1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Noite de petisco Cabrito assado no forno
Camaradas,
A linha do tempo vai, vagarosamente,
alimentando uma infinidade de prazeres onde a nossa juvenilidade proporcionava
um mar de gigantescas emoções aquando da comissão militar por terras da Guiné.
Eramos jovens, com as mentes a enviarem-nos para sensatos sonhos, mas para
muitos dos nossos camaradas esses mundos dos sonhos quedaram-se em
maquiavélicas crueldades que a guerrilha proporcionava.
Porém, existiram momentos inesquecíveis
que nos embalavam para uma imensidão de alegrias quando a hora passava pelo refrescar
as gargantas e alimentar estômagos já fatigados de refeições servidos em
“pratos de loiças cuja criação tinha a marca de Bordalo Pinheiro e de talheres
prateados”. Claro que estes utensílios que aqui menciono, entre ásperas, são
meras ficções, dado que o nosso 2º sargento Martins, o homem que orientava a
nossa messe, servia a rapaziada com pompa e circunstância, quer na qualidade de
refeições, quer no conjunto de vasilhames que colocava nas mesas. O sargento
Martins, um homem de Elvas, fazia jus em colocar-nos na mesa bons repastos,
atendendo à circunstância então deparada. O pessoal não reclamava e toca a
encher o “bandulho”.
Hoje, recorrendo às muitas fotografias que
armazenei, lá vou puxando pelas imagens que arrumo, com paixão, no meu baú,
recordando, com saudade, os tempos em que a nossa camaradagem se fixava num elo
comum onde amizade obviamente proliferava.
Sabemos, pois é irreversível, que um dia viajaremos para uma outra plenitude, mas dessa antiga expedição, forçada, transportaremos connosco vivências que o tempo jamais ousará apagar. Guiné, sim a Guiné, aquela terra vermelha por nós calcorreada, foi palco das mais dispares crueldades. Mas, por outro lado, fica a razão que aqui vos deixo, sobrando o afirmar que o petisco fora feito pelos cozinheiros do rancho geral.
Noite de petisco
Cabrito assado no forno
Os furriéis Godinho, o Santos, um camarada de Coimbra, o outro Santos, o Rui Álvares e eu. Noite de petiscada
Estava divinal! O jovem animal foi
comprado na tabanca e não recordo quantos pesos terá custado.
O banquete teve lugar na cantina dos soldados e assado no forno com o saber do
mestre padeiro da unidade. O rapaz nunca se refutou a pedidos desta estirpe.
Estava sempre disponível! A sua presença no repasto assumia-se como
imprescindível e o seu trabalho reconhecido.
Uma mesa comprida, bancos alongados, uns
sentados, outros em pé e com a inevitável presença das velhas sagres, a
rapaziada comeu e bebeu que se fartou registando-se cenas hilariantes durante o
beberete. O Santos, com um sorriso fechado, assemelhava-se a um emigrante desconhecido
que parecia não entender o motivo da festança. O seu pensamento levava-o,
talvez, a meditar num levantamento de uma mina anticarro que poderia,
eventualmente, ser o seu próximo destino. O Rui, vagomestre da Companhia,
mostrava os seus dotes de comediante. O ranger Rui, ao meu
lado, desfazia-se com as brincadeiras. O Godinho, em frente, ria que nem um
doido. Eu, já toldado, apontava a cara do homem de Coimbra e ele presenteava-me
com caretas que faziam rir todo o grupo em período de dar ao dente.
A noite de petisco - cabrito assado no
forno com batatas - foi sobejamente regada. Uma festança que conheceu outros
capítulos. A guerra naquela noitada foi outra: comida e bebida que chegou,
sobrou e regalou os jovens combatentes.
Aquele pessoal da cantina dos soldados era
formidável. Um pedido nosso – furriéis – era logo timbrado com um profundo
SIM.
Ao sair da guerra do comestível, e já um
pouco desequilibrado com excesso de álcool, cai num buraco feito à entrada da
cantina que, não obstante o seu aviso de alerta, me deixou sequelas numa perna.
Aquilo a que chamávamos buraco era um
abrigo feito propositadamente por antigos camaradas que por ali tinham passado
e que se abrigavam dos ataques noturnos do IN. Um símbolo que a rapaziada
fazia jus em preservar. O local era conhecido, mas naquela noite
surpreendeu-me. Fui arrastado pelo devaneio de umas cervejas a mais e de um
inoportuno ziguezaguear que me levou a calcorrear por um trilho referenciado,
mas atempadamente esquecido.
Sobrou a maravilhosa noite de convívio de
homens que viviam em pleno palco de guerra!
Abraços,
camaradas
José Saúde
Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
30 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 – P27169: (Ex)citações (437): Por aí, ouvindo, vendo, lendo, analisando e concluindo. (José Saúde)
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