1. Transcrição de uma publicação do Blogue Molianos, viajando no tempo, do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), dedicada aos seus conterrâneos que prestaram serviço no TO da Guiné:
JOVENS DA ALDEIA DE MOLIANOS NA GUERRA DA GUINÉ
Durante os últimos 13 anos de domínio colonial português, cerca de 40 jovens naturais da aldeia de Molianos foram mobilizados para a
guerra que se desenrolava nas colónias portuguesas, Angola, Guiné e
Moçambique. Três, com um pouco mais de “sorte” foram mobilizados para
Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor.
Este
trabalho procura dar a conhecer, ainda que resumidamente, o que foi a
passagem pela Guiné dos 14 jovens de então, que, naquela que
poderia ter sido a melhor fase da sua vida, tiveram de deixar tudo e
partir para um local onde a única certeza era a de ir para um cenário
de guerra.
Todos caminhámos por aquelas picadas de terra vermelha, muitos rios,
bolanhas, matas que nos tempos de hoje certamente são lindas de ver,
mas naquele tempo, para quem tinha de as percorrer debaixo de um sol
tórrido ou de chuvas torrenciais, correndo o risco de pisar uma mina,
ser atravessado por uma bala, ou crivado de estilhaços, as coisas eram
bem diferentes.
O José
Gustavo
da Silva assentou praça em julho de 1963,
foi o primeiro militar da nossa aldeia a ser mobilizado para a Guiné,
foi com o posto de soldado e especialidade de armas pesadas.
Na foto
podemos ver a sua companheira inseparável nos momentos de maior
incerteza, a bazuca.
Embarcou no navio Quanza no dia 8 de janeiro de
1964.
Pertenceu à CCAÇ 618, que esteve em S. Domingos, Varela e Binar.
Tiveram seis baixas na companhia, duas por acidente, afogamento no rio… e
quatro em combate.
Regressou à metrópole no navio Uíge a 2 de
fevereiro de 1966.
Manuel
da Silva Ferreira, foi mobilizado com o posto de soldado e especialidade
de corneteiro, pertenceu à CCAÇ 1426, que esteve em
Geba, Camacudo, Banjara e Catacunda.
Embarcou com destino à Guiné em 18 de agosto de 1965 chegando seis dias depois a Bissau.
Na foto está junto a uns bidons, que depois de vazios de combustível,
não raramente, eram cheios de terra e utilizados em abrigos para
proteção de fogo inimigo.
No regresso à metrópole embarcou a 3 de maio de 1967.
Chegou no dia 9 a Lisboa.(*)
José da Silva assentou praça a 25 de outubro de 1975.
Embarcou para a Guiné a 20 de abril de 1966, com o posto de soldado. Pertenceu à CCAÇ 1549,
que esteve em Tite, Fulacunda e Quinhamel.
Na foto vêm-se alguns troncos que podem ser apenas árvores derrubadas, ou, a cobertura de algum abrigo subterrâneo.
Embarcou de regresso à metrópole a 26 de dezembro de 1977.(*)
Alberto Pedro Ferreira
Peralta, 1.º cabo com a especialidade de atirador, embarcou para a Guiné no navio Uíge a 14 de julho de 1967.
Pertenceu à CCAV 1749, que esteve em Mansoa e
Mansabá. Durante alguns meses desempenhou as funções de cabo de rancho.
O acontecimento que mais o marcou durante a comissão, foi quando
sofreram uma emboscada em que as nossas tropas sofreram duas baixas. A
companhia teve oito baixas todas em combate.
Regressou à metrópole no navio Niassa a 13 de junho de 1969.
Atalívio Alexandre
Ferreira,
1.º cabo, foi mobilizado com a especialidade de cozinheiro, da nossa
aldeia para aquela província foi o único, embarcou para a Guiné em
Lisboa no dia 28 de Outubro de 1967 no navio Uíge. Chegou a Bissau a 2 de novembro.
Integrou a companhia 1787 que esteve em Empada.
No regresso à metrópole, embarcou a 23 de agosto de 1969.
Desembarcou em Lisboa a 28 do
mesmo mês.
José Fernando Carreira
Coelho assentou praça no mês de novembro de 1967, soldado
com a especialidade de condutor auto, embarcou para a Guiné no navio Uíge no dia 11 de agosto de 1968.
Pertenceu à CART 2410, “Os Dráculas” que esteve em Bissau, Cacheu,
Bachil, Gadamael Porto, Ganturé e Guileje. Tiveram três baixas na
companhia, uma das muitas ocorrências que apesar do tempo que passou
não mais esqueceu, foi a mina que os picadores levantaram na picada à
frente da viatura que conduzia.
Regressou à metrópole no navio Ana
Mafalda a 18 de abril de 1970.
Viajem
atribulada na maior parte do trajeto, só porque era o regresso a casa
a amenizou um pouco, mas ainda recorda o desconforto por que passaram.
António Reis
Pavoeiro assentou praça em julho de 1969.
Foi mobilizado em rendição individual para a Guiné com o posto de 1.º
Cabo e especialidade de escriturário, viajou no navio Alfredo da Silva,
um dos vários que fazia transporte de pessoal e mercadorias entre a
metrópole e aquela província.
Passou toda a comissão em Bolama, local, em que durante o tempo que
lá esteve foi flagelado apenas duas vezes, à distância, com foguetões,
sem consequências.
Regressou à metrópole em avião no dia 3 de agosto de 1972.
José Fernando Pimenta
Faustino,
assentou praça em agosto, soldado condutor auto embarcou para a
Guiné em 12 de março de 1971 no navio Uíge. Foi em rendição individual.
Esteve seis meses em Teixeira Pinto, CAOP 1, o resto da comissão foi passado em Bissau. Veio uma vez de férias à metrópole.
Regressou por via aérea a 8 de fevereiro de 1973.
Ainda tem em seu poder os recibos do ordenado que
recebia, 1.157 escudos, dos quais, 150 correspondiam ao chamado prémio de viatura.
Francisco Pereira Louro, embarcou para a província da Guiné em 12 de março de 1971, foi em rendição individual, esteve no Pelundo
Única informação disponível. (*)
José dos Reis
Pavoeiro foi
mobilizado para a Guiné com a especialidade de corneteiro, para onde embarcou a 16 de setembro de 1971.
Esteve em
Teixeira Pinto.
Foi juntar-se ao irmão, António, que já lá se encontrava há cerca de 13 meses.
Durante o tempo que durou a guerra colonial nas várias frentes, da
nossa aldeia foram os únicos irmãos a estarem ao mesmo tempo e na mesma
província, um em Teixeira Pinto e o outro em Bolama, mas poucas vezes se
encontraram.
António Ferreira da Silva
Inácio, pertenceu à polícia militar, o único da nossa aldeia que passou todo o tempo de comissão em Bissau.
Foto
tirada na esplanada do café Bento, local de encontro não só para quem
prestava serviço na cidade, mas também para muitos que pelas mais
variadas razões passavam por Bissau. Os três que estão trajados à civil
não eram da nossa aldeia, com o posto de primeiro sargento enfermeiro
prestavam serviço no hospital militar de Bissau. O que está com o copo
na mão era nosso vizinho, de Alcobaça, primeiro Canha. Dos que estávamos
com farda militar, o do centro era eu
Jerónimo a primeira vez que vim de férias, o que está sinalizado com a seta era o
Inácio, e o último da direita era o
Faustino. Era cerca de meia noite quando a foto foi tirada, estávamos todos muito animados…
António Eduardo
Jerónimo Ferreira assentou praça no dia 25 de janeiro de 1971.
1.º Cabo condutor auto viajou em avião rumo à Guiné na madrugada do
dia 24 de janeiro de 1972, com
escala em Cabo Verde. Chegou ao fim do dia ao destino.
Esteve cerca de um
mês em Bissau antes de chegar à companhia, a CART 3493, depois de treze
meses em Mansambo, breve passagem por Fá Mandinga, Cobumba
Ver aqui e
Bissau.
Veio de férias à metrópole duas vezes.
A companhia teve três baixas, duas vítimas de explosão de uma mina
que rebentou na arrecadação para onde tinha sido levada depois de
detetada e levantada na picada (eu estava de serviço de condutor nesse
dia …) e uma por acidente com uma viatura já em Bissau, vários feridos
graves todos em consequência do rebentamento de engenhos explosivos.
A companhia durante a comissão teve cinco viaturas destruídas por
minas anticarro, das quais quatro em Cobumba.
Regressou à metrópole por
via aérea no dia 2 de abril de 1974.
José Bértolo
Coelho assentou praça no mês de maio de 1973.
1.º Cabo, apontador de bazuca, viajou para a Guiné em avião no dia 23 de Setembro do mesmo ano.
Pertenceu à CCAÇ 4544/73, que esteve no Cumeré e Cafal
Balanta.
Foram muitos os momentos difíceis por que passou, mas aquele
que recorda como tendo sido o pior, aconteceu no dia 30 de novembro
de 1973, o primeiro ataque ao arame que durou
cerca de duas horas, ainda na companhia dos “velhinhos”.
A CCAÇ 4544/73 teve cerca de seis dezenas de feridos, alguns graves,
todos em consequência do rebentamento de minas, desses, vários já depois
da revolução de abril.
Regressou à metrópole de avião no dia 8 de
setembro de 1974.
Carlos
Alberto Ferreira Pavoeiro, dos que passámos pela Guiné, foi o único da
nossa aldeia que não prestou serviço no exército, assentou praça no
quartel da marinha em Vila Franca de Xira, foi mobilizado para a Guiné
com o posto de grumete eletricista, passou todo o tempo de comissão
integrado na guarnição do NRP Sagitário, onde era conhecido por
o Lisboa, nome da cidade para onde ainda criança foi viver com os pais.
Esteve na Guiné nos anos de 1968 a 1969.
Nota: (*)
já falecidos.
Este trabalho foi elaborado, graças à colaboração prestada pelos ex-militares da nossa aldeia que passaram pela então província portuguesa
da Guiné a quem agradeço.
Um obrigado muito especial aos familiares dos
que já não estão connosco, pois só assim foi possível que informação
referente a todo o grupo ficasse para memória futura.
Foram anos muito difíceis, não só para os que tivemos de ir para a
guerra, mas também para familiares, vizinhos e amigos. Os anos iam
passando e, mesmo aqueles que eram ainda crianças quando a guerra
começou, quase todos lá foram parar.
Apesar das dificuldades por que passámos, tendo em conta os perigos
que nos acompanhavam a cada momento, podemos dizer que tivemos alguma
“sorte,” regressámos todos.
Mas, a pátria (naquele tempo) não estava preparada para receber
aqueles que tinham sido forçados a ir para a guerra. Quando regressaram
queriam trabalhar e estar juntos dos seus, mas metade dos que vieram,
passado pouco tempo, tiveram que emigrar à procura de uma vida
diferente, que lhe permitisse encarar o futuro para si e para os seus,
com mais esperança.
António Eduardo
Jerónimo Ferreira
____________
Nota do editor
Último poste da série de 24 de Abril de 2014 >
Guiné 63/74 - P13035: Blogues da nossa blogosfera (66): Coisas da Vida - A Vida como ela é - A Bochecha de Boi (Jorge Teixeira - Portojo)