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terça-feira, 23 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25432: 20.º aniversário do nosso blogue (9): Alguns dos nossos melhores postes de sempre (VI): Na sua já famosa carta aberta a Salazar e Caetano, de 2010, o 'sínico' António Graça de Abreu recomendava-lhes vivamente a leitura do nosso blogue, lá no além...


Guiné > Região do Oio > Mansoa > CAOP 1 > Março de 1973 > O Alf Mil António Graça de Abreu junto ao obus 14... Antes estivera em Teixeira Pinto. Terminará a sua comissão em Cufar, no sul, nas vésperas do 25 de Abril de 1974.

A 8 de Abril de 1974, em Cufar, escreve no seu "Dário  da Guiné": 

"De Lisboa a minha mulher continua a dizer-me coisas de espantar. Ao fim deste tempo todo, por exemplo: 'Não contas senão o superficial, a tua vivência aí chega a mim só pela rama'. Como é possível?!... Em vinte e um meses e meio fui três vezes a Portugal,  da Guiné escrevi-lhe trezentas e quarenta e sete (347, tenho tudo numerado!) cartas e aerogramas, desdobrei-me na narrativa, na descrição minuciosa do meu quotidiano e desta guerra, desde os muitos pormenores aparentemente insignificantes aos contextos maiores em que vivo. 'Não contas senão o superficial'. Como é possível ?!..." (in Diário da Guiné..., 2007, p. 211).


1. Esta carta aberta já aqui foi publicada há mais de 13 anos... Foi escrita pelo António Graça Abreu, antes de empreender uma grande viagem à China,  com pedido de publicação, em 21 de Maio de 2009... Lamentavelmente, por um monumental lapso nosso, só seria publicada 18 meses depois, em 16 de novembro de 2010... Merece agora voltar à montra principal do nosso blogue, no dia do nosso 20.º aniversário...

Como o dissemos na altura, é uma peça antológica, é um  documento de belo recorte literário e de mordaz ironia, senão mesmo de delicioso sarcasmo, sob a forma de carta aberta aos dois políticos que formataram este país e este povo, durante mais de meio século, legitimando uma guerra, de longa duração, a milhares de quilómetros de casa, e para  a qual ambos foram totalmente incapazes de encontrar uma inteligente e honrosa saída política... 

Não é um documento panfletário, é uma reflexão, didática, serena, bem humorada,  sobre as oportunidades perdidas por e para todos nós (incluindo os povos africanos, que poderiam ter chegado à independência por meios pacíficos, proveitosos e honrosos, para os dois lados, reforçando os nosssos nossos laços históricos comuns).

Mas é também uma carta de confiança no futuro, de confiança em Portugal, e nos portugueses, de confiança e de orgulho  na geração, a nossa,  que soube fazer a guerra e a paz, independemente dos efeitos perversos, contra-intuivos, n
ão-esperados, que teve a descolonização, um processo em grande exógeno, sobre o qual Portugal de 1974/75 não podia ter grande controlo: 

"Penso que não combatemos pela Pátria salazarista e marcelista mas por um Portugal e uma Pátria que nos circulava no sangue e no entendimento. Essa Pátria não nos pode ser negada. Era, é a nossa terra, eram, são as nossas gentes".
 

BI militar do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu: 

(i) ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74; (ii) membro da nossa Tabanca Grande desde 2007; (iii) tem mais de 340 referências no blogue; (iv) é sinólogo, tradutor e escritor, autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp).

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2011). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
Carta aberta aos Profs. António de Oliveira Salazar 
e Marcello Caetano

por António Graça de Abreu


(i) Introdução

António Graça de Abreu, ex-alferes miliciano na Guiné-Portuguesa, humilde cidadão que teve a ventura de nascer no ano de 1947, durante a longa jornada autocrática de V. Exª., Sr. Presidente do Conselho Dr. António de Oliveira Salazar, e depois de viver extremadamente os últimos anos da ditadura mole e pouco iluminada de V. Exª., Sr. Prof. Marcello Alves Caetano, também Presidente do Conselho, confessa, do fundo das circunvoluções do seu desgastado coração, que anda há um ror de anos com vontade de vos escrever.

A primeira dificuldade, para além da minha inabilidade e ausência de qualidades para me dirigir a tão excelsas e ilustres figuras da nossa História Contemporânea, tem a ver com o embaraço de enviar esta carta para o espaço adequado. Qual o lugar onde hoje se encontram, Excelentíssimos Dr. Salazar e Dr. Marcello Caetano? No fofo azul do Céu, nas agruras amarelas de uma passagem prolongada pelo Purgatório, nos calores vermelhos do Inferno?

Como não sei qual foi o destino que para vós Deus escolheu (dependente por certo de tudo quanto executaram ou mandaram fazer na vossa breve/longa vida terrena), envio esta carta para o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, na certeza de que terá um molho bem cheio de leitores, gente de excelente qualidade, e que V. Exªs., onde quer que estejam, a irão ler.

Este blogue do Luís Graça na Internet  – coisa que não existia no tempo de vossas vidas– é um imenso sucesso de comunicação. São testemunhos de ex-combatentes da guerra na antiga Guiné Portuguesa, trocas de opiniões, entendimentos, desentendimentos, desabafos, uma espécie de terapia colectiva, muitos anos após o regresso dessas paragens quentes e amargas que nos marcaram a todos.

A segunda dificuldade, ao escrever esta carta, prende-se com o modo de vos tratar. “Excelências, Senhores Presidentes do Conselho, Prof. Dr. Salazar, Prof. Dr. Marcello Caetano”? Todas estas denominações vos pertencem, associadas à importância e dignidade dos cargos que, em ditadura, ocuparam ao longo de tantos anos.

Ora, há uns três meses atrás, o António Lobo Antunes, ex-oficial miliciano médico em Angola, 1971/1973, na crónica que assina na revista Visão, escreveu um texto algo zangado com Deus que, no início de 2009, lhe levou dois dos seus melhores amigos. E António Lobo Antunes resolveu tratar Deus por tu. Ele é um pouco, ou muito despassarado, mas enfim…

Eu também tenho as minhas guinadas e manias, mas pairo baixo, a razoável distância do autor de Os Cus de Judas. E os Profs. Salazar e Marcello também não são deuses.

Não me levem a mal por, em bicos de pés no alto do meu banquinho de escritor pequeno e medíocre, (mas com quinze livros publicados), desejar tratar-vos igualmente por tu, com todo o respeito. Mas acho que não sou capaz.


(ii) A História

O nosso Portugal é uma das nações mais antigas da Europa. Fechados neste rectângulo, de costas voltadas para Espanha, tínhamos o oceano diante de nós. E, a partir do século XV, antes de quase todos os outros povos, embarcámos na ousadia e na loucura de navegar o mar. 

Áfricas, Américas, Índia, China, Japão, Austrália, nada do que eram então os grandes mares e as imensas terras desconhecidas parece ter escapado às quilhas das naus, ao calcorrear português, ao entendimento, nem sempre esclarecido, das gentes da pequena pátria lusitana. Demos “novos mundos ao mundo”, é verdade. E fixámo-nos em muitos desses lugares. Fomos ficando. Em meados do século XX ainda estávamos em Macau e Timor, na Índia, em Moçambique e Angola, nas ilhas de S. Tomé e Cabo Verde, na Guiné.

Depois de descobrirmos mais de meio mundo, face à pequenez do Portugal europeu, alimentámos naus e naus carregadas de mitos e sonhos. O bom do padre António Vieira (1608-1697) acreditava ainda num impossível Quinto Império lusitano espalhado pelo mundo e falava de nós como os que “têm a terra portuguesa para nascer e toda a terra para morrer”.

No século XIX construímos a ideia irrealista de um mapa “cor-de-rosa” a unir, sob domínio português, as terras de Angola e Moçambique. Na I Guerra Mundial (1914-1918) enviámos forças expedicionárias para França, para a Flandres, entre outras razões, para mostrar que tínhamos força (não tínhamos!..) e que outras potências europeias seriam mal sucedidas se algo fizessem para se assenhorearem das nossas colónias. 

Tivemos quinze mil mortos, (corrijam-me se estou enganado!),  bons filhos da terra portuguesa, nessa guerra estúpida e inútil. Como quase todas.

Em 1953, escrevia o general Norton de Matos, em choque aberto com V. Exª., Dr. Salazar, e que mais tarde haveria de se candidatar a Presidente da República pela chamada Oposição: 

“Que a vossa principal tarefa seja o engrandecimento da Pátria, dignificando-a (…). Não deixais que ninguém toque no território nacional. Conservar intactos os territórios de Aquém e Além-Mar é o vosso principal dever.” (in Norton de Matos, A Nação Una, Lisboa, Ed. Paulino Ferreira e Filhos, 1953).

Tudo isto V. Exª. conhecia, Dr. Salazar e, na linha do pensamento tradicional português e até do de alguns dos vossos opositores, Portugal afirmava-se “uno e indivisível”, estender-se-ia do Minho a Timor, eram “muitas raças, uma só nação”. Uma utopia, um sonho lindo e perigoso, inevitavelmente condenado pelos ventos e avanços da História.

A partir dos anos sessenta do século XX, quase todas as colónias das nações europeias em África transformaram-se em países independentes. Sabemos hoje que muitas dessas independências foram prematuras e constatamos como muitos dos pobres povos dessas terras, libertos do nada meigo jugo colonial, têm sido tratados pelos seus governantes africanos e chefes associados ao tribalismo, à incompetência, à corrupção, ao esmagamento dos mais elementares direitos humanos.

No que a Portugal diz respeito, naquele fatídico ano de 1961, perdíamos a Índia e logo de seguida iniciava-se a luta armada em Angola, com o massacre pela UPA (União dos Povos de Angola) de milhares de portugueses inocentes. 

O ódio racial era real e antigo, ao contrário do que a propaganda do regime de V. Exª., Dr. Salazar, queria esconder. A tese das “muitas raças, uma só nação” continuava a ser enganosa e iria provocar imensos sofrimentos ao povo português e aos povos de Angola, Guiné e Moçambique.

(iii) A Guerra

“Orgulhosamente sós”,  embarcámos aos milhares, de armas na mão para lutar contra o “terrorismo” em Angola. Em 1963, com o eclodir dos conflitos armados na Guiné e em Moçambique, novos espaços de guerra se abriram para os portugueses. Os chamados Movimentos de Libertação organizavam-se, contavam com poderosos auxílios externos (União Soviética, China, etc.) e Portugal fez um esforço tremendo para combater, com algum êxito, esses guerrilheiros que acreditavam lutar por um futuro melhor para a Pátria deles e queriam pôr fim a quatro séculos de mau colonialismo. O sangue, a dor, a morte passaram a fazer parte do quotidiano de Angola, Guiné e Moçambique.

Sempre na senda de um “passado glorioso”, da exaltação da nossa História, e também por razões económicas  
– Angola era, é, talvez o país mais rico de África – V. Exª, Dr. Salazar, insistia na “defesa da Pátria”, e V. Exa., Dr. Marcello Caetano, excelente professor na Faculdade de Direito de Lisboa, não discordava uma linha da política ultramarina seguida por Salazar.

Em 1968, eu não era nada de especial, tinha vinte gloriosos anos, vivera já durante um ano em Hamburgo, na Alemanha e, na Faculdade de Letras de Lisboa, fazia parte da Direcção da Pró-Associação de Estudantes e do Grupo de Poesia e Canção da Faculdade. Muitas vezes eram da nossa responsabilidade as primeiras partes dos espectáculos semi-clandestinos do Zeca Afonso, do Adriano, do Fanhais, do Zé Jorge Letria. Eu dizia poemas do Pessoa, da Sophia, do António Gedeão. Deste último, ainda sei de cor a Lágrima de Preta. Ignoro se V. Exas, Salazar e Marcello, são muito dados a estas coisas da poesia, mas aí vai:

Encontrei uma preta que estava a chorar
Pedi-lhe uma lágrima para analisar,
Recolhi a lágrima com todo o cuidado
Num tubo de ensaio bem esterilizado.
Mandei vir as bases, os ácidos, os sais,
As drogas usadas em casos que tais.
Nem sinais de negro, nem vestígios de ódio,
Água, quase tudo, e cloreto de sódio.

Podem pois adivinhar de que lado político eu me situava. A PIDE já me tinha debaixo de olho e o meu processo na PIDE (podem consultar, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, PIDE/DGS, procº. 9175 C7 NT 7555) é muito interessante e equivale às medalhas que, por bem, não ganhei na Guiné Portuguesa.

Os tempos tinham mudado, em finais dos anos sessenta do século passado cada vez mais pessoas e muita juventude, sobretudo a que frequentava as universidades, começava a contestar a vossa autoridade e a justiça das guerras em África.

E o vosso erro foi não terem entendido, para bem de Portugal e dos povos africanos, que a era gloriosa da Pátria portuguesa espalhada pelos quatros cantos do mundo pertencia a uma História de que nos podemos e devemos orgulhar, mas era apenas isso, o passado.

V. Exª., António de Oliveira Salazar e depois, a partir de 1969, V. Exª., Marcello Caetano, descartavam as hipóteses de negociações com os movimentos de libertação. E os conflitos não tinham solução. Não conseguíamos vencer os guerrilheiros em luta, nem éramos vencidos por eles.

O povo português, os povos africanos sofriam barbaridades. Em nome de quê, porquê, para quê? Vocês estavam a adiar o inadiável, o inevitável.

Em 1968, V. Exº., Dr. Salazar nomeia o então brigadeiro António de Spínola para governador e comandante-em-chefe das tropas na Guiné. Spínola, que fora tenente-coronel em Angola, apercebe-se da impossibilidade de se ganhar militarmente a guerra. A questão era política, sempre foi política e ao lançar a estratégia política de Uma Guiné Melhor António de Spínola pretende transformar o “inimigo em nosso amigo”. Consegue alguns resultados e o PAIGC treme. Spínola começa progressivamente a alicerçar a ideia de uma muito maior autonomia para os territórios ultramarinos, uma espécie de federação lusófona, e inicia estranhas negociações com o “inimigo” que, em 1970, se viriam a saldar pelo cruel e cobarde assassínio de três majores portugueses por guerrilheiros do PAIGC.

V. Exª., Dr. Salazar, tinha caído da cadeira de lona no forte de Santo António do Estoril, batido com a cabeça no chão e incapacitado, ainda sem acreditar, terminava o seu longo consulado ditatorial ao leme dos destinos tortos de Portugal.

V. Exª., Dr. Marcello Caetano, era um homem mais aberto e moderno. Mas não acabou com a ditadura, nem com a polícia política, nem com a asfixia da sociedade portuguesa. No que às guerras de África dizia respeito, foi muito mais “continuidade” do que “evolução”. Portugal permanecia num doloroso beco sem saída.

Até que em 1973, de início por razões reivindicativas e corporativistas que tinham a ver com promoções na carreira, um grupo de capitães, oficiais do quadro permanente, todos marcados pela inutilidade, irracionalidade e impossível solução das guerras de África, decide avançar para um golpe militar e depor o regime que governara Portugal a partir de 1926.

V. Exª., Dr. Salazar, desde 1970, dormia o definitivo sono dos injustos na sua campa térrea de Santa Comba Dão. E V. Exª., Dr. Marcello, foi exilado para o Brasil. As guerras de África iam acabar porque o problema tinha solução, era, sempre foi político.

O que veio a seguir já não é da vossa responsabilidade, sois apenas culpados por ter protelado, adiado até ao impossível, uma necessária solução política para os conflitos em África.

A descolonização, como sabem, foi um inenarrável desastre, as tragédias da guerra civil em Angola, os conflitos em Moçambique, os massacres em Timor, o fuzilamento de centenas de militares e civis africanos na Guiné, homens que tinham combatido ao nosso lado ou apoiado as tropas portuguesas, enfim todo um rosário de mágoas, dor e morte que não terminou com a independência desses territórios. Como foi possível, pós independência, que quase todos os mais destacados e heróicos comandantes da guerrilha do PAIGC também tenham sido mortos em lutas intestinas entre eles? Como é possível que hoje, ano de 2009, quase metade das mulheres da Guiné-Bissau estejam ainda sujeitas à excisão do clitóris, uma prática bárbara, atentatória dos mais elementares direitos da mulher, direitos humanos? Como é possível que hoje, 2009, em Bissau não exista uma única livraria?

Mas não foi para me debruçar sobre estes temas que vos escrevi. Vamos falar de nós.

(iv) Combatentes

A minha mulher é chinesa [foto à esquerda], criada na Xangai comunista, República Popular da China, onde nasceu em 1961. Há dois anos atrás, quando resolvi ir buscar o meu diário de guerra na Guiné, mais uns aerogramas da época [foto abaizo], e comecei a passá-los ao computador prevendo uma possível publicação em livro, a minha mulher zangou-se comigo. Via-me sofrer ao reescrever os textos, constatava como aquele diário ainda bulia comigo, houve dias em que, na escrita, algumas lágrimas me rolavam pela face, e ela não gostava. Fala bem português, está em Portugal há 24 anos e disse-me mais ou menos o seguinte:

“Então que prazer estúpido tens em mexer nesses papéis, tu afinal pertenceste a um exército colonial que andou a matar os pobres dos pretos. Não é melhor tentar esquecer tudo isso e dedicar o teu labor a trabalhos mais saudáveis”?!..




Cópia de aerograma, original, escrito em linhas concêntricas, reproduzido no livro "Diário da Guiné".


Em Julho de 2008 tentei e consegui convencê-la a ir comigo a Fátima, ao segundo encontro dos camaradas da CCaç 4740, com quem estive em Cufar, sul da Guiné, durante dez meses. Fomos à missa (o que raramente acontece!) com muitos dos homens da companhia 4740 e ao almoço com eles e famílias. E a minha mulher entendeu por fim o que une estes antigos militares da Guiné. Compreendeu, em palavras simples, como somos amigos, entendeu a alegria que temos em nos reencontrar, em recordar, em nos sentirmos irmãos.

[ À esquerda, capa do livro do nosso camarada António Graça de Abreu, Diário da Guiné: Lama, Dangue e Água Pura.  Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007.... 


É isto, senhores Dr. Salazar e Dr. Marcello Caetano, que vos quero dizer, dar-vos a conhecer a evolução das nossas vidas. 

A guerra marcou-nos a todos, mas somos hoje companheiros fraternos, camaradas de armas recordando um duro passado comum, em terras que não eram as nossas, mas que continuam a exercer sobre nós todos os fascínios. Fomos obrigados a fazer uma guerra, é verdade, mas a grande maioria de nós também sabia fazer a paz, quase todos tiveram a humanidade e a dignidade de sair de cabeça levantada dessa guerra.

Centenas de milhares de homens passaram pelas guerras de África. Quase nove mil combatentes, no melhor dos seus vinte anos, lá perderam a vida. “Malhas que o império tece”, ou melhor, malhas cerzidas por uma política cega, de que vocês os dois foram os principais fautores.

Os meus heróis são os soldados portugueses que tombaram para sempre numa guerra injusta tendo por horizonte as bolanhas, o tarrafo e o verde e vermelho da bandeira portuguesa, os meus heróis são esses guerrilheiros anónimos do PAIGC que caíram no seu campo de luta.

(v) A Guiné

O velho Confúcio, nascido na China antiga no ano de 551 a.C., disse mais ou menos o seguinte: “Se conheces, actua como homem que conhece, se não conheces, reconhece que não conheces. Isso é conhecer”.

Como, apesar dos meus 62 anos, conheço ainda tão pouco, devo confessar-vos, Drs. Salazar e Marcello, que neste blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné tenho aprendido muito sobre o que aconteceu nos onze anos de guerra na Guiné e sobre esta essência tão obtusa de sermos portugueses.

Os testemunhos dos homens que viveram o conflito é sempre e naturalmente plural. Os nossos dois anos de Guiné tiveram cenários e tempos diferentes, as terras fulas de Bafatá e Nova Lamego (Gabú), o chão manjaco, com o Cacheu e Teixeira Pinto (Canchungo), Mansoa e o Morés, no sul, as terras do Tombali e do Cantanhez. Diversos espaços de luta, de excelente, extraordinária camaradagem e também de sofrimento. Ora, a Guiné dos anos 1964, 1967, 1970, 1972 ou 1974 não corresponde exactamente a um mesmo enquadramento logístico e estratégico. A guerra prolongou-se por onze anos. Depois, hoje escrevemos de memória, trinta e tal, quarenta e tal anos transcorridos. E a memória esquece, distorce, obscurece, exalta o entendimento.

Mesmo assim, muitos dos testemunhos dos ex-combatentes neste blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné assumem-se como marcos fundamentais das nossas vidas, imprescindíveis para entender quem fomos e somos.

Recomendo-vos vivamente a leitura do blogue, Profs. Salazar e Marcello.

Transparece, no entanto, em alguns dos textos publicados no blogue, reflexo também de falsas ideias feitas em estratos da sociedade portuguesa, uma constante ideológica de assumir culpas, de lançar culpas para o parceiro do lado, de subestimar as forças militares portuguesas e, lógico, de sobrevalorizar o poder dos guerrilheiros do PAIGC. Política, má política.

Fomos obrigados a combater contra povos pobres que acreditavam lutar por um futuro mais risonho para as suas pátrias. Não fomos militarmente derrotados. Porque, quase sempre fomos bravos, “forte gente” com “fracos reis”, como diria o nosso Camões.

Mas, V. Exª., Dr. Marcello Caetano, com algum fundamento, estava assustado com o que acontecia na Guiné, a partir de Abril de 1973, com os mísseis Strela e com a debandada de Guileje. Em Lisboa, com censura nos jornais, sem liberdade de imprensa, corriam extravagantes boatos. Dizia-se de boca bem aberta, mas à boca calada, que os aquartelamentos portugueses no sul da terra guineense caíam uns após outros. Contava-se que um quartel, a 30 quilómetros de Bissau, havia sido tomado pelo PAIGC, com centenas de mortos. Em Junho de 1973, à noite, às escondidas, em muros da cidade de Coimbra, alguém escrevia : “se tem o seu filho na Guiné, considere-o morto.”

Em V. Exª., Dr. Marcello Caetano, a preocupação crescia. Em Junho de 1973, mandava chamar o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Costa Gomes, recentemente regressado da Guiné e perguntava-lhe:

 
– A Guiné é defensável e deve ser defendida?
(…) A resposta do General Costa Gomes foi categórica:

 
– No estado actual, a Guiné é defensável e deve ser defendida.”

(in Marcello Caetano, Depoimento, Rio de Janeiro, Ed. Record, 1974, pag.180.)


A menos de um ano do 25 de Abril, Costa Gomes considerava a Guiné “defensável”, o que era verdade em termos militares. Sim, mas à custa de tantos sacrifícios!… Quanto ao “deve ser defendida” era a perpetuação da tese política da defesa cega das terras africanas do império.

A Guiné-Bissau tornou-se um país independente a 23 de Setembro de 1974 e logo depois Costa Gomes chegou a Presidente da República portuguesa. As malhas rotas que o império tece.

(vi) Conclusão

António de Oliveira Salazar e Marcello Caetano, Excelências

Espero que tenham lido com atenção esta minha despretensiosa carta. É apenas um desabafo do coração, mas espero que, graças ao fantástico e extra-terreno blogue do Luís Graça & Camaradas d Guiné, tenha chegado ao vosso mundo.

Nós hoje, somos ainda uns duzentos mil ex-combatentes da Guiné. Sexagenários e septuagenários, jamais esquecemos esses cada vez mais distantes dois anos das nossas vidas. Penso que não combatemos pela Pátria salazarista e marcelista mas por um Portugal e uma Pátria que nos circulava no sangue e no entendimento. Essa Pátria não nos pode ser negada. Era, é a nossa terra, eram, são as nossas gentes.

Com vinte e poucos anos, quase todos nós demos o melhor de nós próprios (às vezes a própria vida) numa guerra que não desejámos. Mas temos orgulho na nossa bandeira e nesse estranhíssimo sortilégio de se nascer português.

Homens, ex-militares da Guiné, somos hoje duzentos mil irmãos.

Saúda-vos, com pouca amizade, o António Graça de Abreu

(Revisão / fxação de texto, negritos,  numeração dos subtítuos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG)
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Nota do editor  L.G.:

(*) Último poste da série > 23 de abril de  2024 > Guiné 61/74 - P25428: 20.º aniversário do nosso blogue (8): Bem hajam!, a minha palavra de gratidão para os nossos editores e colaboradores (João Crisóstomo, Nova Iorque)

Vd. também poste de 21 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25418: 20º aniversário do nosso blogue (6): Alguns dos nossos melhores postes de sempre (V): Canjadude, pânico no abrigo Norte: Ei!!!!!… malta… um Crooocoodiiiloooo!!!... (José Corceiro, ex-1º cabo trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", 1969/71)

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25132: Carta aberta a... (19): Moura Marques, Amigo, Companheiro, Camarada, Irmão de solidariedades (Paulo Salgado, ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721)

Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > 2006 > Rio Olossato > O Paulo Salgado e o Moura Marques, 35 anos depois...


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África""Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 1 de Fevereiro de 2024:

Caro Editor, Luís Graça e Caros Coeditores
Permiti-me que vos fale, em breves palavras de um camarada e amigo, amizade construída na guerra e continuada posteriormente – o Moura Marques, que foi cabo do meu pelotão, da CCAV 2721. Faço-o à guisa de carta aberta, que a ele dirijo.

Saudação bloguista
Paulo Salgado



Carta aberta a...

Moura Marques, Amigo, Companheiro, Camarada, Irmão de solidariedades

Devias pertencer ao grupo de autores célebres de cartas, porque elas, por mérito, encerram as tuas considerações, os teus comentários, a audácia em te meteres por leituras verdadeiramente críticas de obras que compras com sacrifício, a ternura e a frontalidade com que falas de assuntos, ora tão íntimos, ora tão objectivos. Se algumas editoras soubessem o que escreves, meu Camarada na Guerra Colonial – Olossato e Nhacra, 1970-1972 – por certo não hesitariam em publicá-las.

Camarada Moura Marques, não sorrias, por força da tua genuína simplicidade! Tenho guardadas as cartas, dezenas, mais de uma centena. Leio-as e releio-as quando me chegam às mãos.
Compras todos os meses, quase invariavelmente, um livro - livros que muitos intelectuais gostariam de ler. É verdade. A minha mulher e eu vimos estantes de tua casa carregadas de obras: de História Universal, de História de Portugal, de biografias, de ensaios. E todas leste. E continuas a ler, apesar de teres necessidade de usar uma lupa…

Fazes os teus comentários nas interessantes cartas que me escreves, e que eu gostaria de escrever. Eu, que sou um escritor.

Estou a falar de ti aos camaradas do nosso Blogue, por seres um grande homem, de carácter, vertical e de uma humanidade enorme. Na guerra e na tua vida profissional e familiar. Sei do que falo. Para além da amizade que fomos fortalecendo ao longo das décadas, sei que viste partir a tua filha, netas e genro para o Brasil. Resistes. Deste, num processo de divórcio amigável, o andar que tinhas adquirido com as tuas economias, à tua ex-mulher, para que, sofrendo ela de grave doença, pudesse subsistir. E sempre resististe. Agora, o senhorio quer despejar-te da casa… como vais resistir?

Lembro-te, companheiro, que demonstraste grande nível de humanismo ao longo da permanência no TO. E eu não resisti a inscrever-te nas crónicas de dois dos meus livros, sob nome diverso. Claro.

Na comemoração do Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo (como sabes, foi publicado o programa remetido aos editores do Blogue, foi publicado, de que, com a minha mulher e o Mário Tomé nos orgulhamos de ter proposto à Câmara Municipal), tu, Moura Marques, estiveste presente, vindo de Tires, Cascais, fizeste um esforço enorme, porque algum mal trazes contigo, ainda que não te moleste, tão gravemente, por enquanto, mas que, para muitos, seria impeditivo de estar presente.

Devo lembrar-te um episódio: quando me visitaste em Bissau, a meu convite, 35 anos depois do regresso, éramos a minha mulher e eu cooperantes, fomos os três ao Olossato (já descrevi esta viagem no nosso Blogue). Lá choraste na campa do Suleiman, outro grande homem. Parece que tinhas perdido um irmão.

Olha, meu camarada, irmão de solidariedades, as tuas cartas estão guardadas. Não sei se alguém as vai ler, um dia. Talvez o meu neto Xavier, por te ter conhecido em dois ou três momentos, ou possa ter interesse, eventualmente, quando crescer, em saber algo acerca do avô. E dos amigos do avô.

Olha, vou mandar esta carta para ti. Mas aberta, para que os camaradas fiquem a conhecer um grande homem, militar à força, mas crítico, escrupulosamente crítico. E, desculpa-me repetir a tua frase, que mencionaste há uns tempos: “pensei que ia para a Guerra do Ultramar e acabei por ir para a Guerra Colonial”. Coisas diferentes. Sabemos bem.

Mereces esta modesta homenagem pública.
Até já.

Um abraço do Salgado
31 de Janeiro de 2024.

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Nota do editor

Último post da série de 23 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23809: Carta aberta a... (18): Ministros da Cultura e da Defesa.... Portugal pode e deve recuperar os restos das estátuas, abandonadas no forte do Cacheu, dos nossos Teixeira Pinto (séc. XX), Nuno Tristão (séc. XV) e Diogo Gomes (séc. XV-XVI) (António J. Pereira da Costa, cor art ref / Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf)

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23809: Carta aberta a... (18): Ministros da Cultura e da Defesa.... Portugal pode e deve recuperar os restos das estátuas, abandonadas no forte do Cacheu, dos nossos Teixeira Pinto (séc. XX), Nuno Tristão (séc. XV) e Diogo Gomes (séc. XV-XVI) (António J. Pereira da Costa, cor art ref / Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf)

Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Forte de Cacheu (séc- XVIII) > Restos da estátua de Diogo Gomes, que até à Independência, estava em Bissau, frente à ponte cais de Bissau...

Foto: © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, com data de 17 de Novembro de 2022, a propósito das Estátuas do Cacheu:

Meu caro Luís,
(...)
Há hoje uma forte corrente de opinião, na classe política guineense, que devem ser recuperados os sinais da presença portuguesa. O assunto deverá ser deliberado pelos próprios guineenses e depois feitos pedidos de cooperação para a recuperação da estatuária, seja ao Estado português no âmbito de um protocolo cultural, seja a uma entidade como a Fundação Calouste Gulbenkian que tem recuperado património da presença portuguesa pelo mundo fora. Seria afrontoso, parece-me, ser um departamento governamental português a propor a recuperação das estátuas, compete às autoridades guineenses tomar essa decisão, fazer apelo à cooperação e depois de tais esculturas estarem recuperadas decidir a sua colocação.
Eu concordo que se trata de um opróbrio, uma indignidade manter dentro de um património histórico esculturas que num determinado momento da independência parecia ter sentido o seu desaparecimento. Veja-se como Cabo Verde preserva o seu passado. Recordo uma conversa havida em finais de novembro de 2010 com Delfim Silva, Chico Bá e Filinto Barros, foram unânimes que a memória colonial não podia ser iludida, nenhum país pode viver sem passado.
Em suma, devemos manifestar a nossa indignação, a Guiné-Bissau tem uma embaixada em Portugal, não nos ficaria mal manifestar o nosso sentir nessa representação diplomática.

Votos de boa recuperação
Um abraço do Mário


********************

2. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa, Cor Art Ref, com data de 22 de Novembro de 2022:


Olá Camaradas
Aqui vai (mais uma resposta do Ministério da Cultura).
Se compararem com a outra vão ver que o assunto ainda não saiu do Ministério.
Julgo que o próprio MC poderia ter enviado o assunto ao Instituto Camões e dar-me conhecimento disso, mas isto sou eu a pensar...
Chegámos, portanto, a um momento em que o assunto teria ou terá de ser exposto do MNE,nomeadamente o Instituto Camões".
Se os participantes no blog se quiserem continuar, não se acanhem.
Para completar o processo, segue, de novo, a primeira resposta do MC

Um Abraço
António J. P.Costa


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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23787: Carta aberta a... (17): Ministros da Cultura e da Defesa... Portugal pode e deve recuperar os restos das estátuas, abandonadas no forte do Cacheu, dos nossos Teixeira Pinto (séc. XX), Nuno Tristão (séc. XV) e Diogo Gomes (séc. XV-XVI) (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23787: Carta aberta a... (17): Ministros da Cultura e da Defesa... Portugal pode e deve recuperar os restos das estátuas, abandonadas no Forte do Cacheu, dos nossos Teixeira Pinto (séc. XX), Nuno Tristão (séc. XV) e Diogo Gomes (séc. XV-XVI) (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

 

Cópia do ofício enviado pelo chefe de gabinete do Ministro  da Cultura, ao nosso camarada António J. Pereira da Costa.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) > Restos da estátua de Teixeira Pinto, o "capitão-diabo" ...Estátua, em bronze, da autoria do professor de Belas Artes, o escultor Euclides Vaz (1916-1991), ilhavense. Encontrava-se no  Alto do Crim, antigo parque municipal, onde agora está a Assembleia Nacional. 


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) >   O que resta da estátua, também em bronze, do Nuno Tristão:  erigida por ocasião do 5.º centenário do seu desembarque em terras da Guiné (1446), a estátua ficava no final na Av da República, hoje, Av Amílcar Cabral... 

Esta artéria, a principal avenida de Bissau no nosso tempo, vinha da Praça do Império ao Cais do Pidjiguiti, tendo no final a estátua de Nuno Tristão; no sentido ascendente, ou seja, do Pidjiguiti para a Praça do Império, tinha à esquerda a Casa Gouveia, por detrás da estátua, e mais à frente, à direita, a Catedral.
 

Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Forte de Cacheu (séc- XVIII) >  Restos da estátua de Diogo Gomes, que até à Independência, estava em Bissau,  frente à ponte cais de Bissau...

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagens recentes de António J. Pereira da Costa, cor art ref:

(i) Data - 7/11/2022

Assunto - Estátuas do Cacheu

Olá Camaradas

Venho só comunicar que, hoje, enviei ao Ministro da Cultura e à Ministra da Defesa duas cartas a pedir o respectivo interesse na recuperação das estátuas do Cacheu.
Seguem, em anexo.

Como se recordam tentei levantar esta questão junto do pessoal do blog. Pouco êxito! (Vd. ponto 2).

Claro que o NÃO está sempre garantido, mas valeria a pena tentar.

Obrigado pelo vosso (des)interesse.

Um Ab.
António J. P. Costa

PS - Se não vos der muito trabalho façam uma tentativa idêntica junto do PR. Pode ser que ele dali tir algum proveito político... Bora ajudá-lo? Bora

(ii) Data . - 11/11/2022, 16:49

Assunto - Estátuas do Cacheu

Olá, Camaradas.

Em respostas às cartas que enviei, recebi esta carta do Ministério da Cultura.

Julgo que pode servir de orientação para a exposição do assunto supra.

Entretanto, descobri que na Presidência da República há um "muro de lamentações" que poderemos usar. É só preencher e... esperar, claro. (**)

O não está garantido...
Um Ab. Tó Zé

2. O assunto em apreço foi lançado há  menos de dois meses, por mensagem de António J. Pereira da Costa (que na altura não chegou a ser publicada no nosso blogue) (*):

Data - 20/9/2022 10:34
Assunto - Ainda a os restos das estátuas do Cacheu

Bom dia, Camaradas:

Acham que valeria a pena lançarmos, no blog, um apelo para que o Estado Português mandasse recolher o que sobras das estátuas "colonialistas" e as depositasse no local mais adequado, a determinar?

Podíamos enviar cartas individuais (para aumentar o impacto) aos ministros da Cultura e da Defesa para que se dedicassem ao assunto.

E,  se perdêssemos a cabeça,  ir até ao PR?!

Por mim, tenho duas cartas prontas a partir e poderiam servir de modelo a quem quisesse.
Ora digam...

Um abraço, 
António Costa
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Sugestão de carta a mandar, por mais camaradas e amigos da Guiné,  aos Ministros da Cultura e da Defesa e, eventualmente, ao Presidente da República:

Mem-Martins, 5 de Novembro de 2022

Excelentíssimo Senhor Ministro da Cultura

Excelência

Desconhecendo, em detalhe, a estrutura do Governo, mas pressupondo que, de alguma forma, o assunto que exponho se incluirá na área da vossa tutela, tomo a liberdade de me dirigir a V. Ex.ª para expor o seguinte:

No blog de ex-combatentes da Guiné em que frequentemente participo, encontrei algumas fotografias que me permitem concluir que, na Guiné-Bissau, mais exactamente do forte português que se ergue, desde o Séc. XVII, junto da localidade de Cacheu, estão depositados os restos de três estátuas portuguesas que foram colocadas em Bissau, quase todas por ocasião do 5º centenário do desembarque em terras da Guiné (1446) e que foram apeadas após a independência.

Uma é estátua do capitão de Infantaria João Teixeira Pinto que comandou as forças que, entre 1912 e 1915, dominaram a revolta de uma parte da população (balantas e grumetes) contra as autoridades portuguesas. Este oficial veio a morrer, em Moçambique, no posto de major, na Batalha de Negomeno (1917) durante a I Guerra Mundial.

Ali estão também as estátuas dos navegadores portugueses ligados à Guiné: a de Diogo Gomes e a de Nuno Tristão

Além destas, é provável que ainda seja possível localizar os restos da estátua do Governador (entre 1906 e 1909) João Augusto de Oliveira Muzanty, primeiro-tenente da Marinha, que também participou em diversas operações de pacificação. Esta foi erguida em 1950, em Bafatá. Será da autoria do escultor António Duarte, tendo permanecido intacta após a independência, embora tombada no chão e terá sido destruída, em 1992. O respectivo pedestal encontrar-se-á no referido local.

Creio que estes restos poderiam ser recuperados para Portugal e colocados em locais/instalações relacionadas com as actuações destas personalidades. Atrevo-me a sugerir que a de Teixeira Pinto seja colocada na Escola da Armas do Exército e as dos navegadores numa instalação naval relacionada com os descobrimentos.

A Guiné parece não ter qualquer interesse neste espólio, pelo que nada justificará que não seja recolhido e transportado para o nosso país

Em anexo apresento algumas fotografias da localização/estado das estátuas

Mais informo V.Ex.ª que, nesta data enviei á Senhora ministra da Defesa uma carta de teor idêntico ao desta.

António José Pereira da Costa
Coronel de Artilharia (reformado)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


(**) Último poste da série >  7 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23333: Carta aberta a... (16): José Belo, um intelectual contemporâneo luso, sueco-lapão-americano, hábil a usar palavras (Francisco Baptista, transmontano de Brunhoso)

terça-feira, 7 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23333: Carta aberta a... (16): José Belo, um intelectual contemporâneo luso, sueco-lapão-americano, hábil a usar palavras (Francisco Baptista, transmontano de Brunhoso)

Paisagem com Brunhoso ao fundo


1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 5 de Junho de 2022:

Foram atraídos pela luz forte que iluminava as grandes capitais europeias. Foi no século XVIII, conhecido pelo Século das Luzes. Partiram para além dos Pirinéus, onde sopravam ventos carregados de novas ideias e conceitos que favoreciam o desenvolvimento das novas ciências, da filosofia e das artes e reclamavam por mudanças políticas, que foram acontecendo nesse e nos séculos seguintes. Vou nomear somente alguns, talvez os mais conhecidos:
Luís António Verney, pedagogo;
Ribeiro Sanches, médico, filósofo;
Luís da Cunha, jurista, formado em Cânones;
Marquês de Pombal, político;
Cândido Lusitano, literato.

Os Estrangeirados, assim designados, partiram em busca desse alimento espiritual, como os nossos marinheiros, séculos antes, tinham partido à procura de novas terras.
Na nossa história, sempre houve, continua a haver, aventureiros, muitos à procura do pão que lhes faltava para alimentar as suas proles, outros à procura da liberdade, quando os ares da Pátria se tornavam tóxicos, de outros conhecimentos e de outras culturas.

Recordo Eduardo Lourenço, pensador e filósofo, falecido recentemente, Eça de Queiroz, Agostinho da Silva, Miguel Torga, Ferreira de Castro e muitos outros, artistas, cientistas, gestores e investigadores.

Do nosso blogue admirei sempre e relacionei-me com os estrangeirados que conheci, o Vasco Pires, infelizmente já falecido, tal como eu com raízes rurais, muito culto e bom conhecedor da Pátria, professor numa Universidade do Brasil, o José Câmara grande açoriano, homem bom e religioso, que eu julgo ser santo, a viver nos Estados Unidos.
Tu, amigo José Belo, que como jurista internacional conheces toda a arquitectura da antiga Grécia e do império Romano, os conflitos que houve e continua a haver entre as nações e a psicologia complicada dos homens, sempre a reclamar por justiça.

És um intelectual contemporâneo luso, sueco-lapão-americano, travestido de Fernando Pessoa, o poeta português mais internacional. Nem sempre é fácil decifrar-te porque tu és hábil a usar as palavras e sabes esconder-te atrás delas, enquanto eu me descubro ao usá-las, por isso alguns citadinos me chamam ingénuo. Tu és um erudito muito viajado, um cosmopolita, que pelo que dizes e calas quando escreves, pelo teu fino sentido de humor, podias e devias escrever um grande livro, matéria não te deve faltar, que seria muito apreciado por todos os que te conhecem.

Eu nascido e criado no norte, entre montes, por ter o pão, o caldo, o presunto, o toucinho e as batatas asseguradas e não me terem habituado aos trabalhos mais duros do campo, não me aventurei a sair como os emigrantes económicos, a maior parte sem meios de subsistência garantida. Como os intelectuais, gostaria de conhecer outras gentes com costumes, tradições e hábitos diferentes, mas o meu fraco conhecimento de línguas estrangeiras, aliado às dificuldades que previa em conseguir meios de subsistência, não me deram asas para dar esse salto.

Mais contemplativo do que activo, por cá fiquei a admirar as ruas, praças, o Douro, o mar, prédios, praças e avenidas, "O Porto é belo carago!"  Vim para cá trabalhar na função pública, outra tropa, a acrescentar aos 39 meses de regime hierárquico militar. A Função Pública é tal como a Instituição Militar e a Igreja Católica, a Instituição mais antiga, com mais de 2000 anos, Todas as outras a copiaram. No cima da pirâmide com muitos degraus, estava Deus, um general, um diretor-geral ou chefe do Governo, outros com menos importância, à medida que se ia descendo,   e os escravos na base. Sobe-se na hierarquia de acordo com o tempo de trabalho e com as vénias e beija-mãos feitas aos bispos, diretores-gerais, coronéis e generais "Aponta Bruno",  alguém dizia.

Quando me reformei , cansado de tantos galões, mitras de tanta solenidade, pompa e circunstância, lembrei-me de como era boa, simples e saudável a vida na minha aldeia, e como os homens eram respeitadores sem serem subservientes. Havia muita solidariedade entre os mais abastados e os mais pobres, sem que isso impedisse porém a necessidade de ter que existir emigração.

Salazar, nascido no meio rural, educado por padres da igreja, com hábitos espartanos e frugais, terá conhecido e admirado estas sociedades de subsistência, que sendo pobres formavam homens muito trabalhadores e com grande carácter. Quando criou o regime do Estado Novo terá sido o modelo que sonhou para todo o país e deliberadamente terá procurado manter o povo na miséria.

As pessoas da minha terra, objectiva e subjectivamente, na minha infância e juventude, distinguiam-se entre todas as povoações em redor pelo trabalho abnegado e outras qualidades. Pareciam felizes e conformadas com o seu destino, mesmo os trabalhadores da terra, com um trabalho duro e mal pago, mas havia épocas em que as bocas a alimentar eram superiores à alimentação que sobrava para eles, e a emigração inevitavelmente surgia como um fantasma que separava as famílias para sempre. O regime salazarista foi injusto e miserável para os pobres.

Outras análises já fiz, algumas parecidas com esta, pelo que não me vou alongar mais. Sou um pouco um produto desta sociedade rural, já bastante poluído por outras influências e relacionamentos, como diferentes são as novas gerações, por causa da grande emigração dos anos 60 e 70, da globalização e dos média que invadiram todo o planeta.

Abraço
Francisco Baptista

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Nota do editor

Vd. poste de 31 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23315: Carta aberta a... (15): ... ao camarada e escritor português Francisco Baptista (José Belo, estrangeirado)

terça-feira, 31 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23315: Carta aberta a... (15): ... ao camarada e escritor português Francisco Baptista (José Belo, estrangeirado)


José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, (i) tem repartido a sua vida agora entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Florida; (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, recusando-se a jubilar-se do cargo: afinal todos os anos pela primavera, corre o boato de que a Tabanca da Lapónia morre para logo a seguir ressuscitar, como a Fénix Renascida (*); (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref (mas poderia e deveria ser corone) do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem mais de 220 referências no nosso blogue.


1. Mensagem do José Belo:

Data - 30 mai 2022 11:10 
Assunto - Carta aberta ao Camarada Francisco Baptista

Muitas décadas longe da Lusitânia criam saudades várias. Saudades por certo eivadas de subjetividades.

Nos dicionários encontramos “subjetividade” como sendo o tomar-se conhecimento dos objetos externos a partir de referências próprias.

Fernando Pessoa escreveu: "Quanto mais diferente de mim alguém é,  mais real me parece, porque menos depende da minha subjetividade".

“Subjetividades”como maldição comum a todos os que buscam reencontrar as raízes que os formaram numa Pátria cada vez mais distante no tempo e, não menos, nas referências.

Esta subjectiva (!) introdução foi provocada por nova e atenta leitura dos textos de Francisco Baptista publicados no blogue. (*)

Leitura que nos faz descobrir novos detalhes de um todo. Detalhes realçando valores firmes que nos foram imbuídos por um riquíssimo somatório de tradições.

Somos envolvidos em invisível rede narrativa que, na sua globalidade, acaba por diluir diversidades circunstanciais, sejam elas geográficas ou de classe social.

Rede profundamente interiorizada que tão bem acaba por definir o… ser-se português!

Grato a Francisco Baptista por estas verdadeiras viagens de retorno.(**)
J.Belo
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de maio de  2022 > Guiné 61/74 - P23306: (In)citações (207): Tal como a Fénix Renascida, a Tabanca da Lapónia afinal não morreu: continua lá no seu sítio, "de neve e gelo" e com "pão e vinho sobre a mesa" para os amigos, e os cães (e as renas) atrelados ao trenó (José Belo, régulo vitalício)

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20805: Da Suécia com Saudade (67): Carta aberta ao Camarada Beja Santos (José Belo)


Tabanca da Lapónia > As queridas renas do Zé Belo, régulo  da tabanca e criador 

Foto: Cortesia de José Belo. [Edição e : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Belo ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, e manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década; está reformado como capitão inf do exército português: jurista, vive entre Estocolmo, Suécia, Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, e Key-West, Florida, EUA.

Date: segunda, 30/03/2020 à(s) 06:55
Subject: Carta aberta ao Camarada Beja SantosCaro Luís


Caro Luís:

Enquanto os nevões continuam a cair e as temperaturas voltam a descer consideravelmente nos últimos dias, aproveitei os tempos livres para rever leituras do publicado no blogue pelo Camarada Beja Santos.

A qualidade, os temas interessantes e, não menos, a continuidade da sua colaboração, levaram-me a escrever-lhe uma “carta aberta“ desde bem dentro do Círculo Polar Árctico.

Um abraço.
J. Belo


2. Carta aberta ao Mário Beja Santos:

por José Belo

Como certamente muitos outros,  tenho lido com atenção e interesse os inúmeros postes que, ao longo dos anos, tens vindo a publicar no blogue.

São variadíssimas as escolhas de autores, publicações e documentos.

A muitos têm vindo a abrir novas perspectivas, opiniões e análises sobre África, colonialismo e a nossa fantástica História.

Quanto à Guiné, interessantes detalhes etnográficos e administrativos,  tanto recentes como antigos.

Pela regularidade e qualidade, os teus postes tornaram-se um "ponto dado" de leitura para todos os que visitam o blogue.

Enriquecendo o blogue tens vindo também a enriquecer os seus leitores.

Algumas criticas, agressivas e inapropriadas no seu "pessoalizado", felizmente não têm conseguido fazer-te desistir de tão valiosa colaboração.

E não só não desistir, como não cair na armadilha de pseudo diálogos-comentaristas feita.

As provocações por parte de alguns, em necessidades quase patológicas de "planteamentos" feitas, mais não têm tido, felizmente, o... valor que têm.

As interessantes descrições das viagens por ti efectuadas, sempre acompanhadas de fotos criteriosamente escolhidas, algumas delas provocando uma suave e insidiosa sensação de "fim de século "... (esta de fim de século em francês, "fin de siècle", soa melhor!), acabam por tornar a tua colaboração multifacetada naquilo de que importante É.

Um abraço do J. Belo
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segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16693: Carta aberta a... (14): ...ao Comandante Supremo das Forças Armadas Portuguesas, Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

Portugal > Presidência da República > Havana, 26/10/2016 > O Presidente da República encontrou-se com Fidel Castro

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa reuniu-se, em Havana, com o antigo Presidente cubano, Fidel Castro, um encontro que durou cerca de uma hora.

Foto (e legenda): Presidência da República (com a devida vénia)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 5 de Novembro de 2016, trazendo, para publicar, uma carta aberta ao Comandante Supremo das Forças Armadas Portuguesas, Presidente da Rerpública Marcelo Rebelo de Sousa.

[ Foto à direita: Manuel Luís Lomba, residente em Barcelos,  autor do livro "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu".  Barcelos: Terras de Faria, 2012, 340 pp. (Email: terrafaria@iol.pt)].


CARTA ABERTA - 14

Espécie de carta aberta ao nosso compatriota Marcelo Rebelo de Sousa:

Excelência:

Como Presidente da República e Comandante Supremo das FA Portuguesas, prescindiu do meu respeito!

Como é de boa prática, faço uma declaração de interesses. Não votei no jurista e mediático comentador Marcelo, por o considerar uma flor da estufa social de Lisboa-Cascais; votei no engenheiro e trabalhador Henrique Neto, por o considerar uma espécie de esteva no resto da paisagem.

A minha geração deu em escrutinar o currículo militar aos “valores emergentes” do 25 de Abril. Em 1974, Marcelo, filho de ministro, tinha 26 anos e sem assentar praça, quando o povo comum se tornava magala aos 21 anos! Terá sido um dos honrosos refractários de facto, mas não de direito, obviamente…

A curiosidade pela vida militar dos que se promovem ou são promovidos ao topo político não revela tendência militarista. O nosso orgulho de ex-combatentes não é de actores nos palcos da Guerra do Ultramar, mas de camaradas de D. Afonso Henriques, o primeiro soldado de Portugal, 800 anos depois de ele ter fundado a nacionalidade portuguesa e dado à luz a nossa independência política. E sem inibições em manifestar o nosso respeito aos que, movidos por idêntica aspiração, nos deram combate nessa guerra.

Como Presidente da República de plena legitimidade, como o meu ADN é lusitano passei a dedicar o devido respeito e a tributar a minha lealdade a S. Ex.ª, com unhas (os dentes já não são capazes). A romagem de S. Ex.ª a Fátima e a Roma poderá entender-se um acto positivo. É que enquanto Portugal e os Portugueses dedicaram os seus afectos e devoção a Nossa Senhora, de Oliveira, da Conceição ou de Fátima, tornou-se independente, construiu-se, expandiu-se ao Mundo – e foi Império durante 500 anos! Decretada a sua orfandade, os “portuguesinhos” venderam o país e a sua alma, Portugal perdeu tudo – sobretudo a vergonha! – para se tornar um protectorado da União Europeia, dependente e venerador da Troika e da Senhora Merkl…

Que S. Ex.ª vá a Cuba em visita de Estado, são atribuições do seu cargo, e compreensíveis são os sorrisos amistosos e os cumprimentos mediáticos que dispensou ao seu chefe, por maior tratante que tenha sido para com os Portugueses e continue a ser para os cubanos. Ossos do ofício. Mas que vá prestar menagem e veneração ao fossilizado Fidel Castro – e espere um dia para ser recebido por ele – é inadmissível! Porquê? O Presidente da República de Portugal tem obrigação de saber, o dever de sentir e de ter a coragem moral de tomar as dores das ofensas militares ao seu país!

“Quem não se sente, não é filho de boa gente” – sabedoria popular portuguesa.

Reconhecidamente paciente desse complexo de superioridade de revolucionário, o cubano Fidel Castro tornou-se agente da morte, sofrimento e privações do povo cubano, impondo-lhe o culto da sua personalidade e a ditadura ideológica e social, feroz e oligárquica, que o oprime há quase 60 anos! E a estruturação do seu pensamento revolucionário começara por colocar a Humanidade à beira do apocalipse nuclear USA-URSS e a passar 14 anos a matar Portugueses, pelas ofensas militares ao nosso país, por assuntos que não lhe diziam respeito.

No tempo em que andei em perigos e guerras esforçados ao longo da fronteira Leste e Sul da Guiné, com os corajosos e eficientes guerrilheiros do PAIGC, como o seu chefe Amílcar Cabral apregoava já controlar dois terços do território, Fidel Castro tentou convencer o presidente da República da Guiné a ceder o seu país como plataforma da invasão pelo exército cubano. Sekou Touré era verdadeiro inimigo de Portugal, mas ditou:
- Como o Cabral já controla dois terços do território, tens muito por onde lançar a invasão, entre o Geba e o Cacheu…

Enquanto os outros patrocinadores, desde a Europa do Norte, passando pela URSS e satélites, à China e aos Estados Unidos, cooperavam com a guerrilha, mas não autorizavam os seus nacionais a pisar território português, Fidel Castro enviava oficiais e especialistas do exército regular de Cuba, para planear e supervisionar as operações para matar soldados portugueses nas fronteiras da Guiné.

Excelência:

Para atalhar o tema, atente em dois factos, anda bem frescos na memória de milhões de Portugueses e que ainda amarguram os corações de centenas de milhares, imputáveis ao “el comandante en jefe” cubano da sua devoção.

Os ataques massivos contra as tabancas fronteiriças de Guileje, Gadamael, Guidaje, Canquelifá, etc, planeados, supervisionados e desencadeados por elementos do exército regular de Cuba, durante o primeiro semestre de 1973, provocaram cerca de 2000 vítimas portuguesas, entre os nativos residentes e os nativos atacantes, incluindo cerca de 200 soldados portugueses metropolitanos.

É ao exército cubano que os Portugueses e os Angolanos devem, infelizmente com a cumplicidade do MFA português, a materialização da inveja e da sanha internacionalista, que visava a desconstrução da realidade física e social, atingida pelo Estado de Angola, como subempreiteiro por conta dos interesses dos imperialismos – Rússia, Estados Unidos e China. Nos 13 anos da guerra sustentada por Portugal, o progresso económico e social de Angola foi exponencial; nos 16 anos da guerra alimentada pelos cubanos, a destruição económica e o retrocesso civilizacional de Angola bateram no fundo.

E lembramos a sua responsabilidade na desnatação dos quadros, que alavancavam o progresso angolano e das suas vidas - os 800 000 refugiados, que Portugal recebeu sob o eufemismo de “retornados” – como vítimas do maior roubo da História, apenas superado pelo confisco nazi aos Judeus.

Excelência: É devoto de Fidel Castro? Aquela rapaziada do Governo que foi ver os jogos do Campeonato da Europa à borla, também era devota – e da Selecção Nacional! E já fez a sua autocrítica.

Faça como eles…
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16310: Carta aberta a... (13): ...ao Senhor Presidente da Republica Portuguesa e Comandante Supremo das Forças Armadas (José Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5)

sábado, 16 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16310: Carta aberta a... (13): ...ao Senhor Presidente da Republica Portuguesa e Comandante Supremo das Forças Armadas (José Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5)

Cemitério Militar de Bissau


1. Em mensagem do dia 14 de Julho de 2016, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos uma Carta Aberta dirigida ao Presidente da República Portuguesa e Comandante Supremo das Forças Armadas, a propósito da sua próxima deslocação à Guiné-Bissau.



CARTA ABERTA

14 de Julho de 2016

Senhor Presidente da Republica Portuguesa e Comandante Supremo das Forças Armadas 

Excelência 

Tomei conhecimento, pela comunicação social, que V. Exª em breve visitará a Republica da Guiné-Bissau que, antes de se tornar independente e reconhecida como tal, foi palco de vastas operações militares, onde tombaram soldados Metropolitanos e Africanos, julgando defender o Território Nacional, honrando o Juramento feito perante a Bandeira Nacional. 

Como antigo combatente naquele território, numa Companhia de Caçadores Africanos, encarecidamente lhe peço, e agradeço que, ao contrário do que os seus antecessores, no mesmo cargo fizeram, não deixe de colocar uma coroa de flores no Cemitério Militar de Bissau, em nome de todos os Combatentes de Portugal, que não o podem fazer pessoalmente, não só por razões materiais mas também económicas.

Nesse momento, quando colocar a coroa e se curvar perante a memória dos nossos camaradas tombados para sempre, terá, obrigatoriamente, centenas de combatentes, ainda que à distância, ao seu lado, perfilados e em continência.

Atentamente 
José Martins 
Fur. Mil. Trms. Inf. 
C.Caç 5 – Canjadude
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14388: Carta aberta a... (12): ...aos meus netos, neste Dia do Pai (José Martins)

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14799: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (1): Carta aberta aos camaradas da Tabanca Grande: o que fiz (e não fiz) como cofundador e dirigente da associação APOIAR (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


O primeiro "bate-estradas" que recebemos logo no início oficial do verão... Esperemos que seja o primeiro de muitos, a "pôr na caixa de correio", este verão, pelos amigos e camaradas da Guiné que se sentam à sombra do poilão da Tabanca Grande... O pretexto é o verão, as férias (para quem as tem...), o passado, o presente e o futuro, a Tabanca Grande e os grã-tabanqueiros, a Guiné que conhecemos, a vida, o Portugal que amamos... Enfim, aproveitem, os menos assíduos nos últinos tempos, para dar notícias e "fazer a prova de vida"... (LG)



1.  Mensagem, de 21 do corrente, do nosso camarada  Mário Gaspar [ ex-fur mil at art,  minas e armadilhas,  CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associaçºao APOIAR]:


Caros Camaradas e Amigos

Toda a minha vida foi feita de pedaços. A guerra travou os meus passos. Ainda longe da hora da partida, já me antecipava ao tempo. Nunca o escondi, quando era questionado pela frieza dos textos que escrevia, e com ousadia, respondi que me identificaria sempre como Mário Vitorino Gaspar, primeiro por ser o meu nome de baptismo, e de seguida que “Gaspar” (nome do pai) e Vitorino (nome da mãe). Então, visto que se tratava de responsabilidades, era totalmente responsável. Até na carteira profissional de jornalista – que um senhor Secretário de Estado da Comunicação Social, me obrigou a tirar para simplesmente ser director de um Jornal.

Lembro que em 1996 não escrevia – gatafunhava o meu nome numa ficha de trabalho, e assinava os cheques do dia-a-dia. Tratei sempre tudo pelos seus nomes.

Jorge Manuel Alves dos Santos,  o primeiro presidente da APOIAR – Associação que ambos fundámos em novembro / dezembro de 1966   – disse que eu era o director do Jornal. Disse-lhe que não e que escolhesse outro, insistiu e aceitei, do mesmo modo que aceitei – mas contra vontade própria – de partir para Guiné. Fui para a Guiné a 100% – de responsabilidades – e cumpri até último milímetro a minha missão. Fi-lo com ajuda de todos, dos meus heróis – os soldados.

Na APOIAR cumpri não só como dirigente – cerca de 11 anos – como na guerra fui tudo. No primeiro mandato: vogal (pouco tempo), secretário e simultaneamente vice- presidente. No segundo mandato, fui  vice-Presidente. Estes mandatos eram de 2 anos. Depois sou eleito presidente, mas com a alteração estatutária os mandatos eram de 3 anos.

Posso dizer, ao contrário do que todos nós que lá estivemos, não ganhámos mais que a amizade e camaradagem, o resto – a guerra perdemos – e só não o sabia por não querer – A guerra estava perdida.... desde o início.


Folha de rosto da revista Apoiar, nº 34, out/dez 2004. O Mário Gaspar foi o diretor durante nove anos (1996-2004)


Mas na APOIAR ganhámos e orgulho-me por termos conquistado os principais objectivos: Reconhecimento da Doença – Perturbações do Stress Pós-Traumático (PTSD), há quem não pense assim. Conquistámos ainda que fosse criada uma Rede Nacional de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress Pós-Traumático de Guerra, abrangendo a família.

Para tal lutámos, contra tudo e todos, até contra aqueles que deveriam estar a apoiar a APOIAR, como nos disse numa reunião com o Grupo Parlamentar do PS, o amigo saudoso Coronel Marques Júnior:
– Eu apoio a APOIAR!

E foi a partir desta reunião que ganhámos a batalha. Após publicada lutámos pela promulgação e vencemos. Tudo aprovado por unanimidade.

Mas parar era morrer. Assinei em nome da APOIAR um protocolo com o Ministério da Defesa Nacional. O senhor Ministro da Defesa pretendia que discursasse e recusei. Recusei, e por 3 vezes, por considerarmos nada termos a agradecer. O Reconhecimento da Doença, a Criação da Rede e a Assinatura do Protocolo eram questões fundamentais, e ganhámos – com empenho meu que estive de coma 16 dias após um enfarte cardíaco.

Tinha a certeza que tínhamos vencido aquela batalha, mas havia muito tempo à nossa frente.

Posso dizer e com orgulho, Portugal começou finalmente a falar na Guerra Colonial – nesta do “Colonial”, é divisória por existirem camaradas que a denominam como Guerra do Ultramar, mas eu, e à minha inteira responsabilidade, considerei sempre o termo “Colonial”, até por o “Ultramar” só existir em Portugal. Além de se começar a falar daquela guerra em que no regresso nos chamaram de criminosos e traidores – ainda parti uns dentes a alguns senhores – mas editaram-se livros, fez-se teatro e cinema,  grandes Reportagens e entrevistas.

Entretanto algo correu mal – Contagem do Tempo do Serviço Militar, e Consoante Consta nas Cadernetas Militares ou nos Atestados Passados para o Efeito – o termo completo utilizado. DERAM UMA ESMOLA AOS COMBATENTES e aqueles que estiveram na Guiné mais prejudicados. Mas era uma batalha que considerei sempre que ganharíamos. Esgotei os mandatos e não me podia candidatar.

A luta estava bem encaminhada e a APOIAR estava em todo o país. Existiam acordos com as Câmaras Municipais de Almeirim, Benavente e Torres Novas, embora existissem compromissos de todas as Câmaras do distrito de Santarém, exceptuando Sardoal, Fátima e Ourém – aguardávamos datas para efectuar reuniões. Setúbal e todo o distrito. Nestas localidades seriam criados Centros de Apoio com apoio autárquico, bastando assinar protocolos e avançar com os bons técnicos que a APOIAR possuía. Existiam ainda acordos com os Centros Regionais de Saúde de Lisboa, Santarém e Setúbal.

Então foi tudo abaixo. Vi a derrota à distância. Lutar era treta. Os nossos doentes afectados pela guerra são gozados autenticamente: “Doença Nova”, “Doença do Doutor Afonso de Albuquerque”. Houve quem engolisse em Tribunal – o Senhor Oficial faleceu – não vale a pena dizer o nome. Estive do lado do Doutor Afonso de Albuquerque que foi ofendido e ganhou-se a acção.

Mas perdeu-se tudo. Nem sequer podemos dizer o mesmo que Dom Afonso IV disse ao Rei de Castela quando vencida a Batalha do Salado – isto consta nos livros –, o Rei de Portugal disse:
 – Não quero riquezas, basta-me a graça de Deus e a glória de ter vencido.

Perdeu-se uma batalha decisiva e com o poder, a força da razão do nosso lado, por não se ter lutado e continuam “impávidos e serenos, e de joelhos na terra pedindo que não nos roubem o protocolo”.

O que escrevo hoje é somente um pouco de tudo que havia para dizer. Envio em anexo jornais exemplificativos da APOIAR que podem testemunhar o que digo, aliás têm acesso a todos através do site da APOIAR.

Amor em Tempo de Guerra é um exemplo. Os artigos não assinados são todos meus.

Alguém pergunta:
 – O que fazem as Associações de Ex-Combatentes?

O nome de Ex-Combatentes diz tudo. Não são Combatentes e o General Joaquim Chito Rodrigues tem razão quando diz que não somos Ex-Combatentes mas Combatentes.

Pois, Luís, Carlos e todos os Camaradas, ando desiludido com aquilo que vejo suceder no dia-a-dia. Falam comigo e queixam-se. Estou doente mas luto, sozinho sou um inválido. Faço barulho com razão e…

“Começo a conhecer‑­me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser
e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo,
por que também há vida…
Sou isso, enfim…
Apague a luz, feche a porta
e deixe de ter barulho de
chinelos no corredor.”


Fernando Pessoa


Há que bater com os chinelos no corredor. E foi a única razão para colocar esse meu ídolo da poesia – o maior poeta do mundo – Fernando Pessoa.

Falando disso muito mal está a nossa literatura. Quem leu, leu… Quem não leu...  Estive na FNAC e existem poucos escritores a serem reeditados tais como José Cardoso Pires e Vergílio Ferreira e mais um ou outro. O Pessoa é favorecido. 

Mas Camilo Castelo Branco; Alves Redol (conheci pessoalmente e escutei muitas histórias que tenho gravadas na memória); Soeiro Pereira Gomes (amigo da personagem de Esteiros, o Gineto que é Joaquim Baptista Pereira); Eça de Queiroz; Branquinho da Fonseca; Urbano Tavares Rodrigues (conheci pessoalmente e até em debates da APOIAR); Aquilino Ribeiro; Manuel da Fonseca; Carlos de Oliveira; José Cardoso Pires, era bom que reeditassem “O Render dos Heróis”, “O Hóspede de Job” e “O Anjo Ancorado”; Domingos Monteiro; Agustina Bessa Luís (não gostava); porque não Albino Forjaz Sampaio; Almada Negreiros; Rómulo de Carvalho; Ary dos Santos; Augusto Abelaira; Cesário Verde; David Mourão Ferreira; Fernando Namora; José Gomes Ferreira (conheci pessoalmente); José Régio; Luís Francisco Rebelo; Luís de Sttau Monteiro; o nosso camarada Padre Mário de Oliveira (tenho os livros do Julgamento Subversão ou Evangelho, que tem a colaboração de um Advogado e O Segundo Julgamento do Padre Mário, escrito com vários Jornalistas); Mário de Sá Carneiro; e por que não Miguel Torga que teve recentes publicações; Romeu Correia (gostei muito); Ruy Belo; Guerra Junqueiro e mais.

Longo este percurso interrompido, nunca mais li um livro,  o último foi na Guiné.

Se quiserem publicar publiquem. Estou farto… Foi escrito sobre o joelho, só parei no poema de Fernando Pessoa e com o bater dos chinelos no corredor.

Despeço-me por hoje e por uns dias, saio daqui a pouco de Lisboa.

Cumprimentos, para todos os camaradas

Mário Vitorino Gaspar