
Lisboa > Exposição do Mundo Português (23 de junho a 2 de dezembro de 1940 > A "Nau Portugal", réplica de um galeão da carreiar da Índia (Fonte: Cortesia de Wikimedia Commons. Imagem do domínio público.)
1. A nau “Portugal” foi construída nos estaleiros navais da Gafanha da Nazaré, do mestre Manuel Maria Bolais Mónica, com o propósito de integrar a Exposição do Mundo Português de 1940.
Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema
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Jornal Português nº 22 | A Nau Portugal (a partir de 12' 26'')
Género: Atualidades
Duração: 00:16:02, 24 fps
Formato: 35mm, PB, com som
AR: 1:1,37
Fonte: (1940), "Diário de Lisboa", nº 6393, Ano 20, Sábado, 7 de Setembro de 1940, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_25593 (2025-12-4)
Anúncio da Exposição do Mundo Português. "Diário de Lisboa", 18 de agosto de 1940, pág.2
Fonte: (1940), "Diário de Lisboa", nº 6373, Ano 20, Domingo, 18 de Agosto de 1940, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_25723 (2025-12-4)
Aqui ficam os principais aspetos técnicos ligados à construção da nau “Portugal” em 1940, e as razões pelas quais acabou por se revelar tão instável e .... inavegável. Naufragou no "biota-abaixo
(i) Construção pensada como “cenografia”, não como "navio para navegar"
A nau foi desenhada sobretudo para efeito cénico e visual na Exposição do Mundo Português. Isto significa que muitas das decisões não seguiram práticas navais genuínas, mas sim critérios estéticos:
Estruturas reforçadas onde era preciso “parecer robusto”, e não “ser robusto”;
- ausência de cálculos rigorosos sobre estabilidade transversal;
- proporções idealizadas com base em gravuras e pinturas, não em planos navais históricos.
Este é o ponto de partida para quase todos os problemas seguintes.
(ii) Problemas de estabilidade e centro de gravidade
O erro mais crítico foi o centro de gravidade que estava demasiado alto. Eis as razões:
- as superestruturas (castelos de proa e popa, mastros, ornamentação) eram pesadas e elevadas;
- a quilha e as obras vivas (a parte submersa) estavam subdimensionadas;
- o casco tinha forma pouco profunda e sem lastro adequado.
Resultado: quando foi lançada à água ( "bota-abaixo", como se diz na gíria), a nau tombou para o lado, exatamente como um objeto mal equilibrado.
Num galeão do século XVI, o casco seria muito mais profundo e largo na linha de água, garantindo estabilidade mesmo com mastros altos. A réplica ignorou isso.
(iii) Materiais utilizados
Apesar do aspeto histórico, a nau não foi construída como um navio tradicional:
- madeiras diversas, algumas não adequadas à resistência estrutural;
- revestimentos decorativos sobrepostos a estruturas simples;
- elementos “fingidos”: peças feitas para parecerem pesadas sem o serem, ou vice-versa.
Isto contribuiu para uma distribuição de peso caótica.
Na década de 1940 Portugal não tinha acesso completo a planos originais de galeões quinhentistas: muitos simplesmente não existiam ou eram incompletos.
A solução que se adotou foi “recriar” com base em:
- iconografia dos Descobrimentos;
- descrições literárias;
- modelos estilizados do imaginário imperial do Estado Novo.
Ou seja: não se tratou de uma reconstrução científica, mas de um idealização estética.
(v) ) Modificações de emergência após o acidente
Depois de tombar, a nau teve de ser reequilibrada à pressa:
- adição de lastro no fundo;
- pequenas correções de peso;
- fixação para ficar estática como peça cénica.
Mesmo assim, nunca ficou realmente estável. Por isso a nau não navegou: foi de reboque do porto de Belém até ao rio Tejo, ficou sempre ancorada, essencialmente como cenário flutuante. Foi inaugurada em 7 de setembro com a presença do presidente da república gen Oscar Carmona e o presidente do conselho Oliveira Salazar.
3. Falaremos, em próximo poste, sobre o "projetista" da réplica, o: comandante Quirino da Fonseca (Funchal, 18634 - Lsiboa, 1939, oficial da Marinha Portuguesa e um dos maiores especialistas portugueses em arqueologia e arquitetura navais, da época dos Descobrimentos,. sendo autor de obras de referência como "Os Portugueses no mar: memórias históricas e arqueológicas das naus de Portugal" (1926).
O projeto foi baseado nas suas investigações aprofundadas em desenhos antigos e descrições técnicas de navios dos Descobrimentos. Quirino da Fonseca não era um engenheioro construtor naval... E isso ajuda a explicar por que é que o projeto final, executado para a Exposição, teve sérios problemas de estabilidade. O mestre construtor, Manuel Maria Bolais Mónica, da Gafanha da Nazaré, chegou a expressar dúvidas de que a embarcação pudesse estabilizar ao ser lançada à água, o que infelizmente se confirmou com o naufrãgio da nau. no dia do lançamento, necessitando de métodos "pouco ortodoxos" para ser recupoerado, reabilityado e rebocada para Lisboa e cumprir a sua função de exposição.
É bom recordar que a Exposição do Mundo Português (que decorreu de 23 de Junho a 2 de Dezembro de 1940) foi naugurada e realizada no auge da Segunda Guerra Mundial, especialmente após a queda da França em junho de 1940:
- ínício da invasão alemã (ataque aos Países Baixos e à França): 10 de maio de 1940.
- entrada Alemã em Paris (e queda de Paris): 14 de junho de 1940.
- assinatura do Armistício Franco-Alemão: 22 de junho de 1940;
- entrada em vigor do Armistício: 25 de junho de 1940.
É verdade que Portugal era neutro. Sob regime do Estado Novo, liderado por António de Oliveira Salazar, Portugal manteve uma política de neutralidade durante o conflito (embora fosse uma "neutralidade colaborante", envolvendo-se em atividades económicas e de acolhimento de refugiados). Este estatuto permitia ao país, em teoria, isolar-se dos horrores imediatos da guerra, embora se temesse uma possível invasão (quer dos alemães e dos espanhóis, quer dos Aliados).
A Exposição fazia parte das Comemorações do Duplo Centenário(fundação e restauração da independência, 1140 e 1640, respetivamenmet) e foi um dos eventos pol~itico-culturais mais importantes da história do Estado Novo. O seu principal objetivo era a exaltação nacionalista, a glorificação da história de Portugal (em particular os Descobrimentos) e a afirmação da grandeza do Império Colonial Português.
Apesar da guerra lá fora (para além dos Pirinéus e no Atlântico), Lisboa, como capital de um país neutro, tornou-se um porto de abrigo e uma cidade cosmopolita, cheia de espiões e, mais importante, refugiados de guerra (muitos dos quais visitaram a Exposição). Havia uma bolha de aparente normalidade e festa em contraste com a tragédia europeia.
Para o regime, realizar um evento grandioso como a Exposição, celebrando a glória e a paz da Nação em contraste com o caos da Europa em guerra, servia para reforçar a imagem de estabilidade e ordem do Estado Novo e o seu papel providencial na História.
Visto à distância de 85 anos, o contraste era brutal: de um lado, a maior guerra da história, do outro, uma grande festa de propaganda nacionalista. Para o o regime do Estado Novo, a realização da Exposição em tempo de guerra foi sobretudo uma afirmação política e ideológica da sua "visão" para Portugal e o seu Império,
Último poste da série > 2 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27484: Recortes de imprensa sobre o império colonial (2): a nau "Portugal", vida e morte de uma réplica de um galeão quinhentista, que foi uma das principais atrações da monumental Exposição do Mundo Português (Lisboa, 1940) - Parte I



