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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27446: Memórias dos últimos soldados do império (9): os "últimos moicanos" - Parte VI: A Retirada Final, em 14 e 15 de outubro de 1974 (Luís Gonçalves Vaz / Manuel Beleza Ferraz)


Guiné > Bissau >  c. out 1974 > Lancha de Fiscalização Grande (LFG) Lira, atracada na ponte cais, poucos dias antes da “retirada final” em 14 de Outubro de 1974. Foto do álbum do marinheiro radiotelegrafista  812/70 Manuel Beleza Ferraz.


Guiné > Bissau >  c. out 1974 >  4 Lanchas de Fiscalização Grandes (LFG), uma pequena, e uma LDM na Ponte Cais em Bissau, npoucos dias antes da “retirada final” do dia 14 de outubro de 1974. É visível o N/M Uíge ao fundo, preparado para transportar os últimos militares portugueses da Guiné.  Foto do álbum do marinheiro radiotelegrafista  812/70 Manuel Beleza Ferraz.


Guiné > Bissau >  Setembro de 1974 > Ponte cais de Bissau com duas Lanchas de Fiscalização Pequenas (LFP) e uma de desembarque ( LDM ) ao fundo do lado direito.. Algumas destas lanchas foram deixadas na Guiné-Bissau.  Foto do álbum do marinheiro radiotelegrafista  812/70 Manuel Beleza Ferraz.


Guiné-Bissau > 14 de outubro de 1974 > A LFG Lira, depois de abandonar o Rio Geba na Guiné, a escoltar os T/T Uíge e Niassa até águas internacionais. Foto do álbum do marinheiro radiotelegrafista  812/70 Manuel Beleza Ferraz.
 
Fotos (e legendas): © Manuel Beleza Ferraz  (2012). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)
 


 Luís Gonçalves Vaz e  Manuel Beleza Ferraz


A Retirada Final: Os  Últimos Militares Portugueses a Abandonar a Guiné (14 e 15 de Outubro de 1974)  
 
por Luís Gonçalves Vaz / Manuel Beleza Ferraz (*)


Os últimos aquartelamentos a serem entregues ao PAIGC foram:

  • o Complexo Militar de Santa Luzia, onde se encontrava o QG/CTIG (Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné);
  •  e o QG/CCFAG (Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné) instalado no histórico Forte da Amura,  que se localizava mesmo em frente à ponte-cais em Bissau. (#)
A entrega destes dois últimos redutos das Forças Armadas Portuguesas na Guiné foram “negociados” em 11 de outubro (apenas 3 dias antes da saída dos últimos militares portugueses deste território), numa reunião no Forte da Amura com os comandantes do PAIGC, Gazela, Bobo Keita e o comandante Correia, sob a coordenação do então CEM/CTIG (Chefe do Estado-Maior do CTIG), coronel cav CEM Henrique Gonçalves Vaz.

Os “Planos de Entrega destes Aquartelamentos” foram realizados pelo  cor Henrique G. Vaz com a colaboração do  major Mourão, e entregues ao brigadeiro graduado Carlos Fabião no dia 10 de outubro de 1974, um dia antes da reunião com os comandantes do PAIGC. 

A entrega do Complexo Militar de Santa Luzia foi efectuada no dia 13 de outubro, pelas 15 horas, enquanto o Forte da Amura, o último “reduto militar português”,  foi entregue apenas no dia 14 de outubro, o dia previsto para a “retirada final”, e reservado para o embarque do que restava das tropas portuguesas na Guiné.



Guiné > Bissau > Forte da Amura > Entrada do lado sul (frente à ponte-cais). Era aqui que estva instalado o QG/CCFAG (Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné), o último reduto militar portuguès a ser entregue ao PAIG, em  14 de outubro de 1974.

Foto: © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

Como tal foi concentrado aí, na véspera da partida, o último contingente do Exército Português . No entanto a cerimónia oficial da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC, já tinha decorrido em Mansoa, em 9 de setembro. Estiveram presentes nesta cerimónia:

(i) a CCS / BCAC  4612/74, comandada pelo major Ramos de Campos:

(ii) o comandante do batalhão, tenente coronel Américo Costa Varino;

(iii) um bigrupo de combate do PAIGC;

(iv) um grupo de pioneiros do mesmo partido;

(v) Ana Maria Cabral (viúva de Amílcar Cabral) e seu filho;

(vi) o comissário político do PAIGC, Manuel Ndinga;

(vii) e, em representação do chefe do Estado-Maior do Comando Territorial Independente da Guiné (CEM do CTIG),  o tenente-coronel Fonseca Cabrinha (informações dadas pelo próprio militar que arriou a nossa bandeira em Mansoa, o nosso coeditor Eduardo José Magalhães Ribeiro, fur mil Op Esap / Ranger, CCS/BCAÇ 4612/74 ).


Guiné > Região do Oio > Mansoa >9 de setembro de 1974   > Uma foto para a história: o ex-fur mil OE/Ranger Eduardo Magalhães Ribeiro,. hoje nosso coeditor, CCS/BCAÇ 4612/74 (Mansoa, abr - out 1974), a arriar a bandeira verde-rubra, na presença de representantes do PAIGC (incluindo a viúva de Amílcar Cabral) e de autoridades militares do CTIG.




Guiné > Região do Oio > Mansoa >9 de setembro de 1974   > Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné, que decorreu em 9 de setembro de 1974, aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao PAIGC, e troca de cumprimentos entre o Comandante do BCAÇ 4612/74, tenente coronel Américo da Costa Varino e os comandantes do PAIGC presentes na cerimónia.

Fotos do álbum do Eduardo José Magalhães Ribeiro,  fir mil OE/Ranger, CCS/BCAÇ 4612/74, (Cumeré,. Mansoa e Brá, 1974)

Fotos (e legendas): © Eduardo Magalhães Ribeiro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

O que vos vou passar a relatar será uma pequena narrativa, dos últimos momentos da nossa “retracção do dispositivo militar”, deste último reduto de militares portugueses, para os navios da Armada Portuguesa e para o navio Uíge (o navio Niassa já se encontrava ao largo de Bissau) , que se encontravam frente à ponteis, mas a alguns metros do cais, com os motores ligados (pairavam todos os navios).

Esta descrição foi-me feita pelo meu primo e ex-Marinheiro Radiotelegrafista da Armada Portuguesa, Manuel Aurélio de Araújo Beleza Ferraz, que fazia parte da guarnição da LFG (Lancha de Fiscalização Grande) Lira, um dos navios que fez a segurança de retaguarda, durante o embarque dos últimos militares portugueses na Guiné.


Guiné > Bissau >  c. out 1974 > O Manuel Beleza Ferraz. LFG  Lira, atracada na ponte cais, poucos dias antes da “retirada final” em 14 de Outubro de 1974. Uma testemunha-.chave, um dos "últimos moicanos". 


Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine >  s/d  > Evacuação de pessoal civil  (cuja origem se desconhece, náo devendo ser de Gadamael nem de Jemberé,m), passagem dos civis de uma Lancha de Desembarque, para a LFG Lira, em pleno Rio Cacine, muito abaixo da “marca lira”.


Guiné >  LFG Lira > s/l > c. out 1974 :> O marinheiro radiotelegrafista Manuel Beleza Ferraz, no  seu navio navio, à espera da missão da “Retirada Final"


Guiné > LFG Lira > c. ou 1974 _ Elementos da guarnição do NRP Lira, em convívio na sala comum/refeitório. Foram estes os marinheiros que no dia 14 de outubro de 1974, nos seus lugares de combate e outros, asseguraram a operacionalidade da NRP Lira, no que diz respeito ao apoio e segurança na evacuação do último contingente militar do território da Guiné.

Estima-se que seriam algumas centenas de militares dos três Ramos das Forças Armadas Portuguesas. Neste grupo estavam representadas as várias Especialidades do navio, nomeadamente, Artilheiros, Eletricistas, Telegrafistas e Manobras. Este navio, o NRP Lira, sob o comando do 1º tenente Martins Soares, teve um papel importante na missão de “Retirada Final”, já que era o navio de apoio de retaguarda que se encontrava mesmo em frente à Ponte cais de Bissau, como tal o navio mais próximo do Forte da Amura. O Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz é o que está a olhar para o fotógrafo.

Fotos do álbum do marinheiro radiotelegrafista 812/70 Manuel Beleza Ferraz.
 
Fotos (e legendas): © Manuel Beleza Ferraz  (2012). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

No dia 14 de outubro, decorreu a última cerimónia de “Arriar da Bandeira Portuguesa”, ao qual se seguiu o “Hastear de Bandeira da República da Guiné-Bissau” (a última bandeira nacional em Bissau só foi retirada 4 ou 5 semanas depois de 14 de Outubro de 1974, sem cerimónia oficial) como tal nesse mesmo momento, todo o que restava do contingente militar português (à excepção de dois pequenos destacamentos de tropa portuguesa, da Marinha e da Força Aérea, esta na já ex-BA 12, em Bissalanca, mas ainda com helicópteros AL-III, e o destacamento 
da Marinha nas suas antigas instalações, para colaborarem na transição e transmissão de técnicas/procedimentos, conhecimentos e experiências de navegação aérea e marítima, com elementos do PAIGC), encontrava-se agora em território estrangeiro.

Nessa cerimónia encontrar-se-iam o Governador (brigadeiro graduado Carlos Fabião), o Comandante Militar (brigadeiro Galvão de Figueiredo), o Chefe do Estado-Maior do CTIG (coronel Henrique Gonçalves Vaz), outros oficiais, alguns sargentos e praças. Os primeiros depois de assistirem ao embarque de todos os militares nos navios que se encontravam ao largo no estuário do Rio Geba, seguiram para o Aeroporto, onde mantínhamos ainda um dispositivo de segurança.

Mal acabou a cerimónia referida anteriormente, e segundo testemunho do ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Aurélio A. Beleza Ferraz, que se encontrava nesta altura na LFG Lira, todas as guarnições dos nossos navios que se encontravam na zona, estavam por ordens superiores, em posição de combate (para qualquer eventualidade), estando todos os operacionais equipados com coletes salva-vidas, capacetes metálicos e as Bofors (peças de artilharia antiaéreas de 40 mm) sem capa e municiadas, prontas a realizar fogo de protecção à retirada das nossas tropas, que ainda se encontravam em terra.

Segundo o ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, os navios que se encontravam a realizar a “segurança de rectaguarda” mais próxima às tropas que iriam retirar-se para os navios ao largo no Rio Geba, eram a LFG Órion e a LFG Lira.

Encontravam-se também ao largo em missão de Segurança um patrulha (NRP Cuanza) e o navio NRP Comandante Roberto Ivens, este último a comandar as operações navais desta missão de “Retirada Final”. No próprio navio Uíge estava montado discretamente um dispositivo de segurança pronto a abrir fogo, caso o PAIGC se lembrasse de abrir alguma hostilidade contra o último pessoal militar a abandonar a Guiné, com algumas metralhadoras HK-21, além de todos os militares estarem armados com as suas G-3 e as respectivas munições.

 Após o “Arriar da Bandeira Portuguesa”, as tropas portuguesas dos três Ramos das Forças Armadas, presentes na referida cerimónia, logo de seguida, foram transportadas em zebros e LDM (lanchas de desembarque médias) para o navio Uíge, que os aguardava no meio do Rio Geba, a cerca de 400 metros afastados do cais, onde se encontrava já com as máquinas em pleno funcionamento (pairavam) por razões de segurança.

O ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, fonte destes testemunhos históricos, aqui relatados, informou-me ainda de que as ordens vindas do Comando Naval, com apenas 24 horas de antecedência, foram entregues em mão aos comandantes das duas LFG (Orion e Lira) e do patrulha Cuanza, presentes ao largo do cais, no caso do seu navio, o patrulha Lira, recebeu directamente o seu Comandante, 1º tenente Martins Soares.

Como tal, os comandantes destes três navios que constituíam nesse dia, a “força naval” em frente ao cais de Bissau, receberam ordens expressas “para se posicionarem em postos de combate”, com todas as peças Bofors de 40mm, devidamente municiadas e preparadas para realizarem fogo, como apoio de retaguarda à retirada das nossas tropas, de terra para os navios, nomeadamente o Uíge.

Felizmente tudo correu bem, não sendo preciso fazer fogo nenhum, já que a retirada se desenrolou como o previsto, sem altercação de qualquer natureza. 

De seguida, no final dos transbordos, os zebros e as lanchas (LDM) foram presas numa boia em frente ao cais (abandonadas), e imediatamente a flotilha portuguesa escoltou os navios Uíge e Niassa (este já navegava mais à frente) até águas internacionais, seguindo a maioria dos navios da Armada para Cabo-Verde, de onde alguns deles partiriam pouco depois, em direcção a Angola.

O Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, ainda informou que a flotilha que rumou em direção a Cabo-Verde, além dos navios já referidos (NRP Comandante Roberto Ivens, LFGs Orion e Lira e patrulha Cuanza) faziam parte também as LDG Ariete, Alfange e Bombarda, tendo estes navios da Armada atracado em 20 de outubro no porto de Mindelo na ilha de S. Vicente, Cabo Verde

A comitiva constituída pelo Governador (Brigadeiro Carlos Fabião), o Comandante Militar (Brigadeiro Figueiredo), o Chefe do Estado-Maior do CTIG (Coronel Henrique Gonçalves Vaz), bem como alguns outros oficiais do Estado-Maior, sargentos e praças, depois de assistirem ao embarque de todos os militares nos navios, que se encontravam ao largo do estuário do Rio Geba, e assegurando-se que tudo tinha corrido sem problemas e de acordo com o previsto nos “Planos de Retirada”, elaborados pelo CTIG/CCFAG que nesta altura se afirmava como o único Comando das Forças Armadas Portuguesas neste TO da Guiné, seguiram directamente para o Aeroporto de Bissalanca, onde mantínhamos ainda um dispositivo de segurança.

Às 2h30m do dia 14 de Outubro de 1974, estes militares serão os últimos a retirar da Guiné (por via aérea). Nesse momento estiveram presentes alguns Comandantes do PAIGC, que quiseram despedir-se dos “seus antigos inimigos”, e assim foi o fim da colonização da Guiné com cerca de 500 anos.

Mas antes de finalizar este artigo, gostaria aqui de referir o árduo trabalho atribuído ao último CEM/CTIG, coronel Henrique Manuel Gonçalves Vaz, já que foi o responsável, por “despacho escrito do Brigadeiro/Governador”, Carlos Fabião, pela elaboração dos “Planos de Retirada do nosso Exército”, da “Carta sobre a Redução de Efectivos e Comissões Liquidatárias”, dos “Planos de entrega dos Aquartelamentos da Ilha de Bissau”, do “Estudo da Comissão Liquidatária do QG/CTIG em Lisboa”, das "Cargas dos aviões", entre outras responsabilidades.


Enfim o brigadeiro Carlos Fabião determinou que este oficial do Corpo do Estado-Maior e Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG, coronel Henrique Gonçalves Vaz, se responsabilizasse por todos estes assuntos, como tal fica aqui a minha homenagem a ele, bem como a todos os oficiais, sargentos e praças, que sob o seu comando, o ajudaram a realizar essa importante tarefa, nomeadamente o senhor tenente-coronel de artilhgaria Joaquim José Esteves Virtuoso, o senhor major Mourão, o senhor capitão Lomba, e outros oficiais, sargentos e praças, que colaboraram nesta última missão militar no TO da Guiné, a “Retirada Final”, a todos eles, a minha homenagem, o meu respeito e uma grande admiração, pois ficaram neste episódio da longa história portuguesa.

20 de Fevereiro de 2012
Luís Filipe Beleza Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro nº 530 e filho do último CEM/CTIG)

(Uma primeira versão deste texto já tinha sido pubpicada sob o poste P9535, de 26/2/2012. Nova versão, com revisão / fixação de texto, edição de imagem e negritos: LG)


2. Comentário de  Albano Mendes Matos:

Caro Amigo Luís Gonçalves Vaz,

Só agora li o seu comentário ao meu escrito sobre o último a sair da Guiné.

Vou confirmar a data do último avião a sair da Guiné. No meu registo, consta saída em 14 de outubro pela 01h00. Pelas 13h00, do dia 13 ou 14, já não havia portugueses no QG, quando um comandante do PAIGC me deu boleia para Bissau. Julgo que fui o último a sair do QG. Nas ruas de Bissau, fui a andar. Estavam, ao largo, navios, com tropas, para zarparem para Portugal, logo que o último avião, onde eu vim, levantasse do aeroporto de Bissalanca.

Eu dependia do seu falecido pai. O seu pai saiu, pela manhã, para o Palácio do Governo ou para a Base Aérea da Bissalanca. Quando cheguei ao aeroporto, pelas 23h15, já todos os militares lá estavam.
Tenho jornal que tem a notícia da chegada do avião com os últimos militares da Guiné, que vou procurar, para confirmar a data. Tem a foto do general Galvão de Figueiredo.
´
Pelos vistos, o meu registo deve estar errado.
Os meus cumprimentos.
Albano Mendes de Matos
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014 às 21:21:18 WET

3. Resposta do Luís Gonçalves Vaz:

Caro sr tenente-coronel Mendes Matos:

(...) Agradeço-lhe se ter dignado vir aqui repor a verdade da data/hora (já vi que troquei a data/hora do último embarque no cais marítimo com o grupo data/hora do último voo), que julga ser a correta. Não vou nem quero opor-me à sua data de 13 ou 14 de outubro,quando refere no seu artigo, afinal trata-se do depoimento de um dos "protagonistas deste momento histórico", que como tal merece toda a minha credibilidade. 

Mas gostaria de o informar que "oficialmente" no Relatório que possuo,elaborado pela 2ª Rep do QG e autenticado pelo sr. major Tito Capela, na página 46, apresenta para o último embarque aéreo das nossas tropas, o grupo "Data/Hora" de 140230Out, como o embarque do Cmdt Chefe e elementos do QG. 

"Informa também" que foi no dia 13 de outubro que o QG/CTIG (Santa Luzia)  foi entregue, logo o seu artigo está de acordo com este Relatório "Secreto", de que já dei aqui visibilidade. Agora apercebo-me que "troquei" o grupo Data/Hora e, além de pedir desculpa a todos pela minha incorreção, quero também aqui corrigir esta hora, como tal onde digo "Às 23 horas do dia 14 de outubro de 1974, estes militares serão os últimos a retirar da Guiné...",  quero emendar para: "Às 2h30min do dia 14 de outubro de 1974, estes militares serão os últimos a retirar da Guiné (por via aérea ...)

Estive a reler o Relatório, e no mesmo o que parece uma "incoerência", pois o grupo Data/hora do último embarque (aéreo) é 140230Out, e o grupo data/hora da entrega do QG/CCFAG (Fortaleza da Amura), é 142300OutT, não o será, pois o último embarque de tropas portuguesas, foi por via marítima em LDG (no cais de embarque) pelas 23h00 (142300Out), executado diretamente da fortaleza da Amura para os navio Uíge e Niassa e, como tal,  devem ter sido estes os militares que entregaram o QG da AMURA (??). 

No entanto, e segundo este mesmo Relatório, estes navios só saíram da zona em 151000Out, em suma terão sido estes os últimos a abandonar este TO. Agora se assim não foi, então será esta minha fonte que não foi fiel no que concerne às datas (terá alguma gralha ou mesmo erro nestes grupos Data/Hora ?). 

Relativamente aos registos do meu pai, só encontrei a referência que seria no dia 14, a saber:

Bissau, 5 de Outubro de 1974

"... Dia de trabalho derivado da antecipação da nossa saída em 15 deste mês (pois passou para 14 de Outubro) ...

Coronel Henrique Gonçalves Vaz
(Chefe do Estado-Maior do CTIG)

Entretanto, também registou na sua agenda de CEM, a antecipação de vários voos de cargas .... A pressão era "muito grande" para que abandonássemos aquele TO.

Grande Abraço
Luís Gonçalves Vaz
domingo, 2 de março de 2014 às 15:14:43 WET
_________________

Notas do LGV:

(#) Mensagem do nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), com data de 21 de fevereiro de 2012:

Caros Editores:

Conforme o prometido, segue em anexo finalmente, o meu artigo sobre "A Retirada Final: Os Últimos Militares Portugueses a Retirar da Guiné   (Dia 14 de Outubro de 1974)".

Para este artigo, além de consultar as notas pessoais do meu falecido pai, também entrevistei um primo meu,  que era na altura Marinheiro Radiotelegrafista da Guarnição do Patrulha Lira (LFG Lira), com quem estive ainda na Guiné, mas que ficou lá até ao último dia, o dia 14 de outubro de 1974, juntamente com muitos outros militares, um deles, o meu falecido pai, o último CEM/CTIG.

Este meu primo, Manuel Aurélio de Araújo Beleza Ferraz, relatou-me na primeira pessoa as últimas horas da retirada para o navio Uíge, dos militares portugueses ainda presentes nesse dia em terra, para assegurarem a última cerimónia, o "Arrear da Bandeira Portuguesa", bem como me forneceu um conjunto de fotografias, que ilustram o poste (...)

Espero que não tenha "distorcido muito" estas últimas horas da nossa "Retirada Final" da Guiné, se o fiz, foi sem intenção. Por outro lado, peço desculpa não "elencar o nome" de todos aqueles militares que nesse mesmo dia, "deram o seu máximo" para não manchar o Bom Nome da Nação, numa altura difícil da nossa longa história... se um de vós lá estava, então deixe aqui "o seu depoimento", pois assim enriquecerá este relato de mais um dos "episódios históricos da descolonização portuguesa".

Grande Abraço
Luís Gonçalves Vaz

 
PS - Como recebi mais informações do camarigo Magalhães Ribeiro, sobre este dia histórico e também do dia 9 de setembro de 1974, aquando da cerimónia oficial da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC, em Mansoa, onde fiquei a saber que o meu falecido pai não esteve, pois em representação do chefe do Estado-Maior do Comando Territorial Independente da Guiné (CEM do CTIG), esteve o tenente-coronel Fonseca Cabrinha, como tal fui naturalmente compelido, a corrigir e complementar este artigo, que almejo que se transforme num "agregar de vários testemunhos, daquele dia 14 de Outubro de 1974", dia histórico para os portugueses, e que representa simultaneamente o fim do Império Português nestas paragens.

(##) Um agradecimento especial:

(i) ao meu primo e ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, marinheiro da guarnição de um dos últimos navios a abandonar as águas da Guiné, o Patrulha Lira;
e também

(ii) ao Eduardo José Magalhães Ribeiro, Furriel Miliciano de Operações Especiais/Ranger da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974, pois sem os seus testemunhos, não poderia ter dado parte importante das informações, relatadas nesta minha pequena narrativa sobre a “retirada final da Guiné”.

Aos dois, que foram testemunhas deste momento histórico, o meu muito obrigado.
____________

Nota do editor LG:



segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27408: Notas de leitura (1862): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Maço de 2025:

Queridos amigos,
Entendi por bem recapitular matéria do primeiro texto e estender até aos preparativos do 25 de Abril, chegámos à madrugada e começou a reunião no Regimento da Pontinha. Confesso a grande satisfação que tive em ler este livrinho que condensa perfeitamente os principais acontecimentos dos preparativos do golpe e as causas próximas. Temos aqui o essencial sobre a revolução, os seus protagonistas, a tensão e os acontecimentos dramáticos que precedem o 25 de Abril. Fala-se na última reunião do Conselho de Ministros, que decorreu em 23 de abril, Baltazar Rebelo de Sousa fará uma declaração ao Conselho sobre a necessidade de acelerar o processo de autonomia das províncias, ouvem-se vozes reticentes, havia ministros com medo que o Exército contestasse essas iniciativas. Dá para entender como estes políticos à volta de Marcello Caetano estavam a leste do que se passava ao nível de capitães, negavam, no fundo, a realidade de que se tinha ultrapassado em tempo a possibilidade de encontrar formulações de paz e uma verdadeira negociação dos interesses nacionais.

Um abraço do
Mário



Atlas Histórico do 25 de Abril, por José Matos, um confrade que nos dá imensa companhia (2)

Mário Beja Santos

Interrompemos a súmula do livro do nosso confrade José Matos, investigador em História Militar, exatamente nos preparativos do 25 de Abril. Voltando um pouco atrás, é na reunião em Óbidos que os capitães constituíram o MOFA (Movimento de Oficiais das Forças Armadas) e votaram o nome do General Costa Gomes para encabeçar o movimento. Em 5 de dezembro realizou-se uma reunião da nova missão coordenadora, escolheu-se uma direção executiva formada pelos majores Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Alves, e o capitão Vasco Lourenço. Ao tempo, ocorriam movimentações de oficiais associados a Kaúlza de Arriaga, coube ao major Fabião fazer a denúncia dessas movimentações no curso de promoção a oficial superior no Instituto de Altos Estudos Militares, a intenção golpista abortou. O Governo não estava de olhos fechados com estas movimentações, sabia o que se tinha passado em Óbidos, o subsecretário de Estado do Exército, coronel Viana de Lemos, convocou Vasco Lourenço e Dinis de Almeida, a advertência estava feita, não deviam continuar a pisar terreno muito perigoso, as reuniões deviam acabar.

Em 17 de janeiro Spínola toma posse como Vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, a 22 de fevereiro é publicado Portugal e o Futuro, gerou um verdadeiro terramoto político. José Matos vai agora descrever o turbilhão destes acontecimentos. Caetano chama os dois generais, a 23 de fevereiro, diz-lhes que não podia continuar a governar tendo o topo da chefia militar em discordância, eles que fossem falar com o Presidente da República, o que não aconteceu, Caetano parte para uns dias de férias, nessa altura o Movimento dos Capitães já contava com alguns oficiais da Marinha e da Força Aérea, uma comissão de que faziam parte o Tenente-coronel Costa Brás e os Majores Melo Antunes e José Maria Azevedo e o Capitão Sousa e Castro produzem o primeiro documento programático do movimento. Regressando de férias, Caetano pede uma audiência a Thomaz apresenta formalmente a demissão, o presidente não a aceita, é a vez de Caetano querer agir em contra-ataque: propõe à comissão do Ultramar na Assembleia Nacional que estude uma moção para apresentar no Parlamento de forma a legitimar a política ultramarina, fará ali um discurso em 5 de março, no mesmo dia em que decorre a reunião de Cascais, e onde Melo Antunes apresenta o documento “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação”.
Mapa de Cascais com a rua visconde da luz n.º 45, onde se realizou a reunião de 5 de Março de 1974

É no decurso da reunião de Cascais que foram ratificados os nomes de Costa Gomes e Spínola como os chefes máximos do movimento. A seguir ao seu discurso na Assembleia, Caetano é chamado ao Presidente da República, este não percebia como é que Costa Gomes e Spínola se mantinham em funções, de regresso a São Bento, Caetano envia uma carta ao presidente a pedir novamente a demissão, novamente negada, vem então uma cerimónia em que são convocados os oficiais generais dos três Ramos das Forças Armadas para mostrar fidelidade à política prosseguida, Costa Gomes e Spínola não comparecem bem como o Almirante Tierno Bagulho, seguem-se as demissões no topo das Forças Armadas, acende-se um rastilho, a Revolta das Caldas.
O General Andrade e Silva, ministro do Exército, cumprimenta Marcello Caetano durante a cerimónia de apoio ao Governo no Palácio de São Bento (Arquivo Histórico da Assembleia da República/Coleção Miranda Castela)

José Matos descreve-nos a narrativa do insucesso, os conspiradores aprenderam com a lição, impunha-se um projeto, cabe a Otelo Saraiva de Carvalho a organização das operações que levarão ao 25 de Abril: precisava-se de um centro de comandos seguro com um bom sistema de comunicações, o que vai acontecer. E começa o capítulo da queda do regime. Líderes da esquerda, PCP e PS, vão sendo informados das movimentações, havia profundas hesitações, Álvaro Cunhal não acreditava que uma revolta militar pudesse ter sucesso, dado que as Forças Armadas eram o grande sustentáculo do regime. Realiza-se a reunião de Londres, em Dolphin Square, no mais completo sigilo, entre o cônsul português em Milão e uma delegação guineense com Vítor Saúde e Maria à frente, é proposta uma nova reunião no mês seguinte, não terá lugar.
Kissinger e Rui Patrício em Lisboa, durante uma visita que o Secretário de Estado norte-americano fez a Portugal em dezembro de 1973 (Arquivo Yale University Library)

As autoridades portuguesas procuram desesperadamente comprar novos armamentos compatíveis com os já utilizados pelo PAIGC e a FRELIMO, muitas promessas, poucas realizações, ainda se comprou o sistema antimíssil Crotale, foi revendido depois do 25 de Abril, os aviões Mirage nunca chegaram a Portugal, Kissinger prometeu uma resposta ao sistema antimíssil, também não se concretizou. A última reunião do Conselho de Ministros realizou-se a 23 de abril de 1974, facto significativo foi a abordagem de Baltazar Rebelo de Sousa que chamou à atenção para a necessidade de acelerar a autonomia das colónias.

O plano gizado por Otelo assentava na neutralização muito rápida dos departamentos de Estado, estações de radiotelevisão e aeroporto, deviam ser tomados entre a madrugada e o amanhecer, foram mobilizadas várias unidades para tomar estes pontos-chave de Lisboa. Garcia dos Santos foi o responsável pelo material de comunicações necessário para se usar na revolta militar. Otelo previra ocupar uma estação de rádio que transmitisse um sinal de código para o início das operações, optou-se pelo Rádio Clube Português. Foi contactado o locutor João Paulo Dinis que explicou a Otelo que não pertencia aos quadros do Rádio Clube, a única coisa que ele podia fazer era assegurar a transmissão do primeiro sinal nos Emissores Associados de Lisboa. A primeira senha é transmitida por João Paulo Dinis, a canção de Paulo de Carvalho “E Depois do Adeus”. A segunda senha foi emitida por Carlos Albino na Rádio Renascença, a canção do código foi “Grândola, Vila Morena” de José Afonso.

José Matos descreve o desenrolar das operações em vários pontos do país, dá-nos conta da elaboração do programa político. Ficou decidido que o golpe seria desencadeado na última semana de abril para evitar o período do 1 de Maio, Costa Gomes e fundamentalmente Spínola vão sendo informados do que se prepara. Aprovado o projeto, começou a distribuição de missões, na semana derradeira para o golpe, Otelo assegurou a neutralidade dos paraquedistas e dos fuzileiros. Como não podia deixar de ser, Otelo sabe que era na capital que estavam os principais objetos a tomar e que se podia encontrar oposição nas forças de Cavalaria 7 e de Lanceiros 2, a GNR e a PSP estariam do lado do Governo, mas só a GNR podia realmente constituir alguma ameaça, sem esquecer o problema de PIDE/DGS. O historiador mostra-nos os blindados utilizados nas operações, e assim chegamos à noite de 24 de abril, Otelo partiu para o Regimento da Pontinha, nesse dia fora enviado um programa codificado para Melo Antunes nos Açores: “Tia Aurora Parte Estados Unidos 25 03 00 Abraços. Primo António” Otelo vai encontrar-se com o Capitão António Ramos, Ajudante de Campo de Spínola, na redação do Jornal do Comércio para lhe dizer que o golpe era naquela noite. Findas estas negligências parte para a Pontinha, vão chegando outros oficias como os Tenentes-coronéis Fisher Lopes Pires, Garcia dos Santos e Comandante Vítor Crespo.

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post da 3 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27382: Notas de leitura (1858): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 8 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27399: Notas de leitura (1861): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte V: "Tenho um papel na gaveta", disse-lhe o Salazar, na véspera de partir para o CTIG, como capelão-chefe, em fevereiro de 1966... Era o papel que criava a capelania militar, a meio da guerra...

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27225: Memórias dos últimos soldados do império (4): os "últimos moicanos" - Parte I (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, mar 1973/ set 74)





Guiné > Região do Oio > Mansoa >9 de setembro de 1974   > Uma foto para a história: o ex-fur mil op ersp / ranger, Eduardo Magalhães Ribeiro,. hoje nosso coeditor, CCS/BCAÇ 4612/74 (Mansoa, abr - out 1974), a arriar a bandeira verde-rubra, na presença de representantes do PAIGC (incluindo a viúva de Amílcar Cabral) e de autoridades militares do CTIG.


Foto (e legenda): © Eduardo Magalhães Ribeiro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

1.   "O Prisioneiro da Ilha das Galinhas", da autoria do Abílio Magro,  é uma das crónicas "divertidas" da série "Um amanuense em terras de Kako Baldé" (de que se  publicaram  15 postes enter janeiro de 2013 e março de publicada em 2016, e que estamos agora a revisitar). 

O título é enganador: o "prisioneiro" personifica aqui, metaforicamente falando, o "último dos moicanos"... 

A cena passa-se em Bissau, em finais de setembro de 1974, com os últimos militares portugueses a fazerem  a "comissão liquidatária" do império (a destruir papéis, a arrumar caixotes, a deitar fora a tralha da guerra, a transferir serviços, a fazer as malas para regressar a casa, a beber as últimas "basucas", etc.).

 Faz sentido republicar agora,  na efenéride dos 51 anos, esta história na série "Memórias dos últimos soldados do império" (*)

A República da Guiné-Bissau já tiha sido reconhecida por Portugal, "de jure et de facto", em 10 de setembro. O brigadeiro graduado Carlos Fabião, último governador e comandante-chefe,  ainda era, até 14 de outubro desse ano, formalmente, o representante do Governo português, do território. 

Sabe-se que  no dia 14 de Outubro, pelas 3 da manhã, o comandante-chefe Carlos Fabião partiu do aeroporto de Bissalanca, juntamente com os comandantes do CTIG, da Zona Aérea, do seu Estado-Maior (onde se encontrava também o seu CEM, Henrique Gonçalves Vaz) e os oficiais da Comissão Coordenadora do MFA na Guiné. Este voo representou o penúltimo contingente das nossas tropas, e não o último. 

No aeroporto encontravam-se representantes do PAIGC em Bissau, nomeadamente Juvêncio Gomes, Vítor Monteiro, Constantino Teixeira, Paulo Correia e Silva Cabral (nome de guerra, "Gazela").

O então comodoro Vicente Manuel de Moura Coutinho de Almeida D´ Eça tinha passado a ser, entretanto,  a partir de 14 de Outubro, à uma hora, o  comandante de todas as forças dos três Ramos presentes no TO da Guiné.  

Na manhã do dia 14 de outubro realizou-se a entrega do Palácio do Governo, tendo assistido a esta cerimónia o comodoro Vicente Almeida d' Éça, em representação do Governo Português (segundo Jorge Sales Golias, este foi o último acto oficial antes da retirada de todas as Forças Portuguesas) (**)

O comandante das Forças Terrestres a embarcar foi o coronel de infantaria António Marques Lopes: este sim o último contingente militar a abandonar o TO da Guiné, no T/T Uíge,  em 15 de outubro (chegado a Lisboa, a 20; nele veio também o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro) (*).


2. Recordemos a cronologia desses últimos dias do Império, no que diz respeito à Guiné... Garantida a independência pela Lei n.º 7/74, o período (de 30 de julho a 15 de outubro de 1974) foi caracterizado por "ausência significativa de pressão política ou militar", destacando-se no entanto, as seguintes acções mais relevantes (estamos a citar a CECA- Comissão para o Estudo das Campanhas de África) (***)

(i) desmobilização, até final de agosto,  das forças de recrutamento local, que lutaram a nosso lado contra o PAIGC, razão pela qual o seu desarmamento e desmobilização constituíram período crítico na fase final da nossa permanência na Guiné;

(ii) a retirada das nossas forças do teatro de guerra, sua concentração em Bissau e transporte das últimas unidades para Lisboa, em 15 de Outubro;

(iii) neste período, o potencial relativo de combate das NT  relativamente às do PAIGC era-nos desfavorável, pelo que se tornou necessário gerir o evoluir da situação com o maior tacto político e militar, garantindo sempre o máximo possível de segurança para as nossas tropas.

Recorde-se as datas-chave:;

  •  26 de agosto, em Argel, assinatura do acordo entre o Governo Português e o PAIGC para a independência da Guiné-Bissau, tendo-se assentado nos seguintes pontos essenciais: (a) independência em 10 de setembro de 1974; (b) retirada das Forças Armadas Portuguesas até 31 de outubro; (c) cessar fogo "de jure" desde a mesma data;
  • de 4 a 9 de setembro, chegada a Bissau de vários membros do Governo e responsáveis do PAIGC; no dia 9, chegou também o primeiro contingente militar do novo Estado;
  • 10 de setembro, em Lisboa, cerimónia formal de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal;  na mesma data, em Bissau, iniciava-se a transferência dos principais serviços públicos para a responsabilidade da administração do novo Estado;
  • 15 de outubro, retirada dos últimos contingentes das forças militares portuguesas estacionadas em Bissau; regresso nos TAM e no T/T Uíge e navios da marinha;
  • no total, regressaram a Lisboa cerca de 23.800 combatentes do efectivo metropolitano.

  Os nossos "cronistas" desse tempo são o Eduardo Magalhães Ribeiro, o Albano Mendes de Matos e... o Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina (CSJD),  QG/CTIG, março 1973/ setembro 1974).  

O Abílio Magro também  um dos últimos "moicanos" (leia-se: soldados do império), tendo regressado  a caso em fins de setembro, nos TAM. O ten cor Albano Mendes Matos, a 14, também de de avião. O Eduardo, a 15, no T/T Uíge.

O Abílio Magro é o nosso grão-tabanqueiro nº 600, tendo ingressado formalmente no blogu em 13/1/2013. Tem 73 referências.




Os "últimos moicanos" - Parte I

por Abílio Magro


A azáfama fazia lembrar uma tarde de fim de feira numa qualquer terra do interior de Portugal, onde as embalagens vazias de cartão se amontoam ao lado de cada tenda e os feirantes se apressam a recolher os artefactos e produtos não transacionados para, na madrugada seguinte, regressarem à estrada e ocupar novamente as “montras” numa outra feira qualquer.

Estávamos em finais de setembro de 1974 e o recinto da “feira” era a pequena “parada” defronte do edifício do QG/CTIG.

Com efeito, havia muita movimentação de pessoas e bens e o asseio parecia ter sido algo descurado. Notava-se algum nervosismo e pressa em fazer malas. Lembrava o término de um qualquer período de férias de Agosto no Algarve em que havia necessidade de andar lesto, a fim de se evitar as longas filas de trânsito das estradas algarvias daqueles tempos.

As entradas e saídas do Quartel-General eram constantes e respirava-se, efetivamente, um fim de feira com desfazer de tendas. A grande maioria das Unidades Militares que tinham estado sediadas no interior do território, já tinha regressado à Metrópole e era agora chegado o momento dos últimos “moicanos”, nomeadamente os militares metropolitanos que se encontravam presos na Ilha das Galinhas.

A pequena Ilha das Galinhas, com apenas 50 km² de área,  é uma das oitenta e oito ilhas que compõem o Arquipélago de Bijagós. Durante o período colonial funcionou nesta ilha uma prisão, designada por "Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas".

Esta colónia estava destinada, essencialmente, a presos políticos, incluindo elementos do PAIGC, alguns dos quais ali estariam em trânsito para a prisão do Tarrafal (Ilha de Santiago, Cabo Verde).

Os prisioneiros andavam soltos pela ilha e a maioria trabalhava na bolanha (cultivo de arroz) e nas plantações de ananás e mancarra (amendoim) que havia pelo campo.

Nos finais de setembro de 1974, um desses prisioneiros, militar metropolitano, andava por ali no recinto da “feira” do QG/CTIG a aguardar não se sabia muito bem o quê.

Fazia-se acompanhar por um corpulento macaco-cão que segurava por uma trela de corrente de aço.
Este “prisioneiro à solta” apresentava uma tez bastante avermelhada, indiciando excesso de sol recente (ou algum excesso de aguardente) e trajava de um modo demasiadamente informal para um militar naquele local; camisa, calções e sapatos de ténis militares. Na cabeça, sempre descoberta, ostentava uma farta cabeleira arruivada e encaracolada e, nas pernas e coxas, várias tatuagens “pornográficas” a necessitarem de “bolinha vermelha”.

Era de poucas falas e parecia andar por ali apenas com o intuito de desafiar “altas patentes”, digo eu.

Com efeito, dava-me um certo gozo ver majores, tenentes-coronéis, coronéis, etc., que entravam ou  saíam do QG, depararem-se com aquela figura acompanhada do “seu animalzinho de estimação” e, pasmados, fitando o “moicano”, receberem em troca um olhar ostensivamente desafiador que os desarmava por completo e os “aconselhava” a prosseguir o seu caminho, o que faziam sem pestanejar.

Com muito custo lá conseguimos chegar à fala com o “moicano” e, segundo recordo, ele aguardava autorização para trazer o “companheiro” para a Metrópole, mas, confrontado com a nossa convicção de que isso não seria possível, logo afirmou que “então cortava o pescoço ao símio!”

Eram dias de muita rebaldaria e, lá fora, na estrada que passava em frente ao QG/CTIG, era constante o movimento de negros alombando para suas tabancas “troféus de guerra” diversos, tais como: colchões, frigoríficos, aparelhos de ar condicionado, etc.

Alguns capitães conduziam jipes bastante “mal-tratados” que avariavam constantemente e era vê-los a empurrar a “sucata” com a ajuda de um ou outro militar…

Enfim, imagens vivas do fim do Império Colonial Português!

Uns dias depois é chegada a hora do meu regresso a casa e lá estava no aeroporto de Bissalanca o “moicano”, sem macaco. Viajou connosco e disse-nos que o tinha matado (??).

Abílio Magro

(Revsião / fixação de texto, título: LG)


2. Na altura,  o editor LG tinha deixado o seguinte comentário no  poste P15618;


Há algo de pungente na tua descrição, tão singela, ingénua e ao mesmo tempo tão realista e quase cinematográfica dos últimos dias de Bissau... São pinceladas, são apontamentos, são "flashes", são pequenos detalhes de uma atmosfera, única, a da véspera de se partir, definitivamente, para casa e deixar atrás a tralha da História, e as ruínas de uma guerra, que vai, contudo, continuar a arder em lume brando...

Acho que, quem como tu, foi um dos últimos guerreiros do império, mesmo tendo sido um honestíssimo e patriótico amanuense, não mais poderia esquecer esses últimos dias, essas últimas horas...

O teu "prisioneiro da ilha das Galinhas" é um "boneco" bem apanhado!... Estou a imaginar a cara de desagrado, confusão e impotência dos nossos "maiores" (tenentes coroneis e majores) ao tropeçar, à portas do QG, com o teu "moicanho"... Mas todos foram, "chefes e índios", tristes figurantes do filme em que os "tugas" sairam de cena... daquela parte de África aonde justamente tinham sido os primeiros, dos europeus, a chegar, em meados do séc. XV!...

Obrigado, mano Magro, por mais este delicioso naco de prosa!..

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016 às 22:04:00 WET 
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(...) Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 420/423-

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27197: Notas de leitura (1836): O uso do napalm na guerra da Guiné, na Revista de Relações Internacionais de Junho de 2009 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Não encontro somente na Feira da Ladra correspondência que já devia estar guardada no Arquivo Histórico-Militar, os vendedores de espólios permitem-nos adquirir pequenos tesouros informativos, obras desconhecidas, artigos inseridos em publicações onde não era imaginável encontrar um artigo como este, como o uso de napalm na Guiné. De 2009 à presente década, têm surgido relatos, sobretudo de oficiais da Força Aérea, que sugerem o uso de tais bombas e desfolhantes. Há que aguardar com expectativa o derradeiro livro que o José Matos está a escrever sobre o Santuário Perdido (história da Força Aérea na Guiné, falta o período 1973-1974) para saber se esta questão das bombas de napalm é pelos autores equacionada.

Um abraço do
Mário



O uso do napalm na guerra da Guiné

Mário Beja Santos

Na revista Relações Internacionais R:I, n.º 22, junho de 2009, António Araújo e António Duarte Silva publicaram o artigo intitulado O uso de napalm na guerra colonial. O ponto de partida foi o conjunto de quatro documentos localizados no Arquivo da Defesa Nacional: 

  • um documento datilografado, classificado “muito secreto”, com a assinatura do Tenente-Coronel José Luís Ferreira da Cunha, do Gabinete do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, de 9 páginas, com a data aproximada de 9 de maio de 1973; 
  • um documento em papel timbrado do Comando-chefe das Forças Armadas da Guiné, classificado “secreto”, datado de Bissau, 27 de maio de 1974 e assinado pelo Comandante-Chefe Carlos Fabião; 
  • um documento com indicação “Comando-chefe das Forças Armadas da Guiné – Quartel General, 3.ª Repartição”, datado de 28 de maio de 1974;
  • documento datado de 19 de junho de 1974, não assinado, classificado como “secreto”, do Chefe do Gabinete do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Tenente-Coronel Ferreira da Cunha, destinado ao Chefe do Gabinete do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, o assunto é “bombas napalm”.

Da análise interna feita por estes autores, pode apurar-se: um documento anterior ao 25 de abril, muito provavelmente do início de maio de 1973, que justifica a posse e utilização de napalm e outras armas incendiárias pelas Forças Armadas Portuguesas nos três teatros de operações; um ofício, de 27 de maio de 1974, do Comandante-Chefe Carlos Fabião, solicitando instruções quanto ao destino a dar às bombas napalm existentes naquele território, quantificadas em 1170 bombas NAP de 350 litros e 790 bombas NAP de 100 litros, sugere-se a sua transferência para a Ilha do Sal. Documentos de incontestável valor histórico, com o condão de exigir uma reflexão mais aprofundada quanto ao uso de bombas incendiárias em combate por parte das Forças Armadas portuguesas.

À data da publicação deste artigo dizia-se não existirem estudos especificamente dedicados ao tema. Havia algumas menções como, por exemplo, num artigo de Mário Canongia Lopes publicado na revista Mais Alto, e o livro de Luís Alves Fraga intitulado A Força Aérea na Guerra em África – Angola, Guiné e Moçambique, Prefácio, 2004. 

Estas referências aludem a napalm utilizado contra objetivos militares bem definidos, tais como posições de artilharia antiaérea, napalm carregado em depósitos de origem norte-americana havendo combustível fornecido por Israel. Adiantam os autores que era reconhecido o uso de bombas de 50 quilos de 60 litros de napalm em certas operações de destruição de meios antiaéreos do PAIGC, caso das operações Resgate e Estoque.

Parece claro, aceitando o depoimento do Marechal Costa Gomes, que no seu tempo de Comandante-Chefe em Angola nunca se utilizou napalm, embora reconhecendo que havia napalm e desfolhantes no território, que tais desfolhantes foram usados só no Leste. Publicadas estas declarações, vários oficiais vieram negar veementemente que as nossas tropas algum dia tivessem utilizado napalm. E os autores voltam a observar que, pelo menos até meados de 1973, as Forças Armadas portuguesas utilizaram napalm e outras bombas incendiárias nos três teatros de operações em África.

Napalm e bombas incendiárias são uma das matérias mais controversas quanto ao seu uso durante as guerras, daí o silêncio quase absoluto do assunto. A Guiné era o território onde mais se recorria a este tipo de armamento. O consumo médio mensal era de 42 bombas incendiárias de 300 kg, de 72 bombas incendiárias de 80 kg e de 273 granadas incendiárias M64. 

O napalm foi utilizado na Guiné desde 1965, nomeadamente na operação Resgate, realizada na Península do Cantanhez, e tudo indicia que as bombas incendiárias foram usadas até ao 25 de Abril de 1974.

Voltando ao indisfarçável incómodo que se traduzia no uso destas armas, sabia-se que a opinião pública tinha um horror visceral pelo uso destes líquidos inflamáveis à base de gasolina gelificada. E os autores adiantam um elemento histórico informativo sobre o uso do napalm e o pavor da opinião pública, referindo que a partir da guerra do Vietname os seus efeitos sobre os seres humanos apareceram ilustrados em imagens crudelíssimas, divulgadas por todo o mundo. 

É o caso da célebre fotografia de uma rapariga sul-vietnamita de 9 anos, gravemente queimada pelo napalm, a fugir dos bombardeamentos, publicada em 1972. De acordo com a informação disponível não foram captadas imagens deste teor.

Igualmente os autores recordam os preceitos do direito internacional, ao tempo ainda não se podia falar rigorosamente de interdição das armas bacteriológicas (ou biológicas) e, muito menos, das armas químicas. Seja como for, em agosto de 1968, Amílcar Cabral enviara uma petição à Comissão de Descolonização da ONU, assinalando que as forças portuguesas bombardeavam intensamente o território com napalm e fósforo branco e se preparavam para recorrer a produtos químicos desfolhantes e tóxicos contra as populações locais, uma matéria que levou à resolução condenando Portugal. 

No ano seguinte, Cabral voltou a denunciar o uso de napalm pelas forças militares da Guiné, na sua intervenção oral o líder do PAIGC denunciou tais bombardeamentos, estavam comprovados com testemunhos.

Voltando à análise dos quatro documentos constantes do Arquivo da Defesa Nacional, o marechal Costa Gomes despachou favoravelmente a proposta de Fabião para a retiradas das bombas da Guiné, o que não deixa de nos provocar uma certa estupefação já que Costa Gomes tinha afirmado nada saber contra o uso de napalm na Guiné. 

Quanto a António de Spínola, apesar de nunca se ter pronunciado expressamente sobre o tema, podem citar-se alguns testemunhos inequívocos constantes no livro sobre a guerra da Guiné publicado em 1973 na África do Sul, foi seu autor Al Venter, o uso de bombas napalm armazenadas no aeroporto de Bissau, não correspondiam a marcas da NATO ou dos Estados Unidos, alguns dados sugeriam que Portugal se encontrava a produzir as suas próprias bombas. Também da leitura à informação do Tenente Manuel Ferreira da Cunha se pode depreender que havia justificação para a continuação do recurso àquele tipo de armamento.

No termo do seu artigo, os autores realçam um ponto: até ao 25 de Abril uma quantidade apreciável de bombas incendiárias permaneceu em África – ou, pelo menos, na Guiné. Se continuaram a ser utilizadas após a informação de Ferreira da Cunha, é algo que se desconhece. Mas estes documentos revelam que a incómoda e desconfortável presença do napalm em África se prolongou, pelo menos, até maio de 1974.

Napalm montadas em T6, na BA 12. Foto de Arnaldo Sousa
Guiné 1969, T6 com bombas de napalm. Foto de Alberto Cruz
BA 12 - Fiat armado com bomba de Napalm.
Imagens retiradas do blogue Clube de Especialistas do AB4
Imagens retiradas de um artigo do Major General Piloto Aviador Krus Abecasis sobre o uso do napalm em operações para destruição de sistemas antiaéreos do PAIGC, publicado na Revista Militar, dezembro de 2008

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Nota do editor CV:

Por pura coincidência, e uma vez que as recensões do nosso confrade Mário Beja Santos, são publicadas, normalmente, por ordem de chegada, o assunto de hoje tem a ver com o que andamos a discutir actualmente no Blogue, o uso de bombas incendiárias/napalm na Guiné.
Fica a justificação, mesmo que desnecessária.

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Nota do editor

Último post da série de 5 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27188: Notas de leitura (1835): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 10 (Mário Beja Santos)

domingo, 7 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27191: A nossa guerra em números (38): Em 27 de maio de 1974, existiriam no CTIG 1960 "bombas de napalm" (1170 de 350 litros e 790 de 100 litros)... ou apenas os invólucros

FIAT G-91 R4 em voo. 
Foto: Mário Correia (editada por Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2025)


No TO da Guiné, pelo menos em 1972/73, de até à entrada dos Strela (março de 1973), 5%  das missões do Fiat G-91 eram de bombardeamento com napalm a objetivos estritamente militares (de acordo com a caderneta de voo do António Martins de Matos, cuja comissão vai de maio de 1972 a fevereiro de 1974)



Gráfico (nº 1)  com as missões de Fiat G-91 (a laranja) (n=386)  e DO-27 (a azul) (n=114), realizadas pelo então ten pilav António Martins de Matos (de maio de 1972 a fevereiro de 1974) (Total=500)  

Infografia: António Martins de Matos (2010) (**)

Legenda do autor:
  • A laranja estão as minhas missões em Fiat-G91, e a azul as de DO-27;
  • Nos meses de nov72 e ago73 estive de férias;
  • Os mísseis Strela apareceram em abr73;
  • Guidaje, Guileje e Gadamnael foram em maio/junho 73;
  • Canquelifá e Copé em janeiro de 1974.


Gráfico (nº 2)  com as missões de Fiat G-91, realizadas pelo então ten pilav António Martins de Matos (de maio de 1972 a fevereiro de 1974): missões de alerta (a laranja)(n=78)  e missões planeadas (a verde)(n=308). Total=386

Infografia: António Martins de Matos (2010) (**)

Legenda do autor:

  • As missões a verde eram planeadas,  de véspera (por ex. ida a Cumbamori, no Senegal);
  • As missões a laranja eram as solicitadas pela rede do Exército para apoio urgente;
  • Em termos práticos representam o número de quartéis a quem fui dar apoio imediato (n=78);
  • Quanto mais “laranja” apresentar o gráfico,  tanto mais violenta estaria a guerra;
  • Em maio73 o apoio foi maioritariamente a Guidage e Guileje; em janeiro74 a Canquelifá e Copá.

I.  O nosso tabanqueiro António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen ref, não podia ser mais claro ao comentar no poste P27184 (*):


Da minha caderneta de voo, [ constam ] 17 missões napalm, entre 20mai72 e 1fev73 [ em oito meses,  foram 2 em média, por mês ].
 
Os alvos eram instalações dissimuladas nas orlas das matas. 

Como agora em Gaza, “à procura do Hamas, a população a sofrer”.  É sempre assim.

AMM

sexta-feira, 5 de setembro de 2025 às 14:12:18 WEST

Recorde-se que o AMM era o nº 2, na escala hierárquica da Esquadra 121 (Fiat G-91, T-6 e DO-27), tendo 6 pilotos de Fiat, "Os Tigres", que voavam também um dos outros aviões; e mais 14 pilotos, milicianos, alferes e furriéis, que voavam indistintamente o T-6 e o DO-27.

O número de missões que executou no Fiat G-91, de maio de 1972 a fevereiro de 1974, com dois meses de férias (novembro de 1972 e agosto de 1973) totalizou as 386 (77% do total, Fiat G-91 + DO-27)... 

As 17 missões com napalm representam apenas 4,4% do total das missões com Fiat G-91, realizadas até fevereiro de 1973 (**).
 
Segundo o António Martins de Matos, deixaram-se de realizar bombardeamentos de napalm a partir de março de 1973, quando os Strela passaram a ser usados pelo IN.

De qualquer modo, as suas missões  dos Fiat G-91 intensificaram-se, na segunda metade da comissão, apesar do aparecimento do Strela nos céus da Guiné. O que só prova que o PAIGC não "calou" a FAP, e muito menos o ten pilav António Martins de Matos; mandou para o "estaleiro" o Miguel Pessoa, mas também não o "arrumou", porque ele voltou ao CTIG...).

II. Sabemos, por outro lado, que no final da guerra havia, na BA 12, Bissalanca, na Guiné, um "pequeno arsenal" de bombas de napalm (ou, pelo ,menos os seus "invólucros", segundo o testemunho do nosso António Martins de Matos)...  

Reproduz-se a seguir um  documento  que vai ter que passar pelo crivo do contraditório:

 

Repartição de Operações 

AO GENERAL CHEFE DO ESTADO-MAIOR GENERAL DAS FORÇAS ARMADAS 

Nº 10.078/C 

 PARA CONHECIMENTO: 

Pº  CZACVG 

ASSUNTO: BOMBAS NAPALM

 1. Existem no TO.

 – 1170 bombas NAP de 350 litros

 – 790       "          "   de 100 litros


2. Dado que, pelo seu volume, não é possível subtraí-las das vistas a possíveis observadores, e ainda porque a utilização de Napalm tem sido motivo de acérrimas críticas feitas pelo In, na sua campanha diplomática e psicológica, torna-se necessário retirá-las do TO.

3. De contacto havido entre a ZACVG e o Estado-Maior da Força Aérea foi estabelecido, com o que este Comando concorda, que as bombas em referência fossem transportadas para a Ilha do Sal, de onde lhes seria dado posterior destino, salvaguardando, no entanto, uma dotação de emergência, a manter no TO. 

4. Solicita-se a V. Exa. uma decisão sobre o assunto. 

Bissau, 27 de Maio de 1974 

O COMANDANTE-CHEFE 

CARLOS ALBERTO IDÃES SOARES FABIÃO, BRIGADEIRO 


III. O documento que acima se transcreve é um dos quatro que os investigadores António de Araújo e António Duarte Silva  publicam em artigo de 2009, numa publicação académica ("O uso de napalm na Guerra Colonial - quatro documentos", Relações Internacionais R:I, n.º 22, junho de 2009, pp. 121-139). (***)

Os documentos reproduzidos pelos autores foram localizados no Arquivo da Defesa Nacional, em Paço de Arcos, onde se encontram sob a cota Cx. 1011, 1011/12, tendo sido desclassificados, a seu pedido,  por despacho de 17 de setembro de 2008. 

O documento em questão (o n º 2 de 4):

(i) é um oficio em papel timbrado do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné (Quartel-General – Repartição de Operações), classificado «Secreto», datado de Bissau, 27 de Maio de 1974;

(ii) está assinado pelo comandante-chefe, brigadeiro graduado Carlos Alberto Idães Soares Fabião;

(iii) é um ofício, os dactilografado, de uma página, dirigido ao chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, gen Costa Gomes; 

(iv)  Com conhecimento ao Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (CZACVG);

(v) em que se solicita instruções quanto ao destino a dar às "bombas de napalm" (sic) existentes no CTIG (1170 bombas NAP de 350 litros e 790 bombas NAP de 100 litros). 

(v) possui um carimbo a óleo que certifica a sua recepção no Gabinete do Estado-Maior General das Forças Armadas, em 6 de junho de 1974, com as indicações «Pº 2034, N.º 3107»:

(vi) à margem, encontra-se exarado um despacho manuscrito, do seguinte teor: «Urgente. Ao CEMFA para proceder de acordo com o n.º 3. Lisboa 15-6-74. ass). Francisco da Costa Gomes». 

Nesse ofício, sugere-se a  transferência das "bombas de napalm" (sic) para a ilha do Sal, em Cabo Verde, salvaguardando-se, todavia, uma «dotação de emergência» (sic), que permaneceria no CTIG.  Esta sugestão é feita após ter sido estabelecido um contacto com o Estado-Maior da Força Aérea. 

De acordo com o despacho manuscrito, de 15 de junho de 1974, os autores inferem  que tal sugestão foi acolhida (não se podendo no entanto saber qual foi o destino final dado ao material).

Citemos ainda os autores, a respeito do uso do napalm no teatro da guerra do ultramar:

(...) "Apesar de ainda ser controversa, a presença de bombas incendiárias nos territórios portugueses em África é relativamente conhecida, não tendo, porém, sido divulgados, ao que sabemos, elementos comprovativos da sua utilização em combate por parte das Forças Armadas Portuguesas. (...)

 Mário Canongia Lopes («A história do F-84 na Força Aérea Portuguesa». In Mais Alto. Revista da Força Aérea. Suplemento. Ano XXVI. N.º 258. Março-Abril de 1989, p. 12), citado pelos autores,  "afirma ter sido o napalm 'utilizado contra objectivos militares bem definidos, tais como posições de artilharia antiaérea (AAA) ou veículos', acrescentando que o napalm era carregado 'em depósitos de origem americana de 750lbs. [340 kgs] ou portuguesa de 660 lbs. [300 kgs] sendo o pó [combustível] fornecido por Israel' ".

" (...) Por outro lado, é reconhecido o uso de bombas de 50 quilos e de 60 litros de napalm em certas operações de destruição de meios antiaéreos do PAIGC (por exemplo, nas operações com o nome de código «Resgate» e «Estoque»)" (Fonte citada pelos autores: Luís Alves Fraga, "A Força Aérea na Guerra em África – Angola, Guiné e Moçambique (1961-1974)". Lisboa: Prefácio, 2004, pp. 109-111).

Não restam dúvidas, que os documentos publicados por António Araújo e António Duarte Silva.   "permitem afirmar, com um elevado grau de fiabilidade, que, pelo menos até meados de 1973, as Forças  Armadas Portuguesas utilizaram napalm e outras bombas incendiárias nos três teatros de operações em África." (...)

Veremos, em próximo poste, com mais detalhe os outros documentos (nº 1, 3 e 4). Mas, para já,  adiantaremos, citando  os autores, que "a Guiné era o território onde mais se recorria a este tipo de armamento", sendo "o consumo médio mensal" o seguinte;

  • 42 bombas incendiárias de 300 quilos;
  • 72 bombas incendiárias de 80 quilos; 
  • 273 granadas incendiárias M/64
Convertido em litros de napalm, teríamos um consumo médio mensal de 22 mil litros de napalm. Total anual médio (estimado): 264 mil...  (****)

A utilização de napalm no TO da Guiné, por parte de Portugal, foi repetidas vezes denunciada por Amílcar Cabral nas instâncias internacionais, e nomeadamente na ONU (Comissão de Descolonização, Comissão de Direitos do Homem, Assembleia Geral, Conselho de Segurança),  tendo-se tornado um cavalo de batalha na frente diplomática e uma dor de cabeça para o governo português.   

Os autores estranham que "Costa Gomes haja afirmado nada saber quanto ao uso de napalm na Guiné".

 Já quanto a António de Spínola, escrevem que, "apesar de nunca se ter pronunciado expressamente sobre o tema (...)  havia reconhecido, numa entrevista concedida a Peter Hannes Lehman, da revista alemã Stern, que as armas químicas eram usadas 'para limpar o mato de ambos os lados das estradas, para evitar emboscadas' " (o que nos parece uma "blague").

IV. Comentário de António Martins de Matos, âs 11.15 de hoje:

.(...) Na Guiné, em 1974 não existiam 1960 bombas napalm, quanto muito os seus invólucros, vazios. Ainda menos os fantásticos meio milhão de litros, capazes de incendiar a Terra.

 O napalm era fabricado apenas e só na quantidade necessária para as saídas programadas.

Isto para dizer que:

  • Em 1974, havia na Guiné zero bombas napalm, apenas invólucros;
  • Napalm larga-se junto à copa das árvores;
  • Em 1974, e por via do Strela, deixou de ser utilizado;
  • Napalm em stock, só no ChatGPT;
  •  O ChatGPT é uma merda;
  • O Brig Fabião sabia de napalm tanto ou menos que eu sei de submarinos;
  • O Blogue costumava ser mais cuidadoso com o que vai divulgando;
  • Não gostei de ver a minha foto num poste tão aldrabado.(...)
 
domingo, 7 de setembro de 2025 às 11:15:00 WEST 

3. Comentário do editor LG

Obrigado, António.

Tens toda razão, devia ter-te consultado previamente, a ti e ao Miguel Pessoa. Vou tentar,  se possível,  reparar os estragos. E ter mais cuidado no futuro...Retiro a tua foto, mas os gráficos são oportunos e elucidativos...O documento do QG/CIFAG reproduzido existe (foi publicado num artigo académico, que eu cito).  Os autores deveriam também ter mais cuidado no que escreveram, levando o leitor, leigo como eu,  a confundir "bombas" com "invólucros"... 

Acredito que o Carlos Fabião soubesse pouco ou nada de napalm... Eu ainda menos sei, que não andei na Academia Militar.  Eliminei a segunda parte do poste, baseada em pesquisas do assistente de IA... 

Apresento as minhas desculpas à malta da FAP, e aos nossos leitores.  Aceita tu, também, as minhas desculpas. E os protestos da minha amizade e camaradagem. Luís

Observações - Posso concluir, depois das explicações dadas pelo ten gen ref António Martins de Matos, que, a Guiné, durante a guerra colonial, o napalm não vinha em “bombas” prontas a largar, como  muitos "leigos" (como eu) imaginam.

O que havia eram invólucros ou depósitos (bombas de queda livre, por exemplo de 350 ou 100 litros) que podiam ser carregados com diferentes recheios. 

O napalm era preparado localmente, “na hora”, a partir de gasolina misturada com espessantes (por vezes alumínio em pó ou sabões metálicos) que lhe davam a consistência gelatinosa e adesiva.

Assim, o “stock" mantido era sobretudo de gasolina e aditivos, não de bombas já cheias de napalm. O enchimento dos invólucros era feito na BA 12, Bissalanca, conforme a necessidade das operações. Daí a confusão que por vezes se gera entre o conceito de bomba (o invólucro, reutilizável em termos logísticos) e o de carga incendiária (o napalm, preparado "ad hoc")

Obrigado, António, pela lição. Espero não ter dececionado o professor, com este resumo.


(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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(i) é a revista do Instituto Português de Relações Internacionais, da Universidade NOVA de Lisboa (IPRI-NOVA), 

(ii)  é publicada desde março de 2004;:

(iii) é uma publicação académica trimestral, de reflexão e debate sobre questões internacionais;

(iv) tem como objetivos abordar as grandes questões da atualidade internacional numa perspetiva pluralista e multidisciplinar, e fomentar o debate teórico na área das Relações Internacionais;

(v) áreas primordiais de publicação: política internacional, história, estratégia, segurança e defesa, política comparada, economia, direito internacional.