saudades da barulhenta cidade.

Cheguei a levantar-me às 02H00, fazer a barba, tomar banho e vestir-me.  Dava umas voltas e tomava o pequeno-almoço às 09H00. Seguia para o Bar  e passados que eram 30 minutos desapareciam todos recolhendo aos seus  quartos – talvez para verem programas de TV. Eu aguentava até o almoço às 12H30.

Voltava ao Bar que fechava por não haver ninguém.  Lanche pelas 16H00 e era esperar pela hora de jantar, às 18H30. Todos  dispersavam, ficava no Bar que já estava fechado, ligava a TV e tinha de ir para o quarto para me darem os comprimidos de antes de  deitar-me.

Por vezes surgiam umas Senhoras que fui conhecendo. Com jogava às  cartas, bebíamos café da máquina. Ela adormecia com as cartas na mão.

Torres Vedras estava a uns 12/13 quilómetros e só via céu e montes. Como também nunca me entendi com o senhor com quem compartilhava o  quarto – um T1, mas tinha somente uma parte de um T0.

Tinha conversas interessantes com Senhoras viúvas de Oficiais  militares, simpáticas e com idades que andavam nos 90 anos.

Uma, a Senhora Fernanda – com a doença do Alzheimer – conversava  comigo perguntando constantemente como me chamava.  O marido um Capitão carrancudo… Vi que se ria vendo a paciência que tinha com a esposa. Professora Primária, Santa Catarina, Lisboa, declamava e bem, um poema  seu que falava do desgosto de nunca ter tido filhos.
Como gostavam de mim, quando disse à Assistente Social que decidira  regressar a casa, pediu-me que pensasse bem por achar que podia ajudar  Residentes do Lar. Estive lá, para lhe fazer a vontade, mais 5 dias.

E foi o que sucedeu, não esqueço os diálogos que tive com a Senhora  que escreveu um poema "Ao filho que nunca teve". Pedi-lhe que me desse  o poema escrito. Escrevo-lhe brevemente.

Agarrei-me ao computador, tudo errado.  Continuei a reescrever o livro, mas nada sai. Mas acabou por ser uma experiência positiva. Logo me arrependi daquilo que fizera. Terei de  dar-lhe a volta, ia sair asneira.

Poesias nascem e morrem… Escrevo esta experiência que tive no Lar.

Encontrei-me com camarada da minha Companhia, José Salvador Pinto  Aires que contactou o Blogue.

Abraço,
Mário.
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P16951: Parabéns a você (1194): Maria Ivone Reis, ex-Cap Enfermeira Paraquedista (1961/1974)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16939: Parabéns a você (1193): Bernardino Parreira, ex-Fur Mil Inf da CCAV 3365 e CCAÇ 16

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16950: O nosso livro de visitas (190): Evaristo Pereira dos Reis, 66 anos de idade, residente em Setúbal... Ex-1º cabo condutor auto, de rendição individual, esteve no QG (1971/73), mas na maior parte da comissão foi mestre de obras da Câmara Municipal de Bissau, ao tempo do maj cav Eduardo Matos Guerra, como presidente



Brasão de armas da cidade de Bissau (1973)


1, Mensagem do nosso leitor e camarada,  Evaristo Pereira dos Reis, que foi 1º cabo condutor auto, de rendição individual (Bissau, QG, 1971/73), com quem já conversámos ao telefone e convidámos para integrar a Tabanca Grande:


Data: 31 de dezembro de 2016 às 16:44
Assunto: Guiné 71/73

Cumprimentos a todos os intervenientes naquela malfadada guerra.

Também participei nela durante 24 meses certos. Embarquei no paquete de então, o "Angra do Heroísmo",  em 24 de Novembro de 1971. Foram cinco dias de viagem que jamais me esquecerei, fui alojado no porão daquele monte de ferrugem e humidade, com colchões de palha com várias
dezenas de anos e dedicatórias com datas mais antigas do que o meu nascimento.

Ao terceiro dia o navio avariou,  ficando á deriva, escusado será dizer que a sensação de náuseas e com o vomitado daquelesestômagos mal fornecidos e mentes abaladas, o cheiro era azedo com a
humidade e calor, fazia um cocktail que qualquer ser humano não
gostava de passar.

Nesse mesmo barco viajava também a 35ª Companhia de Comandos, esses um
pouco mais bem instalados.

Finalmente chegados ao cais Pijdjiguiti, estava-me esperando o 1º sargento Furtado, homem que tinha conhecido no antigo aquartelamento,Trem Auto, onde tive a função de instrutor de condução, localizado na Av. de Berna em Lisboa, hoje e muito bem transformado em Universidade.

Voltando á minha chegada fui colocado na secção do ficheiro, no Quartel General, local aparentemente privilegiado em relação aos meus camaradas, local onde comecei a ter consciência do
que se passava naquela província em gura. Nesse serviço  estavam arquivadas as fichas de todos os intervenientes naquele teatro de guerra que eu considero de tortura física, mental e psicológica,

No arquivo assinalava os mortos, os desaparecidos, os evacuados, os que tiveram a sorte de já ter regressado e os que se encontravam presentes. Claro que a curiosidade principal foi ver a ficha do maestro da banda, Tive oportunidade de estar bem perto dele, diversas vezes, Refiro-me ao
homem da lupa pelo qual nunca tive qualquer simpatia.

Passado um mês tive oportunidade de concorrer a um cargo de Mestre de Obras, para a Cãmara Municipal  de Bissau para o qual estava talhado, Chefiada pelo major [cav Eduardo} Matos Guerra [1931-2016] como Presidente da Câmara, homem duro, aliado e bastante protegido pelo Governador,

A partir desse dia a minha farda foi arquivada no armário atá ao dia do regresso, Foi muito difícil
desempenhar tal cargo, a Câmara não tinha recursos, imaginem que tinha que fazer os remendos das ruas com cimento, porque não tínhamos alcatrão, Mesmo assim consegui fazer obras de algum vulto praticamente sem recursos, recorrendo a máquinas da engenharia militar,  chefiada pelo então Cap. Branquinho e Furriel Guedelha, sobre os quais nunca mais tive noticias.

Também existia uma empresa civil de construção ali sediada com o nome de TECNIL, Esses eram os meus fornecedores gratuitos.

Fiz uma messe para Sargentos e renovei o bar de oficiais dentro do Hospital Militar. Alarguei parte da estrada de Bissalanca, para o aeroporto,  arrancando dezenas de mangueiros. Fiz uma vala de drenagem e alargamento da estrada para o Quartel General, Enfim, fiz várias obras de
beneficiação para melhorar aquela cidade, passando nestas lides diárias os restantes e difíceis 23 meses.



Guiné > Mapa de Bissau (1949) > Escala de 1 /50 mil > Posição relativa de Bissau e Bissalanca (aeroporto)

Infogravura: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné (2017)


Regressei no avião dos TAM, no dia 29 de Novembro de 1973, Regressei bastante desgastado, tive a sorte de não estar directamente no teatro de guerra, mas estava bastante informado,  sabendo o que os
mais desafortunados sofriam diariamente.

Durante muitos anos não desejei voltar aquele País, mas hoje talvez voltasse.

Não estou ligado a qualquer grupo de convívio de antigos combatentes, talvez por ter poucos conhecimentos da época, visto ter ido em rendição individual.

Hoje tenho 66 anos,  resido em Setúbal, tenho esposa,   filho e dois netos de 5 e 8 anos, tenho algumas dores mas estou vivo.

Desejo a todos o melhor da vida e aproveitem- na no que puderem.
Bem hajam a todos.
Evaristo Pereira dos Reis
Telem (...)

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Nota do editor,

Último poste da série > 25 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16133: O nosso livro de visitas (189): Morreu, em 17/4/2016, o meu pai, Cherno Sanhá, formado em Cuba, em engenharia de telecomunicações, filho do rei de Badora (Luís Causso Sanhá)

Guiné 61/74 - P16949: Memória dos lugares (357): Biombo - Ondame, um pequeno paraíso, um oásis de paz... (José Nascimento, ex-fur mil, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71)


Foto nº 1 > A praia do Biombo e o farol abandonado 


Foto nº 2 >  Praia do Biombo



Foto nº 3 > Biombo > A criançada



Foto nº 4 >  Biombo > Com elementos da população


Foto nº 5 > Biombo >  Destacamentio de Ondame > Aula de condução


Foto nº 6 >  Biombo > Na tabanca


Foto nº 7 > Biombo > Durante um passeio pela tabanca


Foto nº 8 >  Biombo, a "fisga"


Foto nº 9> Biombo > Dia de domingo

Guiné > Região de Biombo > Destacamento de Ondame > CART 2520 (1969/1)

Fotos (e legendas): © José Nascimento (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, c om data de 27 de novembro de 2016, do José Nascimento (ex-fur mil art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71):


Assunto - Biombo-Ondame Um pequeno paraíso

Caros camaradas Carlos Vinhal e Luis Graça,

No tempo em que estive na Guiné nem tudo foi mau, é o caso do Biombo, onde permaneci mais de seis meses.

É certo que as condições não eram as melhores, a iluminação era feita com candeeiros a petróleo, tínhamos de ir buscar água a mais de 500 metros a um poço insalubre, a cozinha era pouco mais do que um pequeno telheiro e as nossas próprias instalações não passavam de um barracão em alvenaria com uma cobertura em telhas de zinco, que quando chovia tocava uma orquestra verdadeiramente desafinada e ensurdecedora.

Mas graças ao nosso poder de improvisação, ao nosso espírito de sacrifício e à nossa camaradagem, as dificuldades foram ultrapassadas.

A guarnição não chegava a um pelotão, pouco mais de 20 elementos, eu era o único graduado.

Contávamos ainda com uma secção de milícia. Também havia um grupo de alguns rapazes muito jovens que,  a troco de alguma comida, voluntariamente ajudavam na cozinha e noutras tarefas e por quem nós nutríamos muito respeito e muita amizade, espero que tenham sido muito felizes, pois bem o mereciam, alguns até andavam na escolinha.

A parte boa desta estadia era a tranquilidade do local, não havia guerra, praticamente não andávamos armados, só quando nos afastávamos mais do nosso pequeno destacamento é que levávamos as nossas G3. Podíamos andar nas tabancas com total liberdade, na prática eramos como civis [Fotos nºs 6, 7, 8 e 9]. Até a minha relação com o pessoal deixou de ser como se estivessemos no mato, ficando quase de parte a componente militar.

Ainda me lembro do nome de algumas tabancas; uma era Ondame a que dava o nome ao destacamento, outra era Blim-Blim e uma outra era Blom.

O régulo deste grande aglomerado de tabancas com uma enorme população, chamava-se Mansoa e com o qual estabelecemos uma boa relação, ajudou a livrar-me certa vez de uma pequena encrenca com o capitão Maltez que um nativo criou com uma queixa no posto administrativo. 


Guiné > Região de Biombo > Mapa de Quinhamel  (1952) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de praia do Biombo, Ondame, Blimblim e Blom. Quinhamel, hoje a capital da região, ficava a norte.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)




Mapa das regiões da Guiné-Bissau. O Biombo (2) inclui os setores de Prabis, Quinhamel e Safim. Adaptado de Wikipedia, com a devida vénia.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)


Já lá vão alguns anos escrevi um pequeno texto sobre o Biombo/Ondame, que tenho mantido em rascunho e que recentemente passei para o meu portátil, com algumas ligeiras adaptações.

Ora aqui vai:

Aí vêm eles, saiam daí, avisa um dos nossos militares. Não, não é necessário, porque o inimigo não ataca por mar, também não são tubarões, são apenas simpáticos golfinhos que se aproximam da praia do Biombo e nos vêm fazer uma visita, enquanto nós militares do Exército Português, elementos da CART 2520,  nos banhamos nas cálidas águas da costa da Guiné Bissau, à época Guiné Portuguesa.

A praia do Biombo ficava a escassos dez minutos do nosso aquartelamento, onde dezenas de palmeiras se baloiçavam suavemente sobre as suas águas ao sabor de um vento, quiçá português. Também não faltava um farol abondonado (como numa conhecida canção) para compor esta maravilhosa paisagem tropical [Fotos  nº 1 e 2].

Regressamos ao quartel, ao longo da estrada de terra batida,  veem-se bandos de pelicanos e flamingos de belas plumagens rosa e que procuram alimentos nos pequenos lagos ou braços de rio, onde os africanos se dedicam à apanha de saborosas ostras e apetitosos camarões.

No Biombo a nossa vida de militares decorre tranquila, não há actividade operacional e entre idas à praia e pequenas caçadas, convivemos com as populações nativas  [foto nº 4] e jogamos umas peladas de futebol. Também prestamos cuidados de saúde tais como pensos e tratamentos contra o paludismo, O nosso cabo enfermeiro é um excelente profissional. .

Hoje é dia da minha primeira lição de condução [foto nº 5],  simultaneamente sou aluno mas também instrutor. Coloco o motor da viatura a trabalhar e meto a 1ª..., à segunda ou terceira tentativa lá consigo arrancar e assim vou picada fora; a experiência adquire-se noutras lições...

Fui ao "Centro Comercial" que funciona junto à picada e resolvo comprar ostras, por pouco patacão,  a caixa do nosso Burrinho de Mato fica cheia. Foi um dia em pleno tanto para mim como para os meus soldados e ao almoço juntou-se o lanche que foi regado com umas belas "bazucas" que o nosso cantineiro fazia jus de as manter sempre bem fresquinhas.

Todos os dias a bandeira verde rubra sobe bem alto naquele mastro do quartel do Biombo içada pelos nossos dedicados milicias, vaidosa vai-se balouçando aos quatro ventos como que a murmurar; "aqui é Portugal... aqui é Portugal"... À noite repousa tranquila no meu pequeno gabinete, muito orgulhosa de ser portuguesa.

É dia de partida, vamos em breve regressar aos nossos lares, o nosso pequeno pelotão permaneceu seis meses neste local, depois de termos estado um ano na zona operacional do Xime no centro da Guiné, com uma passagem de cerca de três meses por Safim e João Landim, junto ao rio Mansoa.

Adeus,  sargento Aliu Indini, adeus soldados Quessane Quebá, Andinho Có e outros dos nossos leais milicias. Adeus professor Paulo,  da pequena escola primária do Biombo, adeus aos seus pequenos alunos; ainda hoje parece que os ouço cantar em coro [foto nº 3]

"Gira a roda, gira a roda,

Gira a roda sem parar...

Salta a bola, salta a bola,

Salta a bola sem parar"...

Adeus, meu pequeno quartel do Biombo, adeus a este pequeno paraíso por onde a guerra não passou, adeus aos mais belos tempos desta parte da minha juventude, parto para a Metrópole, mas deixo aqui o meu coração.

O Uíge levanta ferros e zarpa rumo a Lisboa, ainda no canal do Geba o meu peito contrai-se, ao longe pela última vez os meus olhos enxergam o pequeno farol abondonado a me "dizer" o seu adeus.

Adeus Biombo, adeus Guiné.

Para os meus camaradas desta aventura o meu grande abraço.
José Nascimento
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Nota do editor:

Último poste da série de 12 de Janeiro de 2017 > Guiné 63/74 - P16947: Memória dos lugares (356): A Ponte dos Três Arcos, de Leiria, por onde passava a estrada real Lisboa-Coimbra (José Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5)

Guiné 61/74 - P16948: Brunhoso há 50 anos (11): Crasto, Fraga do Poio e Rio Sabor (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Rio Sabor


1. Em mensagem do dia 7 de Janeiro de 2017, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), volta à sua série Brunhoso há 50 anos, desta vez para nos falar do Crasto, da Fraga do Poio e do Rio Sabor.


Brunhoso há 50 anos

11 - Crasto, Fraga do Poio e Rio Sabor

No lugar do Crasto, que ocupa uma colina fronteira à aldeia, identificada na fotografia, segundo a memória transmitida por muitas gerações ao longo dos séculos, que se confunde com a lenda, terá existido uma povoação romana. Quando eu era mais novo vi lá algumas vezes pedaços de telhas que os lavradores desenterravam ao lavrar as terras.

O Crasto, que dominava toda a paisagem em redor numa lonjura de vistas variável, a menor nunca inferior a dois quilómetros e a maior superior a 50, era um sitio estratégico para os seus habitantes se precaverem e poderem defender de ataques surpresa de possíveis invasores, nos tempos em que as guerras de conquista e reconquista eram constantes. Existe em muitas povoações e nalgumas denomina-se “Castro” pois são palavras com a mesma raiz etimológica e significado. Era um lugar fortificado num sitio estratégico, entre os povos romanos ou pré-romanos. Hoje está morto e enterrado debaixo do pó da terra que os ventos transportam e que se foi acumulando ao longo de centenas de anos, tendo os lavradores lavrado essa terra que o cobre para semear trigo e onde algumas árvores foram crescendo, semeadas pelas aves e pelo vento. A sua forma cónica e a proximidade da aldeia, associada à lenda doutras eras, dá-lhe uma beleza um pouco familiar, misturada com uma certa nostalgia de um passado desconhecido.


 Duas perspectivas do Lugar do Crasto

Com a progressiva pacificação da Península depois da ocupação dos romanos, invasões dos bárbaros, os Suevos, os Vândalos e os Visigodos, e das invasões dos muçulmanos, provavelmente ainda muito antes do inicio da nacionalidade, a povoação terá sido construída no lugar onde hoje se encontra, um sitio mais baixo, entre colinas, mais protegida dos ventos frios e agrestes do Inverno e do inferno dos calores estivais. Uma planície mais verdejante, entre pequenos montes e colinas, onde nascem os ribeiros, mais abrigada dos ventos e das intempéries.

Já longe da aldeia, passando pelos montes de sobreiros e entrando na zona das oliveiras, quando os terrenos começam a descer em declive na direção do Rio Sabor, encontramos a Fraga do Poio, um monumento natural que marca a paisagem pela sua dimensão. A Fraga do Poio é um enorme penhasco de xisto com cerca de 300 metros de altura e com uma largura, na base, superior, formando um penedo, que impõe a sua presença em toda a paisagem em redor, como se fosse uma enorme catedral de pedra erguida em tempos antigos a um Deus da Terra menos omnipotente e mais próximo dos mortais do que o Deus dos Céus que, na sua ânsia de poder, quis ser Deus dos Céus e da Terra. Sinto dificuldade em definir o sentimento que os brunhosenses sentiam e sentem em relação a essa fraga gigante: respeito, temor, veneração, exaltação, vaidade, orgulho? Talvez um pouco de tudo isto mesclado com a simplicidade e a naturalidade que foram sempre características dos meus conterrâneos.


 Vistas da Fraga do Poio

Sem saírem da povoação, tinham à vista o Crasto que lhe povoava a imaginação dum passado de gentes que confundiam com romanos e mouros, mais mouros que foram os últimos a passar por lá e dos quais alguns resquícios da memória coletiva conservavam lembranças difusas envoltas em lendas.

Descendo por caminhos ou carreiros de terra batida, em direcção ao rio Sabor, a três quilómetros, podiam debruçar-se de cima da Fraga do Poio e apreciar as vistas do rio serpenteando no vale, a cerca de dois quilómetros, brilhando como prata em dias mais claros de sol ou como chumbo em dias mais escuros de inverno .

 Panorama a partir da Fraga do Poio

Hoje para quem o vê e admira, o Sabor parece um rio grande, que a barragem a jusante, perto da foz, converteu num enorme lago de águas paradas que irá aumentar ou baixar o seu volume conforme as necessidades das barragens hidroeléctricas do Rio Douro, no seu caminho para a Foz do Porto, em direcção ao Atlântico. O Sabor não será mais aquele rio furioso e selvagem dos Invernos chuvosos do Nordeste ou calmo e com tão pouca água no Verão, que se deixava atravessar a vau nalgumas partes do seu percurso. Com a construção da barragem, o Sabor deixou de estar ao serviço dos habitantes das aldeias das suas margens, cada vez mais desertas, para se transformar num rio moderno para produção de electricidade para os grandes burgos. Entrou na era da globalização tal como a maioria dos habitantes de Brunhoso e das outras terras pequenas atraídos pelas grandes cidades do país e do estrangeiro, que ainda antes da construção da barragem já o tinham abandonado .

As pessoas crescem e fazem-se na contemplação do meio ambiente em que são criadas e é ele que que lhes vai ajudar a moldar o carácter e a personalidade. O Crasto, a Fraga e o Sabor irão marcar para sempre as gentes de Brunhoso. A colina arredondada e elevada do Crasto, tão perto da povoação, com vestígios doutro povoado mais antigo, deu-lhes uma dimensão difusa da longevidade que transportam os séculos e da história que os homens escreveram quando se espalharam pela terra. A Fraga do Poio, erecta, firme e imutável na sua consistência e rigidez de pedra, com milhões de anos, dá-lhes a ideia confusa e mal assimilada, das medidas e dum tempo astral, quando tempo e distâncias se confundem e se transformam em crenças que a pouca ciência ou a ignorância dos homens não conseguem decifrar.

O rio Sabor, antes da construção da barragem, suave e transparente no Verão, cheio, escuro e apressado no Inverno, vai dar-lhes a beleza fluída e envolvente ora calma e transparente no Verão, ora furiosa e temerosa no Inverno, da água, essa mãe primordial que tanto cria, alimenta e afaga os outros elementos, como os destrói na sua passagem impetuosa.

 Rio Sabor

Há cinquenta anos, quando Brunhoso ainda estava povoado de gente a viver num mundo mais difícil, primitivo e antigo, os seus habitantes formaram pois o carácter sob a influência da colina do Crasto que lhes deu o sentido do passado e da história, da Fraga do Poio que lhes transmitiu dureza e algum sentido de grandeza, do rio Sabor que lhes deu outra dimensão da beleza e da vida.

É tão difícil utilizar as palavras mais apropriadas para definir a luta e a comunhão entre a natureza e esses antigos habitantes da história de Brunhoso, que antecedeu a minha partida para a Guiné.

Peço desculpa, se a emoção, de quem ainda viveu parte dessa história, lhe dificulta a razão e lhe prejudica a objectividade e imparcialidade.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16651: Brunhoso há 50 anos (10): As casas (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Guiné 61/74 - P16947: Memória dos lugares (356): A Ponte dos Três Arcos, de Leiria, por onde passava a estrada real Lisboa-Coimbra (José Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5)

1. Em mensagem do dia 5 de Janeiro de 2017, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), recorda a Ponte dos Três Arcos, localizada em Leiria, entretanto desaparecida, testemunha dos conturbados tempos da invasões francesas.

Boa tarde
Votos de Bom Novo Ano, para todos.
Existe, em frente à Fonte Grande ou Fonte das Carrancas, em Leiria, um Memorial que recorda uma ponte existente naquele local. Como se encontra junto de uma obra arquitetónica de grande volume, passa despercebida. Foi, porém, neste local que aconteceu um dos muitos episódios da batalhas que houve na região de Leiria, durante as 1.ª e 3.ª Invasões Francesas, tornando a região uma das mais afetadas pela passagem dos franceses, quer em vidas humanas, quer em perda de bens.
Junto a história dos factos iniciados junto à ponte.

Abraço
Zé Martins


A Ponte dos Três Arcos

© Foto: José Martins

Várias pinturas sobre a “Leiria Antiga”, executadas no início do século XVIII, mostram a existência de uma ponte, com três arcos, que se situava no espaço entre a actual ponte Afonso Zúquete (Afonso Veríssimo de Azevedo Zúquete, Leiria, 26 de Abril de 1883 - † 26 de Fevereiro de 1936) e a passagem pedonal Ponte El-Rei D, Dinis.
Essa ponte consta de um mapa, com data presumível de 1809, levantado pelo Major de Engenharia Manuel Joaquim Brandão de Sousa, pertencente à Direcção-Geral das Infra-estruturas do Exército.

© Foto: José Martins

Existem representações gráficas de mapas de Leiria, em "Toponímia de Leiria", de Alda Sales Machado Gonçalves, edição da Freguesia de Leiria, 2013, páginas 450 e 451; "Leiria no tempo das Invasões Francesas", de Jorge Estrela, edição Gradiva, 2009, página 48.
Era por essa ponte que passava a estrada real de Lisboa a Coimbra, e era guardada por tropas francesas, de forma a assegurar que a mesma não fosse utilizada para passarem por lá reforços, nacionais ou ingleses, que pudessem colocar em risco a supremacia das tropas de Napoleão.

Por uma pastoral datada de 21 de Dezembro de 1807, o Bispo D. Manuel de Aguiar (Évora, 8 de Dezembro de 1751 † Leiria, 19 de Março de 1815 - episcopado de 1790 até à data da sua morte), recomendava aos habitantes que não hostilizassem o invasor, pois que, além de ser contra a Lei de Deus, atrairia sobre eles grandes males. A Câmara da cidade também manifesta, à Junta Suprema do Reino, a sua admiração por Napoleão, ressaltando que, face à posição geográfica de Leiria, e como lhe é peculiar, será com distinção e cordialidade que acolherá o exército francês. Tal não é o entendimento das tropas que, respondem com agressividade e brutalidade, não só em Leiria, mas em todos os locais onde estacionam ou passam.
É, porém, bem longe de Leiria, que tem início a revolta que há-de provocar, como sempre, mais danos principalmente na população, quer em vidas, quer em bens. A 2 de Maio de 1808, em Madrid, o povo revolta-se contra os franceses que, após 22 dias de repressão sangrenta sobre a população civil, o invasor acaba por ser expulso da cidade. Outras se vão seguir: Saragoça a 24 de Maio, Santander e Sevilha, a 27, seguida de toda a Andaluzia; e Badajoz a 30.


A revolta cruza as fronteiras nacionais e a população insurge-se-se contra as autoridades instaladas, que prestavam vassalagem a Junot e, através deste, a Napoleão: O primeiro sinal é dado pela população de Chaves a 5 de Junho, e do Porto, no dia seguinte. Espalha-se por Braga, Bragança, todo o norte e Beiras, chegando a 23 de Junho, a vez de Coimbra. É de daqui que em 28 desse mês de Junho, parte um destacamento do Batalhão Académico sob o comando de um Furriel, constituindo um grupo de 16 homens armados, que se lança para Leiria, dando combate a todas as forças francesas que encontrassem. Como o grupo era diminuto foi atraindo, para a causa nacional, as populações civis que, deitando mão das armas de que dispunham ou armando-se com as ferramentas dos seus místeres, se lançaram nos combates que pudessem vir a ter lugar.

A “boa vontade” inicial e solicitada pelas autoridades, civis e eclesiásticas, aos cidadãos, caíram por terra. É que não era só o verem ser levados os frutos do trabalho de longos meses e anos: eram o trigo guardado para fazer pão; eram os animais que haviam de ser vendidos no mercado, ou que iriam encher a arca do sal; era o ouro que os pais haviam deixado, que desaparecia; era o próprio corpo do chefe da família, da mulher e dos filhos, tivessem a idade que tivessem, que eram vergastados para obrigarem a dar aquilo que lhes fazia falta e que a todo o custo queriam defender.
O pequeno corpo de cavalaria que saíra de Coimbra, dirige-se a Pombal e Leiria, onde se encontravam destacamentos franceses. Por onde passassem deveriam aclamar o Príncipe Regente, arvorando a Bandeira nos edifícios públicos.
Em Condeixa foram aclamados pelos populares, proclamaram o Príncipe Real, deixaram ao Capitão das Milícias, Manuel Moniz de Gouveia Rangel, a defesa da terra e rumaram ao Sul.

Em Pombal, que já fora abandonada pelos franceses, cumprindo ordens do Governador de Coimbra, nomearam o Dr. Luís António, como vereador mais velho, Governador do Distrito e o comando militar ao Capitão de Milícias de Leiria, Francisco Peregrino de Menezes, e partem no encalço dos estrangeiros.
Ao chegarem a Leiria no dia 30 de Junho, encontraram os franceses a bloquear a ponte sobre o Lis. O grupo de camponeses de Soure, Condeixa e Pombal, cerca de trezentos, faziam um barulho ensurdecedor, com gritos e invectivas, ressoando sobre as vozes um tambor ou um bombo que o tocador fazia vibrar a cada pancada, atordoando os ares.


Os franceses que estavam em linha de batalha, na defesa da ponte, eram dezoito e sobre os mesmos se lançaram dois cavaleiros do Batalhão Académico que, brandindo as espadas e disparando as pistolas, rapidamente os puseram em fuga. Mesmo assim, com a desproporção, deram-lhes batalha, regressando na Leiria com armas e outras peças de fardamento, que os fugitivos deixaram para trás. No dia imediato, 1 de Julho, o destacamento académico solicita ao Bispo, D. Manuel de Aguiar, que aceite o governo civil da cidade, o que ele recusa mas, propõe-se colaborar em tudo o que lhe for possível; o Juiz de Fora limita-se a ler a proclamação do Governador de Coimbra. Quem festejou a chegada de mais defensores foi o povo da cidade e arrabaldes, que se predispôs a procurar armas, onde pudessem, mas de pouco serviu porque as armas eram poucas e não havia pólvora.

Perante a recusa do Bispo, é eleito pela população, Miguel Luís de Silva e Ataíde para o cargo do governo civil, partindo de imediato para Coimbra, em busca de reforços; a defesa militar foi entregue ao Alcaide-Mor Rodrigo de Barba Alado, coronel de cavalaria, mas já avançado na idade.
Quando se procedia à eleição dos responsáveis civis e militares da cidade, chegou o Juiz dos Povos da Pederneira e Nazaré, pedindo reforços. Assim partiu com destino á Nazaré o destacamento académico, com as Ordenanças de Leiria Pombal e Pataias, que pudessem marchar.
Quando em 4 de Julho, o povo de Leiria festejava a expulsão dos franceses, com gritos e procissões, agitando bandeiras, chega a notícia de que o General Margaron se encontrava acampado junto a Porto de Mós, com uma força de 3000 soldados de infantaria, além da cavalaria e artilharia. Era o prenúncio do avanço das tropas francesas sobre Leiria, do qual resultaria o Massacre da Portela, que a placa colocada no muro dos Franciscanos, recorda.

Placa colocada no muro do Convento da Portela, junto à Câmara. © Foto José Martins

"AOS BRAVOS LEIRIENSES CAÍDOS 
NESTE LUGAR EM DEFEZA DA PÁTRIA 
EM 5 DE JULHO DE 1808 E AOS MAR- 
TIRES AQUI TRUCIDADOS NESTE DIA 
PELOS FRANCESES DO GENERAL MARGARON 
COMO HOMENAGEM AO SEU VALOR 
5-VII-1929           A L.N. 28 DE MAIO"

Odivelas, 3 de Janeiro de 2017
José Marcelino Martins
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16898: Memória dos lugares (355): Matosinhos, e a cantiilena de caserna "Oh! Xenhôr dos Matosinhos, / Oh! Xenhôra da Boa-Hora, / Ensinai-nos os caminhos / P'ra desandarmos daqui p'ra fora!",,, (Fotos de Luís Graça)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16946: Tabanca Grande (423): Braima Galissá, mestre Galissá, djidiu e tocador de cora, nosso grã-tabanqueiro nº 732









Lisboa > Anfiteatro do Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 >  Cerimónia de lançamento do livro Diário da Guiné: 1969-1970: O Tigre Vadio, da autoria do nosso camarada Mário Beja Santos (Lisboa: Círculo de Leitores, e Temas & Debates, 2008, 440 pp.).

Sequência de fotos relativa à actuação do mestre guineense, mandinga do Gabu, a viver em Portugal desde 1998, Braima Galissá, tocador de corá, e cantor (djidiu).

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os .direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Já em tempos transmiti ao Mário Beja Santos o meu desejo de ver o José Braima Galissá, o mestre Galissá,  integrado na nossa Tabanca Grande, de pleno direito, por ele e por tudo o que ele tem feito: 

(i) o que ele tem feito  por esse maravilhoso instrumento que é o corá (do mandinga Kora, em português, corá, em crioulo, korá);

(ii) pela sua própria história de vida, filho, neto, bisneto, de músicos do Gabu;

(iii) pelo desenvolvimento e divulgação da música guineense, de origem afro-mandinga,

(iv) pela sua terra, Guiné-Bissau,  que ele muito ama;

(v) pelo estreitamento das relações luso-guineenses,

(vi) pela nossa lusofonia:

(vii) pela multiculturalidade e pelo seu ensino (nas escolas portuguesas);

e  enfim, (vi) por todos nós, amigos e camaradas da Guiné...

O J. Braima Galissá já vive em Portugal quase há duas décadas, nasceu em 1964 no Gabu e foi obrigado a fugir da sua terra com  guerra civil em 1998... Vive modestamente em Lisboa, nas Olaias, dá também aulas em várias escolas, a filhos de emigrantes, incluindo guineenses. Tem feito vários espectáculos, tem uma gente artístico mas não me parece que possa viver só da música.Sei, pela conversa telefónica que tive com ele, que  aguarda a atribuição da nacionalidade portuguesa que já requereu, e que se  habilitou também a uma casa de habitação social em Lisboa.

Tem uma página pessoal no Facebook. Tem a sua banda. Tem um filho que também é tocador de corá, o mais velho, o Nico Galissá (além de informático)...É casado, tem uma esposa e 4 filhos (2 meninas), é muçulmano. A esposa e os filhos mais novos vivem em Bissau.

Gostaria um  dia de o poder levar a um dos encontros da nossa Tabanca Grande... Em conversa com ele ao telefone, falei-lhe desta proposta de o integrar na nossa Tabanca Grande, proposta,que ele aceitou, sentindo-se honrado com a  ideia que agora, finalmente, se concretiza.

O Braima Galissá será o membro nº 732 da Tabanca Grande (*). Tem já 15 referências no nosso blogue.


2. Comentário meu, adaptado do poste P11251 (**), seguido de um comentário do Braima Galissá a que eu nunca cheguei a responder na altura...

Mário:

Obrigado pela tua colaboração neste folheto de divulgação de um instrumento (o corá), de uma arte (a música afro-mandinga) e de um artista (o Braima Galissá) de que eu sou fã tal como tu...

Quero que transmitas ao Braima o meu/nosso desejo de o ver integrado de pleno direito no nosso blogue e na nossa Tabanca Grande. Queria que ele fosse mosso grã-tabanqueiro  e se sentasse aqui, connosco, camaradas e amigos da Guiné, sob o nosso poilão frondoso, mágico, fraterno...

Ele é um artista e um pedagogo da música que já não precisa da nossa "muleta", para conseguir visibilidade e reconhecimento...  Mesmo assim o nosso blogue é uma ponte entre margens de vários rios...

 Ele é um "combatente" da cultura e eu concordo contigo, que temos que fazer mais e melhor no apoio aos artistas (músicos, cantores. escultores. artesãos, poetas, escritores...) da nossa querida Guiné, alguns dos quais  a viver em Portugal na diáspora (falando de músicos, além do Braima, o Kimi Djabaté,o Mamadu Baio, o Manecas Costa... (daqueles que eu conheço, e que são gente talentosa e generosa). Há, felizmenyte, muitos outros artistas guineenses, que vivem em Portugal, ou vêm cá com regularidade. O nosso blogue está aberto para, generosa e ativamente, apoio o seu a trabalho.

Já aqui  apresentei, em tempos, em 28/1/2014 (***), o novo grã-tabanqueiro, o guineense Mamadu Baio, da tabanca de Tabató, líder dos Super Camarimba  (e que o meu filho, João Graça, conheceu em dezembro de 2009). Casado com uma portuguesa, foi pai de um linda menina. Trabalha também como segurança, já que a música ainda não pode ser o seu ganha-pão exclusivo.

O Braima Galissá convive já connosco há vários anos, desde pelo menos o lançamento do teu livro, o "Tigre Vadio", em 11/112008, no Museu da Farmácia (foi nessa altura que o conheci, pessoalmente). Depois disso já nos temos encontrado por aí em diversos eventos culturais.

Lembro-me, por exemplo,de o ter encontrado em Lisboa, no Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... Mais exatamente no Arquivo Municipal de Lisboa - Núcleo Fotográfico,  Exposição Todos...  Tirei-lhe uma foto com a Alice... Modestíssimo, lá estava ele,  o mestre Galissá, natural do Gabu, o grande tocador de corá  da Guiné-Bissau... Fomos encontrá-lo, nesta exposição, a tocar corá... Divinalmente, como só ele sabe fazer... Falou-me da sua banda, e da sua colaboração também com a banda do Kimi Djabaté... Dei-lhe um abraço dos seus amigos, da Tabanca Grande.

Ele é, afinal,  um grande embaixador da cultura da Guiné. E tu, Mário, como amigo dele, vais ser o seu padrinho na Tabanca Grande, peço-te que escrevas sobre ele duas linhas de apresentação, para completar o que aqui fica dito e escrito...

Um abração. LG


3. Comentário do Braima Galissá com data de 15 de março de 2013, 10h44

Olá, sr. Luís Graça:

Como vão as atividades ? Tudo bem consigo ? Espero que sim, que esteja tudo bem consigo.

Por outro lado, quero perguntar ao sr. Luís se já esteve na Guiné, e em que zona da Guiné-Bissau. Era só isto. Porque costuma chamar ou dizer camarada, e por isso me parece que esteve em África. Obrigado, camarada.

Braima Galissá


4. Resenha biográfica

(...) José Braima Galissá, professor e mestre griot [cantor ambulante, djidiu] de corá, instrumento africano de 22 cordas, nasceu na Guiné-Bissau em 1964 no seio de uma família de griots da cultura Mandinga, que tocam corá  há mais de 600 anos.

Começou a aprender o Kora, em meados de 1970, pela mão do seu pai. Hoje é considerado um dos melhores músicos representantes da cultura Mandinga, pelas suas excelentes qualidades de exímio tocador de corá.

Foi responsável e compositor do Ballet Nacional da Guiné-Bissau e professor de corá na Escola Nacional de Música José Carlos Schwarz durante 11 anos.

Reside em Lisboa desde de 1998, onde desenvolve o projecto Bela Nafa.(...)

Fonte: Adapt de Braima Galissá > Biografia


Sobre o corá, vd. aqui os postes  de


14 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11705: Notas de leitura (491): Atlas dos Instrumentos Tradicionais da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)
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Guiné 61/74 - P16945: In memoriam (275): Adeus Mário e nobre Soares (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703)



1. Em mensagem datada de 10 de Janeiro de 2017, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos este artigo de opinião para publicação:


Adeus Mário e nobre Soares

Foi-se embora, fica a História e o seu julgamento. Se foi o coveiro do Portugal Africano, desempenhou-se com a dignidade, porque nem fora autor da morte nem quem lhe abriu a cova. E superou-se como político e estadista – o grande dos maiores obreiros da transformação do Portugal imobilista no Portugal democrático e progressista.

Naquele tempo eu pensava que a solução dos problemas que assoberbavam o país recaía sobre os portugueses do interior, na oportunidade da “Primavera marcelista”, esperançadamente nutrida pelo ideário da então Ala Liberal da Assembleia Nacional. Os partidos Comunista e Socialista (este formado recentemente na Alemanha) pareciam-me organizações externas ao país, formatadas por emigrantes políticos, geralmente fugidos ou a isto ou àquilo. Como mal informado, enganara-me.

Desembarcado na Estação de Santa Apolónia, Mário Soares pareceu-me um demagogo, revolucionário oportunista, retórico mobilizador e radical, que ultrapassava pela esquerda o Partido Comunista e os movimentos da extrema-esquerda. Só comecei a interessar-me pela sua personalidade por altura do Congresso do PS, em meados de Dezembro de1974, alertado pelo apoio declarado dos países comunistas à facção do católico e progressista Manuel Serra contra a facção do socialista e laico Mário Soares. Isso levava água no bico e, então, comecei a perceber a sua luta pela liberdade e que o seu populismo era manobra táctico em se posicionar ante “o povo como o peixe para a água” – a grande arma táctica dos partidos comunistas.

E os acontecimentos confirmaram essa razão. Adiante.

A “Descolonização exemplar”, o maior desastre nacional após Alcácer Quibir, tema tão caro às centenas de milhar de portugueses, pela sua dádiva da juventude, saúde, integridade física e da própria vida, na condição de militares, a lutar para que Portugal não fosse corrido da África a tiro e como sendeiro, após 500 anos de estar nela como leão, teve a responsabilidade de Mário Soares? Alguma, certamente – mas de grau muito inferior à do anterior regime e, sobretudo, à da “Comissão Coordenadora do Programa do MFA”, que se lhe antecipou a conspurcar a substância de liberdade e de democracia desse movimento militar, na sua trajectória de se transformar em partido armado!

Mário Soares apresentou-se na Cova da Moura ao MFA e assumiu o Ministério dos Negócios Estrangeiros comungando as ideias e princípios da autodeterminação por eleições livres, inclusivas, e das suas independências por tratados. Mas quando partiu para essa missão, já o MFA se lhe antecipara, em oferecimento da retirada, do abandono, ao PAIGC, à FRELIMO e ao MPLA – porque nos queriam correr a tiro! Imaginemo-nos na sua situação negocial, a ouvir o contínuo zumbido do MFA de “despache-se, senão a tropa rende-se” e, no caso da Guiné – a caixa de Pandora que esse movimento militar abriu para esse desastroso desfecho – a cassete em contínuo de José Araújo e Pedro Pires: - Negativo! Vão-se embora! Vão-se-embora!

Na senda dos republicanos – o pai fora ministro das Colónias da I República - em 1966 Mário Soares ainda preconizava uma discussão do Minho a Timor, sobre o Ultramar – como todo o português, de espírito óbvio. Passou a advogar as negociações que conduzissem às independências africanas com a entrada de Marcelo Caetano – pela sua intuição de o salazarismo não poder subsistir sem Salazar.

Em 1974, partiu para as negociações com esse pressuposto. Cedeu aos factos consumados e seguramente que terá feito o melhor que pôde; depois, voltou-se a enfrentar o futuro, generosamente, sem recriminações aos seus actores, preocupado em aliviar-lhes a negrura desses factos acontecimentais. E como primeiro-ministro e durante os seus 10 anos como PR não foi a Cuba, em romagem a Fidel Castro…

Ganhou direito a um lugar no olimpo dos Grandes Portugueses.

Manuel Luís Lomba
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16910: In memoriam (274): José Augusto Machado (1949-2017), ex-fur mil at, CART 2715 (Xime, 1970/72); vivia em Caneças, Odivelas. O velório é hoje na igreja de Casal de Cambra, Sintra, e o funeral é amanhã às 15h00 (Benjamim Durães)

Guiné 61/74 - P16944: Os nossos seres, saberes e lazeres (194): Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 3 de Agosto de 2016:

Queridos amigos,
Prossegue o périplo à volta do Cabril do Zêzere, uma região que assombra pela natureza das penedias e fragas e pelo diálogo que o rio Zêzere estabelece entre duas regiões gémeas na natureza e diversas na organização administrativa. Tudo mudou no século XX quando Salazar deu luz verde para o plano hidroelétrico e nasceram três barragens em torno do Zêzere: Bouçã, Cabril e Castelo de Bode, surgiram opulentas albufeiras, houve o chamariz de novas oportunidades de trabalho, cresceu a curiosidade turística com a facilidade dada pela ponte sobre a barragem, ligando Pedrógão Grande à Sertã. Mas foi a ponte do Granada, no vale do Zêzere, a mais alta ponte da Península Ibérica, no itinerário do IC8 Figueira da Foz-Castelo Branco que trouxe mais promessas. Só que o tão almejado desenvolvimento do interior continuou limitado à indústria da madeira.

Um abraço do
Mário


Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (2)

Beja Santos

Lê-se a páginas 539 do VI Volume de Portugal Antigo e Moderno, Dicionário Geográfico, Estatístico, Corográfico, Heráldico, Arqueológico, Histórico, Biográfico e Etimológico de todas as cidades, vilas e freguesias de Portugal e de um grande número de aldeias, de 1875: “Pedrógão Pequeno (antigamente Pedrógão do Crato ou Pedrógão do Priorado) é uma vila situada num platô, próximo da esquerda do Zêzere, e da famosa ponte do Cabril, e é uma das mais bonitas da província e uma das doze vilas do grão-priorado do Crato. Apesar de pequena tem a vila seis igrejas. A famosa e antiga ponte de Cabril é toda de cantaria e com três arcos. Tem 62,4 metros de altura, e está muito bem conservada. Foi esta vila cabeça do antiquíssimo concelho, suprimido depois de 1834. Tinha Câmara, Juiz Ordinário, Paços do Concelho e respetivos Escrivães. Ufana-se esta vila de ser a pátria de António Gregório Leitão, jovem e esperanço poeta, a quem a morte arrebatou quando o seu peregrino talento principiava a ser conhecido”.


Foi a barragem do Cabril quem aqui me fez chegar, dela desfruta-se duas panorâmicas distintas: a albufeira e o vale do Zêzere. Subi à encosta, aí me desgracei com uma casa derrancada mas cheia de caráter. Não se entra num lugar sem estabelecer uma relação amigável com envolvente, neste caso Pedrógão Pequeno, aldeia de xisto, beneficiou de um programa de reabilitação, vezes sem conta me demoro na praça principal, com pelourinho.



Agora um desabafo: manter um jardim nesta penedia onde os construtores derramaram uns centímetros de terra para ver brotar hortas e jardins, é um verdadeiro quebra-cabeças, para quem não vive em permanência. Aos poucos, e com a prestação de serviço de alguém que aqui vem regar à mangueira o plantio, temos as dálias, as azálias, lírios, margaridas, cresce a vinha, rosmaninho, alfazema, há uma tangerineira e três laranjeiras. É um regalo para os olhos, e um agradável relaxamento andar acocorado a arrancar as ervas daninhas, a enterrar novos catos, a fazer novas experiências.



Vamos agora fazer um pequeno passeio pela vila. Mais acima mostrou-se a Praça Velha, de belas cantarias, o visitante tem para desfrute “casas de brasileiro”, a igreja matriz erigida no século XVI e com as transformações do costume, daí poder-se dizer que nela coexistem elementos renascentistas e barrocos, é a Igreja de S. João Batista. O Paço da Junta de Freguesia remonta ao século XVII, pertenceu ao priorado do Crato, nesta casa nasceu em 1813 Eduardo Maria Leitão de Melo Queiroz, o último capitão das milícias locais, há capelas e junto à Praça Velha, restaurada temos a Capela da Misericórdia, obra do século XVII e século XVIII. O visitante mais afoito pode visitar o Cabril do Granada, a ponte filipina, a bela ponte da Levada do Cabril e percorrer o Moinho das Freiras, atravessando o seu túnel. Em próxima incursão, dou-vos imagem de um cenário para um dia muito feliz passado na região, aqui se come uma deliciosa sopa de peixe e os pratos regionais são o bucho e os maranhos.




(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16916: Os nossos seres, saberes e lazeres (193): Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (1) (Mário Beja Santos)