Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta (Ex)citações. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta (Ex)citações. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27439: (Ex)citações (441): Regressei ao Canadá em 11 de Março de 2011, depois de reconhecer que pouco poderia fazer em benefício dos outros (João Bonifácio, ex-Fur Mil SAM)

Créditos: nomadglobal.com

1. Comentário do nosso camarada João Bonifácio, Ex-Fur Mil do SAM da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), deixado hoje no Poste Guiné 63/74 - P7506: Tabanca Grande (256): João Bonifácio de volta ao Canadá, desiludido com Portugal:

Estamos em Novembro de 2025 e ao tentar recordar o que importante existe em Portugal, eis que estou a ler a resposta do José Câmara, e como estou aqui tão perto, envio os meus melhores cumprimentos e saudações a todos os que andam e participam nesta Tabanca chefiada pelo Luís Graça. O Jose escreveu em 27 de Dezembro de 2010 e eu só hoje dei conta desta resposta.

Para os que acompanham o blogue, eu regressei ao Canadá em 11 de Março de 2011, depois de reconhecer que pouco poderia fazer para evitar que outros sofressem mais. É verdade que poderia esperar por uma melhor adaptação. Eu até tentei ajudar a Junta de freguesia da Sobreda. Eu aprendi a lidar com as políticas da Câmara de Almada. Eu até os informava onde poderiam ajudar a limpar certos locais, onde se viam vidros partidos que eram zonas onde as crianças brincavam. Eu não podia aceitar que uma viatura carregada de lixo de obras da construção civil, despejasse a carga na estrada criando constrangimentos no tráfego local. Eu até os avisava de possíveis rebentamentos dos sistemas de drenagem de água subterrâneos. Mas, as respostas demoraram demoravam muito tempo.

O amigo José veja só esta resposta dos serviços de regas das árvores que são vistas nas ruas das cidades. Uma vez o carro/tanque passou na rua, regou as árvores 1, 2 , 3 e 4 mas não regou a 5 e foi para a 6. Quando perguntei o que se passava, os cantoneiros apenas disseram que não podiam regar porque não lhes pertencia. Percebem isto?

Mas a outra anedota que encontrei foi nas Finanças da Costa da Caparica. Fui atendido por uma funcionária que me disse que não poderia requerer a isenção do IMI. No dia seguinte voltei e fui atendido por outra funcionária, curiosamente ao lado da anterior, e os papeis foram submetidos, sem problema e bem depressa o assunto foi resolvido, já que eu tinha direito a 8 anos de insenção. Portanto, quero pedir desculpa a todos os amigos que por aqui passam, porque desapareci em 2011.

Estou aqui para dizer a todos que já não tenho 65 e nem 66, mas estou a caminhar para uma aterragem calma na pista 81. Desde o meu regresso, Portugal já sofreu muitas transformações, e o Canadá também. Ambos os países melhoraram, mas o meu país é pequeno, pobre e corrupto. Ninguém consegue resolver os fogos e as cheias. A Justiça não existe. Antes eram agulhas infetadas, agora são facas no pescoço.

Tivemos o covid e eu alterei os meus planos, mas quero dizer que gosto de visitar o meu país, mas por pouco tempo, porque as famílias estão cada vez mais reduzidas. Antes de ir para outro lado, quero dizer ao amigo José que hoje já não há paraísos na Terra. Estou conformado. Tenho 4 meses de inverno e os resto ate e muito aceitável. O Canadá tem um clima próprio, mas não é mau pois temos conforto. O Verão até é quente. Em breve iremos ter fartura de neve e fica tudo branco. Mais tarde vem a maravilha da primavera e do verão.

Bem, tenham umas festas felizes, muita saúde e um ano NOVO com o melhor que houver.
Obrigado a todos. Estou de volta após a ausência de 2011 a 2025.

João Bonifácio, Ex-Fur Mil do SAM
CCAÇ 2402/BCAÇ 2851
Có, Mansabá e Olossato, 1968/1970

_____________

Nota do editor

Último post da série de 16 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27430: (Ex)citações (440): Estar com o amok, passar-se dos carretos, perder as estribeiras, estar f*dido dos c*rnos, estar apanhado do clima ou cacimbado... serão expressões equivalentes?

domingo, 16 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27430: (Ex)citações (440): Estar com o amok, passar-se dos carretos, perder as estribeiras, estar f*dido dos c*rnos, estar apanhado do clima ou cacimbado... serão expressões equivalentes?


ºSíndroma de Amok"... Ilustração criada,
para o blogue, pelo Chat Português / GPTOnline.ai , sob instruções do editor LG


1. Escreveu o nosso camarada Jaime Silva, numa nota de leitura sobre o livro "Amok", de Stefan Zeig (*):


(...) "Recordou-me o momento, em que, pela primeira vez, ouvi pronunciar a frase: "deu-lhe o amok". Foi em Ninda, leste de Angola – Terras do Cú de Judas. Em fevereiro de 1970, quando fui render o tenente paraquedista Grão, no comando do 3.º Pelotão da 1.ª CCP / BCP 21. A companhia estava em plena fase operacional e, segundo me fui apercebendo, cada um dos 4 pelotões tinham encontrado forte resistência na zona.

"Entretanto, nas conversas que ia travando com os meus novos camaradas de armas, ouvia-os pronunciar, regularmente, uma expressão que nunca tinha ouvido e desconhecia: 'deu-me o amok, assaltámos a base e demos cabo daquilo tudo'; ou, ainda, 'cuidado com o gajo porque ele hoje, está com o amok'; ou, ainda, 'ninguém pode falar contigo, vai-te curar, estás com o amok'.

"Com o tempo fui interiorizando o significado desse termo. Fui percebendo que se referia a alguém que se tinha 'passado dos carretos', 'não via nada à sua frente' ou que 'estava apanhado do clima'!... Foi neste contexto que fui assimilando o sentido do termo, de tal modo que, ao longo da vida, com alguma frequência e, em circunstâncias de menor ânimo, dizia para comigo: 'hoje, não estás bem!... Hoje, estás com o amok'!" (...) (**)


2. Pesquisa do editor LG + assistente de IA / ChatGPT, Gemini, Perplexity,  sobre o termo "amok" / "amoque".

Existe o termo amok (em francês e inglês). Amoque ou amouco, em português.

A síndroma de Amok é, em psiquiatria, uma perturbnação que consiste em uma súbita e espontânea explosão de raiva selvagem, que faz a pessoa afetada atacar e matar indiscriminadamente pessoas e animais que aparecem à sua frente, até que o sujeito se suicide ou seja morto,

A definição foi dada pelo psiquiatra norte-americano Joseph Westermeyer em 1972.

É ainda hoje udsada como sinónimo de "loucura assassina". Mas na aceção que lhe davam os paraquedistas em Angola, ao tempo do Jaime Silva (1970/72),  parece ser mais  sinónimo de, em linguagem de caserna:

  • "estar fodido dos cornos",
  • "passar-se dos carretos",
  • "perder as estribeiras",
  • "estar cacimbado", 
  • "estar apanhado do clima"
  • "estar à beira de um ataque de nervos"...
É uma condição piscológica que pode predispor à violência (física ou verbal). Ora, amok  é já a exteriorização da violência até então latente. 

O nome vem do malaio meng-âmok, que significa “atacar e matar com ira", "atacar furiosamente ou lançar-se sobre alguém num estado de raiva incontrolável".

O termo entrou nas línguas europeias através dos relatos de viajantes e colonizadores portugueses e, mais tarde, ingleses, que observaram este fenómeno no Sudeste Asiático, especialmente na Malásia e Indonésia.


(ii) Registos portugueses do séc. XVI

Os portugueses foram os primeiros europeus a testemunhar e a descrever este comportamento. Aparece em registos logo do início do séc. XVI.

Nos textos de cronistas como Tomé Pires, autor da Suma Oriental (1515), e Duarte Barbosa (1516), já se menciona o termo “amouco”. Eles descrevem guerreiros malaios que, após um insulto, humilhação ou perda da honra, “se lançavam ao combate sem razão aparente, matando quantos encontravam, até que fossem mortos”.

Eis uma descrição típica (em ortografia moderna):

“Há entre eles alguns que, tomados de raiva e desesperação, correm pelas ruas com a espada desembainhada, ferindo e matando quem encontram; a isto chamam amouco.” (Duarte Barbosa, 1516)

Aqui está um excerto adaptado da Suma Oriental de Tomé Pires (c. 1515), um dos primeiros registos europeus do termo “amouco”, como era grafado então. Este texto é considerado uma das fontes mais antigas sobre o fenómeno que viria a ser conhecido em inglês como amok:

“Há entre estes malaios alguns que, de súbito e sem razão conhecida, tomam uma fúria tamanha que, correndo pelas ruas com uma adaga na mão, matam quantos acham pelo caminho, até que os matem.

Dizem que, nesse tempo, não sentem dor nem razão, e que é o diabo que os toma. A este furor chamam amouco.” (Tomé Pires, Suma Oriental, c. 1515)

(iii) Contexto histórico:

Tomé Pires era um boticário (farmacêtico) e diplomata português que viveu em Malaca logo após a sua conquista (1511). O seu livro descreve em detalhe as gentes e costumes do Oriente. A referência ao “amouco” mostra como os portugueses foram os primeiros a documentar este comportamento que, séculos mais tarde, seria objeto de estudo da etnopsiquiatria.

Mais tarde, exploradores ingleses e holandeses adotaram o termo, passando a escrever “amok”. No século XIX, a palavra tornou-se conhecida na Europa através da literatura colonial e da medicina tropical.

(iv) Significado em etnopsiquiatria:

A síndroma do “amok” descreve um estado súbito e extremo de fúria homicida em que o indivíduo, geralmente homem, entra num transe violento e ataca indiscriminadamente pessoas à sua volta, frequentemente terminando com a sua própria morte (por suicídio ou pelas mãos de outros). Se for apanhado e desarmado, pode ter um ataque de choro e não se lembrar de nada...

Tradicionalmente, acreditava-se que este comportamento estava ligado a crenças culturais, questoes honra pessoal ou possessão demoníaca.

Os estudiosos modernos (como Linton, Benedict ou Yap) interpretam o amok como uma resposta culturalmente moldada ao stress social e psicológico, comum em sociedades onde a repressão das emoções e a importância da honra (caso do Japão, por exemplo) são grandes.

Os portugueses interpretaram o fenómeno em termos religiosos e morais (como “possessão demoníaca”), enquanto os estudiosos modernos o entendem como uma crise psicossocial aguda, associada a contextos de pressão cultural e perda de honra.

O conceito de amok evoluiu na medicina ocidental, desde os relatos coloniais até à sua inclusão no DSM-4

(v) Uso moderno na psiquiatria:

Na psiquiatria contemporânea, o termo é usado para descrever um comportamento impulsivo, súbito e violento, muitas vezes associado a perturbações psicóticas, depressivas ou dissociativas.

No DSM-4, o “amok” era classificado como uma síndrome culturalmente específica (culture-bound syndrome). No DSM-5 essa categoria desapareceu. (DSM-5 é a sigla de Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, Quinta Edição, publicada pela APA - Associação Americana de Psiquiatria).

(vi) Curiosidades linguísticas:

Em português antigo, “amoucar-se” chegou a ser usado figuradamente, com o sentido de enfurecer-se subitamente ou perder o controlo, embora hoje esteja praticamente em desuso.

A expressão inglesa “to run amok” (correr como um doido / descontrolar-se completamente) é hoje usada de forma figurada para descrever alguém que fica  fora de controlo.

(Pesquisa, condensaçáo, revisão / fixação de texto, negritros: LG)

________________

Notas do editor LG:

(*) Vd.. poste de 7 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27395: Notas de leitura (1859): "Amok", por Stefan Zweig; Lisboa: Relógio D'Água, 2022 (Jaime Bonifácio da Silva, ex-Alf Mil Paraquedista)

(**) Último poste da série > 28 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27360: (Ex)citações (439): Ainda a propósito dos bravos de Contabane... "O maluco do Carlos Azeredo está a bombardear a Guiné-Conacry", dizia, em pânico, o QG... (Carlos Nery, ex-cap mil, CCAÇ 2382, 1968/70)

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27360: (Ex)citações (439): Ainda a propósito dos bravos de Contabane... "O maluco do Carlos Azeredo está a bombardear a Guiné-Conacry", dizia, em pânico, o QG... (Carlos Nery, ex-cap mil, CCAÇ 2382, 1968/70)





Carlos Nery, hoje um homem do teatro,
uma paixão antiga, como ator; a sua primeira
experiència como encenador foi na Guiné
É um dos fundadores da Companhia
Maior. E um exemplo maior, para todos nós, antigos combatentes, de como se pode e deve envelhecer de maneira ativa, proativa, com saúde, com autonomia e com qualidade de vida.


1. No passado dia 15 de outubro, pedi ao Carlos Nery, ex-cap mil, cmdt da CCA2382 (Buba, 1968/70), que nos respondesse a algumas questões relacionadas com o ataque a Contabane, de 22 de junho de 1968:

Carlos: acho que podes esclarecer aqui algumas dúvidas...

(i) os militares da tua CCAÇ 2382 que foram galardoados com a cruz de guerra, por louvor teu, foram-no na sequência da sua atuação na noite de 22 de junho de 1968, essencialmente: confirmas ?

(ii) por que razão não é mencionado explicitamente o topónimo Contabane no teor do louvor ?

(iii) não houve mortos, apenas feridos (alguns graves), no ataque, civis e militares;

(iv) onde estava instalada exatamente a força atacante: a norte/nordeste da tabanca ?

(v) tens mais fotos de Contabane ?

(vi) o reordenamento de Sinchã Sambel, na margem esquerda do rio Corubal, frente ao quartel do Saltinho (que ficava na margem direita), já não é do teu tempo mas do tempo do Paulo Santiago e da CCAÇ 2701 (1970/72).

Para já é tudo. Dou conhecimento das fotos da Ivone Reis à suas e nossas camaradas Arminda, Rosa, Aura e Giselda, nossas tabanqueiras.

Um alfabravo. Luis
Carlos Azeredo 
______________


Capa do livro de Carlos de Azeredo - Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império. Porto, Livraria Civilização Editora, 2004,
496 pp.



No CTIG, Carlos de Azeredo (Marco de Canaveses, 1930- Porto, 2021) foi comandante de:

  •  CCav 1616 / BCAV 1897 (Mansoa e Olossato, 1966 / 1968);
  • Comando Operacional do Sector de Aldeia Formosa / COP 1 (1968/69);
  • Centro de Instrução Militar de Bolama (1969).

2. Resposta do Carlos Nery com data de 20/10/2025, 20:03:


Caro Luís,
 
Durante a minha estada em Bissau, vindo de Buba, ocupei o meu tempo a redigir a história da minha companhia socorrendo-me dos relatórios das diversas situações vividas. 

Vim a saber, mais tarde, pelo então major Carlos Azeredo, que cópias desse relatório tinham sido distribuídas por algumas unidades como material de estudo.

Pedi também aos alferes da minha companhia a sua opinião acerca dos militares por eles comandados para louvá-los apontando para eventuais condecorações. 

Desloquei-me várias vezes à Secção de Justiça do QG para me informar como deveria redigir os louvores. 

Conheci, então, o alferes Barbot (hoje escritor Mário Cláudio). Lembro-me de ter pedido desculpa por andar lá a incomodá-los mas ouvi a seguinte resposta, "sabe, capitão, aqui o nosso trabalho tem que ver sobre infrações, desvios de dinheiro, problemas de indisciplina, etc. É com gosto que vemos aparecer alguém que pretende premiar os homens que comandou."

Sobre as questões que me pões e no que respeita a Contabane, direi que a decisão de retirar a população e abandonar a tabanca estava tomada antes do ataque do PAIGC comandado por 'Nino' Vieira. 

Spínola não concordava com unidades instaladas perto da fronteira e a decisão de abandonar Contabane fora-me comunicada por Carlos Azeredo nas vésperas do ataque. 

O PAIGC perdera a paciência com os Fulas. Contabane e Mampatá, por exemplo, tinham aceitado receber armas das nossas tropas e o régulo de Contabane, recebidas essas armas, decidiu atravessar a fronteira para meter na ordem tabancas que pertenciam ao seu regulado. 

Não sei o que se passou nessa incursão mas ponho a hipótese que o ataque tentasse punir esse atrevimento. Azeredo decidiu deslocar o comando da companhia e um dos dois grupos de combate que estavam em Mampatá, para Contabane, por forma a poder executar com segurança a saída de toda a população e o posterior abandono da tabanca. 

Lembro-me de que,  na véspera do ataque, houve alguns civis que durante a noite tentaram sair e atravessar a fronteira. Atento a tudo o que se passava, o régulo, perseguiu-os e capturou-os apresentando-mos debaixo de prisão. 

Confesso que, com a minha pouca experiência na altura, não liguei muito ao que acontecera. Hoje estou convicto de que se tratavam de informadores da guerrilha, sabedores do ataque que se preparava e que pretendiam avisar de que Contabane estava agora defendida por um efectivo considerável e simultaneamente saírem para uma zona mais segura.

A pressão do PAIGC sobre toda a zona iria continuar depois do ataque a Contabane. Aldeia Formosa foi flagelada por diversas vezes com a consequente destruição de casas da população e perdas de vidas. 

Perante a dificuldade em defender uma população que ocupava uma área considerável, Azeredo não hesitou. Apontou os obuzes 14 ali existentes a povoações da República da Guiné. Por cada granada que atingisse a tabanca imediatamente era enviada uma de obus 14 para lá da fronteira. 

Foi remédio santo, nunca mais Aldeia foi flagelada. Para Bissau, Azeredo comunicou somente: "enviadas três granadas 14 para o objectivo ..." e dava as coordenadas de um objectivo no território de Guiné-Conacri. 

No quartel general foi o pânico:  "o maluco do Azeredo está a bombardear a Giné-Conacri!"

Spínola mete-se num avião e desce em Aldeia, furioso com Azeredo. Este imita-se a pedir que viesse com ele à tabanca. Perante a destruição de casas e vidas, Spínola despede-se e diz a Azeredo: "continue".

Meu amigo, acabei por falar em tudo, menos a responder às tuas perguntas.

Terás que esperar... Estou assoberbado com ensaios, tenho que arranjar uma aberta. (**)

Abração,  CNery

3. De imediato, respondi-lhe e agradeci-lhe. Perguntei-lhe se podia publicar. Como é um homem assoberbado, que continua apaixonado aos noventas pelo teatro e a sua Companhia Maior, não me respondei mas eu entendi o seu silèncio como luz verde. 

Data - 20/10/2025, 20:32  

Brilhante, meu capitão. Posso publicar estes esclarecimentos adicionais ? São pequenos afluentes do rio da Grande História. 

Bom ensaio, e sempre em frente até aos c(s)em. Diz-me qual a próxima peça. Para a gente ir ver. Um alfabravo. Luís

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27282: Memórias dos últimos soldados do império (8): os "últimos moicanos" - Parte V: afinal, foi apenas um capítulo da História de Portugal, que se encerrou, mas não definitivamente... E a comprová-lo está o nosso blogue ... que ainda (r)existe (Luís Graça)




Cartaz gerado, a partir de fotos e indicações nossas, por uma assitente de IA (ChatGPT). A imagem representa os últimos moicanos do nosso blogue...

As instruções foram estas: Posso juntar as fotos de rosto (sem niomes) dos editores e colaboradores do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (eles são 10 ) e pedir-te um favor ? Fazeres uma composição, em grupo, com eles vestidos de "índios moicanos" ou inseridos em "ambiente moicano"... Eles são, metaforicamente falando, os "últimos moicanos", os sobreviventes de um projeto, com mais de 20 anos, de partilha, na Net, de memórias e afetos entre antigos combatentes da guerra da Guiné (1961/74), que a lei da vida vai fazendo desaparecer. Felizmente estes ainda estão vivos.Vou mandar as fotos são 11. Mas já sei que tu só aceitas 10. O 11º (por sinal, o Jorge Araújo, "ranger", está a preparar-se para ir para o mato, numa operação à "Ponta do Inglês"!, pelo que náo aparece na imagem de grupo, uns sentados e outros de pé, à volta da fogueira.

Legenda (possível): 1= Virgínio Briote (oiu será o 4 ?)  | 2=João Martins | 3= Cherno Baldé | 4= Humberto Reis (ou será o 1) | 5=Patrício Ribeiro | 6= Luís Graça | 7 = Carlos Vinhal | 8 = Edurado Magalhães Ribeiro | 9 = Mário Beja Santos | 10 = Hélder Sousa | 11 = (omisso, Jorge Araújo)

Infografia: LG + ChatGTP (2025)


1. A metáfora do "último dos moicanos" é aplicável aos "último dos soldados do império" ? (*)

Sim e não... A expressão "o último dos moicanos" é usada como referência aos últimos sobreviventes ou resistentes de uma causa, de um povo, de uma era, etc.

Inspirada na obra literária de James Fenimore Cooper ("O Último dos Moicanos" que eu nunca li, data de 1826, quando muito posso ter a "história" nalguma banda desenhada na minha infància), o uso da metáfora evoca uma sensação de resistência solitária, de testemunho de um mundo desaparecido ou em vias de desaparecer... (E temos tantos exemplos de comunidades, organizações, causas, movimentos, etnias, povos, nações, etc., a começar por África, a quem podíamos chamar "os últimos moicanos")...

Penso que a expressão ficou no ouvido sobretudo de quem viu o filme, baseado naquela obra literária, e que adoptou o título homónimo, de 1992, "O último dos moicanos", do realizador norte-americano Michael Mann

O filme passou na RTP1. Não o vi. Aqui a sinopse: 

(...) "Uma história de amor sem fronteiras, uma recriação detalhada da turbulenta América colonial do século XVIII

Baseado no livro de James Finimore Cooper, 'O Último dos Moicanos',  é uma história de amor sem fronteiras, uma recriação detalhada da turbulenta América colonial e uma saga excitante sobre a guerra entre ingleses e franceses, no século XVIII, por um pedaço do solo americano. Hawkeye é um homem criado por índios e que luta por justiça e pelos princípios moicanos. Cora Munro é filha de um oficial britânico. Eles apaixonam-se e juntos enfrentam a ira do cruel e vingativo Magua."(...)


Ao aplicar esta metáfora (que é mais uma expressão de humor de caserna do que uma "verdade histórica"...), o Abílio Magro & Companhia (**), os últimos militares portugueses a deixar Bissau em setembro e outubro de 1974, bem podiam descrevem-se a si próprios como os últimos estafetas de uma corrida de 500 anos, os remanescentes de um poder (colonial) que acabava de passar à História.

Sem o dramatismo da saída dos americanos de Saigáo, eles eram os últimos representantes de um exército que "passava a bola", o poder, aos "novos senhores da guerra", o PAIGC... Sem derrota militar, acrescente-se!"... 

O que os tugas disseram aos discípulos de Amílcar Cabral, foi: "Agora mostrem o que valem"!... (É evidente, sabemo-lo, hoje: infelizmente, o PAIGC não tinha gente nem condições para fazer o país que o líder histórico sonhava.)

É claro que a expressão também carrega um misto de melancolia, nostalgia, saudade... (A Guiné, as suas paisagems, as suas gentes, mais do que a guerra, ficaria nas nossas boas memórias, e temos lá voltado em "turismo de saudade", os "tugas" são desconcertantes, são sentimentais, são solidários...).

Objetivamente falando, o Abílio Magro & Companhia foram também as derradeiras testemunhas de um "capítulo da História de Portugal" (como se a História tivesse capítulos, com princípio, meio e fim...).

Capítulo que não se encerrava definitivamente. Afinal, a Guiné-Bissau é um país que quer (e que precisa de) continuar a manter relações, agora menos assimétricas, com Portugal: é cá que vêm tratar-se no SNS (e infelizmente também morrer) os antigos dirigente ou combatenets  do PAIGC (como o Luís Cabral, em 2009, o Aristides Perereira, em 2011, o Duke Djassy, em 2025,. só para citar alguns que me ocorrem de momnetp), é cá que muitos doentes vêm fazer hemodiálise, é cá que os muitos dos seus futuros médicos, engenheiros, professores,  advogados, etc., estudam, é cá que muitos guineenses vivem e trabalham, etc.

Para além do facto histórico (a saída dos últimos militares portugueses, que de resto já lá voltaram, mas agora em "missões de paz" da ONU...) a expressão traduz sobretudo um estado de espírito.

Para alguns, sim, poderá ter sido um sentimento de abandono e de desilusão. Foi, por certo, mais para os nossos camaradas guineenses, a que fora prometida uma paz honrosa... e que optaram por ficar na sua terra (em rigor, não tinham alternativa, Portugal não era a sua casa).

Nunca tendo sido uma colónia de povoameno, a Guiné não desperta, por parte dos "civis" que lá nasceram, viveram ou trabalharam o mesmo sentimento de "saudosismo" que experimentam os "retornados" de Angola e Moçambique...ainda hoje.

Acredito que houvesse, nessa época, uma atmosfera ambivalente, em Bissau, de nervosismo, ansiedade e alívio, capaz de gerar sentimentos contraditóriso: afinal, os "tugas" estavam desejosos de regressar a casa e em Lisboa os jovens gritavam "nem mais um soldado para as colónias"... Estupidamente ? 

Não é que houvesse um clima de hostilidade contra os "tugas", nesses últimos dias de setembro e princípios de outubro...

Nada disto é racional: quem está com um pé para ser chamado para a a tropa e a guerra (como eram os estudantes da época), e quem já lá estava, escutando com ansiedade para as notícias de Lisboa e olhando com nervosismo para o relógio e o calendário (náo havia televisão em Bissau...),   só queria é que a maldita guerra acabasse...para poder tratar da sua vidinha... 

Aconteceu em Lisboa, em 1974, como acontece hoje em Kiev, em Moscovo, em Tele Avive, em Gaza...

"Nem mais um soldado para as colónias!"... Slogan que irritava solementye os desgraçados dos "últimos moicanos"....Afinal, alguns desses jovens, que ainda não tinham ido à tropa nem muito conmhecido a realidade das colónias, a militar (alguns, a maioria eram simpatisdanets)  na extrema-esquerda (e nomeadamente maoísta) viriam a ter, anos depois, boas carreias políticas, diplomáticas, académicas, empresariais,. etc. 

A verdade é que a liquidação do império (os seus cacos) sobrou para os "últimos moicanos", o Abílio Magro & Companhia...

Em suma, a expressão "último dos moicanos" ou "últimos moicanos" do Império, em setembro e outubro de 1974, em Bissau, significa a representação simbólica do fim do ciclo imperial português, mas também o início de um ciclo de esperança para os dois povos...

Os portugueses gostam de construir pontes, e não de as deitar abaixo. A prova disso é o nosso blogue: antigos combatentes da Guiné mantém, há mais de 20 "luas", esta ponte com a Guiné as suas gentes... Mas a expressão os "últimos moicanos" tambéms e aplica a nós, editores,colaboradores permanentes, aitores, comentadores, leitores...Não sei  se a geração dos nossos filhos vai querer (e sobretudo poder) manter estes laços afetivos, ou mesmo é dizer, manter aberto este ponte de diálogo, comunicação, partilha, interação...

PS -  O editor LG tinha deixado o seguinte comentário no poste P15618 (e que mantém, após ter lido ou relido o poste do Albano Mendes de Matos, P27278):  

(...) Há algo de pungente na tua descrição, tão singela, ingénua e ao mesmo tempo tão realista e quase cinematográfica dos últimos dias de Bissau... São pinceladas, são apontamentos, são "flashes", são pequenos detalhes de uma atmosfera, única, a da véspera de se partir, definitivamente, para casa e deixar atrás a tralha da História, e as ruínas de uma guerra, que vai, contudo, continuar a arder em lume brando...

Acho que, quem como tu, foi um dos últimos guerreiros do império, mesmo tendo sido um honestíssimo e patriótico amanuense, não mais poderia esquecer esses últimos dias, essas últimas horas...

O teu "prisioneiro da ilha das Galinhas" é um "boneco" bem apanhado!... Estou a imaginar a cara de desagrado, nojo, confusão e impotência dos nossos "maiores" (em geral, majores, tenentes coroneis e um ou outro coronel) ao tropeçar, à portas do QG, com o teu "moicanho"... 

Mas todos foram, "chefes e índios", tristes figurantes do filme em que os "tugas" sairam de cena... daquela parte de África aonde justamente tinham sido os primeiros, dos europeus, a chegar, em meados do séc. XV!...

Obrigado, mano Magro, por mais este delicioso naco de prosa!..

(Revisão / fixaçáo de texto, título: LG)
________________


(**) Vd. postes de:


domingo, 21 de setembro de 2025

Guiné 61/74 – P27239: (Ex)citações (438): Noite de petisco: cabrito assado no forno (José Saúde, ex-fur mil op esp / ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74)

 




Nova Lamego >c. 1973/74 >Noite de petisco: cabrito assado no forno > Os furriéis Godinho, o Santos, um camarada de Coimbra, o outro Santos, o Rui Álvares e eu. 

Foto de José Saúde (2025)





1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.



Noite de petisco Cabrito assado no forno: momentos inesquecíveis


por José Saúde


Camaradas,

A linha do tempo vai, vagarosamente, alimentando uma infinidade de prazeres onde a nossa juvenilidade proporcionava um mar de gigantescas emoções aquando da comissão militar por terras da Guiné. Eramos jovens, com as mentes a enviarem-nos para sensatos sonhos, mas para muitos dos nossos camaradas esses mundos dos sonhos quedaram-se em maquiavélicas crueldades que a guerrilha proporcionava.

Porém, existiram momentos inesquecíveis que nos embalavam para uma imensidão de alegrias quando a hora passava pelo refrescar as gargantas e alimentar estômagos já fatigados de refeições servidos em “pratos de loiças cuja criação tinha a marca de Bordalo Pinheiro e de talheres prateados”. Claro que estes utensílios que aqui menciono, entre ásperas, são meras ficções, dado que o nosso 2º sargento Martins, o homem que orientava a nossa messe, servia a rapaziada com pompa e circunstância, quer na qualidade de refeições, quer no conjunto de vasilhames que colocava nas mesas. O sargento Martins, um homem de Elvas, fazia jus em colocar-nos na mesa bons repastos, atendendo à circunstância então deparada. O pessoal não reclamava e toca a encher o “bandulho”.

Hoje, recorrendo às muitas fotografias que armazenei, lá vou puxando pelas imagens que arrumo, com paixão, no meu baú, recordando, com saudade, os tempos em que a nossa camaradagem se fixava num elo comum onde amizade obviamente proliferava.

Sabemos, pois é irreversível, que um dia viajaremos para uma outra plenitude, mas dessa antiga expedição, forçada, transportaremos connosco vivências que o tempo jamais ousará apagar. Guiné, sim a Guiné, aquela terra vermelha por nós calcorreada, foi palco das mais dispares crueldades. Mas, por outro lado, fica a razão que aqui vos deixo, sobrando o afirmar que o petisco fora feito pelos cozinheiros do rancho geral.

Estava divinal! O jovem animal foi comprado na tabanca e não recordo quantos pesos terá custado. O banquete teve lugar na cantina dos soldados e assado no forno com o saber do mestre padeiro da unidade. O rapaz nunca se refutou a pedidos desta estirpe. Estava sempre disponível! A sua presença no repasto assumia-se como imprescindível e o seu trabalho reconhecido.

Uma mesa comprida, bancos alongados, uns sentados, outros em pé e com a inevitável presença das velhas sagres, a rapaziada comeu e bebeu que se fartou registando-se cenas hilariantes durante o beberete. O Santos, com um sorriso fechado, assemelhava-se a um emigrante desconhecido que parecia não entender o motivo da festança. O seu pensamento levava-o, talvez, a meditar num levantamento de uma mina anticarro que poderia, eventualmente, ser o seu próximo destino. O Rui, vagomestre da Companhia, mostrava os seus dotes de comediante. O ranger Rui, ao meu lado, desfazia-se com as brincadeiras. O Godinho, em frente, ria que nem um doido. Eu, já toldado, apontava a cara do homem de Coimbra e ele presenteava-me com caretas que faziam rir todo o grupo em período de dar ao dente.

A noite de petisco - cabrito assado no forno com batatas - foi sobejamente regada. Uma festança que conheceu outros capítulos. A guerra naquela noitada foi outra: comida e bebida que chegou, sobrou e regalou os jovens combatentes.

Aquele pessoal da cantina dos soldados era formidável. Um pedido nosso – furriéis – era logo timbrado com um profundo SIM. 

Ao sair da guerra do comestível, e já um pouco desequilibrado com excesso de álcool, cai num buraco feito à entrada da cantina que, não obstante o seu aviso de alerta, me deixou sequelas numa perna.

Aquilo a que chamávamos buraco era um abrigo feito propositadamente por antigos camaradas que por ali tinham passado e que se abrigavam dos ataques noturnos do IN. Um símbolo que a rapaziada fazia jus em preservar. O local era conhecido, mas naquela noite surpreendeu-me. Fui arrastado pelo devaneio de umas cervejas a mais e de um inoportuno ziguezaguear que me levou a calcorrear por um trilho referenciado, mas atempadamente esquecido.

Sobrou a maravilhosa noite de convívio de homens que viviam em pleno palco de guerra!

Abraços, camaradas

José Saúde

Fur Mil OpEsp/RANGER, CCS / BART 6523

___________ 

Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

30 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 – P27169: (Ex)citações (437): Por aí, ouvindo, vendo, lendo, analisando e concluindo. (José Saúde)

sábado, 30 de agosto de 2025

Guiné 61/74 – P27169: (Ex)citações (437): Por aí, ouvindo, vendo, lendo, analisando e concluindo. (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


Por aí, ouvindo, vendo, lendo, analisando e concluindo

Camaradas,

Não fomos, com o devido respeito para com todos os camaradas, combatentes que desafiávamos a temperatura do ar condicionado, ou onde a “calma” das esferográficas e das velhas máquinas de escrever que ditavam narrativas para os superiores hierárquicos, lá longe, analisarem, concluírem e decidirem. Não fomos, por isso, semidivindades de uma guerra onde a luta pela sobrevivência se circunscrevia na velha expressão: “matar para não morrer”. Fomos, somente, rapazes, melhor, miúdos que desfiávamos o imprevisto do momento seguinte pelo interior de um denso mato. Cada um de nós tem as suas histórias, ou estórias para contar. Tudo ficou, como é evidente, registado em memórias que ainda hoje mexem connosco. Importa não menosprezar opiniões de camaradas que contam as suas realidades, mas nunca alicerçando em depoimentos de outros que, numa posição de autodefesa, “estraçalham mato” e partem para as mais vituperas e vácuas apreciações.

Neste contexto, revejo factualidades por nós conhecidas nos três palcos de guerra; vendo histórias de gentes africanas que ao longo das suas vidas se confrontaram com diversos problemas impostos por etnias que os olhavam de esgueira; lendo sobre modos de vida de sementes que por lá deixámos e como alguns eram, e são, vistos pelo meio comunitário onde convivem; analisando o sofrimento daqueles cujos espermatozoides que fecundaram um óvulo de uma jovem e geraram um ser humano; analisando a forma como, passados muitos anos, é possível constatar uma inequívoca veracidade que todos, ou quase todos, conhecemos, ou seja, o sexo em tempos de guerra; concluindo, afinal pelo mais invulgar e decrépito lugar por onde passámos lá ficaram as marcas que, entretanto, ousámos desvendar, tendo em conta a minha força moral que me incutiu trazer à estampa veracidades que tendiam ficar amorfas numa prateleira onde o bicho da madeira cria um casulo onde os segredos tombariam em saco roto.

Do efeito desta conversa espadaúda, ficam as avestruzes que enterram a cabeça na areia e quebro a veracidade de um silêncio que fora verdadeiramente real.

A propósito, retirei, com a devida vénia, do texto escrito pelo camarada Zé Teixeira, em humor da caserna, que a “Maria tira di brancu”, acrescentando o seguinte: “Houve cenas engraçadas com a Maria-tira-cabaço. Um camarada e amigo, encabaçado, tinha vontade e… inexperiência, vergonha, medo, falta de jeito, etc. Este foi, meteu a cunha e gozou… de borla. O outro pagou a dobrar, isso de tirar cabaço a branco tinha de ser bem pago”.

Obrigado, Zé, pois, com coragem e brio, tocas num tema tabu, mas literalmente verdadeiro. Acho que não deves levar a mal este meu atrevimento, mas achei o texto deveras interessante, daí que me deu vontade em ir buscar um outro por mim já levantado: Sexo na guerra. Tabu? Abraço, Zé Teixeira,

Camaradas, reconheço que o tema não é de nada generoso, mas é real. Deixo um dos muitos textos que fica narrado no meu livro – “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/1974”. Editado pela Colibri, Lisboa.


Sexo na guerra
Tabu?

Indolente, obesa e com um falar melodioso a mulher grande impunha respeito à plebe que por norma a rodeava. A sua tabanca, simples e despida de preconceitos, situava-se entre o quartel novo onde estava instalada a CCS do BART 6523 e Nova Lamego. Um passeio noturno da rapaziada levava o pessoal a uma visita espontânea a casa da mulher grande.

Noites que procediam ao recebimento do fresco pré eram, normalmente, sinais evidentes para uma emboscada dos soldados à porta da idosa senhora.

É do conhecimento geral, e não vamos escamotear a inequívoca verdade porque se sabe que o contraditório de opiniões existentes obedece a uma vénia e profunda reflexão, que o sexo foi sempre uma evidente prática comum entre os seres viventes.

Desde os primórdios da humanidade que o ato se pratica em toda a sua extensão. Refere a Bíblia, património universal da Religião Cristã, que já Adão e Eva assumiram o sexo, ainda que virtualmente escondido, mas que no momento de calor e compaixão uniram os seus órgãos genitais e consumaram uma relação sexual.

Neste contexto, importa assumir o ato com frontalidade e não optar pela surdez, procurando o eventual pecador espontâneo imitar a velha avestruz num austero deserto australiano, isto é, esconder a cabeça na areia para passar em seguida como um ser imaculado. Nos tempos de guerra, está provado cientificamente, que são propícios a encontros amorosos. A guerra do ex-Ultramar não passou incólume a desvarios praticados e não assumidos.

A Guiné não foi um caso à parte. Em Nova Lamego, independentemente de encontros amorosos sob um silêncio colossal, havia quem fizesse render as aventuras de jovens em plena ascensão sexual a troco de patacão. Os pesos (escudos) na Guiné eram bênçãos divinas. Na minha conceção, embora discutível, admito que o ato sexual praticado pela mulher não passava exclusivamente por uma mera venda do corpo, mas pela maneira mais prática, e simples, em realizar uns magros pesos para sustentar inadiáveis compromissos familiares.

Negócio? Isso eram ajustes de gentes feitas com o sistema. A mulher grande que eu conheci em Gabu tratava o assunto com uma ligeireza perversa. “Arranjava” bajudas e a malta despejava os seus espermatozóides em vaginas dilaceradas pelos muitos serviços prestados. Consequências? Tudo era tabu! Há quem se refugie numa mítica opção tentando a todo o custo tapar o sol com uma peneira.

Tímidos e envergonhados afirmavam que voltaram virgens. As mãos arrogaram-se às brincadeiras das crianças. Parafraseando um velho político, já falecido, num momento áureo da Revolução de Abril, dizia ele para o camarada ao lado: “Olhe que não!”

Não constringiremos cenas passadas. Verídicas! Assumo que não fui imaculado. Hoje, tal como sempre, dou a cara. Deixo em prosa uma etapa da vida que não me passou ao lado. Pratiquei atos sexuais, sim senhor, como tantos outros camaradas de armas.

Afirmo, com segurança, que numa noite quente eu e um outro camarada, furriel miliciano da minha Companhia, ousámos desafiar a escuridão da tabanca e fomos parar junto a um casal de idosos que gentilmente nos recebeu propondo-nos, de seguida, uma visita à casa do lado, onde uma bajuda, feita a favores sexuais, nos recebeu.

Discutimos o valor, acertámos o custo final e, isoladamente, lá fomos fazer o respetivo serviço. Depois de pagarmos, e no meio de uma franca cavaqueira, apareceu-nos a bajuda, aquela que tinha saciado os nossos eternos anseios carnais, com uma deficiência descomunal numa das pernas. Infelizmente era coxa.

Ressalve-se, porém, que a rapariga era de facto bonita, mas a contingência da vida carimbou-a com um enorme defeito físico. Olhámos um para o outro e em mansinho comentámos: “A nossa amante foi mesmo esta bajuda? Muito bem, o serviço está feito e nada a comentar”, ficou a experiência.

Chegados ao quartel, como era hábito, tomámos um aprazível banho com água barrenta e introduzimos na uretra do pénis uma milagrosa pomada que, ao que tudo indicava, queimava o mais atrevido intruso verme que procurava poiso numa outra superfície humana desconhecida.

Numa outra noite e com a luz ténue de uma candeia à meia haste, fui ter com a mulher grande e perguntei-lhe se por acaso havia bajuda nova, a mulher, experimentada nestas andanças e com um olhar vazio, olhou-me de alto a baixo e atitou-me com esta: “ei furrie você é comando… manga di mau”.

Sinceramente não me apercebi da sua ligeireza ao detetar no camuflado os dísticos que sempre transportava na farda. Acalmei-a e disse que era na verdade ranger, não comando, mas mau… nunca. Coloquei em solene a minha forma de ser e a cordialidade que sempre marcou a minha amizade para com o próximo. A conversa prolongou-se e num repente a mulher grande brindou-me com o meu desejo. Ficou a certeza de que outros se seguiram.

De outros encontros pseudo amorosos ressalta também uma visita ao bairro do Pilão, em Bissau. Vagueando entre a imprevisibilidade de estreitas ruelas de tabancas nada iluminadas, algumas completamente às escuras, acompanhado de um velho amigo, desafiámos o imprevisto e fomos ao encontro dos nossos desejos sexuais. Confesso que chegámos a temer a aventura. Passavam por nós homens negros, altos, de túnicas compridas, enfim, silhuetas que em determinada altura nos levou a duvidar da fartura. Cumprimentávamos e eles, simpaticamente, respondiam. Tudo ok, comentámos.

O Pilão era um bairro dos subúrbios de Bissau onde a malta da metrópole por norma não passeava. A noite tinha um cunho arrojado. A palavra passava de boca em boca e os tropas arrepiavam caminho.

Todavia, decidimos desafiar essa perigosidade e encontrei uma jovem mulher e de corpo descomunal, a quem me entreguei por alguns momentos de delírio. Paguei e aventura terminou aí. Nunca mais a vi!

Concluindo: porquê escamotear verdades de jovens entregues a elementares gostos sexuais procurando, nalguns casos, tentar passar isento a constrangimentos entretanto criados? Tabu? Ou consequências lógicas dos nossos verdes anos?

Resenha final: assumamos, porque Deus fez o homem e a mulher e projetou os dois seres com um fim comum, amar e procriar.

Abraços, camaradas
José Saúde
Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523

___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 

13 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27014: (Ex)citações (436): "Filhos de Tuga"... e o caso do meu mano, meu amigo, meu herói, militar de carreira, falecido em 2021 (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69; Vila do Conde)

domingo, 13 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27014: (Ex)citações (436): "Filhos de Tuga"... e o caso do meu mano, meu amigo, meu herói, militar de carreira, falecido em 2021 (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69; Vila do Conde)



Guiné > Região de Gabu > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Fonte de Nova Lamego > O Virgílio Teixeira posando com uma bajuda e lavadeira do Gabu. 

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem enviada pelo Virgílio Teixeira (ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69; natural do Porto, vive em Vila do Conde; gestor e empresário reformado; tem 205 referências no nosso blogue para o qual entrou em 19/12/2017):


Data - quinta, 3/07/205, 17:46
Assunto - Os filhos de tuga, restos de tuga, filhos do vento...


Falamos do 1º episódio da reportagem sobre os "Filhos de Tuga" (ontem na RTP1).

Ontem, foi da Guiné, suponho que os dois próximos sejam de Angola e Moçambique.

Para mim, ficou muito aquém da expectativa, salve-se ao menos de não falar da guerra e dos comentários dos ex-turras, hoje, guerrilheiros , como no passado com outros comentários, designadamente do Furtado. Fiquei enojado com isso.

Isto já foi passado noutras noutros reportagens, os filhos do Vento, foi assim que passei a conhecer a Isabel Levy, viúva do Pepito, que na altura nada me diziam.

Alertei toda a gente conhecida para ver o programa, alguns fizeram, outros nem viram a mensagem, ou então pelo titulo apagaram logo, pois não era sobre coisas da nossa juventude, como concertos, festivais, festas de verão, e outras modernices dos 18 aos 58 anos.

Já conhecemos a temática, e pelo que já li e vi de comentários vários, chego à conclusão que estas iniciativas têm em vista, por um lado, conhecerem os seus pais, por outro lado, obterem a cidadania de Portugueses, e as regalias inerentes, que a meu ver, no quadro de então, eram todos portugueses.

Não gosto que uma pessoa seja filha de pai incógnito, quando muitas vezes já sabem quem é o pai verdadeiro, e agora há os testes ADN que não deixam margem para dúvidas.

A verdade é que ainda hoje, em pleno Século XXI, ainda nascem muitas crianças sem pai (registado) , filhos de pai incógnito! Pai há, só que não querem dar o seu nome, por muitas e variadas razões, e outros não têm a certeza disso, nem querem ser submetidos aos testes ADN.

Mas isto é filosofia, e as entidades responsáveis que cuidem destas situações, no mínimo, tristes e degradantes, para os filhos acabados de nascer e pela vida fora.

Por isso não é, de facto, de estranhar, pois num cenário de conflito de guerra, não há leis, a não ser a da própria consciência de cada um.

Nas nossas guerras de África, e nas outras de séculos passados, quantos são os que fazem o papel de filhos do vento?

Como aprendi na instrução primária, no planeta Terra haviam 4 raças - Brancos, Pretos, Amarelos e Mongóis.

Não havia brancos mais brancos que outros, não haviam pretos com cor mais clara, os Amarelos eram de toda a Ásia, e os Mongóis, eram uma raça superior com os seus impérios. Não sei mais nada.

Este amaranhado de povos ao longo de séculos, foram se misturando, dando origem, hoje, a uma multiplicidades de raças e cores inimagináveis.

A maioria dessas pessoas oriundas de guerras entre povos bárbaros e afins, não faltando as árabes e muçulmanos, hindus e chineses, somos uma amálgama de várias origens, eu próprio com pele mais escura, até chego a confundir a minha raça.

Portanto das relações havidas, sejam elas forçadas ou consentidas, entre raças que nem imaginamos, saíram filhos, todos com mãe, mas muitos sem o nome dos pais, nem se sabiam quem eram.

Não me repugna que hajam ainda tantas pessoas na nossa ex-África, e províncias ultramarinas, que não conhecem os pais. Não acredito muito na tese de violência sexual, da qual nasceram tantas crianças. Não é de uma relação apenas que nascem logo filhos, na maioria são de relações prolongadas, e com consentimento de ambas as partes. Não havia proteções e o tempo não dava para isso, a avidez carnal ultrapassa tudo isso. Claro que nós, como gente eventualmente mais adiantada, devíamos ter esse cuidado, mas quem vai pensar nisso...

Sem fazer juízos de valor, acho que há aqui um entendimento, seja por razões culturais, económicas ou outras, tal como acontece aqui, nas nossas cidades e aldeias, com as várias casas de prostituição, só que está tudo mais evoluído.


Sem pudor nenhum, falo de um caso na minha familia, nem sequer o vou esconder, o meu irmãos mais velho um ano e meio, já falecido (**), era pior que esse algarvio (o Camarinha!, não me lembro do nome): o meu irmão enrolou-se com uma rapariga, que eu conhecia, por sinal irmã de uma outra com quem partilhei algum tempo, nada mais, e vai daí sai um filho, isto é uma filha, que dizem ser muito parecida com ele, meu irmão.


Mas não era só o meu irmão que ia lá vasculhar, outros seus amigos faziam o mesmo nas mesmas ocasiões, eu estou de fora.

Então a menina vai fazer queixa ao meu pai, que era de uma inflexibilidade e responsabilidade impecável.

Não sei os pormenores, mas o caso foi passando e o meu irmão sempre disse que pode ser ele ou dos amigos, devidamente identificados, mas ela, porque o meu irmão era já militar de carreira, lhe interessava mais, e a criança nunca teve o nome de nenhum pai. Ingrata situação.

Passaram décadas, o meu irmão morreu, a noticia percorreu rápido, pois era tudo muito perto. O meu irmão teve mais dois filhos, menina e menino, fora de casamento, mas ele normalmente os perfilhou.

Mas havia outro filho, de outra mulher, era o primeiro da série, que ele perfilhou, mas nunca casou com a mulher.

Sou mais tarde acusado por esta primeira e pelo filho, que o meu pai o adorava e queria que ele fosse para a Academia Militar, era a cara do meu irmão, mas que a mãe se opôs, e sou acusado de ser o responsável por este desvio, nem me passou pela cabeça. O rapaz foi sempre muito acarinhado pelos avós, em especial o meu pai, mas também a minha mãe e irmãos. Eu respeitava a outra e nunca interferi e vi que ele batia a bola mais pela nova do que pela primeira.

Quando o meu irmão morreu, também fui acusado, pela minha cunhada e filhos, de nunca ter tido uma vida mais perto deles, quando afinal os últimos vinte anos antes da sua morte, nós falávamos todos os dias, pessoalmente, no Norte Shopping do Porto. Mas não nos visitava lá em casa, ao contrário de os receber e bem na minha. Ele foi sempre, e tal como escrevi no ramo de flores no seu funeral: "Ao meu irmão, meu herói, meu amigo» . Nunca te esquecerei!

Mas não fica por aqui, as relações com o meu irmão eram ótimas e há coisa que só ele e eu sabemos, mais ninguém.

Mas a mulher por inveja, e não vejo mais, passou a não se dar connosco, depois de ter sido eu mesmo, a introduzi-la na minha familia, os filhos seguiram as pesadas da mãe. Morreu o homem sem a gente se ver algum tempo antes.

Passados uns tempos, ele morreu a 9 de Maio de 2021, por doença prolongada, a nossa familia toda fez-se representar condignamente no seu funeral, com bandeira e guarda de honra, fotografei tudo.

Neste ano, ou fins do ano passado, sou confrontado com um mail, de uma pessoa que se identificou com o nome e morada, dizendo que era o meu cunhado, marido da alegada filha do meu irmão, e que estavam muito zangados por o meu irmão nunca ter ido visitar o neto e filha, etc....

Refutei tudo, e perguntei que tenho eu a ver com isso, porque não o fizeram diretamente com o meu irmão enquanto ele era vivo?

Foi uma conversa de lá para cá e vice versa, sem se chegar a nada.

Nunca percebi como esse senhor arranjou o meu email pessoal, sem nunca nos conhecermos . Fiquei a pensar que terá havido conversas com ele, meu irmão, antes de morrer, mas com a intervenção da minha cunhada, sua mulher e dos seus filhos, que chutaram a bola, dando o meu email! Felizmente não deram o telefone.

Espero que o caso esteja encerrado, mas admito que o meu irmão tenha muitas culpas no cartório, sempre lhe disse, mas era tipo tarado, não tenho outras palavras. Já a nossa vizinhança, ele teria os seus 15 ou 16 anos, era o terror das raparigas vizinhas, amigas ou não da nossa casa.

Deus o tenha em paz.

Eu gostava e continuo a gostar dele, sem limitações. Há um Poste dessa data com fotos, que pode ser consultado (**).

Teve vários problemas disciplinares na tropa - era do quadro - por causa e sempre das mulheres e dos seus desenfianços.

Em 1969 quando eu regressei , tive de o safar de muitas coisas, utilizando ainda o meu cartão de alferes, junto do Quartel General e o seu comandante, nosso amigo e vizinho passado.

Foi sempre muito respeitador da nossa familia, em especial a minha mulher à qual ele tinha elevado respeito, e vice versa.

Nunca fomos de beijinhos, íamos a muitos sítios os quatro, mas sempre nos cumprimentávamos de mão, jamais houve beijos.

Então quando eu cheguei e face ao que eu lhe contava da Guiné, ele ficou com a ideia, talvez não clara, que não era terreno para ele. Tinha sido mobilizado para lá como Técnico de Radio Transmissões, era um especialista que aprendeu em Paço de Arcos.

Ele já tinha tido dois anos na Índia, 6 meses como prisioneiro, depois em Angola durante 28 meses, percorreu de lés a lés, foi o responsável pela primeira chamada via rádio de Cabinda para o meu Pai.

Confrontado como nova mobilização para a Guiné, arranjou um esquema altamente sofisticado, de modo a nunca ter ido, mas com contornos do arco da velha.

Passou à disponibilidade em 1969, pela minha mão, com a Pensão de Invalidez respectiva. Mais tarde veio a pensão de prisioneiros, uma bela molhada de massa. Vitalicia, pois ainda a mulher usufrui dela. Coincidências sem explicação.

Quando ele esteve como prisioneiro na Índia ainda não tinha conhecido a sua futura mulher, mas ela teve direito também à pensão.

Conclusão, após esta confusão que lancei aqui:
  • não há crime nenhum de ter filhos sem os perfilhar;
  • há culpas de carácter também reprováveis,
  • muitos filhos de Tuga, nem os Tugas os conhecem nem sabem;
  • outros sabem e nada fazem;
  • são opções, depois de uma vida feita com outra familia;
  • reprovo fundamentalmente as violações, sejam quais forem as situações, o homem não é um animal....

Lamento profundamente aqueles que vivem e morrem ser ter os nomes dos pais, nem sequer os conhecerem.

Abraços, 

Virgilio Teixeira

_____________


(**) Vd poste de 9 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22186: In Memoriam (394): Jorge Oscar Machado Teixeira (1941-2021), 2º srgt QP, radiomontador, DFA, reformado, irmão mais velho do nosso camarada Virgílio Teixeira, e que esteve prisioneiro na Índia, em 1961/62

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26975: (Ex)citações (435): Não tememos vir a público falar sobre os filhos que por lá ficaram nos três teatros de guerra, Angola, Guiné, Moçambique... (José Saúde, escritor, e ex-fur mil OE/Ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74)

1.  Comentário do José Saúde 
ao poste P26972 (*)

Camaradas,

O tema é real. Reconheço que, em princípio, não terei sido bem interpretado por alguns dos camaradas, mas o tema é exatamente verdadeiro. Não é, ou foi, ficção. 

Não tememos falar sobre os filhos que por lá ficaram nos três teatros de guerra Angola, Moçambique e Guiné, cuja vinda ao mundo foi originada por camaradas nossos, e não me excluo, que em certos momentos de amor físico lá deixavam "sementes" que originaram crianças com a patente lusa. 

Por isso, arrisquei trazer a público a questão dos "filhos do vento", algo que se assimilava a um tabu, melhor, a uma caixa hermeticamente fechada no silêncio dos deuses e "ai, Jesus, quem porventura o fizesse", pois logo vinha a misericórdia em que os mais atrevidos, neste caso eu assumo-o com inteira justeza, eram zurzidos com as mais díspares "soberbas" posições, que eu próprio admiti e compreendi, mas jamais me vergando a quem assim o entendia. 

Respeita escrupulosamente opiniões adversas.

Somos, hoje, camaradas que militamos na casa dos 70 ou 80 anos, por conseguinte tudo é passado, mas lembrem-se, e sempre, que nós, "os tugas", éramos "miúdos" na casa dos 20, 21, 22 ou 23 anos, por conseguinte, nunca esqueçam que houve crianças, hoje homens e mulheres, que ao longo da vida se confrontaram com problemas tribais que lhe atribuíram um símbolo de valores na verdade nefastos.


Bem-haja a hora em que aqui no nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné, ou no livro "Um Ranger na Guerra Colonial, Guiné-Bissau,  1973/1974" (Edições Colibri, Lisboa)=, trouxe o tema a público e que resvalou para patamares superiores e, quiçá, impensáveis.

Deixo uma troca de mensagem entre este vosso camarada e a jornalista Catarina Gomes, autora dos episódios (que começam a ser exibidos na RTP, na quarta, dia 3) (*)

Abraço, camaradas, Zé Saúde (**)
_________________

Troca de mensagens recentes entre o José Saúde e a Catarina Gomes:

José Saúde:

Catarina, o tema foi tabu ao longo de vários anos, todavia, valeu a minha iniciativa em trazer a público os "filhos do vento" que abriram estradas para que hoje essa temática deixasse de ser um misterioso mundo onde se cruzavam segredos que poucos ousavam, e ousam, admitir. Mas, a humanidade, sim nós seres pensantes que fomos meros protagonistas na guerra colonial, conhecemos essa realidade.

 Quando lancei o tema, quer no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, ou num dos meus livros já editados (11) - "Um Ranger na Guerra Colonial, Guiné-Bissau,  1973/1974" (Edições Colibri, Lisboa), fui sujeito aos mais fúteis comentários, porém, nada me incomodou e segui em frente, dado que eu, afinal, tinha razão e sabia daquilo que falava. 

Para esses homens e mulheres, outrora crianças, deixo expresso o meu singelo sentimento de solidariedade. Sejam felizes, porque são gentes com sangue de tuga. Eu testemunhei e afirmei-o conscientemente.

Catarina Gomes:

José Saúde: Foste tu quem abriu esta caixa, que continua a reservar surpresas. Muito obrigada. Beijinhos




Capa do livro do José Saúde, que foi apresentado na Casa do Alentejo, Lisboa, em 8 de fevereiro de 2020, pelo major general Raul Cunha e por Luís Graça.


(...) Era linda! Por ironia do destino não consigo lembrar-me do seu nome. Sei, e afirmava o povo com certezas absolutas, que era filha de um camarada, furriel miliciano, que anteriormente esteve em Nova Lamego. Era uma criança dócil. Meiga. Recordo que a sua mãe era uma negra, muito negra, com um rosto lindo e um corpo divinal. Conheci-a e verguei-me perante a sua sensibilidade feminina. Da menina, agora feita senhora, nunca mais soube.(...) A menina foi, afinal, mais um dos “filhos do vento” que marcaram os conflitos em África. (***)


O Zé Saúde, alentejano de Aldeia Nova de São Bento, a viover em Beja,  "ranger", jornalista e escritor, foi o primeiro a levantar aqui, entre nós, a dolorosa e delicada questão dos "filhos do vento"...

A expressão "filhos do vento" foi usada pela primeira vez em 19/9/2011 (***).

 Temos uma centena de referências a esta temática ("filhos do vento" e "fidju di tuga"). 
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26972: Agenda cultural (892): "Filhos de tuga": documentário em três episódios, com a duração de 52 minutos cada: começa amanhã na RTP1, às 22:29

(**) Último pposte da série > 2 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26974: (Ex)citações (434): Uma questão de "falso pudor"... (José Teixeria, régulo da Tabanca de Matosinhos; ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)

(***) Vd. poste de 19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo: “Filhos do vento”

Guiné 61/74 - P26974: (Ex)citações (434): Uma questão de "falso pudor"... (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos; ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guileje > 1 de março de 2008 > O Zé Teixeira com a Cadidjatu Candé (infelizmente já falecida), filha de Akiu Candé, o valente alferes de 2ª linha e comandante de milícias no Quebo, preso e assassinado com requintes de crueldade  pelo PAIGC depois do fim da guerra.

Foto (e legenda): © José Teixeira (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Desafiei o Zé Teixeira  ( e o Cherno Baldé) a comentar este posta P26971 (*):

Zé e Cherno:


Não sei se é pedir-vos muito... Mas gostava que comentassem a primeira parte do aerograma do nosso já saudoso Fernando Calado, que acabou de morrer há dias... Esteve comigo cerca de um ano em Bambadinca. E nestes últimos quarenta / cinquenta anos, apreciei melhor o seu fino trato.... E falou do nosso blogue, antes de morrer, segundo confidência da viúva, Rosa Calado.

A questão do pudor, entre diferentes culturas (e em diferentes épocas), é um tema apaixonante... Os médicos, desde Hipócrates, há 25 séculos que dizem "naturalia non turpa" (o que é natural não é vergonhoso)....

Há um "pudor natural", próprio dos primatas, mas o nosso é profundamente culturalizado. O Cherno lidou connosco, tugas, tu, Zé, lidaste com os fulas, tiveste talvez tanta ou mais intimidade do que eu com os nossos bons e leais amigos, que combateram (e alguns morreram) ao nosso lado... Mas não deixávamos de ser diferentes, e em posições de poder diferentes.

Mantenhas. Luís


2. Resposta, com data de ontem,  do Zé Teixeira (régulo da Tabanca de Matosinmhos, 
ex-1.º cabo aux enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; é um histórico da Tabanca Grande, que integrou a partir de 14/12/2005; tem 443 referências no blogue; vive em São Mamede de Infesta, Matosinhos; é gerente bancário reformado) (**):


Luís.

Esta é uma questão do falso "pudor" ocidental português dos anos 60/70, enraizado num país tradicionalmente católico ao quadrado, "dono" de um (falso) Império espalhado pelos quatro cantos do mundo, como nos ensinavam na escola primária e na catequese.

Forçados a ir ao encontro de outras civilizações com diferente forma de gerir o respeito pelo corpo, naturalmente que estranhámos, e mais que isso, no caso da Guiné, não soubemos respeitar, o deles, mas refugiando-nos no nosso. 

Recordo a minha chegada a Ingoré e ser recebido por um coro de bajudas com o tronco nu a oferecerem os seus préstimos como "lavanderas". Foi um choque civilizacional e perturbador do meu eros, mais que isso, senti a falta de respeito dos soldados brancos "velhinhos" e até "periquitos", levados na onda do apalpar os seios das garotas, até com violência. E se elas eram lindas e bem jeitosas, o raio das bajudas!

Com não vi os jovens africanos a praticar tais gestos, entendi que devia respeitar a ordem das coisas (puritano? talvez!). Nunca tomei tal atitude, sem deixar de "brincar" dentro do respeito pelo "outro"/outra" a que vinha educado, como por exemplo, quando de serviço à enfermaria me aparece na fila para consulta uma jovem mulher linda e bem dotada.

- Bajuda linda e mama firme! - disse-lhe eu em jeito de piropo.

- Nega! A mim mulher grande!

- Hum, bo conta mintira. Bajunda linda e mama firme!

Então ela, a Binta, chega o peito junto da minha cara e esparrinha-a com leite do seu seio, para gáudio da mulherada que estava na fila.

Adaptei-me à realidade ao chegar ao Sul, mais propriamente a Mampatá do Forreá, onde por força das circunstâncias, vivíamos no meio da população, criei raízes de amizade que ainda hoje perduram, sempre no respeito mútuo pela forma de ser e estar de cada um. 

Fui algumas vezes tomar banho no riacho onde as mulheres lavavam a nossa roupa (um riacho que aparecia na época das chuvas), servindo-me de uma lata como chuveiro (banho à fula) e quantas vezes eram elas que me deitavam a água pela cabeça abaixo. Algumas estavam nuas e quando me viam chegar, nem sempre se tapavam, outras tapavam-se com um pano e eu normalmente estava de cações de banho e por vezes nu.

As nossas formas de ser e estar nunca foram impeditivas de uma boa relação, mas entendo bem a reação do Fernand Calado, como homem educado e respeitador que era. Por parte das bajudas, talvez mindjers garandi, foi uma atitude natural de quem se sentia à vontade, na sua forma de ver o corpo humano, sem os preconceitos ocidentais.

Zé Teixeira

terça-feira, 1 de julho de 2025 às 17:18:53 WEST

(Revisão / fixação de texto, título, negritos, itálicos: LG)

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26971: Humor de caserna (202): Dormir nu por causa do clima à noite e ter sonho "manga di bom": aerograma datado de Bambadinca, 1 de dezembro de 1969, dirigido à sua amada pelo nosso saudoso Fernando Calado (1945-2025)

(**) Último poste da série > 21 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26825: (Ex)citações (433): Ao pesquisar na Net informações relacionadas com o aquartelamento de Nova Sintra, li as crónicas do Fur Mil Joaquim Caldeira, da CCAÇ 2314, e numa delas com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”, verifiquei que, pelas piores razões, eu era um dos protagonistas da história (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)