quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10570: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte III): De Porto Gole a Cutia: Op Escudo Negro: conseguimos entrar no 'santuário' de Sará / Sarauol


Guiné > Região de Quínara > Empada > 1969 >  S
entados: primeiro plano, Furriel Serôdio, Furriel Gonçalves (à esquerda), segundo Sargento Nogueira; de joelhos: Furriel Silva (enfermeiro); de pé: à esquerda: Furriel Silva e soldado Andrade.

Fotos: © Manuel Serôdio (2012). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Serôdio que vive em França, Rennes, capital da região da Bretanha (*)

Data: 15 de Outubro de 2012 15:01

Assunto: Companhia 1787
Mon cher ami Luis, voici la continuation des récits concernant la 1787. Je vois que ton français est de très bonne qualité, si tu parles aussi bien que tu l'écris, bravo. [Meu caro amigo Luís, aqui vai a continuação dos relatos sobre a minha CCAÇ 1787. Vejo que o teu francês é excelente, se falares tão bem como escreves, estás de parabéns. ] Um abraço amigo.


2. Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte III):  De Porto Gole a Cutia

A 13 de Janeiro de 1968,  deslocou-se a Unidade para Porto Gole, a fim de tomar parte na mais importante e perigosa de todas as operações que [a CCAÇ 1787] efetuou na Província

Operação "ESCUDO NEGRO"


Situação: 

a) Forças inimigas

Entre os rios Olom e Mansoa, estão referenciados a base do Sará e o grupo itenerante de Suarecumba.


b) Base do Sará:

Efetivo entre 25 a 50 elementos armados. 
Armamento: Morteiros de 82, e de 60, Lança Granadas-Foguete, Lança-Roquetes, Metralhadoras Pesadas, e Pistolas Metralhadoras. Instalações: 10 a 12 casas, 1 enfermaria, 1 arrecadação.


c) Grupo de Suarecumba:

Efetivo: entre 20 a 25 elementos armados, podendo estar em reforço, e dispondo de Morteiros de 60 e de Lança Granadas-Foguete.


d) A sul do rio Mansoa, conhecem-se a base de Lorcher e os grupo itenerantes de Mato Corba, Cubadjal e Mato Cão.


Nossas tropas: CCaç 1787, 2 grupos de combate da Companhia 1879, e a 5ª Companhia de Comandos.
Missão: 1) Destruir a base do Sará; 2) Patrulhar a região entre os rios Olom e Mansoa.; 3) Capturar ou aniquilar os elementos rebeles, destruindo instalações e meios de vida; 4) Pesquisar informações.


Deslocamento por Cã Mamadú para a passagem do afluente do rio Mansoa a sul de Manter, de modo a atingi-lo ao fim da tarde. No dia 16, após a ação da Força Aérea de ataque ao objetivo, deslocamento rápido para a margem esquerda do rio Mansoa, procurando interceptar o inimigo que se deslocasse para sul, e prevendo o reforço à 5ª Companhia de Comandos. Bater a região do Sarauol, explorar o eixo Sarauol- Ambum Nhire, e render a C.Cava 1749 na segurança do local de transposição do rio Olom em Mandingará. A 17, retirar para Cutia.

Em 15 de Janeiro, pelas 10 horas, iniciou-se a operação, progredindo com grande rapidez por um trilho situado em mata fechada. Cerca das 15,30 horas, foi deflagrada uma armadilha por um elemento da coluna. Ferido aparentemente sem gravidade, veio o soldado nativo Ansumane, a falecer pouco depois, sem se ter conseguido ligação rádio a fim de o poder evacuar. 

Nota pessoal: o irmão do soldado falecido, que também fazia parte da coluna, recuperou as botas do irmão que eram novas, ( tinham-lhe sido oferecidas dias antes da operação) e calçou-as, jà que as suas estavam em mau estado. Imagens simples e terríveis ao mesmo tempo.
A Companhia saíu do trilho, o que se revelou avisado, pois ao voltar ao mesmo para orientação, foram detetadas outras duas armadilhas. Quase ao anoitecer foi atingida uma clareira onde se resolveu passar a noite.

Depois de se ter reabastecido de àgua e quando, jà de noite, o segundo grupo de combate procurava local para se instalar, foi deflagrada nova armadilha que causou dois feridos graves e quatro ligeiros. Entretanto foi conseguida ligação com Porto Gole a quem foi pedida evacuação dos feridos. Escolheu-se local para a mesma, montando-se a seguarança. No local escolhido, os helicópteros não conseguiram poisar, pelo que foi tentado novo local, onde foi necessário abater algumas árvores.

Ao cansaço moral juntou-se esgotante cansaço físico. Finalmente os helicópteros conseguiram aterrar, evacuando-se o morto e os feridos.

De seguida dirigimo-nos para o rio Mansoa, por forma a cumprir a missão, atravessando matas densas, onde por vezes era necessário rastejar, mas chegando ao local a tempo de assistir ao bombardeamento do objetivo pela Força Aérea. A cerca de 1 km do rio Mansoa foram observados vestígios de sangue no capim. Pouco depois, na antiga tabanca do Sarauol efetuou-se a junção da Companhia com a quinta Companhia de Comandos. Descançaram-se 20 minutos, aproveitados para consumir a segunda refeição.

Depois continuou-se a marcha a corta-mato pois os trilhos podiam estar armadilhados. O rio Olom foi alcançado pela 21,30 horas. Foram mais de 12 horas consecutivas de marcha através de matas densas. Montado o dispositivo de segurança, passamos a noite na margem do rio. 


No dia seguinte [, 16 de janeiro], foi detetada a nossa presença, e o inimigo flagelou-nos por duas vezes. Da segunda vez, o inimigo revelou-se extraordináriamente agressivo, tendo chegado a poucos metros de nós, ouvindo-se elementos a gritar: "fôgo, fôgo". O inimigo sofreu 1 morto confirmado e outras baixas prováveis.

Foi pedido o apoio da Força Aérea para a travessia do rio, a fim que as nossas tropas não arriscassem a sofrer ataques, sem poder reagir. A travessia do rio extraordináriamente difícil, foi efetuada por meios de barcos de borracha em vagas sucessivas. Cerca das 17 horas concluiu-se a travessia. A Companhia dirigiu-se então para Cutia, de onde em viaturas seguiu para Mansoa.

A Companhia conseguira penetrar em território totalmente controlado pelo inimigo, e onde jamais as nossas tropas tinham atuado.


(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10526: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte II): Bula, Op Bolo Rei, uma grande operação de 15 dias, de 22/12/67 a 3/1/68: 40 mortos e 5 feridos confirmados e 14 capturados, do lado IN; 7 mortos e 32 feridos do lado das NT; recuperados 44 elementos pop

4 comentários:

Tony Borie disse...

Olá Manuel.
Descreves toda a acção em zonas perigosas, e de combate, numa linguagem acessível, e em alguns momentos usas a linguagem militar, está perfeito e compreende-se. Todas essas zonas no tempo em que estive lá, eram potenciais zonas que iriam pertencer aos guerrilheiros, pois essa zona a sul de Mansoa, que se prolongava até Porto Gole, estava a ser povoada por casas mato, e recebia equipamento bélico durante a noite, havia informação de corredores de abastecimento, e nas patrulhas que os militares faziam, encontravam todos os dias aldeias abandonadas, sinal de que já havia algum controle dos guerrilheiros. Continua, descreve e desabafa com os teus companheiros. Um abraço do Tony Borie.

Anónimo disse...

Caro Manuel Serôdio

De facto toda essa vasta zona enquadrada pelo rio Olom a leste, o Mansoa a sul e o itinerário Mansabá-Banjara era território "deles" e em 1970-71, quase toda Zona de Intervenção do ComChefe.
Vocês atravessaram-na de este para noroeste já que partindo de Porto Gole via Cã Mamadu foram depois atravessar o Olom, julgo que na parte mais larga (rio de Suarecunda) para apanhar o trilho em Mandingará e não numa cambança por Mansabandim.
Sara, Sarauol, Mantem, Ambum, Suarecunda e Changalana (do lado sul do rio Mansoa) eram todos lugares, naquelas matas densas, de bases ou refúgios do In. Pertencia esta zona, na "toponímia" do PAIGC ao SARA que se ligava com CANJAMBARI.

Abraço
JPicado

MANUEL GONÇALVES disse...

O Mundo é mesmo pequenino.
Andava eu a navegar sem rumo certo e encontro o meu amigo Serôdio a divulgar a História da 1787 da qual fiz parte.
Concordo plenamente. Há relatos que devem ser divulgados,com respeito e com verdade.
Sobre a Op.Escudo Negro,por tudo aquilo que se passou, arrisco a dizer que é relatada muito sumáriamente, pois dava para fazer
um filme tipo viet.EUA.
Esclarecendo o JPicado, digo que o Rio Olom foi efectivamente atravessado na parte mais larga, em
vagas de barcos de borracha.Desde a saída dos primeiros barcos com alguns elementos da 5ª.Cª.de Comandos até á saída dos nossos ultimos homens do Alf.Vairinhos demorou umas duas horas.
Outro esclarecimento: O DAWYES, de nome completo Vitor Hugo Maria Dawyes, era natural da Guiné, tinha a família toda em Bissau, estudou no Liceu, fez a recruta e a especialidade na Metrópole e juntou-se a nós em Tomar.
Era uma boa alma, que Deus de certeza tem em paz há uns quinze anos.
Um enorme abraço do Gonçalves.

Carlos Parente disse...

Caro camarada Serôdio o mundo é realmente muito pequeno através das novas tecnologias acabei por descobrir alguém que viveu de muito perto a situação terrível que marcou minha vida, o ferido mais grave da dita armadilha era eu, lembra por certo que não foi possível a ivacuaçâo pelo facto de ser noite digo-lhe que foi a noite mais terrível de minha vida pela manhã de dia 17 vieram dois elis que tiveram realmente muita dificuldade em aterrar, grassas aos meus irmãos de armas conceguiram a minha ivacuaçâo posso dizer que passei mais de um ano internado grande parte desse tempo entre a vida e a morte mais de um mês em Bissau depois fui ivacuado para Lisboa passando mais de um ano aí, perdi parte do intestino do estômago da bexiga o rim esquerdo os tendões da perna esquerda e sofri várias fraturas pulso cotovelo e ombro esquerdo bacia e perna esquerda, foi muito mal mesmo mas com muito esforço e vontade de viver concegui dar a volta e ainda estou por cá como gostava de o abraçar, se por ventura chegar a ler este bocado de minha história deixo aqui meu email, carlos.a.parente@sapo.pt sempre grato a todos os que me apoiaram um abraço muito querido Carlos Parente