quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10571: (Ex)citações (202): A coragem que muda a vida dos outros (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 20 de Outubro de 2012:


A CORAGEM QUE MUDA A VIDA DOS OUTROS 

A coragem é um acto não programável difícil de entender e mais difícil de explicar

Este texto é motivado pelo o último poste do Tony Borié* do qual transcrevo aqui um excerto dedicado ao ex Furriel Roger:

“Estas simples palavras são uma homenagem, em nome daqueles que ele tinha a esperança de salvar, ao atirar para longe a granada, embora já estivesse ferido, com desprezo pela sua própria vida, pois nesse momento sentia o dever da sua responsabilidade como líder, embora já não pudesse mover as suas pernas, destroçadas e cobertas de sangue”. 
Tony Borié

Rogério Cardoso (Roger) junto da sua autometralhadora Paulucha, viatura batizada com este nome em homenagem a sua filha Paula

O heroísmo é um acto não programável, é difícil de entender e mais difícil de explicar. Não tem idade, quem a pratica não é por ser bonito ou feio, não tem boa o má forma física, nem grau académico e por fim não tem causas pois pode-se ser corajoso mesmo numa causa errada.

Tem muitas fardas, mas também existe na ausência delas, não sei se existe algum estudo aprofundado, que daí resulte um padrão que enquadre quem a pratica. É ponto assente que o heroísmo aparece na beira de um rio, no mar em terra, em combate, num salvamento e é sempre um momento de dádiva supremo, porque tem risco da própria vida.

Será heroísmo a ausência do medo? Por outro lado sem o medo também não há heróis. Não faltariam heróis .

Haverá algum treino psicológico para o efeito? Penso que ninguém decide quando vai ser corajoso para além do racional.

“Não há outra saída”
“Não posso deixar o nosso camarada ali”
“Não posso deixar de ir”

Será que a ocasião fará o “ladrão”?

Quantos actos heróicos nasceram de uma certa insensatez, que faz o individuo desprezar as mais elementares regras da sua própria sobrevivência? Há dias a falar com um camarada que combateu na Guiné, contou-me como tinha caído numa emboscada com feridos e um morto. Retiraram deixando o morto no terreno. No quartel reorganizaram-se e formaram um grupo de combate só com voluntários para voltar ao local. Dos tinham caído na primeira emboscada só dois se ofereceram. Ao chegar ao local nova emboscada com mais feridos e mortos, sendo um deles um dos que já tinham caído na primeira emboscada.

O que levou aqueles homens a oferecerem-se para lá regressar?
Solidariedade?
No fundo era-lhes intolerável deixarem os outros irem e eles protegerem-se no quartel?

Em Alcobaça temos um ex combatente da Guiné com várias condecorações e entre elas a Cruz de Guerra. Numa das minhas deslocações lá, tentei falar com ele. Quis saber de viva voz como tinha acontecido, o que tinha sentido e o que o tinha levado a passar de soldado normal, para o patamar dos heróis.

Não quis falar do que lá se passou, o seu estado físico e depressivo denunciam um profundo desgosto pela vida que tem presentemente. Gostaria que ele tivesse falado comigo, porque na altura era ideia minha escrever a sua estória para o blogue. De qualquer forma, sabemos que ele contribuiu com a sua coragem para evitar maiores desgraças para si e seus camaradas.

Talvez ainda faça mais uma tentativa sem melindrar o camarada. Quanto aos nossos heróis muita coisa se poderá escrever sobre eles, é que muitos de nós, devemos muito, a muito poucos.

Diz o Tony no fim do seu texto:
“Felizmente, ainda está vivo [O Roger], e faz parte dos nossos, que cada vez somos menos, os antigos combatentes.”

Eu congratulo-me por ele estar vivo e aproveito para lhe enviar um abraço.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10549: Do Ninho D'Águia até África (19): Furriel Roger, o Herói

Vd. último poste da série 25 DE OUTUBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10569: (Ex)citações (201): Não me lixem com o Pifas! (Salvador Nogueira)

1 comentário:

Tony Borie disse...

Olá Juvenal.
A coragem em alguns momentos, e de acção rápida, tem milhões de explicações. No meu modesto entender, o caso do Roger, poderá ter acontecido uma vez, talvez num milhão ou mais de casos. Tenho aqui um colega, na diáspora, que também foi condecorado por actos de bravura em combate na província da Guiné, com a medalha de guerra, e diz-me em alguns momentos, que se fosse hoje, fugia a esconder-se e procurar sobreviver, e depois mais à frente, quando a conversa se prolonga, diz que faria o mesmo, ou mais ainda, pois para ele a vida dos colegas era tal e qual como fosse a dele. Portanto poderá haver milhões de razões, dependendo talvez do momento, dos sentimentos humanos, da relação com os companheiros, do desprezo pela vida, da natural coragem, talvez vendo que já não pode sobreviver, mas o seu corpo poderá ainda salvar alguém, enfim, um milhão de presupostos.
Nem que a guerra vivida na Guiné, sem qualquer intenção política ou de qualquer outra espécie, não desse para mais nada, pelo menos mostrou o carácter dos nossos heróis, no qual se inclue o Roger, de quem nos devemos orgulhar.
Um abraço do amigo, Tony Borie..