quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25820: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (55): 5.º ataque do PAIGC ao Quartel do Olossato ao anoitecer do dia 07 de Abril de 1971



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


5.º ATAQUE DO PAIGC AO QUARTEL DO OLOSSATO

1971/ABRIL/07

Ao anoitecer sofremos novo ataque ao quartel.

O alferes Silva não se encontrava no Olossato. Desde a "Operação Jaguar Vermelho" ia periodicamente ao Hospital Militar para tratar dos estilhaços que apanhou nessa operação. Nas ausências dele era eu que comandava o meu grupo de combate e fazia de oficial do dia, por ser o furriel mais antigo.
Olossato - Região do Oio
© Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

Quando começou o ataque peguei na G3 e dirigi-me à caserna dos soldados do meu grupo de combate, que ficava do lado em que estávamos a ser atacados.
Os soldados já estavam instalados na vala, que havia nas traseiras da caserna.

Fui alertado pelos furriéis Ramalho e Justino de que os soldados se queixaram que o soldado F.R. saiu da caserna aos tiros e que não acertou em nenhum camarada por mero acaso.
Disse-lhes que trataríamos do caso no fim do ataque.

Nestes casos, de ataques com morteiro e canhão sem recuo, portanto bastante afastados de nós, as espingardas não servem para nada. O essencial é protegermo-nos e prepararmo-nos para um eventual assalto ao quartel ou a saída de algum grupo de combate.
O assalto não era provável, porque o rio Olossato, que corre a cerca de 30 metros, funciona como barreira natural e a ponte que o atravessa tem um posto de vigia em frente, com um projetor apontado para lá e uma metralhadora pesada apontada para esse local.

Depois de o ataque ser dado como terminado, mandei os soldados saírem da vala e que o soldado F. R. viesse falar comigo.

Para meu espanto verifiquei, pelo andar e pelo falar, que ele estava alcoolizado.
Lembrei-lhe que desde o princípio da comissão os tinha avisado que não deviam abusar das bebidas alcoólicas, especialmente nos dias que tínhamos saídas para o mato ou de serviço ao quartel. Se houvesse alguma "festejo" especial que o fizessem no dia de trabalhos no quartel. De qualquer maneira aconselhava-os a não exagerarem na bebida, porque as consequências desses atos eram mais graves do que no continente.

Quanto ao caso do F.R., que reagiu mal à minha chamada de atenção, tive de o ameaçar para acabar com a questão e dizer que falaríamos no dia seguinte, quando ele já estivesse sóbrio.

Continuei a ronda até á 1 hora da manhã.

Cerca das 4 horas o furriel Justino, que estava a fazer a ronda da noite, foi acordar os soldados que iam render os postos e dirigiu-se para a tabanca para passar ronda aos postos dos soldados milícias.
Nessa altura ouviu uma rajada do lado donde tínhamos sofrido o ataque e correu para esse local. Ao passar junto ao comando encontrou o capitão, os alferes e os sargentos todos no exterior de edifício, que também lhes servia de dormitório.

O capitão Tomé disse ao furriel Justino para verificar o que se passou e para o ir informar.

Aquando da rajada, também me levantei e preparei-me para ir ver o que se passava, mas como tudo se acalmou voltei a deitar-me.

Cerca das 6 horas e 15 minutos o furriel Justino chegou ao nosso quarto e contou-me o motivo da rajada às 4 horas da madrugada.

"Não encontrou o passarinho às 4 da madrugada", mas encontrou o capitão que lhe disse que queria falar comigo.
Depois contou-me a origem da rajada:
- Cerca das 3 horas e 45 minuto foi chamar os soldados que iam entrar de serviço às 4 horas. Todos acordados e de olhos abertos o furriel Justino dirigiu-se à tabanca, convencido que estava tudo a funcionar normalmente.

Aconteceu que um dos soldados que ia entrar de serviço (Rafael de Jesus) dormia com os olhos abertos (informação dos outros soldados do nosso grupo de combate). Este pormenor era do conhecimento dos soldados, mas nós, graduados do grupo desconhecíamos.
Para cúmulo do azar o Rafael ia render o F.R., que já tinha feito "grossa asneira", aquando do ataque. Passados cerca de 10 minutos das 4 horas e não se tendo feito a rendição, não esteve com "meias medidas", deu uma rajada.
Depois de um ataque ao princípio da noite, foi como "apagar o incêndio com gasolina".

A seguir ao almoço falei com o capitão, que mandou-me participar do F. R.
Como nesta altura já sabíamos que íamos para Nhacra, convenci o capitão a não participar.
O capitão insistia que ele tinha de ser castigado e eu propus "dar-lhe cabo do corpo". Por fim aceitou a minha proposta de lhe dar um "castigo físico" que servisse de exemplo, em vez da participação que podia levá-lo para uma zona de maior perigosidade.
O capitão mandou-me propor o castigo.

Como nessa altura andávamos a substituir as palmeiras podres que faziam de valas à superfície, sugeri que sempre que ele estivesse no quartel, sem estar de serviço, fosse fazer esse trabalho e/ou quaisquer outros trabalhos que fossem necessários.
Aceitou a minha proposta e mandou-me dizer ao F. R. para ir falar com o capitão.

Quando me dirigi para o meu quarto passaram alguns soldados do meu grupo de combate e pedi para dizerem ao F. R. para vir falar comigo. Passado pouco tempo bateram à porta do meu quarto. Era o "réu".
Disse-lhe para ir falar com o capitão e ele respondeu que já tinha falado e que já sabia qual ia ser o castigo. Estava ali para me agradecer o não ter sido castigado oficialmente.

A partir deste dia, quando chegávamos dos patrulhamentos, lá vinha ele pedir a minha G3 para limpar e olear.
Eu não queria, mas de vez em quando tinha que lhe dar a G3, porque ele não desistia com as minhas negativas.

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Nota do editor

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