Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta Lourinhã. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Lourinhã. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27000: S(C)em Comentários (74): o telegrama fatal: (...) Sua Excia Ministro Exército tem pesar comunicar falecimento seu filho (...) ocorrido dia (...) Guiné por motivo combate defesa da Pátria Sua Excelência apresenta mais sentidas condolências" (...)


João Carlos Vieira Martinho, natural de Sobreiro Curvo, A-dos-CVunhados, Torres Vedras, ex-fur mil cav,  EREC 8740/3, Bula, morto em combate em 25/5/1973.


Fotos (e legendas): © Eduardo Jorge Ferreira  (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Exemplo, acima,  de um telegrama enviado à família de um militar,  morto em 25/5/1973, no CTIG, o fur mil cav João Carlos Vieira Martinho, natural de A-dos-Cunhados, Torres Vedras, com data de 26 de maio de 1973, às 12h32, assinado pelo Comandante do Depósito Geral de Adidos, Ajuda, Lisboa. 

"Nº 602787. Sua Excia Ministro Exército tem pesar comunicar falecimento seu filho furriel miliciano João Carlos Oliveira 
[lapso, Vieira ] Martinho ocorrido dia 25 corrente Guiné por motivo combate defesa da Pátria Sua Excelência apresenta mais sentidas condolências

"Comandante Depósito Geral de Adidos,
Lisboa".

Era o fatal telegrama (*)... Todos temíamos que um dia pudesse chegar também a nossa casa um de igual teor.... Como chegou à casa do José António Canoa Nogueira, do José Henriques Mateus, do João   Carlos Vieira Martinho e de tantos outros nossos camaradas mortos durante a guerra colonial.



Arsénio Marques Bonifácio da Silva (1951 - 1972), sold at inf, CCS/BCAÇ 12 (Angola, 1972).
Morreu ao fim de 3 meses, vítima de uma mina A/P, em 4/9/1972


2. O outro telegrama que a família do morto (neste caso o lourinhanense Arsénio Marques Bonifácio da Silva)  recebia, a seguir,  era do mesmo teor, frio, seco, impessoal, burocrático, desumano (**):

"Nº 604830.  Renovando condolências solicito V Exa informar-nos via telegrama máxima urgência se deseja transladação militar falecido por conta Estado caso afirmativo caberá V Exa adquirir local para depósito corpo indicando cemitério destino segue ofício elucidativo. Comando Depósito Gerak Adidos Lisboa"



Fotos (e legendas): © Jaime Bonifácio Marques da Silva  (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


3. O Jaime Bonifácio Marques da Silva já aqui reconstituiu os trâmites burocráticos da morte, incluindo a comunicação da morte (ou do desaparecimento)  de um militar,  durante a sua Comissão no Ultramar (*):

O comandante da unidade ou subunidade a que pertencia o militar em questão, comnunicava  via rádio as circunstâncias da ocorrência ao superior hierárquico; por sua vez, encaminhava o "assunto" para o departamento responsável, o Depósito Geral de Adidos (DGA), na Ajuda, em Lisboa:

A partir desse momento todas as formalidades eram da competência do DGA, a quem incumbia:

(i) informar todos os departamentos governamentais e das Forças Armadas com responsabilidades na condução da guerra;

(ii) enviar um "telegrama à família", via CTT, a dar a notícia ("nunca as Forças Armadas de Portugal enfrentaram diretamente as famílias para lhes darem essa notícia, escudaram-se nos carteiros, mas isso é outra história!");

(iii) realizar o funeral na respetiva Província onde ocorreu o acidente (por vezes, sobretudo nos primeiros anos da guerra, os militares eram sepultados nos cemitérios locais);

(iv)  mandar transladar o caixão chumbado com o corpo do militar para Portugal e realizar o funeral no cemitério da sua freguesia (até 1968 as famílias dos militares tinham que pagar ao Estado as despesas da transladação);

(v) tratar de enviar à família a mala com o seu espólio (quase sempre, era o melhor amigo que realizava esta "operação"); e,

(vi) tratar da documentação a enviar à família para que esta pudesse receber a "pensão de de preço de sangue", quando tinha direito (nem todas as famílias, apesar da morte dos filhos no Ultramar, tiveram direito a essa "pensão").

Em relação ao telegrama enviado aos pais do Arsénio Marques Bonifácio Marques da Silva, seu primo duplo (os pais de um e outro eram irmãos), a irmã mais nova do Jaime, então com 18 anos em 1972, a Esmeralda, disse-nos que foi ela quem recebeu o telegrama diretamente da mão do carteiro, na via pública, à porta do estabelecimento dos tios, no lugar do Seixal, Lourinhã.  O carteiro nem sequer entrou no estabelecimento, evitando desse modo o "odioso" de ser o mensageiro da desgraçada, numa terra em que toda a gente se conhecia.
________________


(**) Último poste da série > 8 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26994: S(C)em Comentários (73): Filhos do vento, náufragos do império: e tudo o vento levou... (Domingos Robalo / Luís Graça)

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26998: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (2): José Henriques Mateus (1944-1966), sold at inf, CCAV 1484 (Catió, 1964/1966) - II (e última) Parte: testemunhos de camaradas


 Lourinhã > Areia Branca > 11 de maio de 2014 > A terra homenageou o seu herói, o  José Henriques Mateus (1944-1966).  Painel de azulejos, pintado à mão, e que faz parte do monumento, inaugurado no centro da povoação. Na parte superior do painel, ao centro está desenhado e pintado o guião da CCAV 1484, a que pertencia o Mateus.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


José Henriques Mateus (1944-1966), sold at inf, CCAV 1484 (Catió, 1964/66)



Guiné > Região de Tombali (?) > Catió (?) > s/l> s/d> CCAV 1484 (1483,  Nhacra e Catió, 1964/66)> O José Henriques Mateus. Foto gentilmente cedido pelo irmão mais novo, Abel Mateus, ao Jaime Bonifácio Marques da Silva.  O Zé Henriques era o "sustento da família" , o mais velho, o braço direito da mãe, viúva.

Foto (e legenda): © Jaime Silva (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Continuamos a reproduzir, com a devida vénia,  alguns excertos  do livro recente  do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 173/178. 


II (e última) parte  relativa às circunstâncias em que morreu, no CTIG, o lourinhanense José Henriques Mateus, o segundo em termos cronológicos, depois do José António Canoa Nogueira (*)

(...) Certidão de óbito

No seu livro, o Jaime Silva transcreveu integralmente o teor da certidão de óbito nº 594/967,  passada em janeiro de 1967,  pela Conservatória do Registo Civil da Comarca de Bissau, onde consta “morte em combate”, apesar do corpo do militar nunca ter aparecido, o que se justifica pelo facto de ser necessário para a família poder receber a pensão de preço de sangue.

Neste postes, limitamo-nos a reproduzir um excerto da parte final dessa certidão:

(...) "A declaração de óbito foi feita de conformidade com o ofício número sessenta e quatro/ sessenta e sete, processo número sete/sessenta e sete do Tribunal Judicial da Comarca da Guiné que acompanhou a certidão de sentença proferida pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz, em Bissau, digo em vinte e três de janeiro de mil novecentos e sessenta e sete. 

"Depois deste registo ser lido e conferido com o seu extrato vai ser assinado por mim, Carlos Dinis de Figueiredo Júnior, conservador do Registo Civil. Conservatória do Registo Civil da Comarca da Guiné em Bissau, aos trinta dias do mês de janeiro de mil novecentos e sessenta e sete. "(...)



5. NOTAS À MARGEM DO PROCESSO: testemunhos

Testemunhos de camaradas que conviveram com José Henriques Mateus:

1º Testemunho: 

Transcrevo o que Benito Neves (2007) [1] relatou sobre o acidente ao Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. O texto foi extraído da história da Companhia, da qual foi encarregue de escrever. Realça:


“Relatório da Operação Pirilampo - 10 de setembro de 1966:

 “Esta operação foi realizada pelas CCAV 1484, reforçada com 1 Gr Comb Pel  Mil 13 e CCAÇ 763, com a finalidade de bater a mata de Cabolol de modo a detetar e a destruir o acampamento IN localizado em (1510.1120.A2).

 Foi efetuada uma minuciosa batida à mata de Cabolol no sentido E-W. Pelas 14h30, não obstante as dificuldades que surgiram pela densidade da vegetação, foi detetado o acampamento IN em (1510.1120A3.15), composto por 16 casas, que foi destruído com fraca resistência do IN.

 Foram capturados documentos diversos e munições para espingarda Mauser. O IN, que deveria ter detetado as NT, havia evacuado grande parte do seu material para fora do acampamento.

Em continuação da ação, as NT seguiram em direção a Cabolol Balanta. Quando queimavam o seu primeiro núcleo de casas mais a sul, o IN, instalado na orla da mata, reagiu em força com fogo de morteiro, lança granadas-foguetes, metralhadora pesada, pistolas metralhadora e espingardas, causando 6 feridos ligeiros às NT. Após reação destas, o IN furtou-se ao contacto, sendo ainda queimados mais 3 núcleos de casas.

Pelas 17h00 as NT iniciaram o regresso, tendo sido flageladas com fogo de morteiro.

Quando as NT atravessavam o rio Tompar [afluente do Rio Cumbijã, a sudoeste de Bedanda], afogou-se o soldado nº 711/65, José Henriques Mateus, da CCAV 1484, não tendo sido possível recuperar o seu corpo, apesar de todas as buscas efetuadas. 

Pelas 22h30 as NT chegaram ao aquartelamento de Cufar, depois de uma marcha fatigante em terreno pantanoso. O que acima se transcreve é o que consta do relatório da operação, extraído da história da Companhia, de que fui encarregue de escrever.”

2º Testemunho: 

O José Francisco Couto, soldado nº 699/65 – SPM 3008, natural da freguesia da Roliça (Baracais), concelho do Bombarral, foi camarada de pelotão do Mateus e seu amigo. Participou com ele na Op Pirilampo, assistindo ao desaparecimento do Mateus quando ambos atravessavam o rio Tompar.

Durante a consulta ao espólio do Mateus, juntamente com o seu irmão, encontrei entre a sua correspondência dois aerogramas enviados à mãe do Mateus pelo soldado Couto. Neles, ele lamentava as circunstâncias da morte do filho e afirmava que a iria visitar logo que regressasse da Guiné, uma vez que eram naturais de concelhos vizinhos.

Transcrevo, ainda, parte do segundo aerograma, endereçado à mãe do Mateus, em 08.11.1966, a parte do texto em que lamenta a tragédia que roubou a vida ao amigo, como repete as circunstâncias do acidente:

 “Prezada Senhora: É com os olhos rasos de lágrimas que novamente me encontro a escrever-lhe sendo ao mesmo tempo a desejar-lhe uma feliz saúde a si e aos seus filhos que eu cá vou indo na graça de Deus. 

Sei senhora Rosa que ao receber esta minha notícia mais se recorda da tragédia que lhe roubou o seu querido filho, pois é com mágoas no coração que lhe respondo a tudo quanto me pergunta e peço a Deus que não a vá magoar mais com tudo o que lhe possa dizer. Pois compreendo que além da minha dor ser enorme a sua não tem palavras, pois o destino foi traiçoeiro. 

Sim (…), a Senhora pede-me que lhe explique como tudo se passou. Pois sou a dizer-lhe tudo o que sei. Foi uma das saídas que nós tivemos, durante o dia tudo se passou da melhor maneira na graça de Deus e nós nos sentíamos satisfeitos, mas no regresso tivemos que atravessar um rio e a corrente era enorme, como enorme era o peso que trazíamos, e que ele ao passar a corda se partiu e foi quando ele foi parar ao fundo sem mais ninguém o ver. Pois quatro camaradas nossos, mal pressentiram o que se estava a passar, atiram-se à água e mergulharam ao fundo para ver se o encontravam correndo o rio de cima para baixo e vice versa mas o resultado foi o que Senhora já sabe. 

(…) Esta é apenas a verdade que podem contar à Senhora e aos seus filhos. Sim, também me diz que apareceu alguma coisa dele e é certo, mas não o que a Senhora me diz. Apareceu sim o que lhe vou contar. Passados alguns dias nós voltámos a passar por lá, e foi nessa altura que um dos alferes encontrou uma parte da camisa e a carteira no bolso, pois a parte da camisa era só da frente e tinha o bolso onde estava a carteira, que o alferes tem para lhe enviar tudo junto que resta do seu querido filho. E a Senhora não precisa de tratar nada pois a companhia já tratou de tudo, pois também tratou dos papéis para a Senhora ficar a receber algum dinheiro que bastante falta lhe fará e assim, minha Senhora, não quero alongar mais as minhas notícias pois elas só lhe levam mágoas. 

Sem mais me despeço com muitas saudades para os seus filhos um aperto de mão para todos para a Senhora também deste que chora também a sua dor. José Francisco Couto."

Consegui o contacto com o José Francisco Couto, convidei-o para participar na cerimónia que a AVECO (Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhã) e a população da sua terra natal – lugar da Areia Branca – lhe prestou em 11 de maio de 2014. Após o serviço militar, o José Couto emigrou para o Canadá, onde vive atualmente e na troca de correspondência que efetuou comigo, em 3 de fevereiro de 2014, escreveu:

“Eu, José Francisco Couto estou-lhe respondendo à sua carta que recebi aqui há dias. Fiquei bastante surpreendido que ao fim de tantos anos verifiquei que afinal o José Henriques nunca foi esquecido (…).

"Eu gostava imenso de estar aí presente nesse dia para prestar a minha homenagem e ditar tudo o que se passou, mas como estou longe e por agora, não posso fazer planos, mas vou-lhes contar aquilo que se passou.

“O Batalhão ia fazer uma emboscada na qual o José Henriques estava incluído. Éramos bastante amigos. O alferes ia com uma corda atada à cintura para atar a uma árvore para nós podermos passar um a um. A corda atravessa o rio de um lado a outro. Ele agarrou-se à corda a seguir ao alferes. Quando o alferes já tinha passado para o outro lado, ele agarrou-se e a seguir ia eu e eu ouvi ele gritar e não o vi. Eu recuei para trás. Começaram as emboscadas por terra e por rio e nunca ninguém o viu mais. 

"Ao fim de quinze dias passámos ao rio e vimos a camisa dele pendurado numa árvore toda rota. Ele, umas semanas antes, tinha-me desafiado para nós fugirmos para os turras. Por isso, nunca pensei que ele tivesse morrido no rio e que ele se tivesse passado para algum lado porque ele sabia muito bem nadar. E pronto, é tudo o que sei para contar. De resto não sei mais nada. Não sei se foi comido por algum bicho do rio ou o que se passou mais. Quando cheguei a Portugal fui mandar dizer uma missa por ele. (…)”

3º Testemunho que me foi prestado pelo ex- fur mil  Estêvão Alexandre Henriques em 23.04.2014. 

O Estevão é natural de Fonte Lima, Stª Bárbara, e vive no Seixal. Com a especialidade de Radiomontador, embarcou para a Guiné, a 18 de agosto de 1965, a bordo do navio Niassa, chegando a Bissau a 24. Fez parte da Companhia  nº 1423, CCS que pertenceu ao BCAÇ 1858. 

Quando o Mateus chegou à Guiné o Furriel Estevão conseguiu o seu destacamento para a Messe de Sargentos, através do cozinheiro Santos, seu amigo e natural das Matas (Lourinhã). 

Na altura do acidente o Estevão não estava em Catió. Soube do acidente três dias depois, quando regressou de Empada onde tinha ido fazer reparações nos rádios. Pensa que se estivesse em Catió na altura da operação, seguramente o Mateus não teria sido nomeado para a mesma, uma vez que, no seu entender, ele já não era operacional. 

O que soube em pormenor do acidente foi-lhe contado pelo cozinheiro António José dos Santos, entretanto falecido. O furriel Henriques afirma que as Nossas Tropas só voltaram ao local do acidente uma semana depois, altura em que encontraram, então, a camisa ou um pedaço (farrapo) da camisa pendurada (presa) numa árvore. Não sabe quem a encontrou e nunca viu a camisa. No bolso da camisa estava uma carteira em forma de ferradura contendo uma medalha da Nossa Senhora, uma moeda portuguesa furada e um amuleto de cabedal. Foi o Estevão que entregou a carteira à mãe do Mateus. 

No final da Comissão o comandante do Batalhão 1858, cujo nome não se lembra, chamou-o e pediu-lhe expressamente que entregasse a carteira à mãe e lhe apresentasse as suas condolências e do pessoal do Batalhão pela morte do filho. O comandante nunca lhe falou das circunstâncias do desaparecimento do Mateus.

Diz, ainda, que foi sempre tudo um segredo bem guardado e nunca conseguiu que algum dos camaradas que participaram na operação lhe dissesse o que quer que fosse sobre o acidente. Afirma, ainda, que o Mateus nunca lhe falou em fugir.

O furriel Estevão regressou da Guiné em 9 de maio de 1967 e só em junho teve a coragem de entregar a carteira à mãe do Mateus. Lembra-se que nesse momento estava presente a irmã do Mateus.

Hipótese colocadas por seus camaradas acerca do seu desaparecimento:

Alguns camaradas do Mateus colocaram a hipótese de ele ter desertado ou ter sido preso pelo PAIGC, vindo a ser libertado na Operação Mar Verde. Entre eles, encontra-se José Francisco Couto, como referi anteriormente.

Essa hipótese não se confirmou, de acordo com o testemunho de alguns dos seus camaradas:

i) Benito Neves (CCAV 1484, Nhacra e Catió 1965/67) escreve:

 “Relativamente a reservas que ainda hoje tenho sobre esta morte, na medida em que se levantou a hipótese de ter sido capturado e libertado mais tarde no decurso da operação Mar Verde [Conacri, 22 de novembro de 1970]. Porém, oficialmente, conforme documento anexo, foi considerado “morto em combate”. (Luís Graça & Camaradas da Guiné, Post1676).

ii) Benito Neves e Hugo Moura Ferreira juntam cópia do Ofício do Arquivo Geral do Exército, nº 112/STAG, Proc. 6.2, de 23 de maio de 2007, em resposta a um requerimento do nosso camarada Hugo Moura Ferreira, de 16 de abril de 2007, pedindo informações do Soldado José Henriques Mateus. Cópia facultada pelo Benito Neves. Em traços largos, o teor do ofício é o seguinte: 

1. O José Henriques Mateus foi dado como morto em combate, “conforme a História da sua unidade (CCAV 1484)"

2. Segundo o Arquivo Histórico Militar, há uma relação de militares falecidos e desaparecidos, do CTIG/QG/1ª Repartição, datada de 21 de maio de 1974, donde consta o nome do José Henriques Mateus,  “dado como desaparecido em combate na região de Catió, em 10 de setembro de 1966 e que mais tarde foi considerado morto, juntamente com outros militares, nos termos do n.º 3 do art 1º do Decreto 350/71, e 12 de agosto de 1971”.

3. Não faz parte dos militares resgatados através da Operação Mar Verde [em que foram libertados 26 prisioneiros portugueses, em Conacri];

4.Também não consta da base de dados referente à lei dos ex-combatentes (Lei nº 9/2002).

(Vd. poste de 9 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2821: Aqueles que nem no caixão regressaram: o caso do José Henriques Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves / Hugo Moura Ferreira).

(Revisão/ fixação de texto: LG)
 ________________

Nota do autor, JBMS:

[1] In: Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, quinta-feira, 19 de abril de 2007. Guiné 63/74 - P1676: Vivo ou morto, procura-se o Soldado Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves). https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/04/guin-6374-p1676-vivo-
-ou-morto-procura.htm
________________

Nota do editor LG:


Vde. postes anteriores:

30 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26968: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942- 1965) (sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619, Catió, 1964/ 1966) - Parte II: o Manuel Luís Lomba estava lá, em Cufar, em 23 de janeiro de 1965

terça-feira, 8 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26993: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (2): José Henriques Mateus (1944-1966), sold at inf, CCAV 1484 (Catió, 1964/1966) - Parte I: nota biográfica


JOSÉ HENRIQUES MATEUS (Lourinhã, 
17.10.1944 - Guiné, 10.09.1966)


TO do falecimento - Guiné

Posto: Soldado atirador infantaria nº E – 69516/65

Subunidade: CCAV 1484 (

Naturalidade - Areia Branca, Lourinhã

Local da sepultura - Corpo, desaparecido no rio Tompar (afluernte do rio Cumbijã), , no decurso da Op Pirilampo, e  não encontrado


I. Continuamos a reproduzir, com a devida vénia,  alguns excertos  do livro recente  do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 169/173.


1. REGISTO DE NASCIMENTO

José Henriques Mateus nasceu a 17 de outubro de 1944, às 11.30 horas, no lugar de Areia Branca. 

Filho legítimo de Joaquim Mateus Júnior, de 42 anos, casado, com a profissão de jornaleiro e natural da freguesia e concelho de Lourinhã, e de Maria Rosa Mateus, de 20 anos, doméstica, casada, natural da freguesia de Atouguia da Baleia, concelho de Peniche, e domiciliados no lugar de Areia Branca. (...)

A declaração do registo de nascimento foi feita pela mãe, teve como testemunhas José Borges, operário reformado do Arsenal da Marinha, morador na vila de Lourinhã, e Manuel da Cruz, casado, proprietário e morador no lugar da Marqueiteira, foi assinado pelas testemunhas e não assinado pela declarante por não saber escrever e lavrado pelo Ajudante da Conservatória, Francisco Rocha, em substituição do Conservador por se encontrar legalmente de licença. Registo nº 503, de 14 novembro 1944, da Conservatória do Registo Civil da Lourinhã.

2. REGISTO MILITAR

Recenseamento: José Henriques Mateus foi recenseado no ano de 1964. Alistado a 3 de junho de 1964. Era solteiro, com a profissão de trabalhador agrícola,  e analfabeto

Inspeção militar: foi inspecionado a 16 de março de 1965 na DRM 5. Tinha 1.67 de altura, 65 kg de peso, cabelos lisos de cor castanho escuro e olhos de cor cinzento esverdeado. Em resultado da inspeção foi “apurado para todo o serviço Militar” e atribuíram-lhe o número mecanográfico E – 6951665.

Colocação durante o serviço: a 4 de maio de 1965 é incorporado como recrutado no RI 7, em Leiria. Fica adstrito à 1ª CI com o nº 1820/65. De 21 a 26 tomou parte nos exercícios de campo (OS 146). Faz o Juramento de Bandeira a 1 de julho. Termina a instrução básica a 03.07.65, sendo transferido para o RC 7 a 4 de julho, destinado à especialidade de atirador de infantaria, sendo aumentado ao efetivo da CCAV 1484 com o nº 711/65. Pronto da Escola de Recrutas a 22 de agosto de 1965 na especialidade de Atirador.

2.1. Comissão de serviço no ultramar, Guiné

Mobilizado: em outubro de 1965 nos termos da alínea c) do artº 3 do Decreto 42937, de 22/04/60, para servir CTI da Guiné, fazendo parte da CCAV 1484.

Embarque: no dia 20 de outubro, a bordo do navio Niassa, em Lisboa. Desembarque: a 27 de outubro em Bissau, desde quando conta 100% de aumento no tempo de serviço.

Data do falecimento: 10.07.1966

Causa da morte: desaparecido ao atravessar o rio Tompar

Local do acidente: Catió

Abatido ao efetivo: de acordo com a Ordem de Serviço (OS), e 21 de setembro de 1966, assinada pelo comandante de companhia,  capitão Virgílio Fernando Pinto, no quartel em Catió, na secção “Orgânica – Alterações para os mapas permanentes, alínea c) – Praças: Abates, consta: “Que seja abatido ao efetivo da CCAV 1884 do BCAÇ 1858, data em que desapareceu ao atravessar o Rio Tompar, o soldado José Henriques Mateus”.

Despacho Superior: por despacho de 24.10.67 foi confirmado como ocorrido em 10.09.66 e por motivo de serviço o acidente referido do qual lhe resultou a morte (OS 265).

Tempo de serviço: 1965, 241 dias e 1966. 252 dias.

2.2. Registo disciplinar: condecorações e louvores

Medalha: de segunda classe de comportamento (Artº 188.º do RDM) é-lhe atribuída em 4 de maio 1965.


3. PROCESSO DE AVERIGUAÇÕES AO ACIDENTE: ANOTAÇÕES E CONTEXTO

Em consequência do acidente, o Ministério do Exército, através do Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), determina que se organize um processo de averiguações. 

O CTIG informa, ainda, que, na sequência do acidente, “foi enviado telegrama à família do desaparecido comunicando a ocorrência” de acordo com ofício nº 1893, de 14 de setembro de 1966, emitido pelo Comandante do Depósito Geral de Adidos em Lisboa, coronel de infantaria Amândio Ferreira. 

Este informa, também, as várias instâncias superiores do “Desaparecimento de praça no Ultramar”: 

  • Chefe da 1ª Secção da Rep do Gabinete do Ministro do Exército,
  •  Chefe da Rep Geral DSP/ME, 
  • Chefe do Serv Inf Pública das Forças Armadas do Dep da Defesa Nacional, 
  • Chefe do Estado Maior do GG/GML, 
  • Chefe da Rep de Sargentos e Praças DSP/ME,
  •  Chefe da Agência Militar 
  • e Comandante do RC 7.

A 22 de setembro de 1966 dá-se início ao Processo de averiguações em cumprimento do despacho 13919 / processo nº 131, ponto três, exarado pelo QG/CTIG. Para o efeito, o Comandante da CCAV1484 nomeia o alferes miliciano José Rosa de Oliveira Calvário, do Serviço de Material, para elaborar o respetivo processo.

1. O Alferes Calvário, para apurar as circunstâncias em que terá desaparecido o soldado nº 711/66, José Henriques Mateus, ouviu, primeiro, o comandante interino da CCAV 1418, cap inf Virgílio Fernando Pinto, que declarou: 

"Que, a ocorrência tinha sido participada no relatório da operação 'Pirilampo' e no qual se encontram como testemunhas o alf mil cav de Fernando Pereira Silva Miguel, o 1º cabo, radiotelegrafista, nº 1055/65, Osvaldo Freitas de Sousa, e o alf mil cav Cav José Martinho Soares Franco Avillez."

A primeira testemunha, o alf mil cav Fernando Pereira Silva Miguel, CCAV 1484, solteiro, de vinte e quatro de idade e natural de Lisboa declarou:

“Que, após terem sido atingidos os objetivos da operação 'Pirilampo', e se terem evacuado os feridos e se ter dado início à retirada das nossas tropas levantou-se uma tempestade, que fez com que diminuíssem as condições normais de visibilidade, já por si escassas, por ser ao anoitecer. 

Que, quando o acidente se deu eram cerca das dezassete horas e quarenta e cinco minutos, quando da travessia do segundo e último rio, que as nossas tropas tinham de atravessar no regresso, e que naquele dia e àquela hora não dava passagem a vau por se encontrar a maré cheia. 

Mais disse que o soldado José Henriques Mateus se encontrava a atravessar o rio, agarrado a uma corda, quando esta se partiu. Em consequência disto, o sinistrado desapareceu imediatamente não dando mais sinal de si. Mais disse que ouviu o primeiro cabo Osvaldo gritar - «está um homem debaixo de água».

Mais declarou que ele próprio se atirou ao rio o que foi imediatamente secundado por outros camaradas seus, levando em buscas durante cerca de quarenta minutos, mergulhando e tentando tatear e detetar o corpo do sinistrado. 

Mais disse que em virtude da impossibilidade de o encontrar, devido à má visibilidade e forte corrente das águas, e depois de se empregarem todos os esforços, inspecionando a zona várias vezes, regressaram a quartéis. E mais não disse.”

A segunda testemunha, o 1º cabo radiotelegrafista, nº 1055/65, Osvaldo Freitas de Sousa, CCAV 1484 de vinte e um anos, solteiro e natural da Freguesia e Concelho de Fafe, disse: 

“Que se encontrava, quando do acidente, na extremidade da corda que atravessava o rio para apoio da sua passagem, a ajudar seus camaradas a saltarem para a margem. E que, quando o sinistrado se encontrava a meio da travessia, agarrado à corda, esta rebentou. Ao ver que o seu camarada se afundava, jogou-se à água para tentar agarrá-lo. Mais disse que conseguiu chegar junto do mesmo, e que o agarrou ainda por um ombro, embora ele se encontrasse submerso. Mais disse, que começou a gritar pelo que foi ouvido pelos seus camaradas, os quais se lançaram à água tentando auxiliá-lo. Que um deles (talvez uma milícia – não o reconheceu devido à pouca visibilidade) o segurou quando ele já se encontrava também prestes a ser arrastado para o fundo, devido ao peso do corpo do sinistrado. E que em virtude de se encontrar agarrado não conseguiu mais sustentá-lo por mais tempo.

"Mais disse que depois em companhia de outros seus camaradas, tentou detetar o corpo que nunca mais fora visto. Que levaram cerca de trinta minutos em busca, mergulhando e inspecionando a zona, pelo que eram impossibilitados pela escuridão, pela forte corrente das águas e também por estas se encontrarem turvas. E mais disse que após todo este tempo de buscas regressaram a quartéis. E mais não disse.”


A terceira testemunha, o alf mil cav José Martinho Soares Franco Avillez, CCAV 1484 de vinte e dois anos de idade, solteiro, natural da Freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa, declarou que:

 “após ter sido dado o alarme sobre o desaparecimento do sinistrado, correu até junto da margem e lançou-se à água, para participar nas buscas do corpo do companheiro. Mais declarou que houve impossibilidade da sua parte e de outros seus camaradas, nas buscas feitas na zona onde desapareceu o sinistrado em virtude da escuridão que se encontrava, da forte corrente das águas do rio e além disso por estas se encontrarem bastante turvas. Mais declarou que levou cerca de quarenta e cinco minutos dentro de água, com outros seus camaradas, tenteando detetar o corpo do desaparecido, esforço, aliás infrutífero. E dado que a coluna estava a ser flagelada na cauda e que havia possibilidade de sofrer emboscadas no regresso e dado também à adiantada hora, foi dada ordem para regressarem a quartéis. E mais não disse.”


Relatório final e Conclusões: Após ter ouvido as testemunhas, o alferes Calvário elabora o relatório final, tirando as seguintes conclusões:

RELATÓRIO:

"1) Que no retorno de uma operação a CAV 1484 teve de transpor um rio bastante caudaloso;

2) Que para o transpor teve-se de utilizar como apoio à tropa que o atravessava, uma corda, cujas extremidades se encontravam presas em ambas as margens, do mesmo;

3) Que em dada altura a referida corda se partiu, precisamente no momento em que se encontrava a transpor o rio, o soldado n.º 711/65, José Henriques Mateus;

4) Que o mesmo soldado se afundou após a corda ter quebrado:

5) Que elementos da companhia, seus camaradas, o tentaram socorrê-lo, atirando-se à água e procurando socorrê-lo;

6) Que se fizeram buscas, durante cerca de quarenta minutos, na zona do desaparecimento, imediatamente, procurando detetar o corpo, sem qualquer resultado;

7) Que as águas do respetivo rio se encontravam bastante turvas e corriam a grande velocidade;

8) Que o incidente se deu ao anoitecer e debaixo de mau tempo."

Conclusões:

"a) Factos provados:

1) Que no acidente não houve culpabilidade do sinistrado, nem de outrem. 

2) Que o sinistrado desapareceu tragado pelas águas do rio, após se ter partido a corda de apoio, na travessia. 

3) Que em virtude das infrutíferas buscas que se fizeram durante 40 minutos, devido a uma série de fatores como: má visibilidade, forte corrente nas águas do rio, adiantado da hora (anoitecer) e as águas do rio bastante turvas, não se conseguiu recuperar o corpo. 

4) Que em virtude do depoimento das testemunhas, concluo a morte do soldado nº 711/65, José Henriques Mateus. 

b) Factos não comprovados: Nenhum”.

Termo de entrega: a 24 de setembro de 1966 o alf mil José Rosa de Oliveira Calvário dá por terminado o Processo de Averiguações e entrega o Relatório final e as Conclusões do mesmo na Secretaria da Unidade, quartel em Catió, para o devido destino”.

Informação superior do comandante: a 20 de outubro de 1996 o Processo de Averiguações segue para conhecimento e decisão superior, com a informação do comandante do Batalhão.

“Informação, 1. O soldado nº 711/65, José Henriques Mateus, da CCAV 1418, foi tragado pelas águas do rio que atravessava, desapareceu e nunca mais foi encontrado; 2. Face às circunstâncias apresentadas concordo com a opinião do Oficial Averiguante que conclui pela morte do referido soldado; 3. Sou do parecer que o acidente deve ser considerado como ocorrido em serviço.

Quartel em Catió, 20 de outubro de 1966”



Parecer do Comando Militar do CTI da Guiné, em Bissau: a 2 de novembro de 1966, o QG/CTIG, através de ofício assinado pelo Comandante Militar, brigadeiro António Reymão Nogueira, emite a seguinte informação: Informação nos termos do Dec. 3ª da OE nº 6-1.ª Série, de 30 junho 66. “Sou de parecer que deve ser considerado em serviço” o desastre de que teria resultado a morte ao sol. 711/65, José Henriques Mateus, da CCAV 1418 a que se refere o presente processo”.

Fonte: adapt. de Jaime Bonifácio Marques da Silva, op. cit.,  2025


(Revisáo / fixação de texto: LG)


(Continua)

______________

Nota do editor LG:

Postes anteriores  da série > 

26 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26957: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942-1965), sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/1966) - Parte I: nota biográfica


4 de julho de 2025 Guiné 61/74 - P26983: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942-1965), sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/1966) - Parte III: notícia do funeral no jornal da terra, "Alvorada" (de 23/5/1965)

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26983: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942-1965), sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/1966) - Parte III: notícia do funeral no jornal da terra, "Alvorada" (de 23/5/1965)




Recorte de imprensa: notícia, que o Luís Graça  elaborou (tinha então  18 anos...) sobre  o funeral do sold apont morteiro José António Canoa Nogueira, de resto seu primo em 3º grau. Foi o primeiro lourinhanense a morrer,, em combate, no TO da Guiné, em Cufar, na madrugada de 23 de janeiro de 1965 (e não em Ganjola, como foi publicado  há 60 anos).

Fonte: Alvorada. (Lourinhã). 23 de maio de 1965


Foto (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Continuamos a reproduzir, com a devida vénia,  alguns excertos  livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 165/167


(...) 4. Notas à margem do processo:   notícias e testemunhos


Transcrevo um testemunho acerca da morte do soldado José António Canoa Nogueira, do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (Poste P14858, de 10 de juho de 2015). O testemunho é de João Sacôto, ex-alf mil inf CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, ilha do Como e Cachil, 1964/66, que em correspondência com Luís Graça escreve:

(...) “Quanto ao teu primo José António Canoa Nogueira, natural de Lourinhã, soldado do pelotão de morteiros 942, CCAÇ 619, com sede em Catió, que tinha por alcunha o 'Bombarral' e que era muito amigo de um soldado do meu pelotão, o João Fernandes Almeida, de alcunha o 'Lourinhã', não morreu em Ganjola, mas sim, em combate, numa das operações para instalar as NT em Cufar,  da qual também fiz parte (CCAÇ 617) numa altura em que, estando a municiar um morteiro, saiu do abrigo para ir buscar granadas, foi atingido, na cabeça, por estilhaços de granada do IN. Ainda foi evacuado por helicóptero, mas infelizmente, não sobreviveu aos ferimentos”. (...)

Na verdade, este testemunho do alferes Sacôto coincide com o teor da participação do comandante de companhia (a CCAÇ 619) sobre o local e causas da morte do soldado Canoa.

Transcrevo, também, a notícia local no jornal "Alvorada" de 23/05/1965, da autoria de Luís Graça (...), aquando do funeral do soldado José António Canoa Nogueira, intitulado, “Os restos mortais de José António jazem finalmente na sua Terra Natal”:

(...) “Depois de transportados da Guiné para a metrópole a expensas dos seus companheiros de companhia que lhe votavam particular estima e amizade, os restos mortais do soldado José António Canoa Nogueira repousam finalmente no cemitério da sua Terra Natal.

O funeral, realizado no segundo domingo do corrente, constituiu uma homenagem pública à memória daquele de cuja presença e convívio a morte irremediavelmente nos separou, e um testemunho de apreço pelo sacrifício da sua vida. Nele se incorporaram, além da multidão anónima e inumerável, o senhor Presidente do Concelho, outras autoridades civis e militares e os bombeiros voluntários.

À chegada do autofúnebre militar, com a urna, os clarins dos Soldados da Paz tocaram a silêncio. E o préstito atravessou a Vila, sob uma impressionante atmosfera de recolhimento e dor.

Antes da urna ser depositada no jazigo, os Bombeiros tocaram em continência, num último adeus e derradeiro tributo de homenagem ao soldado e Jovem Lourinhanense”. (Poste P6509, de 1 de junho de 2010).

Luís Graça, no seu blogue, a propósito da notícia da morte deste soldado, escreve o seu testemunho acerca do ambiente de dor, de luto, emoção, medo e estupefação por si experienciados:

“(…) o funeral de Nogueira, 4 meses depois (em maio de 1965), foi uma impressionante manifestação de dor. Lembro-me da urna, selada, em chumbo. Dos soldados fardados e aprumados, vindos de Mafra, da Escola Prática de Infantaria. Da salva de tiros. Do luto carregado. Da emoção no ar. De uma família destroçada. De uma comunidade comovida. Dos boatos. “Se calhar o caixão vem cheio de pedras”. Da estupefação e do medo dos mancebos que estavam na lista para a tropa, como eu. Lembro-me sobretudo do silêncio do cemitério. Do calor, abrasador, do dia.” (...)

Também sobre a questão da solidariedade dos camaradas de companhia, que se cotisavam para enviar os restos mortais dos colegas para a metrópole, num tempo em que o Estado não assegurava a trasladação dos corpos, Luís Graça escreve:


(...) “Um facto desconhecido e insólito para mim, mas ao tempo revelador da grande solidariedade entre os camaradas de guerra, na época os restos mortais dos nossos soldados não eram embarcados para a Metrópole a expensas do Estado. No caso do Nogueira, foram os seus camaradas (do pelotão de morteiros e possivelmente também do batalhão) que se cotizaram para pagar, do seu bolso, o transporte via marítima da urna… (E, se calhar, a própria urna).


Creio que custava, o transporte por via marítima, qualquer coisa como 11 contos (equivalente hoje a mais de 5 mil  euros…) o que era muito dinheiro para a época. " (...)
 
 Luís Graça refere, ainda, a propósito da notícia e comentários acerca do funeral do Canoa e da publicação da sua carta endereçado ao diretor, escrita 13 dias antes de morrer (...), lembra que a Censura  escreveu ao Diretor do "Alvorada" interrogando-o acerca do motivo pelo qual o jornal não continuava a ir à censura:

“(…) não sei se foi depois disso (da notícia do funeral e dos meus comentários) que o diretor, padre António Escudeiro, recebeu um ofício do Ministério do Interior a perguntar porque é que o jornal já não ia à censura há mais de um ano. Duas linhas, secas, burocráticas, impessoais. Em baixo, ocupando mais de metade da folha, a assinatura, em letra garrafal, mas arrogante e intimidatória que eu jamais vi em toda a minha vida. (Se o fascismo alguma vez existiu na minha Terra, na nossa Terra, então essa assinatura do censor-mor, ou de alguém dos seus esbirros era fascismo, puro e duro)”. (...)

  

O jornal publicava também, a seguir à notícia, uma carta, datada de 10 de Janeiro, endereçada ao director, e que fazia parte do  espólio do malogrado José António  (o jornal não chegara a recebê-la, fora entregue ao Luís Graça pelo pai).(A carta voltará a ser transcrita no livro "Não esqueceremos"..., na pág, 119). 
 

2. Um domingo do mato | por José António Canoa Nogueira

Aqui, Ganjolá, Guiné, 10-1-1965

Mesmo no sul da Guiné, pequeno destacamento militar presta continência à Bandeira Verde-Rubra que sobre o mastro fica brilhando ao sol. E que linda que é a nossa bandeira; e é tão alegre, tão garrida, só olhá-la nos faz sentir alegria e também emoção; alegria de sermos portugueses e emoção por estarmos cá longe para a defender. Embora assim perdida no mato, a bandeira, brilhando, afirma que aqui também é Portugal.

Em volta, meia dúzia de barracas verdes, o nosso aquartelamento, a única nota de civilização nesta imensa planície. 

Muito ao longe, quase perdidas no mato e no capim, algumas palhotas indígenas; de resto, tudo é solidão. Somos soldados de Infantaria e por isso o nosso trabalho é fazer operações em qualquer parte do mato.

Aqui não há escolas e as igrejas não têm paredes; o teto é o céu. Em toda a parte se reza e tudo nos incita à oração. Deus está em toda a parte e ouve-nos.

Hoje é domingo, dia de descanso, não se trabalha, mas distracções também não há. Alguns vão à pesca ou à caça; outros, deitados debaixo das enormes árvores, dormem e pensam nas suas terras e famílias distantes, mas pertinho do coração. 

Como são diferentes aqui os divertimentos nos domingos.

Dois soldados vão todos os dias à caça; por isso, fome não há. Temos carne com abundância, mas falta tanta coisa!... 

Ei-los que chegam com tenros cabritos e gazelas e logo enorme fogueira crepita alegremente. Esfolam-se os animais e lava-se a carne; a água não falta, embora para se beber seja preciso enorme cuidado. Prepara-se um espeto para se assar a carne. Espalha-se então o cheiro da carne assada pelo pequeno acampamento. Está a refeição preparada; troncos de árvores, caixotes vazios, servem de mesa e de cadeiras.

Todos se servem. A refeição é pouco variada: apenas carne assada e pão. O vinho também é pouco, mas dividido irmãmente dá para todos; que bem que sabe uma pinguita com este almoço!...

Bebi-se mais mas não há, paciência… O improvisado cozinheiro faz enormes quantidades de café. Todos enchemos os copos de alumínio e bebemos alegremente. Acaba a refeição; por fim, alguns macacos, meio domesticados, que por aqui andam, aproximam-se e reclamam a sua parte.

É assim um domingo no mato. Depois de explanar esta ideia, termino. Despeço-me com o mais ardente desejo de a todos vós abraçar brevemente, fazendo preces ao Senhor para que tenhais saúde e boa sorte. 

Vosso amigo que respeitosamente se subscreve, todo vosso.

José António Canoa Nogueira.
Soldado nº 2955/63
SPM 2058
.

(Revisão / fixação de trexfo: LG)







Lourinhã > Cemitério local > 6 de maio de 2012 > Lápide funerária referente ao José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro militar lourinhanense a morrer em terras da Guiné, em 23/1/1965... Era sold ap mort Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66). 

 Os seus restos mortais estão em jazigo de família, não no  talhão criado entretanto para os antigos combatentes (I Guerra Mnudial e Guerra Colonial). 

Fotos (e legenda) : © Luís Graça  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


30 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26968: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942- 1965) (sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619, Catió, 1964/ 1966) - Parte II: o Manuel Luís Lomba estava lá, em Cufar, em 23 de janeiro de 1965

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26968: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942- 1965) (sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619, Catió, 1964/ 1966) - Parte II: o Manuel Luís Lomba estava lá, em Cufar, em 23 de janeiro de 1965


1. Comentário do Manuel Luís Lomba ao poste P26957 (*):

Foto à esquerda: Manuel Luís Lomba: (i) ex-fur mil cav, CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66): (ii) autor de “A Batalha de Cufar Nalu” (Terras de Faria, Lda. 4755-204,
Faria, Barcelos, 2012); (iii) natural de Barcelos.

O camarada lourinhanense José António Canoa Nogueira, apontador do morteiro 81, participante da Operação Tridente (Batalha do Como, jan -mar 64), foi alvo de (e mortalmente atingido por) uma granada de RPG, talvez a uns 20 metros de mim, nessa madrugada. 

Adido à CCav 703, pertencia á esquadra que o furriel Santos Oliveira foi instalar no nosso estacionamento em Cufar Nalu, no âmbito da Operação Campo, complementada com as Operações Alicate 1, 2 e 3, entre janeiro e março de 1965... 65 dias de vida à toupeira!...

O IN, comandado por Manuel Saturnino, atacou-nos em meia lua, cortou as primeiras fiadas de arame farpado, o José António ousava fazer fogo de olho e ouvido, orientado pelas chamas do seu armamento... O IN, por sua vez, orientou-se pela chama do seu morteiro, foi certeiro, e ele tombou com uma granada de RPG, eu ajudei a retirá-lo para o posto de socorros, uma tenda em ruínas da antiga fábrica de descasque de arroz.

O alferes miliciano médico João Sequeira já não pôde fazer nada por ele, á luz de um petromax. A vítima foi um moço corajoso.



Capa do livro do Manuel Luís Lomba: leiam-se as páginas 157-169, onde se descreve o ataque do PAIGG a Cufar, em 23 de janeiro de 1965, seis dias depois da sua sua ocupação pelas NT, Foi nessa madrugada que morreu o lourinhanense , sold ap mort, Pel Mort 942, José António Canoa Nogueira (era soldado, mão 1º cabo).

 

Mas o IN também também teve a sua paga, na retirada. A Companhia de Milícias, comandada pelo João Bacar Jaló e por Zacarias Sayeg (futuro capitão do MFA, assassinado após a independência) e o Grupo de Comandos "Os Fantasmas", de Maurício Saraiva, futuro comandante do capitão Salgueiro Maia, em Moçambique, no qual se distinguia o então primeiro cabo Marcelino da Mata e o nosso amigo furriel João Parreira, montaram-lhe uma emboscada de muito sucesso.... sanguinário.

Dos intervenientes, o capitão Fernando Lacerda, o dr. João Luís Sequeira, o furriel Santos Oliveira e o furriel 'comando' João Parreira, e outros indiretos, como os alferes João Sacoto e Carvalhinho estão vivos - e recomendam-se!

Aquele abraço!

sexta-feira, 27 de junho de 2025 às 10:51:00 WEST


(Revisão / fixação de texto: LG)

_______________


Nota do editor:

(*) Último poste da série > 26 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26957: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942-1965), sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/1966) - Parte I: nota biográfica

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26957: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942-1965), sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/1966) - Parte I: nota biográfica



José António Canoa Nogueira (1942-1965): um dos 20 militares lourinhanernses  mortos durante a guerra do ultramar / guerra colonial, o primeiro a morrer na Guiné (no total, morreram 9 em Angola, 6 na Guiné e 5 em Moçambique).


Lourinhã > Cemitério Municipal > 25 de agosto de 2013 > Pedra tumular do José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro lourinhanense a morrer na Guiné, em Cufar, Catió, região de Tombali. em combate. Foi no dia 23 de janeiro de 1965. Era soldado apontador de morteiro, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66). Era primo, em 3º grau, do nosso editor Luís Graça, tal como o Arsénio Marques Bonifácio da Silva, morto em Angola, em 1972, era primo (direito) do Jaime Bonifácio Marques da Silva.

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lourinhã > Salão Nobre da Câmara Municipal > 21 de junho de 2025 > Da esquerda para a direita, o presidente da câmara (entidade que editou o livro, a irmã, Bia, do José  António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro lourinhanense a morrer na Guiné, em combate (em 23 de janeiro de 1965), e o autor do livro "Não esquecemos...",  Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-alf mil pqdt, BCP 21, Angola, 1970/72). A Bia, viúva e reformada, vive no Canadá e na Lourinhã. A outra irmã, Esmeralda, vive na Lourinhã.


Fotos: Página do Facebook do Municipio da Lourinhã (com a devida vénia...)

Seleção e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)



I. Foram seis os militares lourinhanenses que morreram no CTIG, entre 1965 e 1973, aqui listados pela seguinte ordem (ano da morte):

  • José António Canoa Nogueira (1942-1965) (morte  por ferimentos em combate)
  • José Henriques Mateus (1944-1966) (desaparecido em combate)
  • Albino Cláudio (1946- 1968) (morte por acidente com arma de fogo)
  • Alfredo Manuel Martins Félix (1948-1970) (morte por acidenete de viação)
  • Carlos Alberto Ferreira Martins (1948-1971) (morte por ferimentos em combate)
  • José João M. Agostinho (1951-1973) (morte por ferimentos em combate)

II. Vamos dedicar este primeiro poste ao José António Canoa Nogueira (Casal da Pedreira, Lourinhã, 11.01.1942 - Cufar, Catió, 23-01-65) (*)


1. Registo de nascimento

O José António Canoa Nogueira nasceu a 11 de janeiro de 1942, às 19 horas, no Casal da Pedreira, freguesia de Lourinhã. Filho legítimo de José Nogueira, de 20 anos, casado e fazendeiro, e de Rosalina da Conceição, 22 anos, casada, doméstica, ambos naturais da freguesia e concelho da Lourinhã e domiciliados no Casal da Pedreira (...).

A declaração do registo de nascimento foi feita pelo pai, às dez horas e cinquenta minutos do dia 9 de fevereiro de 1942 O registo foi assinado pelo pai e duas testemunhas e lavrado pelo conservador João Catanho de Menezes Júnior. (...)

 (Observação - na época, o registo de um filho custava 6 escudos de emolumentos mais 3 escudos de selos, uma exorbitância, já que um trabalhador rural não devia ganhar mais de que 20 escudos por dia, valor que corresponderia, a preços de hoje, a  qualquer coisa como 12 euros, LG).


2. Registo militar

Recenseamento: foi recenseado no ano de 1962, sob o número 68, e alistado em 9 de julho de 1962. Solteiro, com a profissão de agricultor,  tinha como habilitações literárias a 4.ª classe.

Inspeção militar: a 14 de fevereiro de 1963 na DRM 5. Tinha 1.65 de altura, 62 kg de peso e, em resultado da inspeção, foi “apurado para todo o serviço militar”. Atribuíram-lhe o número mecanográfico 63-E-78069.

Colocação durante o serviço: a 31 de julho de 1963 é incorporado como recrutado no RI 5, Figueira da Foz, passando a fazer parte do Regimento e da 2ª Companhia, sendo-lhe atribuído o nº 2530/63; fez o Juramento de Bandeira a 24 de setembro de 1963 e é transferido a 29 de setembro para o RI 7, Leiria, a fim de tirar a especialidade de Apontador (AP) de Morteiro; a 17 de novembro 1963 fica Pronto da Escola de Recrutas com a especialidade de AP Morteiros; a 17 de novembro de 1963 foi transferido para o RI 1, Amadora.

Comissão de serviço na Guiné

Embarque: a 8 de janeiro de 1964 embarca para o CTIG, fazendo parte do Pelotão de Morteiros nº 942, subunidade da CCS/BCAÇ 619, para cumprir uma comissão, por imposição de serviço.

Desembarque: a 15 de janeiro de 1964 desembarca em Bissau, desde quando conta 100% do aumento do tempo de serviço.

Data do falecimento: 23.01.1965.

Causa da morte
: ferimento em combate.

Local do acidente: Cufar, Catió, região de Tombali, sul da Guiné.

Abatido ao efetivo: a 23 de janeiro de 1965 foi abatido ao efetivo da Companhia, data em que faleceu em combate (...).

Despacho Superior: em 1 de julho de 1965, por despacho, foi considerado como ocorrido por motivo de serviço o acidente sofrido do qual lhe resultou a morte (...).

Registo disciplinar: condecorações e louvores

Medalha de segunda classe de comportamento (artº 188.º do RDM), atribuída em 31.07.1963


3. Processo de averiguações ao acidente: anotações e contexto

Participação superior do acidente: a 1 de fevereiro de 1965 o Comandante da CCAV 703, sediada em Cufar, cap cav Fernando Manuel dos Santos Lacerda, participa superiormente “que no dia 23 de janeiro de 1965, pelas 02.30 horas, foi ferido em combate durante o ataque levado a efeito pelo inimigo ao aquartelamento de Cufar o soldado nº 2955/63, José António Canoa Nogueira, do Pel Mort nº 942 do BCAÇ 619,  pelo que foi imediatamente transportado ao posto de socorros da Companhia onde ficou em tratamento”.

Instrução do processo de averiguações: na sequência da participação do cmdt de companhia, o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) ordena que se instaure “processo por falecimento em combate nos termos da Instrução 15ª das Instruções para execução do Decreto-Lei 28404, de 31 dez 37, respeitante ao soldado nº 2955/63,  José António Canoa Nogueira, do Pel Mort 942 da CCS/BCAÇ 619”.

Certidão de óbito e relatório médico: estes dois documentos fazem parte do processo de averiguações e atestam sobre as causas da morte do soldado José António Canoa Nogueira.

(i) no primeiro documento, a Certidão de Óbito assinada a 23 de janeiro de 1965, o alferes miliciano médico, João Luís da Silva Sequeira, declara “que o soldado José António Canoa Nogueira residia em Catió, faleceu às 3 horas do dia 23 de janeiro de 1965, que a duração da doença se prolongou por 15 minutos, causada por traumatismo craniano com perda de massa encefálica, em estado terminal de coma”;

(ii) segundo documento: do Relatório Médico assinado a 1 de fevereiro 1965 pelo mesmo médico, consta que “o soldado José António Canoa Nogueira foi ferido durante o ataque ao estacionamento de Cufar e presente no Posto de Socorro, no qual se verificou as seguintes lesões: 1) derramamento da calote craniana na região parieto-occipital esquerda numa extensão de cinco centímetros; 2) perda de massa encefálica pelo citado ferimento; 3) estado de coma. Em virtude da gravidade das lesões veio a falecer neste Posto de Socorros, após cerca de 15 minutos de ter dado entrada”.

Abate ao efetivo: a 5 de fevereiro 1965 o alferes Manuel Henriques de Oliveira, Chefe da Secretaria do BCAÇ 619, sediado em Catió, divulga a cópia do artº 3.º da OS (Ordem de Serviço) 12, do BCAÇ 619 na qual se “confirma que o soldado n.º 2955/63, José António Canoa Nogueira, do Pel Mort 942/CCS, faleceu em 23 do mês findo, pelas 02h 45, por motivos de ferimento em combate, foi abatido ao efetivo do seu Pelotão e desta Unidade desde a mesma data”.

Ministério do Exército considera o acidente morte em combate: em 20 de abril de 1965 o Ministério do Exército, através do Comando Territorial da Guiné em Bissau ( Informação nº 1865/E do Serviço de Justiça e Disciplina)  informa por ofício assinado pelo Chefe de Serviço, capitão Raul Santos,  que: “i) em 23 de janeiro, faleceu, vítima de ferimentos recebidos em combate, o soldado nº 2955/63, José António Canoa Nogueira, do Pel Mort 942 do BCAÇ 619; ii) o processo foi organizado sumariamente, nos termos da Determinação nº 15 da OS nº 12, 1ª Série de 1961, pág. 639; iii) em presença dos elementos supra, este Serviço é de parecer que: a) o acidente deve ser considerado em serviço; b) de harmonia com a Determinação VII da O.E. nº 3, 1ª Série, de 1941, e aditamento constante da circular nº 18246, Pº 26, de 20.09.1957 o processo deve subir à DSP para os devidos efeitos. Quartel-General em Bissau, 20 de abril de 1965”.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)
________________

Nota do editor LG:

(*) Excertos do livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 163/165.

terça-feira, 24 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26953: Notas de leitura (1813): O livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (2025) (235 pp.) - Parte II: apresentação de Joaquim Pinto Carvalho



Lourinhã  > Salão Nobre da Câmara Municipal da Lourinhã > 21 de junho der 20256 >  Sessão de lançamento do livro do nosso camarada Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1) (*)

Da esquerda para a direita, o Joaquim Pinto Carvalho (que fez o posfácio do livro, e apresentou o livro e o autor), o autor, Jaime Silva, e o Luís Graça (que fez o prefácio do livro, e falou sobre a Lourinhã e a guerra do ultramar / guerra colonial) (*). 

Três amigos... estremenhos, colegas, companheiros e camaradas, cofundadores da "Tabanca do Atira-te ao Mar... e Não Tenhas Medo!", em plena pandemia de Covid-19... Localização: Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã...

0 Jaime Silva foi alf mil pqdt, BCP 21 (Angola, 1970/72), cruz de guerra de 3. classe.

Foto: Página do Facebook do Municipio da Lourinhã (com a devida vénia...)


Seleção e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Sobre o Joaquim Pinto Carvalho:


(i) tem mais de 60 referências no nosso blogue,

(ii) é membro nº 633 da Tabanca Grande;

(iii) foi alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e CCAÇ 6 (Bedanda) (1971/73);

(iv) natural do Cadaval, é advogado, poeta e régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã;

(v) é autor, entre outras obras, de uma brochura com a história da unidade, a CCAÇ 3398, distribuída no respetivo XXV Convívio, realizado no Cadaval, em 18/9/2021.

2. A Tabanca do Atira-te ao Mar, apesar de "secreta", não escapa à "bisbilhotice" do assistente de IA / Gemini /Google, que nos informou o seguinte:


(...) Sim, conheço a "Tabanca do Atira-te Ao Mar". É uma organização localizada no Porto das Barcas, em Lourinhã, Portugal.

De acordo com as informações disponíveis:

  • foi criada por Joaquim Pinto Carvalho e Maria do Céu Pinteus, que são os responsáveis pelo apoio logístico;
  • está associada ao blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné":
  • é também referida como "Tabanca do Atira-te ao Mar (... e Não Tenhas Medo)", com sede no Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã.

Apesar de não ter conseguido aceder diretamente à página do blogue, obtive estas informações através de uma pesquisa geral.

Pode encontrar mais detalhes nos seguintes links:

Guiné 61/74 - P21328: Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Lourinhã (1)

Tabanca do Atira-te ao Mar - Luís Graça & Camaradas da Guiné " (...)



3. Texto da apresentação do livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva,  na sessão de lançamento, realizada no passado dia 21, no Salão Nobre da Câmara Municipal d Lourinhã, às 11h00:

AO "BONIFÁCIO"

Estamos aqui três antigos colegas de estudo, três antigos combatentes e, sobretudo, três amigos já com uma alguma antiguidade.

Conheci o Jaime no seminário de Santarém, no ano em que começava a “guerra colonial”! Anos depois, acabaria por conhecer o Luís, mas não de maneira tão próxima e noutro seminário. E foi através do Jaime que, há alguns anos, voltei a reencontrar o Luís. O Jaime apresentou-me o Luís como o criador do blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, blogue que eu já conhecia porque também estivera na Guiné.

O reencontro deu-se, na minha casa, na Atalaia. Recordo que, no meio da conversa, virei-me para o Luís e disse-lhe: "Então tu, o Luís Graça do Blogue, és o mesmo Luís Graça que eu conheci no seminário?"... 

E a partir daí, os três temos mantido um contacto próximo e regular que foi, de forma mais assídua, no período da pandemia Covid 19 e depois! 

Somos três filhos do pós-guerra (da segunda guerra mundial – que a terceira ainda não acabou!) e fomos “camaradas” na “guerra colonial”. Quando começou, no dealbar dos anos 60 – não sei se era também a ideia destes meus amigos! – a “guerra do ultramar” não nos dizia nada nem pouco nos preocupava. 

Eu estava convencido que, quando chegasse o tempo da “tropa”, a guerra já teria terminado. Puro engano! Os três fomos mobilizados: o Jaime, caiu de paraquedas em Angola e nós, os dois, sem paraquedas, batemos com os costados na Guiné! 

Uma coisa é certa: quando nos conhecemos ou quando, mais tarde, estivemos na guerra colonial, estávamos bem longe de pensar estar aqui hoje, os três, nesta vida bem mais airada. Mas hoje aqui estamos, neste ato, com a solenidade merecida, muito por causa dessa guerra, mas muissimo mais por culpa da amizade que nos une. 

Aqui estamos os três, colegas de estudo, camaradas combatentes e amigos e, à nossa frente, temos esta ilustre assembleia que se reuniu por causa de um livro, acabadinho de nascer! De parto difícil, ao que sei! 

O Luís Graça fez o ""prefácio", eu fiz o "posfácio", e o Jaime fez o "bonifácio - “bonifácio”,  do latim “bonum” + "facere” – que significa “fazer o bem”...  

E o Jaime o fez muito bem! Mas este livro não tem três pais, não é, de forma alguma, uma obra comum dos três. Foi concebido e escrito apenas por duas mãos ou a um só teclado, ou, melhor dizendo, foi gerado pelo coração e pela vontade do Jaime Bonifácio Marques da Silva, paternidade autoral que está inscrita logo no topo da capa do livro. Nós dois seremos, digamos assim, os “padrinhos de guerra” deste ser recém-nascido! 

Nota-se bem   – ou será mera impressão minha – que o Jaime, hoje, parece estar mais tranquilo, menos estressado e deve estar satisfeito: ao fim de mais de uma década de pesquisa, de recolha de testemunhos, de compilação e organização de dados, e numa década atravessada pelos riscos da pandemia Covid 19 e pelas vicissitudes da sua vida familiar, o Jaime venceu mais um bom combate. 

O Jaime é assim, combatente e guerreiro, é um veterano, não só da guerra, mas também das armas literárias que defendem a memória da guerra colonial! O Jaime já teve oportunidade de participar num trabalho coletivo, semelhante, quando foi vereador na Câmara Municipal de Fafe e fá-lo agora, imagino eu, com redobrada dedicação e entusiasmo, na terra e no município que o viu nascer e onde nasceram ou de onde partiram os jovens militares que vão recordados nesta obra! 

O Jaime não só deve estar satisfeito como está de parabéns! Parabéns... Porque o livro está pronto e está lindo. Na capa e no conteúdo. E também o livro deve estar feliz e desejoso para seguir o seu destino: chegar às mãos dos leitores, de todos nós e de outros, e ser lido e compreendido. 

O livro aí está. Completo, até no título. E inteiro. Tem corpo. Compõe-se de cabeça, tronco e membros. 

Na cabeça, o primeiro capítulo, mais racional, faz-se o enquadramento factual e sociopolítico da eclosão e desenvolvimento da guerra colonial. 

No segundo capítulo, o tronco, onde se situa o coração, bate o senmento, pulsa o testemunho pessoal do autor e digere-se a sua experiência como paraquedista e combatente. 
Nos membros, terceiro e quarto capítulos do livro, acolhem-se os 20 jovens militares e dá-se a mão ao objetivo da obra e seguem-se os passos que aqueles combatentes deram até à sua morte. Tudo detalhada e profusamente documentado e ilustrado. 

Este é o seu corpo; reserva-se ao leitor o desafio de lhe perscrutar a alma. Quanto a mim, a alma, o intuito do autor vai além desse corpo, das palavras. O autor pretende também preservar a memória desse conflito, ou seja, proclamar que a guerra colonial existuu, foi real, é história documentada, não é uma ficção! 

É certo que foi uma guerra que não se venceu, que acabou com os “restos” do império colonial português. Perdeu-se a guerra e o império, mas, por ela, ganhou-se a liberdade e o direito à cidadania. Só por isso – e apesar disso – valeu a pena existir! Foi na guerra que nasceu o 25 de abril que lhe pôs fim! E se, neste ano, acabámos de celebrar os cinquenta anos da “Revolução dos Capitães e dos Cravos”, já se ouvem vozes, com alguma violência até, a denegrir (sem qualquer conotação racista) e deturpar este facto histórico que trouxe a democracia que nos permite hoje estarmos aqui juntos e expressarmo-nos...

E não tardará que, como aconteceu com o Holocausto da segunda guerra mundial, surjam também teorias negacionistas a tentar branquear esta guerra e as suas sequelas familiares e sociais. 
A guerra colonial é uma página importante, ainda que triste, da história de Portugal e sobretudo desta geração de combatentes que são, por assim dizer, os úl mos heróis  – ou mátires - do império colonial português, mesmo aqueles que não tombaram em combate! 

Daqui a 20 ou 30 anos, não haverá ninguém para contar a história desta guerra e da geração que a suportou! Por isso, é preciso que o David e os netos desta geração não a esqueçam e que a Pátria preste aos combatentes o devido louvor e reconhecimento  – o que nem sempre é feito na justa medida.

Este livro obriga a NÃO ESQUECER esses heróis e, no caso concreto, os jovens lourinhanenses que morreram na e por causa da guerra colonial, em Angola, Guiné e Moçambique e é louvável que a Câmara Municipal da Lourinhã se tenha mobilizado também para esta nobre missão de preservar a memória coletiva e contribuído, com a publicação deste livro, para este bom combate da escrita e da cultura. 

Li há dias no “Blogue do Luís Graça” as seguintes palavras num “post” do Zé Teixeira que tomo a liberdade de citar: 

“Todos ficámos presos ao lamaçal da guerra, apesar de ela ter acabado há muito tempo. Regressámos, mas trouxemo-la connosco. Dorme connosco todas as noites. Não conseguimos desenvencilharmo-nos dela, apesar de ter terminado há muito tempo”. 

É por isso que, para terminar, como posfácio desta minha intervenção, quero deixar um recado amigo ao Jaime. É verdade que não esquecemos... a guerra e outras coisas menos boas da vida, mas apesar das adversidades, a vida continuou ou, recorrendo a uma frase bati da e frequentemente usada até pelos políticos, há mais vida para além da guerra. E é esta que vale a pena viver! 

Por isso, meu caro Jaime, não te esqueças deste recado, em jeito de mensagem: fica em paz com aquilo que deste a este livro e que este livro contém e deixa que o livro, hoje menino, cresça para o mundo dos leitores e dos livros e siga o seu caminho, a sua vida! 

Obrigado, Jaime, pelo teu livro, pelo teu... "bonifácio"! (**)

Joaquim Pinto Carvalho

(Revisão / fixação de texto: LG)

_______________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 23 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26949: Notas de leitura (1811): O livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (2025) (235 pp.) - Parte I: apresentação de Luís Graça

(**) Último poste da série > 23 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26950: Notas de leitura (1812): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (2) (Mário Beja Santos)