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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23928: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XV: Op Ebro, março de 1965, ajudando o BCAV 490 a reocupar Canjambari


Guiné > Região do OIo > Farim > Canjambari > c. 1969/71 > Foto do Carlos Silva, publicada a preto e branco no livro do Amadu Djaló, na pág. 115. O Carlos Silva foi fur mil arm pesa inf,  CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71).

Foto (e legenda): © Carlos Silva (2010).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais um excerto das memórias do nosso camarada Amadu Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), membro da nossa Tabanca Grande desde 2010, terá sido o único, até agora dos nossos camaradas guineneses, que deixou em vida um livro com as suas memórias:  "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.).

O Virgínio Briote (foto à direita), um histórico do nosso blogue, nosso coeditor jubilado, disponibilizou-nos o manuscrito da obra, em formato digital, no qual trabalhou, com o autor, durante cerca de um ano, com infinita paciência, generosidade, rigor e saber. Na prática, ele exerceu aquilo a que se chama nas editoras as funções de "copydesk" (editor literário). O livro nunca teria sido escrito, tal como o conhecemos em papel sem esse contributo essencial do Virgínio Briote: nascido em Cascais, frequentou a Academia Militar, foi alf mil cav em Cuntima, CCAV 489 / BCAV 490 (Jan-Mai1965);  fez o 2º curso de Comandos do CTIG; comandou o Grupo Diabólicos (Set 1965 / Set 1966); regressou em jan 1967; casado com a Maria Irene, professora do ensino secundário ref., foi quadro superior da indústria farmacêutica.



Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.

A edição de 2010, da Associação de Comandos, com o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está infelizmente há muito esgotada. E não é previsível que haja, em breve, uma segunda edição, revista e melhorada. Entretanto, muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro, nem muito menos o privilégio de conhecer o autor, em vida.


Amadu Djaló (1940-2015)

Recorde-se, aqui, o último poste desta série (*): O Grupo de Comandos "Fantasmas", da Companhia de Comandos do CTIG, comandado pelo alf mil 'comando' Maurício Saraiva, nascido em Angola,  faz uma rápida incursão nas matas do Oio, a norte de Bissorã... Estamos agora en finais de março de 1965,  o Grupo vai participar na Op Ebro, destinada a recuperar o controlo de Canjambari, nas mãos do PAIGC,


A luta por Canjambari (pp. 115/118)

por Amadu Djaló 

Em Março [1] de 1965, saímos para o Norte, para Farim. Estavam a decorrer operações do Batalhão de Cavalaria 490, com o objectivo de ocupar a povoação de Canjambari, que até àquela altura era uma zona onde a guerrilha andava à vontade.

Saímos do aeroporto de Bissalanca num Dakota que nos levou para Farim. Daqui partimos em coluna, primeiro até Jumbembem e depois virámos à direita, até ao cruzamento de Canjambari, onde já estava uma companhia do batalhão a ocupar a povoação. Era só tropa, população não tinha nenhuma. Os únicos vizinhos que eles tinham eram os guerrilheiros do PAIGC.

Eram aproximadamente 13 ou 14h00, quando lá chegámos. A coluna não se demorou, deu logo a volta, de regresso a Farim. Entrámos na povoação fortificada e ali nos mantivemos até à hora de saída, que estava prevista para o anoitecer.

Não tínhamos que andar muito, o nosso objectivo era o acampamento de Tite Sambo, situado muito perto do quartel das nossas tropas.

Por volta das 20h00, arrancámos directos a Canjambari lojas. Eu era o primeiro homem do grupo. O alferes Saraiva mandou cortar à esquerda, para deixarmos a estrada que divide a pequena povoação ao meio. Desconfiávamos que a guerrilha tinha sentinelas na área das lojas de Canjambari.

Para a esquerda, para onde o alferes nos tinha mandado seguir, era só capim seco. Progredir num terreno assim era quase impossível manter o silêncio. Espaçámos os intervalos entre nós, sempre com a preocupação de caminharmos com o mínimo de barulho. Atrás da primeira loja, estava a travessia de um pequeno curso de água[2]. A ponte era uma prancha e no outro lado do riacho calculávamos estar o quartel-general de Samba Culo.

Quando cortámos à esquerda, redobrámos ainda mais os cuidados. A noite estava muito escura, não havia luar e o capim seco estava a dificultar-nos a marcha. Ainda não tínhamos acabado todos de entrar no capim, ouvimos uma sentinela, em crioulo, a perguntar alto:

- Quem está partir capim ali?

Parei logo e abaixei-me de vagar, até os meus joelhos tocarem no chão. Fui continuando a deslizar para o chão, até ficar de gatas. O alferes fez a mesma coisa, depois apoiou a G-3 nas minhas costas, apontando para a frente. A sentinela voltou a falar alto com alguém, que lhe perguntou o que se estava a passar. Ouvimos a resposta da sentinela. Que alguém estava a fazer barulho ali à frente, no capim. O outro, que estava na outra margem do riacho, disse para ele não fazer fogo ainda.

O alferes é que não obedeceu, disparou logo uma rajada e nós recuámos, a correr, atravessando a estrada para o outro lado.

Logo de seguida, começámos a ouvir tiros e rebentamentos na área do quartel. Estavam a atacá-lo. Mas o PAIGC não podia demorar, já sabia que havia militares fora do quartel, e poderia ter problemas no regresso. A flagelação não demorou muito, retiraram rapidamente, a correr, para irem receber os visitantes, que éramos nós e que também não os encontrámos em casa.

Passámos a noite ali. Por volta das 06h00, começámos a andar até ao local onde tinha havido o contacto com a sentinela. Atingimo-lo, havia ali vestígios de sangue, até na prancha da travessia do riacho.

A guerrilha devia estar, calculámos nós, a mais ou menos 200 metros. Ouvíamos a fala deles. O alferes disse que eles não sabiam que nós andávamos por perto e que era boa ideia ir ter com eles.

Então deu-me ordem e ao Cabo Cruz para nos mantermos ali em vigilância, no próprio local da travessia. Havia duas árvores de grande porte, a que nós na Guiné chamamos bissilão[3], uma atrás da outra.

Não sabíamos que o pessoal do PAIGC estava a observar os nossos movimentos. Eles estavam à espera que nós atravessássemos, tinham preparada uma emboscada do outro lado do ribeiro. A conversa em voz alta que eles estavam a ter, era de certeza um chamariz para nós atravessarmos e cairmos na emboscada.

A certa altura, deviam ser 07h00, fomos surpreendidos com rajadas. Um dos tiros bateu na árvore onde eu estava abrigado. Atirei-me para o chão e meti-me entre as raízes do bissilão. O fogo estava bem forte e eu interrogava-me como é que íamos agora sair dali.

Quando os tiros abrandaram, o alferes correu para junto de nós e deu-nos ordem de retirar daquele local. Corremos para junto do grupo, debaixo de fogo.

Os Comandos são treinados para não fazerem fogo à toa, cada bala é para abater um. Mas, desta vez, abrimos mesmo fogo de qualquer maneira, para tentar abrir o nosso caminho. Entretanto, o alferes pediu reforço à companhia. Não demoraram, chegaram em viaturas e o fogo abrandou, sem nós termos ido ter com eles e eles também não quiseram vir ter connosco. Abandonámos Canjambari Lojas e de seguida retirámos para o quartel.

Depois de dois dias de descanso em Canjambari, por volta das 20h00, saímos em direcção a Cunacó. Não tínhamos desistido da visita. O nosso objectivo era o mesmo. Nesta saída [4], com o Kássimo à frente, andámos a noite quase toda, mas atrasámo-nos muito. Como fomos sempre pelo caminho, a progressão teve que ser muito cautelosa por causa das minas.

Por volta das 06h00, fomos detectados mesmo à entrada da tabanca. Fugiram todos e nem tempo tiveram de soltar as cabras. Nós entrámos por um lado e saímos pelo outro, sem encontrarmos ninguém.

Trouxemos as cabras todas connosco e nesse dia tivemos ao jantar caldeirada de cabras.

Não descansámos muito. Na saída seguinte, saímos mais cedo do quartel de Canjambari, levávamos um prisioneiro cabo-verdiano, já idoso, amarrado como uma corda pela cintura. Marchava à minha frente, ligado a mim.

Fomos andando até às 02h00, mais ou menos, que foi quando atingimos o rio Canjambari. Quando parámos, o alferes deu-me instruções para eu atravessar primeiro e só depois de eu estar na outra margem, o grupo passava todo. Passei a corda do prisioneiro já não me lembro a quem e entrei na água do rio, cauteloso, a apalpar com os pés o lodo do fundo.

Quando estava quase a meio, não sei que bicho [5] foi que saltou com grande estrondo para a água. A maré que ele levantou molhou-me a cara. Passada a surpresa, comecei a movimentar-me para o lado contrário de onde eu vira a sombra do bicho a saltar para a água. Vi uma pequena clareira e só respirei fundo quando a atingi.

Ao meu sinal, o grupo entrou na água e veio ter ao local onde eu me encontrava. Nem deu tempo para sacudir a água do camuflado. Começámos logo a andar, até que por volta das 08h00, com o sol já muito alto, sem termos visto nada que nos desse uma indicação, o alferes resolveu retirar.

Foi uma saída, para deixar as nossas marcas na zona e para eles ficarem a saber que nós íamos aonde queríamos, disse o alferes. Durou uma noite inteira, muita água e um susto que apanhei com um bicho que ainda hoje não sei qual foi.

Regressados ao quartel de Canjambari, apanhámos lugar nas viaturas até Farim e daqui regressámos a Bissau, de avião.[7]


Notas do autor ou editor literário (VB)

[1] 26 Março de 1965.

[2] Rio Canjambari.

[3] A madeira do bissilão é uma espécie de mogno avermelhado.

[4] Nota do editor: 31 de Março 1965.

[5] Nota do editor: Jacaré? OU antes pequeno crocodilo, não há jacarés na Guiné [LG]

[6] Nota do editor: 11/12Abril de 1965.

[7] Nota do editor: 

A ocupação de Canjambari, operação "Ebro",  foi iniciada em 22 de Março de 1965.

“Os relatórios referem terem sido feitas várias acções no itinerário Jumbembem-Canjambari e na própria região de Canjambari. Apesar de levantadas numerosas abatizes, o referido itinerário ainda se encontra com algumas árvores de pequeno porte nas imediações da bolanha que dá acesso ao pontão danificado sobre o rio Tufili (dados obtidos através do reconhecimento aéreo de 17Mar65). Parece, este pontão, de fácil transposição desde que se utilizem pranchas adequadas.

Dos contactos com o IN a reacção deste tem-se limitado a flagelações de longe, não sendo de desprezar a possibilidade de o mesmo dispor, na região, de forças importantes e, eventualmente, colocar minas nos itinerários de acesso.

O objectivo das NT é proceder à ocupação permanente de Canjambari. Elaborado o plano para a acção, foram constituídas as forças executantes, comandadas pelo próprio Cmdt do BCav 490, Ten. Cor. Cavaleiro. Às 03H00 de 22Mar65 iniciou-se o movimento, a partir de Farim. Atingido Jumbembem às 04H20, a força executante prosseguiu, rumo a Canjambari.

À passagem por Sare Tenen, um Gr Comb da CCav 488 apeou-se, emboscando-se de seguida junto ao caminho que cruza o itinerário. A partir daqui a equipa de sapadores encarregada da detecção de minas passou a picar a estrada nos locais mais suspeitos. Apesar das precauções, às 06H15 e a cerca de 9 kms de Jumbembem, a GMC da frente da coluna calcou um engenho explosivo, ficando a parte posterior da viatura enfiada na cratera aberta pelo engenho. Os dois homens que nela se deslocavam foram projectados, não tendo sofrido ferimentos de maior.

Passados cerca de 500 metros encontrou-se a 1.ª de uma série de cerca de 30 abatizes, algumas de grande porte, que se espalhavam numa extensão de quase 4 kms, até 1 km e meio de Canjambari Morocunda, que só foi atingida já passava das 12H00. O esgotante trabalho de levantamento de abatizes durou cerca de 5 horas e meia, sob constantes flagelações do IN, que utilizou metralhadoras pesadas e morteiros. As medidas de segurança adoptadas, apesar da extensão da coluna de 30 viaturas pesadas, revelaram-se eficazes, porquanto o IN nunca conseguiu aproximar-se de modo a causar baixas às NT”.

 (…). Ultrapassada a zona das abatizes, a coluna prosseguiu deixando um GrCombate emboscado a dois quilómetros do cruzamento de Canjambari Morocunda. Atingiu-se a povoação de Canjambari, com o IN a assinalar a entrada das NT com tiros à distância, disparados da margem sul do rio Canjambari.

Tabanca revistada, os indícios apontavam para uma retirada apressada. As casas comerciais deixaram indícios de movimento recente, praticamente até momentos antes da entrada das NT. Pelas 15H00, a coluna regressou ao cruzamento de Canjambari Morocunda. Deu-se então início aos trabalhos de instalação e organização do terreno em volta do edifício do Posto de Socorros aí existente.

Informações posteriores revelaram que o IN tivera conhecimento antecipado da acção e que tivera mesmo tempo para receber reforços de Morés e de Mansodé, que se mantiveram na zona dois dias à espera das NT, regressando mais tarde às suas bases, por coincidência no mesmo dia do início da operação das NT.” (**)
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