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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25869: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (57): Ataque ao Destacamento do Dugal em 09 de Junho de 1971

1. Mensagem do nosso camarada João Moreira, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 19 de Agosto de 2024:

Boa noite Carlos e Luís
Este é o meu último "post" sobre a história da minha Companhia (CCAV 2721).

É natural que com o passar do tempo me lembre de mais "estórias" passadas na Guiné. Quando isso acontecer enviar-vos-ei para analisarem e publicarem, se acharem que vale a pena.
Entretanto, informo-vos que trouxe várias peças de artesanato (madeira e missanga).
Se entenderem que tem interesse para publicação digam, para mandar as fotos, mas só daqui a algum tempo, porque tenho as próximas semanas destinadas a outro "trabalho".

Com os meus desejos de saúde para vós e vossas famílias, um abraço.
João Moreira


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"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


ATAQUE AO DESTACAMENTO DO DUGAL EM 09 DE JUNHO DE 1971

Na noite de 09 de Junho de 1971 o PAIGC atacou os quartéis desde Mansoa até Nhacra, para fixar as nossas tropas nos quartéis e desencadear um ataque a Bissau com os foguetões da rampa de lançamento que tinha instalado em CUMERÉ.

No ataque que foi feito ao nosso destacamento do Dugal, tivemos vários mortos e feridos.

Morreu o nosso soldado Sebastião do 1.º Grupo de Combate, que estava colocado neste destacamento e foi vítima dos estilhaços de um engenho explosivo.
Também morreram 1 furriel miliciano e vários soldados, pertencentes ao pelotão de morteiros que estava sediado em NHACRA e tinha uma secção em DUGAL.1

Foram vítimas da explosão de uma granada de morteiro que rebentou dentro do nosso espaldão de morteiro.

Constou que a granada de morteiro era "nossa" - foi enviada de outro destacamento nosso com direcção errada.

Após os ataques, os quartéis desta zona foram reforçados e passaram a noite em patrulhamentos


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Nota do editor:

[1] - De acordo com o Livro 2 - Guiné - Mortos em Campanha, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), neste ataque ao Destacamento do Dugal no dia 9 de Junho de 1971, faleceram: um Furriel e um Soldado  de Armas Pesadas do Pel Mort 2174 e um Soldado At da CCAV 2721. 

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Nota do editor

Último post da série de 15 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25844: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (56): Partida do Olossato para Nhacra em 09 de Junho de 1971 e ataque a Nhacra mal chegados

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25844: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (56): Partida do Olossato para Nhacra em 09 de Junho de 1971 e ataque a Nhacra mal chegados



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


PARTIDA DO OLOSSATO E ATAQUE A NHACRA - 09 DE JUNHO DE 1971

1971/JUNHO/09 - ATAQUE A NHACRA

Partida do resto da Companhia do Olossato para Nhacra (2.º grupo de combate, 4.º grupo de combate e resto do comando e dos serviços).

Durante o trajeto entre Bissorã e Mansoa uma viatura da coluna "avariou"? por duas vezes.
Como eu era o graduado mais próximo desta viatura, comuniquei ao capitão que mandou parar a coluna.
Pouco tempo depois a viatura voltou a trabalhar e a coluna prosseguiu.

Perto de Mansoa a mesma viatura voltou a "avariar"?.

Após pedir ao capitão para parar a coluna, dirigi-me ao condutor e disse-lhe que estava quase a escurecer e não podíamos ficar ali parados. Desta forma só tinha duas alternativas:
1) - Ou punha a viatura a trabalhar e seguia com a coluna ou
2) - Ficava lá sozinho, porque a coluna tinha de prosseguir.

Dei sinal ao capitão para a coluna avançar, e passados poucos minutos a tal viatura já seguia na coluna.
Trajecto entre o Olossato e Nhacra com escala em Bissorã e Mansoa
Infografia: © Luís Graça & Camaradas da Guiné

Chegados a Mansoa tomamos a estrada asfaltada que liga Bissau a Mansabá.
Poucos minutos depois a "viatura avariada" ultrapassou a coluna em grande velocidade e nunca mais ninguém a viu.

Deduzo que este condutor tinha "instruções" para retardar a nossa chegada a Nhacra, porque os nossos quartéis entre Mansoa e Nhacra foram todos ou quase todos atacados ao mesmo tempo que Bissau foi atacada com foguetões 122 mm, lançados do Cumeré.

Chegados a Nhacra fomos instalar os soldados no edifício que estava em construção, para instalar o posto emissor da Emissora Oficial da Guiné, que ficava ao lado do nosso quartel.
Depois fomos para o quartel para descarregar a nossa bagagem e instalarmo-nos nos quartos que reservaram para os furriéis.
Com a viatura parada junto aos nossos quartos e alguns furriéis em cima, a tirar a nossa bagagem, e os outros no chão a recebê-la e arrumá-la para depois nos instalarmos.

Nesta altura começaram a passar balas tracejantes, do lado do Cumeré para a estrada Bissau/Mansoa.
Pela trajetória das balas parecia que vinham dum edifício do quartel e nós, os furriéis da CCAV 2721 a pensar que era alguma brincadeira do pessoal que íamos render dizíamos:
- "Ide brincar com o car(v)alho"...
- "dos tiros vimos nós"...
- "Estamos fartos da guerra"...
- Etc...

Passado pouco tempo rebentou uma rocketada numa das árvores que tinha ao lado das instalações militares.
Nessa altura percebemos que não era brincadeira.

Era mesmo um ataque.

Perguntamos aos "velhinhos", que estavam connosco, onde eram as valas ou qualquer local onde nos pudéssemos proteger.
Como responderam que não havia valas nem locais protegidos, meti-me debaixo da viatura, do lado de dentro da roda de trás. Passados alguns segundos, estavam lá todos os furriéis, nossos e da companhia que íamos render.

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Nota do editor

Último post da série de 8 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25820: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (55): 5.º ataque do PAIGC ao Quartel do Olossato ao anoitecer do dia 07 de Abril de 1971

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25820: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (55): 5.º ataque do PAIGC ao Quartel do Olossato ao anoitecer do dia 07 de Abril de 1971



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


5.º ATAQUE DO PAIGC AO QUARTEL DO OLOSSATO

1971/ABRIL/07

Ao anoitecer sofremos novo ataque ao quartel.

O alferes Silva não se encontrava no Olossato. Desde a "Operação Jaguar Vermelho" ia periodicamente ao Hospital Militar para tratar dos estilhaços que apanhou nessa operação. Nas ausências dele era eu que comandava o meu grupo de combate e fazia de oficial do dia, por ser o furriel mais antigo.
Olossato - Região do Oio
© Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

Quando começou o ataque peguei na G3 e dirigi-me à caserna dos soldados do meu grupo de combate, que ficava do lado em que estávamos a ser atacados.
Os soldados já estavam instalados na vala, que havia nas traseiras da caserna.

Fui alertado pelos furriéis Ramalho e Justino de que os soldados se queixaram que o soldado F.R. saiu da caserna aos tiros e que não acertou em nenhum camarada por mero acaso.
Disse-lhes que trataríamos do caso no fim do ataque.

Nestes casos, de ataques com morteiro e canhão sem recuo, portanto bastante afastados de nós, as espingardas não servem para nada. O essencial é protegermo-nos e prepararmo-nos para um eventual assalto ao quartel ou a saída de algum grupo de combate.
O assalto não era provável, porque o rio Olossato, que corre a cerca de 30 metros, funciona como barreira natural e a ponte que o atravessa tem um posto de vigia em frente, com um projetor apontado para lá e uma metralhadora pesada apontada para esse local.

Depois de o ataque ser dado como terminado, mandei os soldados saírem da vala e que o soldado F. R. viesse falar comigo.

Para meu espanto verifiquei, pelo andar e pelo falar, que ele estava alcoolizado.
Lembrei-lhe que desde o princípio da comissão os tinha avisado que não deviam abusar das bebidas alcoólicas, especialmente nos dias que tínhamos saídas para o mato ou de serviço ao quartel. Se houvesse alguma "festejo" especial que o fizessem no dia de trabalhos no quartel. De qualquer maneira aconselhava-os a não exagerarem na bebida, porque as consequências desses atos eram mais graves do que no continente.

Quanto ao caso do F.R., que reagiu mal à minha chamada de atenção, tive de o ameaçar para acabar com a questão e dizer que falaríamos no dia seguinte, quando ele já estivesse sóbrio.

Continuei a ronda até á 1 hora da manhã.

Cerca das 4 horas o furriel Justino, que estava a fazer a ronda da noite, foi acordar os soldados que iam render os postos e dirigiu-se para a tabanca para passar ronda aos postos dos soldados milícias.
Nessa altura ouviu uma rajada do lado donde tínhamos sofrido o ataque e correu para esse local. Ao passar junto ao comando encontrou o capitão, os alferes e os sargentos todos no exterior de edifício, que também lhes servia de dormitório.

O capitão Tomé disse ao furriel Justino para verificar o que se passou e para o ir informar.

Aquando da rajada, também me levantei e preparei-me para ir ver o que se passava, mas como tudo se acalmou voltei a deitar-me.

Cerca das 6 horas e 15 minutos o furriel Justino chegou ao nosso quarto e contou-me o motivo da rajada às 4 horas da madrugada.

"Não encontrou o passarinho às 4 da madrugada", mas encontrou o capitão que lhe disse que queria falar comigo.
Depois contou-me a origem da rajada:
- Cerca das 3 horas e 45 minuto foi chamar os soldados que iam entrar de serviço às 4 horas. Todos acordados e de olhos abertos o furriel Justino dirigiu-se à tabanca, convencido que estava tudo a funcionar normalmente.

Aconteceu que um dos soldados que ia entrar de serviço (Rafael de Jesus) dormia com os olhos abertos (informação dos outros soldados do nosso grupo de combate). Este pormenor era do conhecimento dos soldados, mas nós, graduados do grupo desconhecíamos.
Para cúmulo do azar o Rafael ia render o F.R., que já tinha feito "grossa asneira", aquando do ataque. Passados cerca de 10 minutos das 4 horas e não se tendo feito a rendição, não esteve com "meias medidas", deu uma rajada.
Depois de um ataque ao princípio da noite, foi como "apagar o incêndio com gasolina".

A seguir ao almoço falei com o capitão, que mandou-me participar do F. R.
Como nesta altura já sabíamos que íamos para Nhacra, convenci o capitão a não participar.
O capitão insistia que ele tinha de ser castigado e eu propus "dar-lhe cabo do corpo". Por fim aceitou a minha proposta de lhe dar um "castigo físico" que servisse de exemplo, em vez da participação que podia levá-lo para uma zona de maior perigosidade.
O capitão mandou-me propor o castigo.

Como nessa altura andávamos a substituir as palmeiras podres que faziam de valas à superfície, sugeri que sempre que ele estivesse no quartel, sem estar de serviço, fosse fazer esse trabalho e/ou quaisquer outros trabalhos que fossem necessários.
Aceitou a minha proposta e mandou-me dizer ao F. R. para ir falar com o capitão.

Quando me dirigi para o meu quarto passaram alguns soldados do meu grupo de combate e pedi para dizerem ao F. R. para vir falar comigo. Passado pouco tempo bateram à porta do meu quarto. Era o "réu".
Disse-lhe para ir falar com o capitão e ele respondeu que já tinha falado e que já sabia qual ia ser o castigo. Estava ali para me agradecer o não ter sido castigado oficialmente.

A partir deste dia, quando chegávamos dos patrulhamentos, lá vinha ele pedir a minha G3 para limpar e olear.
Eu não queria, mas de vez em quando tinha que lhe dar a G3, porque ele não desistia com as minhas negativas.

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Nota do editor

Último post da série de 1 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25801: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (54): Acção Bacará (Golpe de mão a Amina Dala), 13 de Julho de 1970

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25715: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (50): Ataque ao quartel no dia 12 de Maio de 1970



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


1970/MAIO/12 ÀS 19H05M
E
1970/MAIO/13 AO ROMPER DO DIA

Como tínhamos chegado havia 1 mês, o PAIGC resolveu associar-se às nossas comemorações.

Munido de "fogo de artifício" e outros artigos próprios para estas ocasiões fez-nos uma "surpresa".

Mas nós, apesar de "periquitos", como "bons amigos" associamo-nos à festa.
Reagimos depressa e bem, conforme pudemos confirmar na manhã seguinte.

Uma vez que o ataque foi ao cair da noite, não fomos fazer o "reconhecimento" porque tínhamos que atravessar uma ponte onde poderiam facilmente fazer-nos uma emboscada.

O meu grupo de combate estava de serviço ao quartel naquele dia, e na manhã seguinte fomos com o capitão fazer o "reconhecimento".

Encontrado o local donde foi feito o ataque ao quartel verificamos que os nossos morteiros acertaram em cheio no local do ataque.

Encontramos muitos rastos de sangue e sulcos provocados pelo arrastamento de guerrilheiros feridos ou mortos.

É caso para dizer que a Nossa Senhora de Fátima estava connosco.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 27 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25692: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (49): Incêndio na Tabanca em 8 de Maio de 1970

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Guine 61/74 - P25693: 20º aniversário do nosso blogue (17): Alguns dos melhores postes de sempre (XIII): na noite de 22 de junho de 1968, há 56 anos, Contabane transformou-se no inferno - Parte III: um texto antológico de Carlos Nery (ex-cap mil, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)


Carlos Nery, foto de perfil do
Facebook. Grande ator
da Companhia Maior




1. Texto soberbo, antológico, escrito com garra, raiva e objetividade, do  Carlos Nery Gomes de Araújo, o nosso Carlos Nery, ex-cap mil inf, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70. 

Poucos dos comandantes operacionais, com apenas um mês de Guiné,  seriam capazes de vir a público dizer isto, no final de uma ataque devastador de 3 horas, uma experiência brutal para o Carlos Nery, os seus homens e o povo de Contabane :

 "As palavras soam-me tragicamente absurdas, 
sinto na garganta um aperto inenarrável e,
 com as lágrimas de revolta que me queimam a cara — as minhas últimas verdadeiras lágrimas —,
 sinto que muito de mim se perde, 
se perde irremediavelmente".







Noite Longa em Contabane

por Carlos Nery Gomes de Araújo


— Morteiro 60?

— Pronto, meu capitão!

— Lança-granadas?

— Presente!

— Dilagrama?

— Estou aqui!

Olhei os homens à minha frente. Trabalhadores rurais, pescadores, empregados do pequeno comércio ou indústria, estudantes.

— Meter uma bala na câmara!

O ruído das culatras das G3 introduzindo os cartuchos nas câmaras fez-se ouvir, áspero.

— Patilhas em segurança!

Os soldados obedeceram. Recém-chegados à Guiné, pouco familiarizados com as armas recentemente distribuídas, sentíamos os camuflados novos flutuando sobre a pele.

— Está «no ir»!

Procurando aparentar segurança, utilizei a expressão ouvida aos veteranos. O dispositivo desdobrou-se numa sinuosa e reticente «bicha de pirilau».

Passámos além dos homens que faziam rolar grossos troncos de palmeira para cobertura de mais um abrigo de combate ou que desenrolavam arame farpado concluindo uma segunda rede de protecção.

— Aumentar os espaços entre cada dois homens!

— Se houver contacto de fogo, não abrir de rajada! Sempre tiro-a-tiro! Disciplina de fogo!

As ordens passavam agora de homem para homem em voz baixa. Naquele início de comissão resumiam o essencial dos meus conhecimentos de contra-guerrilha. Com menos de um mês de Guiné e escassos dias na região do Forreá tudo nos parecia estranho e assustador. Fiávamo-nos nos conhecimentos de mato dos três caçadores nativos que nos serviam de guias (Caç Nat na documentação operacional).

Contabane, a tabanca fula à nossa guarda, ia ficando para trás.

Acordáramos sentindo o seu frémito de vida. As mulheres no pilão descascando o arroz para as refeições do dia, num ritmo marcado por bater de palmas e cantares, as crianças brincando, a ladainha na escola árabe, as saudações complicadas dos «homens-grandes» que indagavam uns dos outros o bem-estar de todos os familiares e animais domésticos.

Afastávamo-nos pois daquele agregado humano, das mulheres preparando as refeições, tratando dos filhos ou lavando a roupa na fonte, dos homens partindo para o trabalho em lavra próxima ou orando, prostrados no chão, virados para Meca.

Numa larga «pontuada» atravessávamos zonas de capim seco, de denso «mato escuro», enterrávamos as botas de lona nos cursos de água engrossados pelas chuvas que chegavam. Suspendo o movimento da coluna. O pessoal agacha-se no terreno, armas para fora, perscrutando o mato hostil. O calor é pesado. Desarrolham-se cantis, bebem-se curtas goladas. Moscas minúsculas bailam teimosas à nossa volta insistentes nos nossos ouvidos e olhos. O «ladrar» do macaco-cão ouve-se perto.

Vou à frente procurando aperceber-me da forma como é conduzida a coluna.

– Capitão, há aqui perto uma tabanca abandonada, podíamos ir ver...

Encaro o jovem Caçador Nativo. Apercebo-me que não possui, afinal, a experiência que a princípio lhe atribuíra. Sinto-o imaturo. Afinal um adolescente excitado por acompanhar a tropa, envergando camuflado igual e empunhando uma arma.

Uma tabanca abandonada. Não terá merecido a atenção do inimigo? Mas, nesta região para nós desconhecida, há que estabelecer contacto com o real.

– Vamos lá então ver essa tabanca.

******

Durante anos a guerra passara ao largo da região onde estávamos. No Quebo, baptizado pelos portugueses de Aldeia Formosa, residia o Cherno Rachid, chefe espiritual de vasta área que se estendia para lá da fronteira.

O PAIGC, atendendo, certamente, à sua presença, evitara levar ali a guerra. Mas a guerrilha era portadora de uma ideia nova que, como todas as ideias novas, vinha para dividir.

Os tradicionalistas agarrados a hábitos, costumes e cultura ancestrais recebiam-na com indisfarçável reserva. Outros, seduzidos por essa mesma ideia, desapareciam indo engrossar as fileiras do exército revolucionário.

– Isto é uma guerra entre casados e solteiros... Pessoal casado, com casa, com filhos, não pode deixar tudo.

– Rapaz novo pode abandonar... — dir-me-ia Amadu, milícia em Buba.

Mas, ao aceitar armas aos portugueses, os fulas do Forreá comprometeram a imagem de neutralidade até aí existente. O PAIGC, acusando-os, também, de veicular informações para a tropa, abriu então, violentamente, hostilidades contra as populações que haviam aceitado colocar-se em autodefesa.

Perante os ataques a Contabane e Mampatá 
[de 22 de maio e 11 de junho de 1968, respetivamente] e a emboscada a uma viatura em que são «apanhados à mão» vários militares portugueses e passados pelas armas alguns milícias considerados traidores, são deslocados à pressa efectivos para a área.

A companhia cujo comando me fora entregue, interrompeu assim o seu treino operacional em Bula, a norte de Bissau, e foi enviada para o Sul onde rendeu a 5.ª Companhia de Comandos que, na emergência, ali fora colocada dias antes.

Numa curva de mato denso surge-nos o que resta da tabanca. Naquela zona de África nada é perene. Os vestígios deixados pelo homem cedo são engolidos pela natureza estuante.

O colmo, que cobrira as casas, apodreceu, as chuvas desfizeram as paredes de adobe, a vegetação ameaça tudo invadir. Pretendo estabelecer uma meia-lua de segurança e efectuar um reconhecimento cauteloso. De súbito perco o controlo da situação. Os soldados descobrem, à entrada da tabanca, um renque de vegetação donde pendem, abundantes, ananases maduros e sumarentos.  As facas de mato brilham em movimentos rápidos e os bolsos dos camuflados enchem-se da dádiva inesperada.

Sinto o perigo desta quebra de disciplina, mas não tenho tempo para actuar. O rebentamento ecoa surdo e violento. Num ápice estamos cosidos à poeira procurando descobrir se somos alvo de algum ataque.

Ninguém se lembra mais dos ananases, embora alguns os sintam esmagar-se entre os corpos e o chão.

- Capitão! Capitão! — ouço num apelo lancinante.

Procuro descobrir donde vem o chamamento. Caído no caminho de acesso à povoação, rodeado ainda da espessa nuvem negra do rebentamento de uma mina, descubro o jovem Caçador Nativo que me sugerira «ir ver» a tabanca abandonada.

– Acode-me! Capitão, acode-me!

Vejo-o no seu desespero, sem o pé esquerdo, canela transformada em brutal flor de sangue.

– O enfermeiro! 

A ordem percorre os homens ainda de borco. A resposta chega-me a medo.

– Não veio...

Com os diabos, se há responsável sou eu! Como foi possível esquecer-me do enfermeiro! Ninguém se atreve, no receio de um campo de minas, a ir junto do ferido. Tenho que ir eu. Agarra-se a mim num desespero. Sinto os seus dedos enclavinhados no meu camuflado.

– Salva-me, capitão!

Puxo do meu penso individual de combate. À distância são-me atirados outros. E não sei — ai, não sei!, não, não sei! — como improviso um torniquete, como ligo aquela ferida absurda, descobrindo o que é o cheiro do sangue e sentindo o seu contacto viscoso e espesso nas mãos.

Uma porta meio queimada e duas G3 improvisam uma maca. Peço pela rádio a evacuação do ferido. Ouço, nítidas, interferências inimigas, na rede, utilizando os nossos indicativos.

Interrompo a comunicação. A tarde cai, os helicópteros não virão a esta hora.

Regressamos, em marcha acelerada, transportando o ferido, carregados de apreensão, no amargo daquele fim de tarde de Junho de 1968.

*******

O inimigo, ultimando a cuidadosa instalação para o ataque que viera fazer, viu ser arredado o cavalo de frisa colocado à entrada de Contabane e sair uma viatura a grande velocidade.

Assistiu ao seu regresso, transportando o ferido que, abandonados os cuidados da progressão a corta-mato, trazíamos pela estrada.

Viu também entrar a tropa apeada. Tudo observou sem se revelar. O planeado não sofria alteração, mesmo quando um alvo inesperado se oferecia a escassas dezenas de metros.

Instalar os canhões em posição de tiro direto, colocar-lhes junto as munições a utilizar, lançar um dispositivo de segurança, não é coisa fácil se se não quer ser pressentido.

Fizeram-no e aguardaram o sinal de iniciar o ataque.

******

Recebêramos, dias antes, a visita de Spínola. Acompanhado do seu séquito, descera dos helicópteros que haviam pousado numa aberta junto do arame farpado.

Camuflado de bom corte, botas de cabedal reluzentes, luvas negras, pingalim e monóculo penetrara na tabanca num passo rápido e decidido. As mulheres da população faziam adejar à sua volta lenços e panos coloridos. Afastou, com aparente desagrado, a manifestação de cortesia.

Vinham ainda longe os tempos da guerra psicológica e das suas tentativas de intervenção política «Por uma Guiné Melhor». Viera falar de guerra, com quem, em princípio, ali estava para a fazer.

Quis ser conduzido ao posto de comando, ser informado da situação. Fez perguntas de que conhecia, certamente, as respostas, tentando avaliar da minha capacidade para assumir a responsabilidade daquela posição tornada subitamente quente.

Por trás dele, Almeida Bruno fazia-me sinais encorajando as minhas respostas certamente pouco satisfatórias.

Carlos Nery (2010).
Nasceu no Funchal em 1933.
Aos 35 anos estava a comandar
um companhia operacional
na Guiné

******

Cumprindo, em tempo de paz, o meu serviço militar obrigatório, voltara a ser
chamado, dez anos depois, para frequentar um curso de comandantes de companhia em Mafra. À medida que a guerra se prolongava, mais escasseavam as «vocações» para a carreira de militar profissional. Nos últimos anos contavam-se pelos dedos de uma só mão o número de inscrições nos cursos das três armas em funcionamento na Academia Militar. Houve, então, que recorrer aos milicianos para assegurar o comando de companhias operacionais.

Abandonada a minha mesa de trabalho num banco da Baixa lisboeta, juntara-me a um grupo  
de «chefes de família», melhor ou pior instalados na vida,  que, não escondendo a suacontrariedade, iam ser preparados «à pressão»  para assumir
 o  comando de homens nas três frentes 
de combate em África.

Estranhamente, os nossos instrutores em Mafra só conheciam a guerra da leitura dos manuais ou dos relatos dos seus camaradas com experiência de combate.

Pertenciam ao curso do filho de um ministro de então e esta «coincidência» garantiu-lhes, durante anos, um estatuto de especialistas de contra-guerrilha sem nunca terem ouvido assobiar uma bala em combate.

Numa casa de colmo transformada em improvisado posto clínico, o enfermeiro dá soro ao ferido. Há que esperar pelo nascer do dia para proceder à evacuação.

– Um homem de cada abrigo vem buscar as terrinas com o jantar para o seu pessoal — ouço-me dizer, numa inspiração que vai poupar muitas vidas.

Tiro o meu dólmen suado e, de tronco nu, encosto a G3 e aceito um prato de sopa onde mergulho a colher.

Subitamente o lusco-fusco acende-se num turbilhão de fogo. De diversas direcções o inimigo abre o ataque com rajadas de bala tracejante apontada aos tetos de colmo seco das casas.

Em segundos o incêndio alastra por toda a tabanca em grossas labaredas crescendo para o negro da noite que desce. Os canhões sem recuo despejam toda a munição sobre nós. A seguir, os morteiros ajustam também o seu fogo.

Consigo atingir a posição do nosso morteiro 81. Abrigados no círculo definido por bidões cheios de terra, uma mulher com um filho de colo, três rapazitos tentando ajudar no manuseamento da arma coletiva, eu e o alferes Mendes Ferreira. Combatentes inexperientes, sem possuir ainda a serenidade que nos permita detetar a zona de instalação inimiga, inclinamos a olho o tubo e vamos introduzindo, uma após outra, as munições de que dispomos.

Encosto-me inadvertidamente ao tubo aquecido e sofro no peito um vergão de fogo.

Próximo, o paiol improvisado, onde depositáramos a dotação de munições da companhia, é atingido. Aos rebentamentos das granadas inimigas, junta-se o barulho indescritível dos cunhetes de cartuchos e de granadas rebentando em girândola infernal. Balas e estilhaços assobiam em todas as direções.

A nossa companheira do refúgio foge com o filho agarrado. Esgotadas as munições de morteiro, não faço nada ali e exponho-me a qualquer granada que possa cair próximo.

– Vou ver se encontro uma G3 e procurar atingir um abrigo de combate.

O alferes fará o mesmo, procurando outro abrigo. Corro para a cozinha de campanha onde vira uma arma encostada a um caldeiro. Agarro-a. Custa-me orientar na confusão em que tudo se transformou, perdidos os pontos de referência a que me habituei.

Abrigados junto de uma parede semidestruída, vislumbro os vultos do jovem guia dessa tarde e do furriel enfermeiro da companhia.

– Então, como está ele? — pergunto.

– Está porreiro, meu capitão, aguenta-se!

Corro, curvado, para o abrigo que me parece mais exposto ao fogo do inimigo, esperando poder ter aí algum controlo do que acontece à minha volta.

O meu vulto iluminado pelo clarão do incêndio é alvejado. Ouço as balas assobiar à minha volta. Enfio-me no abrigo cavado no chão coberto de troncos de palmeira e de terra batida, extensa abertura permitindo a utilização de armas individuais.

Os homens lá dentro reagem de maneiras diversas. Há quem combata, mas há também quem chore ou reze no chão. Vou para a seteira e incito estes últimos a combater também.

– Estamos a pôr balas nos carregadores... — ouço a justificação frouxa.

O espaço em frente, fortemente iluminado pelas chamas do incêndio que lavra nas nossas costas, é varrido pelos nossos olhos assustados. Sinto, mas sinto claramente, os dentes baterem enquanto disparo, dois tiros rápidos e pausa, em resposta aos clarões das armas inimigas, em frente.

Em combate noturno fazer fogo é revelar a nossa posição, é dos livros e facilmente comprovável agora. Por outro lado, no escuro, não se vê o ponto de mira da arma, pelo que não é fácil fazer tiro com um mínimo de precisão. Ah, quem tivesse previsto a situação e posto ali um pingo de tinta branca!

Os pensamentos sucedem-se, caóticos. E se eles vêm ao arame farpado? Se o ultrapassam nalgum ponto e se se aproximam do abrigo introduzindo-lhe uma granada de mão?

Julgo ver vultos deslocando-se em direcção ao abrigo. Saio de arma em riste. São vacas que correm em pânico entre as duas fiadas de arame, acossadas pelo fogo do combate.

Volto a entrar. Não sei se consigo sorrir do meu susto. O Boiça, sargento da companhia, desloca-se de abrigo para abrigo substituindo comunicações que desapareceram no incêndio e na confusão.

– Há mortos?

– Não, meu capitão. Só alguns feridos... Há abrigos atingidos por morteiradas, mas aguentaram. Quer que transmita algumas instruções?

– Evitem o tiro de rajada. Respondam aos disparos inimigos com séries curtas de dois ou três tiros. E você não ande para aí a expor-se inutilmente.

– É só levar um pouco de ânimo ao pessoal, capitão, e ver se há falta de munições nalgum abrigo.

O perigo da situação residia, efetivamente, em ficar-se sem munições ou encravarem-se as armas se demasiado aquecidas em resultado de uma utilização sem critério.

O aparente enfraquecimento da nossa resposta encoraja uma tentativa de assalto que é repelida pelo aumento de intensidade dos nossos disparos.

A poderosa tempestade africana chegou, subitamente, feita de grossas cordas de água, relâmpagos e trovões assustadores.

O incêndio extingue-se e, agora, só a luz dos relâmpagos permite vislumbrar a faixa de terreno que nos separa dos atacantes. Em breve, a água acumulada no fundo do abrigo atinge os nossos joelhos.

O fogo dos canhões e morteiros suspende-se, finalmente, substituído pelo das armas individuais que redobra de intensidade.

Sinal de retirada, viríamos a saber.

******


Clareia o dia.

Dos abrigos e da mesquita árabe — único edifício de tijolo, cimento e cobertura de zinco — saem militares e elementos da população observando as consequências do ataque.

O incêndio, os impactes dos projéteis inimigos, tudo reduziram a ruínas.

Fatumatá, mulher grande do régulo Sambel 
[foto acima, de 2005] (*),  apoia-se no meu braço e chora em silêncio. Rapazitos vasculham procurando entre as cinzas objetos que satisfaçam a sua cobiça.

Comenta-se a precisão e a violência do ataque, contam-se os impactes dentro do recinto defensivo, avaliam-se os prejuízos materiais.

A preocupação maior, porém, são os nossos feridos. Além do Caçador Nativo, vítima da mina antipessoal acionada na véspera, há mais três soldados feridos com gravidade e três civis atingidos.

O reconhecimento às posições inimigas, surpreendentemente próximas do arame farpado, revela sinais de corpos arrastados e, apesar da chuva abundante que caiu, vestígios de sangue.

******

'Nino', comandante da Frente-Sul, o combatente lendário, cruza a fronteira à frente dos seus homens, terminada mais uma missão.

Encharcados pela chuva, carregando canhões e morteiros, os guerrilheiros sentem, também, a dureza da guerra, dureza traduzida nas baixas sofridas. Uma vez mais tinham tomado a iniciativa, ocupando posições necessariamente mais expostas do que as da tropa instalada defensivamente, e isso tinha o seu preço, também.

******

Estamos isolados em resultado da destruição de todo o material rádio. Por outro lado, o improvisado posto clínico desapareceu, não dispondo nós, sequer, de meios mínimos para primeiros socorros.

Um civil oferece-se para levar uma mensagem ao quartel mais próximo utilizando a sua bicicleta. Não é necessário.

Somos sobrevoados por jatos da Força Aérea e, pouco depois, dois helicópteros pousam na periferia da tabanca.



A então ten enf pqdt Ivone Reis
 (1929-2022),
em Cacine, 12/12/1968. 
Foto: António J. Pereira
da Costa
 (2013)



Envergando o seu camuflado de paraquedista, adianta-se uma mulher:

– Os helicópteros vão levar os feridos ligeiros a Aldeia Formosa, regressando imediatamente para recolher os mais graves que vão comigo para Bissau. Embora tenha ordens para nunca ficar em terra, vou abrir uma exceção e espero aqui com vocês.

Junto das quatro macas alinhadas no cenário desolado, contra o céu azul da manhã, Ivone, a enfermeira paraquedista, é oficiante de um ritual rigoroso. Frascos de sangue vermelho-negro levantam-se ao céu,  facilitando a passagem do seu conteúdo para as veias dos feridos.

Paro junto do soldado Fortuna, atingido na cabeça por um estilhaço de granada que atingira o seu abrigo.

– Para vocês “isto” acabou. Vais voltar para a terra, até é melhor... 
 ouço-me dizer.

Será evacuado para o Hospital Principal em Lisboa. Talvez tenha terminado a guerra para ele. A que preço?

Ajoelho junto do jovem africano, pouso a mão na sua cabeça, enquanto procuro palavras de conforto:

– Vais ser bem tratado, a tropa não te esquece. Vais para o hospital, vais ter um pé novo, ninguém vai notar a diferença.

 
As palavras soam-me tragicamente absurdas, sinto na garganta um aperto inenarrável e, com as lágrimas de revolta que me queimam a cara — as minhas últimas verdadeiras lágrimas —, sinto que muito de mim se perde, se perde irremediavelmente. 

Carlos Nery Gomes de Araújo (**)

In Memórias da Guerra Colonial, volume 2: carne para canhão.
 S/l, Andrómeda Publicações, 1984, 158 pp.


(Revisão / fixação de texto, negritos, para efeitos de publicação deste poste: CV/LG)

__________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 9 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7252: (In)citações (18): Branco, na volta! Branco, na volta!, repetia a Fatumatá em 2005... Com a sua morte perde-se um elo de ligação com os portugueses que passaram pelo regulado de Contabane (José Teixeira)

terça-feira, 25 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25681: 20º aniversário do nosso blogue (16): Alguns dos melhores postes de sempre (XI): na noite de 22 de junho de 1968, há 56 anos, Contabane transformou-se no inferno - Parte I: a versão de Manuel Traquina (ex-fur mil mec auto, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)




Guiné > Região de Tombali > Contabane > CCAÇ 2382 (1968/70) > Malta da CCAÇ 2382 instalada nma monumental bagabaga (candidato ao concurso O Melhor Bagabaga da Guiné...), nas proximidades de Contabane, uma tabanca e destacamento destruídos na sequência do ataque, de três horas, levado a cabo pelo PAIGC em 22 de junho de 1968.

Contabane foi então abandonado pelas NT e pela população. Mais tarde será feito um reordenamento, mesmo frente ao Saltinho. Por lá passou o nosso camarada Paulo Santiago, quando foi comandante Pel Caç Nat 53 (1970/72). A povoação hoje chama-se Sinchã Sambel.

Foto (e legenda): © Manuel Traquina (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guião da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70), "Por picadas nunca estradas, por estradas nunca picadas"... Um trocadilho bem achado..., ó Zé do Olho Vivo!




1. O Manuel Batista Traquina,
  "ribatejano, escritor e fadista", com vivências ang0lanas, ex-fur mil mec auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70) vive em Abrantes, onde nasceu em 1945.  [foto de 2008 à equerda].   

Podia ter sido apanhado à unha. Ou até ter sido morto. Teve sorte: esteve lá nesse pavoroso ataque a Contabane, em 22 de junho de 1968, e relatou-nos o essencial do que viu e viveu, no seu livro "Os Tempos de Guerra: de Abrantes à Guiné"   (Abrantes, editora Palha de Abrantes, 2009. ISBN 978-972-98796-6-1,228 pp.). A CECA (Comissão para o Estudo das Companhas de África) não faz qualquer referência a este ataque, que reduziu a cinzas Contabane que era até então um importante tampão fula (eixo Contabane - Aldeia Formosa), contra a fúria do PAIGC na região do Forreá.

Beja Santos
e Hermínio Marques

Este episódio de guerra foi recentemente evocado aqui pelo Beja Santos que, no passado dia 17, foi abordado pelo Hermínio Marques, antigo sold cond da CCAÇ 2382, o qual lhe contou como perdeu tod0s os seus haveres há 56 anos, em Contabane.

Ambos estava de passagem pela ilha de Santa Maria. O Hermínio Marques, que vive na América, casado com uma açoriana, reconheceu, no Hotel, o Beja Santos, sendo visita assídua do nosso blogue! (*).


Vamos convidar o Hermínio, que já nos escreveu, a juntar-se a esta tertúlia que é a Tabanca Grande, e onde já cá estão alguns bravos da CCAÇ 2382, a companhia do Zé do Olho Vivo, como o Manuel Traquina, o Carlos Nery, o José Manuel Cancela, o Alberto Ferreira, 
o padeiro, também conhecido por "Geada").



O Ataque a Contabane (**)

por Manuel Traquina

Era o dia 22 de Junho daquele ano de 1968, a Companhia estava na Guiné havia pouco mais de um mês e, ao ser deslocada para a região de Aldeia Formosa, (Quebo) dois pelotões fixaram-se em Mampatá, os restantes bem como o Comando foram deslocados para a aldeia de Contabane. 

Ali parecia respirar-se a paz, a população era numerosa e bastante acolhedora, e como habitual faziam-se alguns patrulhamentos na região, que ficava a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conákri.

Naquela aldeia os militares acomodavam-se nas próprias moranças cedidas pelo chefe da Tabanca. À volta da aldeia tinham sido abertos no terreno algumas valas e abrigos, além de duas fiadas de arame farpado. 

Tudo parecia correr dentro da normalidade, naquela tarde eu próprio com mais quatro militares saímos no Unimog a buscar água do poço que se localizava a curta distância.

Porém, já próximo do anoitecer, um dos elementos nativos que connosco efetuavam um patrulhamento, pisou um engenho explosivo, que lhe deixou um pé seriamente afectado. Este foi o primeiro sinal de que toda aquela paz não era real, o grupo recolheu à aldeia/aquartelamento, era a hora de jantar e na improvisada enfermaria o furriel enfermeiro Chambel com grande dificuldade, tentava encontrar uma veia onde pudesse administrar algum soro ao militar milícia, que com um pé decepado tinha perdido muito sangue.

Entretanto o sargento João Boiça, apercebendo-se da situação, corria de uma ponta à outra da aldeia, não parava de alertar todos para que de imediato se deslocassem para os abrigos, talvez ao tomar esta medida tenha evitado algumas mortes.

Tinha anoitecido e, de repente,  algumas explosões deram inicio a um ataque que se ia prolongar por cerca de três horas, as balas incendiarias atravessavam a palha que servia de cobertura à morança onde o ferido começava a receber o soro. Disse ao Chambel e ao Coelho que tínhamos que sair daqui imediatamente com o ferido, porém ele, já mais endurecido pela guerra, reunindo as suas débeis forças arrastou-se até á porta e, no escuro,  sem que nos apercebesse-mos desapareceu rastejando, só na manhã seguinte o voltámos a ver, quando da chegada do helicóptero que o evacuou bem como a outros feridos.

Foram cerca de três horas de bombardeamentos em que a aldeia reduzida a cinzas mais parecia um inferno. Mo final foi uma forte trovoada que, transformou a cinza em lama, onde quase não havia onde nos abrigar. 

Não tenho dúvidas de que nós,  os militares,  que naquela tarde fomos à água, pasámos muito perto do local onde o inimigo preparava o ataque e só não fomos feitos prisioneiros porque o objetivo era o ataque. 

Apesar do grande aparato e grande potencial de fogo, sofremos apenas três feridos,  dois dos quais de maior gravidade. Porém, quase todo o património da companhia ali ficou reduzido a cinza, os rádios, os géneros alimentícios, o equipamento de enfermagem, tudo ali ficou carbonizado, grande parte dos militares ficaram apenas com a roupa que tinham vestida. 

Na manhã seguinte um helicóptero evacuou os feridos, alguns militares apressaram-se a escrever um ou outro aerograma meio queimado e enlameado que foi entregue ao piloto do helicóptero, era a parte psicológica a funcionar, pretendiam partilhar aquele momento de desânimo com alguém do coração.

Contabane foi totalmente evacuada de população e militares, saímos dali moralmente destroçados, alguns apenas de calções, sapatilhas e a sua G3, mas vivos para suportar muitos outros ataques e emboscadas durante os vinte e dois meses que se seguiram. 

Já no termo da comissão viemos encontrar na cidade de Bissau o milícia que, ao pisar a armadilha,  foi amputado de um pé, e que naquela cidade tentava sobrevier como engraxador de sapatos.

Neste agora passado dia 22 de junho de 2008, ao completarem-se quarenta anos sobre este ataque, quero homenagear os dois camaradas mortos,  não neste ataque, mas noutros que se seguiram, furriel Ramiro de Sousa Duarte e o soldado Elidio Fidalgo Rodrigues, pertencentes a esta Companhia.

 Quero também saudar todos os militares da CCAÇ 2382, estou convencido que todos os que viveram este acontecimento o recordam e jamais esquecerão aquelas horas difíceis ali vividas. (***)

Manuel Batista Traquina
Ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)


Guiné > Região de Tombali > Carta de Contabane (1959 > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Contabane, a sul de Saltinho e do rio Corubal, a caminho da fronteira... A nordeste, Quirafo, também de trágica memória para as NT (abril de 1972).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  22 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25674: (De) Caras (209): Hermínio Marques, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 2382: "Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane" (Mário Beja Santos)



Vd.poste anterior: 4 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25476: 20.º aniversário do nosso blogue (14): Alguns dos melhores postes de sempre (X): O fatídico dia 12 de outubro de 1970: a emboscada de Infandre, Zona Oeste, Setor 04 (Mansoa) (Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412, 1968/70)

sábado, 22 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25674: (De) Caras (209): Hermínio Marques, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 2382: "Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
Pelo adiante vos contarei a alegria que tive em encontrar um soldado a quem dei recruta na ilha de S. Miguel, de outubro a dezembro de 1967, uma amizade indefetível, não nos víamos há umas boas décadas, o prazenteiro andou-me a mostrar as belezas da ilha de Sta. Maria, ele é do Santo Espírito, este encontro foi primeiro milagre; o segundo ocorreu no dia seguinte, alguém que me questiona à hora do pequeno-almoço, o mais importante de tudo é que ele nos acompanha lá onde vive, entre Nova Iorque e Boston, fiquei a conhecer a família, a quem fui apresentado, espontaneamente decidimos tirar uma fotografia, tão eloquente quanto a nossa Tabanca é Grande. E ouvi com pormenores o que se passou em Contabane, em 22 de junho de 1968.

Um abraço do
Mário



Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane

Mário Beja Santos

Hora do pequeno-almoço, 17 de junho de 2024, Hotel Colombo, Vila do Porto. Mordiscando com apetite uns ovos mexidos com bacon, antevendo as delícias panorâmicas que me serão proporcionadas durante um passeio a uma boa parte da ilha de Sta. Maria, eis que se aproxima da mesa alguém que pede desculpa pela interrupção, não leve a mal, o senhor lembra-me alguém que escreve num blogue que eu frequento regularmente lá na América, estou aqui de visita porque a minha mulher nasceu e viveu aqui bem perto, trouxemos a família para conhecer a terra natal da mãe da avó, é que eu estive na guerra da Guiné e o senhor lembra-me alguém, não se ofenda se não for essa pessoa.

Então levanto-me, confirmo que ele está certo, é o soldado condutor Hermínio Marques, escrevo à pressa CCAÇ 2382, andarilharam por Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, mas ele quer falar-me de Contabane, uma flagelação que durou três horas, ficou tudo reduzido a um caco, perdeu os seus haveres, sobrou uma mala de cartão toda empapada, cada um dos que lá estavam ficou com o que tinha vestido. Contagiou-me a alegria deste homem cuja existência, como compreenderão, ignorava completamente, para amenizar o ambiente falei-lhe de um telefonema que há muitos anos recebi do João Crisóstomo, ele tinha adquirido no aeroporto um dos volumes do meu Diário da Guiné, estava profundamente emocionado, prometi que nos iriamos conhecer quando viesse a Portugal.

O Hermínio leva-me junto da família, sinto-me como tivesse chegado da Lua, falo-lhes da Guiné e do que vivemos, a mulher do Hermínio vai-me respondendo, o resto da família parece ignorar a língua portuguesa. Estamos todos num embaraço, o Hermínio insiste que eu tenho de saber o que viveram em Contabane, a mulher leva-me a um corredor e mostra-me uma casa lá no alto, era a casa dos avós, e é nisto que Hermínio insiste, vamos tirar uma fotografia, peço licença para a divulgar no blogue, então porque não? Prometemos voltar à fala, ao fundo da sala alguém põe um dedo em cima de um relógio, e eu não quero partir para a Praia Formosa, Farol da Maia e Baía de S. Lourenço sem o estômago aconchegado. Novo abraço, fico a saber que o Hermínio vive entre Nova Iorque e Boston, nasceu na região de Viseu, só me faltou perguntar-lhe se também vai levar a família ou já a levou à sua terra natal.
Vila do Porto, Santa Maria, Açores, 17 de Junho de 2024 - Mário Beja Santos e Hermínio Martins

Vou passar a manhã dividido entre este encontro e o espetáculo de uma ilha desconhecida, aonde quero voltar, eu tenho a impressão que já lera um texto do Manuel Traquina[1], nosso confrade, sobre a destruição de Contabane, no meio da conversa o Hermínio falava-me nos Palhaços, na irreverência que o Capitão Carlos Nery caprichara para uso do estandarte, é facto que é uma completa desobediência aos preceitos castrenses, é quase uma diversão.[2]


E pronto, que o Hermínio e os seus gozem de muita saúde e que ele nos acompanhe lá dos EUA, da minha parte, e até poder, deste lado do oceano endosso-lhe notícias do que vou fazendo, com lembranças da Guiné.

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Notas do editor

[1] - Vd. post de 19 DE AGOSTO DE 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

[2] - Vd. post de 8 DE JUNHO DE 2010 > Guiné 63/74 - P6561: Histórias de Carlos Nery, ex-Cap Mil da CCAÇ 2382 (3): Fui o criador do emblema da Companhia, e gosto

Último post da série de 29 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25575: (De) Caras (208): António Baldé, ex-1º cabo , CIM Bolama (1966/69), Pel Caç Nat 56 (São João, 1969/70), e CART 11 (Paunca, 1970/71): "Eu tinha um sonho: ser apicultor no Cantanhez"...

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25666: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (48): Coincidências II - Furriel Moreira e os ataques ao quartel do Olossato



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


COINCIDÊNCIAS II

FURRIEL MOREIRA - ATAQUES AO OLOSSATO

Outras coincidências nos 6 ataques do PAIGC ao quartel do Olossato.

O furriel Moreira, do 4.º GComb (O mesmo grupo de combate do Furriel Justino):

- No 2.º ataque - Estava de férias na Metrópole;
- No 3.º ataque - Estava no destacamento do Maqué;
- No 4.º ataque - Também estava no destacamento do Maqué;
- No 6.º ataque - Andava em patrulhamento;
- No 1.º Ataque - Estava de sargento de dia;
- No 5.º ataque - Estava de oficial de dia (Não é engano. Durante os muitos meses que o alferes não esteve na Companhia, era eu, Furriel Moreira, que fazia de oficial de dia, por ser o furriel mais antigo).

Olossato - Furriel Moreira

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 13 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25637: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (47): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Coincidências I - Presençã do Furriel Justino em todos os ataques aos aquartelamentos

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25640: Elementos para a história do Pel Caç Nat 54, "Águia Negras" (1966/74) - Parte I: Temos dois representantes na Tabanca Grande, o algarvio José António Viegas (1966/68) e o açoriano Mário Armas de Sousa (1968/70)...


Palmela > Poceirão > Casa do João Vaz > 2017 > Encontro do pessoal dos Pel Caç Nat 51, 52 e 54 > Elementos presentes, do Pel Caç Nat 54 > Da esquerda para a direita, Furriel Arlindo Costa (DFA), Furriel José António Viegas, 1º Cabo Marques, 1º Cabo Coelho (DFA) e 1º Cabo Manuel Januário (DFA)...Três DFA num grupo de cinco... Foi mais um encontro dos Pelotões de Caçadores Nativos, formados pelo nosso camarada Jorge Rosales, do 51 ao 56, no CIM de Bolama, e que serviram na Guiné entre 66 e 68. "É já muito dificil encontrar estes nossos camaradas, mas ainda assim juntámos o 51, 52 e 54. Na casa do ex-fur mil João Vaz (ex-prisioneiro em Conacri, libertado em 22 de novembro de 1970, no decurso da Op Mar Verde; pertenceu ao Pel Caç Nat 52)."

Foto (e legenda): © José Manuel Viegas (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Xime > 1970 > Malta da CCAÇ 12 (à direita), posando (e não "pou...sando")  junto a uma parede bidões com areia (que serviam de protecção em caso de ataque) juntamente com comaradas do Xime, à esquerda. Entre eles, estará o fur mil, açoriano, Mário Armas de Sousa, natural de Lajes das Flores, Ilha das Flores (mas que não conseguimos identificar)


Foto (e legenda): © Humberto Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Legenda de HR/LG:

"Começando da esquerda para a direita e de cima para baixo temos: o de boina já não me lembro quem era, o 2º julgo que era o fur mil vagomestre (do Xime) (parece-me ser o José Manuel Viçoso Soares, que vive no Porto, , os 3º, 4º e 5º também não me lembro), o 6º é o Sousa, ex-fur mil da CCAÇ 12 e o último sou eu (ainda com algum cabelo e sem barriga). [O 5º julgo ser o madeirense Sousa, o Mário Armas de Sousa, do Pel Caça Nat 54; ou será o fur mil António Fernando Marques, da nossa CCAÇ 12 ? L.G.].

"Na 1ª fila não me lembro quem é o 1º; o 2º, meio careca, era o fur mil dos obuses (da BAC de Bissau); os 3º e 4º também não me recordo; o 5º julgo que era o fur mil mecânico e o 6º é o Joaquim Fernandes, ex-fur mil da CCAÇ 12 e depois engenheiro civil na antiga CUF (já nesse tempo o Fernandes tinha jeito para as obras, pois foi ele que acompanhou todo o Reordenamento dos Nhabijões (a), por isso, quando cá chegou foi acabar o curso, o que muitos fizeram pois tinham-nos deixado a meio e até aldrabado nas habilitações literárias para ver se se baldavam de ir bater com os costados no Ultramar".


Em suma, o Mário Armas Sousa é decerto um deles, mas eu não sei qual... Tenho dúvidas é (i) quanto ao mês e ano em que foi tirada a foto e (ii) quanto à companhia a que pertenciam os camaradas que não eram da CCAÇ 12. Em princípio a foto deve sido tirada antes de julho de 1970, o pessoal do Xime pertenceria, portanto, à CART 2520 (1969/1971) (em meados de 1970, eles foram rendidos pela CART 2715 / BART 2917, 1970/72).

O Mário Armas de Sousa que, além do Xime, esteve em Porto Gole, Enxalé e Missirá, era do Pel Caç Nat 54 que, em novembro de 1969, foi render em Missirá o Pel Caç Nat 52, sob o comando do alf mil Mário Beja Santos (transferido para Bambadinca).

Com o Pel Caç Nat 52 (e também com o 54) fizémos (a CCAÇ 12 + CCAÇ 2636 + 1 Esq. Morteiros do Pel Mort 2106) talvez a mais dramática, temerária e penosa operação de que eu me lembre: Op Tigre Vadio (Março de 1970), na pensínsula de Madina/Belel, a norte do Rio Geba, no regulado do Cuor, na extremidade sul do famoso corredor do Morès...A tal operação em que alguns de nós tiveram que beber o próprio mijo para sobreviverem e não morrererem desidratados...





1. Temos 58 referências ao Pel Caç Nat 54, "Águias Negras", formado no CIM de Bolama, pelo nosso saudoso Jorge Rosales (1939-2019), a par dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 55 e 56. Mas sabemos pouco do historial desta subunidade, formada por graduados e especialistas metropolitanos e praças do recrutamento local, tal com as restantes.

O mais antigo representante deste Pelotão a integrar a Tabanca Grande é o Mário Armas de Sousa, açoriano da ilha das Flores, que esteve no CTIG em 1968/70:

Apresentou-se à Tabanca Grande, em 26 de setembro de 2005 (*) nestes termos:

(... ) "Sou ex-furriel miliciano e estive na Guiné de 1968 a 1970, em Porto Gole, Enxalé, Xime e Missirá. Também estou na fotografia da vossa página, tirada no quartel do Xime, junto dos bidões.Tenho alguma informação e fotografias do meu grupo de combate para acrescentar à vossa página se possível. (...)-

Ficamos a saber que em 1970 estava em Missirá, e que o pessoal metropolitano era o seguinte:19 (i) alf mil Correia (comandante); (ii) fur mil Mário Armas de Sousa; (iii) fur mil Inácio; (iv) fur mil Sousa Pereira; (v) 1º cabo Capitão; e (vi) 1º cabo Monteiro.





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pelotão de Caçadores Nativos nº 54, em 1970.


Legenda do Mário Armas de Sousa:

(...) 1ª fila, da direita para esquerda: do pessoal metropolitano, o primeiro sou eu, furriel miliciano Mário Armas de Sousa; o terceiro é o 1º cabo Capitão;

2ª fila, da direita para a esquerda: o primeiro é o soldado Amarante; o segundo é o soldado Bulo; o quinto é o furriel miliciano Inácio; o sexto é o 1º cabo Tomé; o nono é o soldado Samba.

3ª fila da direita para a esquerda: do pessoal metropolitano, o primeiro é o furriel miliciano Sousa Pereira; o quinto é o alferes miliciano Correia (comandante de pelotão); o sétimo é o 1º cabo Monteiro; o oitavo, africano, é o soldado Pucha (era turra e foi capturado e ficou no nosso exército).

Foto (e legenda): © Mário Armas de Sousa (2005) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O Mário Armas de Sousa, que além do Xime esteve em Porto Gole, Enxalé e Missirá, era do Pel Caç Nat 54 que, em Novembro de 1969, foi render o Pel Caç Nat 52, sob o comando do alf mil Mário Beja Santos (transferido para Bmabadinca).

Com o Pel CAÇ NAT 52 (e também com o 54) fizémos (a CCAÇ 12 + CCAÇ 2636 + 1 Esq. Morteiros do Pel Mort 2106) talvez a mais dramática, temerária e penosa operação de que eu me lembre: Op Tigre Vadio (Março de 1970), na pensínsula de Madina/Belel, a norte do Rio Geba, no regulado do Cuor, na extremidade sul do famoso corredor do Morès... A tal operação em que alguns de nós tiveram que beber o próprio mijo para sobreviverem e não morrererem desidratados...

Em maio de 1970, já no final da comissão do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), havia três Pel Caç Nat no sector L1: o 52 (Bambadinca), o 54 (Missirá) e o 63 (Fá) (este comandado pelo alf mil at art Jorge Cabral, infelizmente já falecido).

Estas subunidades não se confundiam com os Pelotões de Milícias: nesta altura, havia já duas Companhias de Milícias no setor L1... As mílicias tinham uma função de autodefesa e eram constituídas apenas por elementos da população guineense (neste caso, predominante ou exclusivamente fulas).

O Henrique Matos, primeiro comandante do Pel Caç Nat 52, já nos disse aqui que esteve em Bolama com o Pel Caç Nat 53, do alf mil Serra (que ficou no Xime em reforço à CCAÇ 1550); o Pel Caç Nat 51, do alf mil João Perneco (que foi para Guileje); e o Pel Caç Nat 54, do alf mil Marchand (que foi inicialmente para Mansabá e, passado pouco tempo, foi parar ao Enxalé).



S/l > S/d > Convívio dos Pel Caç Nat 52 e 54 > Os antigos (e os primeiros) comandantes dos Pel Caç Nat 52 e 54 , respetivamente. alferes Henrique Matos e alferes Marchand (desconhecemos o seu primeir nome), este último falecido em há menos de um ano, em agosto de 2023.

Foto (e legenda): © José António Viegas (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 54 > O alf mil Marchand avaliando os estragos do ataque de 22/12/1966


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 54 > O Alf Mil Freitas, maeirense, da CCAÇ 1439 que estava no Enxalé e avançou com um grupo para as primeiras ajudas.


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 54 > Alguns elementos do Pelotão e da CCaç 1439 (Enxalé), fotografados num cenário de destruição, na sequência do ataque do PAIGC.

Foto (e legenda): © José António Viegas / Henrique Matos (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Enxalé > Maio de 1967 > Uma evacuação por heli, AL III > O meu amigo e conterrâneo da Ilha de S. Jorge, Açores, ten pilav, Orlando Manuel da Silveira Bettencourt (que iria morrer 11 anos depois, em 1978, em acidente aéreo na BA 4, na Terceira, sendo já ten cor pilav), eu (Henrique Matos), a meio, com o Marchand, do Pel Caç Nat 54, à direita, e o Teles, da CCAÇ 1661, à esquerda.


Foto (e legenda): © Henrique Matos (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



José António Viegas (n. 1944, em Faro)


2. O segundo elemento do Pel Caç Nat 54 a ingressar na Tabanca Grande foi o ex-fur mil José António Viegas (Bolama, Enxalé, Missirá, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68).

Tem 60 referências no nosso blogue. Temos contactado regularmente.

Já quanto ao Mário Armas de Sousa, só temos 4 referências. E não temos notícias dele há muito.

Para já sabemos que o Pelotão teve como comandantes o Marchand (1966/68, Enxalé e Missirá) e o Correia (Missirá, Enxalé,Porto Gole, Xime, 1968/70). De um e do outro não sabemos o primeiro nome.




N/M Uíge > 30 de julho a 3 de agosto de 1966 > O José António Viegas, assinalado no rectângulo a vermelho: de rendição individual, foi juntar-se ao Pel Caç Nat 54, em formação no CIM de Bolama.

Foto (e legenda): © José António Viegas (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P193: Tabanca Grande: O açoriano Mário Armas de Sousa (Pel Caç Nat 54: Missirá, 1969/70)

(**) Vd. poste de 30 de setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3256: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (5): Lembrando o Ten Pil Av Bettencourt (Henrique Matos)

(***) Vd. poste de 6 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10626: Tabanca Grande (368): José António Viegas, natural de Faro, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54 (1966/68), grã tabanqueiro nº 587