1. Resumo
A realização do II Curso Livre de História Local de Fafe, sob a temática “O concelho de Fafe e a Guerra Colonial (1961-1974)”, realizado entre 24 de outubro e 21 de novembro de 2013, foi uma excelente oportunidade para se evocarem os cinquenta anos do início da guerra (4 de fevereiro de 1961) e os quarenta anos da Revolução de Abril de 1974, que lhe colocou um ponto final.
Os jovens de Fafe, como todos os jovens de Portugal, foram, igualmente, obrigados a contribuir para o esforço da Guerra e, alguns deles, doaram à sua Pátria o seu bem supremo: a própria vida. Desde o soldado atirador Artur de Sousa, o primeiro a morrer em Angola, a 3 de junho de 1961, ao 1.º cabo José Pereira Dias, o último a tombar na guerra, a 27 de setembro de 1975, também em Angola, mais de mil e quinhentos jovens de Fafe passaram por um dos três teatros de operações em África.
O objetivo da minha comunicação terá como preocupação prioritária dar a conhecer o enquadramento e as circunstâncias da participação dos militares de Fafe, particularmente dos que morreram no decorrer da sua comissão de serviço em África.
Depois, apresentarei documentos e testemunhos que nos dão a conhecer as diferentes formas de participação de um grupo de militares de Fafe no decorrer da guerra e, finalmente, referir-me-ei às ações desenvolvidas no concelho de Fafe no âmbito da “evocação da memória” da Guerra Colonial.
Agradeço à Direção do NALF (Núcleo de Artes e Letras de Fafe) e à Câmara Municipal de Fafe a oportunidade que me deram de poder contribuir com algumas pistas para aqueles que, melhor do que eu, dominam o conhecimento nesta área, a da História de Portugal, e tenham a intenção de vir a investigar o percurso dos jovens de Fafe que foram obrigados a combater em África, entre 1961 e 1974.
2. Introdução
A Guerra de África, Guerra do Ultramar ou Guerra Colonial [...] desenrolou-se entre 1961 e 1974 em África, em três teatros de operações diferentes: Angola (1961), Guiné (1963) e Moçambique (1964).
Estão a decorrer, portanto, os cinquenta anos do início de uma Guerra que entrou pela porta das famílias portuguesas sem ser convidada. Lembro, a este propósito, o comentário feito pelo Dr. José Lino Barros, um dos participantes no Curso de História Local, durante a sessão de 31 de outubro:
Do concelho de Fafe perderam a vida durante o conflito 41 jovens: 16 em Angola, 14 em Moçambique e 11 na Guiné.
Poderemos interrogar-nos hoje, meio século volvido após o início da guerra, da oportunidade de resgatar, sob o ponto de vista histórico, a memória daqueles que foram obrigados a fazer a guerra, sacrificando, muitos deles, a sua própria vida em nome de Portugal.
Pensamos e acreditamos que esta evocação histórica tem todo o sentido e justifica-se. Acreditamos que o resgate da memória das causas, consequências e incidências vividas pelos combatentes participantes nesta guerra, e neste caso particular, pelos naturais do concelho de Fafe, é um ato de cidadania e deverá ser uma obrigação das instituições governamentais a nível nacional, regional e local. [...]
3. Enquadramento da minha intervenção – questão prévia
A “pesquisa histórica” exige rigor e objetividade na análise e descrição dos factos históricos, se queremos conhecer e compreender com objetividade os fatores políticos, sociais, militares, económicos e religiosos, entre outros, que justificaram e suportaram a Guerra Colonial durante catorze anos.
Procurei, por isso, na revisão da literatura algum suporte que sustentasse, orientasse e justificasse o caminho que decidi tomar nesta modesta pesquisa que iniciei há algum tempo para abordar o tema da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar.
Segundo o historiador António José Telo (2007, p. 11), a História é uma explicação, e continua, a História nunca está acabada e não existe uma obra definitiva sobre qualquer assunto, tanto mais que, quando fazemos a História de um período recente, ainda “não temos o distanciamento” bastante dos acontecimentos e as fontes disponíveis são muito parciais. (…). Falta outro tipo de fontes essenciais: os estudos e documentos centrais onde a decisão se baseou, que ainda não são públicos; as memórias, testemunhos, sínteses e elaborações posteriores, que demoram anos e décadas a surgirem, se é que surgem.
Face às exigências que o processo de investigação exige nesta área, deparo-me, por isso, com uma dupla dificuldade.
A sustentabilidade dos factos históricos narrados, analisados e inseridos por mim no texto fundamentar-se-á nas seguintes fontes:
4. A decisão política do Governo de Portugal: “Para Angola, rapidamente e em força”
A documentação disponível permite-nos, hoje, com segurança, perceber algumas das circunstâncias que rodearam e sustentaram a decisão do Governo de Portugal em avançar para a guerra em África, apesar da discordância da corrente dos “militares atlantistas” existente dentro do quadro das Forças Armadas e da pressão da comunidade internacional junto de Salazar, para a evitar.
Apesar de não ser este o tema do painel em que intervim, gostaria de fazer referência a essas duas questões que considero importantes para melhor se compreender e enquadrar a atividade dos militares portugueses, particularmente dos de Fafe, durante a guerra.
A nível nacional, a documentação comprova que o Governo e os altos comandos militares, no momento em que decidem lançar o país na Guerra, conheciam as reais dificuldades para suportar as duras exigências logísticas para a fazer e para a manter, simultaneamente, em três teatros de operações diferentes, ao nível dos meios humanos, económicos, militares e técnicos.
A nível da comunidade internacional, os documentos dão-nos a conhecer a forma como tentaram convencer e pressionar o Governo de Portugal para avançar com o processo de independência das Províncias Ultramarinas. Na linha da frente estiveram países como a Inglaterra, França, Estados Unidos, bem como a NATO, ONU, OUA, Movimentos Africanos de Libertação (UPA, MPLA, UNITA, FRELIMO, PAIGC), países africanos, asiáticos e a Santa Sé. [...]
O primeiro facto histórico é que Portugal inicia em 1961 uma guerra em África, cuja decisão política foi da responsabilidade do Presidente da República Almirante Américo Tomás e do governo presidido por Oliveira Salazar, e que este só realizou o reforço da defesa militar das colónias africanas já depois do início dos confrontos, numa defesa tardia, forçada e há muito evitada (Stocker, 2005, p. 254).
O segundo facto histórico, objeto da minha comunicação, é que, a partir de março de 1961, todos os jovens de Portugal chamados a cumprir o serviço militar obrigatório nas fileiras de um dos três ramos das Forças Armadas, e os de Fafe não foram exceção, começaram a ser treinados e mentalizados para cumprirem um único objetivo: fazer a Guerra em África.
Confrontados com esta nova realidade e de acordo com a minha própria experiência na guerra, parece-me muito importante refletir, ainda hoje, sobre o que significou para cada um dos jovens portugueses, que íamos à missa todos os domingos, esta nova experiência de vida: treinar para fazer a Guerra.
Por definição, guerra é um conflito armado cujo objetivo é o esforço dos exércitos em confronto no terreno para conseguir destruir e aniquilar o inimigo. No entanto, a Guerra em África revestiu uma característica especial, uma vez que o Exército português não travou uma Guerra Convencional, mas sim uma Guerra de Guerrilha, caracterizada por uma grande mobilidade das forças, uso de emboscadas, ataques surpresa, ataques rápidos seguidos de fuga, sabotagem e terrorismo, táticas de atrito e confronto indireto (Teixeira, 2010, p. 62). [...]
5. O início da Guerra e as consequências imediatas para os jovens portugueses
A realidade, entretanto, já era bem diferente para os militares portugueses:
Teixeira, 2010, p. 21, escreve:
Durante catorze anos o fantasma do Ultramar “entranhou-se” nas famílias portuguesas, sem um “ai”, exceto os que deram o “salto”, tal o controlo e a repressão da Polícia Política (PIDE) e da propaganda do regime.
Sobre o soldado português, Teixeira (2010, pp. 26-27), afirma:
Durante os catorze anos de Guerra Colonial, a rotina para todos os jovens portugueses era sempre a mesma. No ano em que completava 18 anos de idade, devia apresentar-se na Administração do Concelho ou bairro, durante o mês de janeiro, para tratar da sua inscrição no recenseamento militar.
Após o Juramento de Bandeira, o soldado iniciava um segundo ciclo de instrução militar específica, designado por “especialidade”. Esta variava de acordo com o ramo das Forças Armadas onde iria prestar serviço: Exército (Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia e Transmissões), Marinha ou Força Aérea.
As piores “especialidades” eram as de combate (as que nos atiravam para o mato), sobretudo a de “atirador” (a minha especialidade), e tanto fazia sê-lo de infantaria (a minha arma), como cavalaria ou artilharia .
Às especialidades que não eram de combate, dificilmente os filhos do “zé-povinho” tinham acesso e eram, quase sempre, vocação dos “filhos família” afetos ao regime ou com grande “cunha” (consta que esta área deu azo a um negócio chorudo, aliás, como o “safar” o pessoal da tropa ou do Ultramar).
O objetivo dos dois períodos de instrução a que o mancebo era sujeito, como é evidente, visava dotar os militares de capacidades que lhes permitissem suportar e desempenhar com êxito as missões de combate ou de apoio que lhes seriam conferidas durante a sua Comissão de Serviço em África, ou seja, matar os guerrilheiros que lhes faziam frente e destruir-lhes todos os meios de sobrevivência (acampamentos, culturas, habitações, contactos com as populações dos aldeamentos que os apoiavam, capturar e destruir o armamento, etc.).
Concluída a especialidade, o soldado era dado como “pronto” (“nosso pronto”, era assim designado) e após ser mobilizado para o Ultramar era sujeito, finalmente, a um último “apronto”, recebendo a guia de marcha para Unidade Mobilizadora.
Uma vez nesta e juntamente com os outros militares vindos dos vários centros de instrução, os graduados e os comandantes davam início à formação da sua nova unidade: o seu Batalhão [...] ou Companhia Independente, aos quais já tinha sido atribuído um número de código.
Ainda na Unidade Mobilizadora e após chegada a ordem de embarque, o batalhão formava na parada do quartel.
Nesta altura, era concedida a licença de dez dias antes de embarque. O militar ia a casa, despedia-se da família (alguns casados e com filhos), e voltava à Unidade Mobilizadora (alguns não regressavam, porque decidiram dar o “salto”) para daí iniciar verdadeiramente a viagem rumo a África.
Em direção ao barco, a tropa voltava a desfilar, agora em continência perante um alto representante militar, com as senhoras do Movimento Nacional Feminino e da Cruz Vermelha a distribuírem lembranças.
Durante a viagem, comia-se a céu aberto sentado no convés, local onde nos dias calmos se jogava às cartas, se recebia alguma instrução sobre o destino, tiravam-se fotografias e procedia-se à cerimónia da praxe, a pretexto da passagem do Equador.
Entretanto, chega-se ao objetivo. Era o tempo de refazer as malas e do desembarque. Nova formatura, agora ao calor desconhecido de África, um desfile e um discurso.
Chegados a África, os jovens militares, enquanto não tivessem o seu primeiro batismo de fogo, eram alcunhados pelos “velhinhos” por “maçaricos” (Angola), “periquitos” (Guiné) ou “ checas” em Moçambique e, uma vez instalados na sua nova unidade, situada algures no meio do nada, rapidamente verificavam que a realidade e os factos demonstravam que na Metrópole não tinham sido treinados e mentalizados para fazer ação psicológica junto das populações africanas, como, por exemplo, lançar bombinhas ou balões de S. João, dar santinhos com a figura de Sto. António ou de nossa Senhora de Fátima, andar com os “pretinhos” ao colo ou ensinar-lhes a ler e a escrever Angola é Portugal, mas que tinham sido mentalizados, instruídos e treinados para fazer a guerra [...]
(Continua)
(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos com reticências: LG)
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(...) "Da iniciativa da Delegação de Fafe da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, e em especial do activista Jaime Silva, o Monumento aos Combatentes da Guerra Colonial foi inaugurado em 6 de Novembro de 2005.
Localizado no jardim central da Avenida do Brasil, o monumento tem a assinatura da escultora Andreia Couto e consiste numa estátua em bronze, representando um soldado equipado conforme os militares portugueses operavam nas antigas colónias, em cima de um pedestal, de forma quadrangular, nos lados do qual se inscrevem os nomes dos 37 soldados fafenses que morreram na guerra.
O objectivo é exactamente prestar homenagem aos jovens oriundos deste concelho que tombaram para sempre ao serviço da Pátria nos confrontos que decorreram entre 1961 e 1974 nas províncias de Moçambique, Angola e Guiné.
A Câmara de Fafe contribuiu com 15 mil euros para que a associação conseguisse concretizar o sonho – que vinha já de 2001 – de erguer o memorial aos mortos da guerra colonial, orçado em cerca de 20 mil euros. As juntas de freguesia também colaboraram nesta iniciativa". (...)