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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27251: Historiografia da presença portuguesa em África (498): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1942 (54) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
A guerra exigiu restrições, já não é só europeia, ganhou dimensão mundial, as colónias têm que responder com orçamentos severos, incentivos à produção e as exportações altamente regulamentadas; haverá mesmo um Tribunal Repressivo da Especulação e do Açambarcamento; fez-se contrato com um engenheiro para estudar melhorias e alargamento do cais do Pidjiquiti, toda a administração tem a receita e a despesa sujeita a vigilância e, como veremos no referente a 1943, existe na metrópole uma Inspeção do Comércio Geral, daremos por ela a encontrar alguns lotes de borracha exportados da Guiné com impurezas de areia e matérias estranhas em volume e percentagens, serão tomadas medidas. Procura-se vasculhar em todos estes Boletins Oficiais dados que nos permitam percecionar o labor da administração, mas tudo aparece camuflado com nomeações e partidas, reformas e processos de doença, é a total discrição.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1942 (54)


Mário Beja Santos

A guerra deixou de ser europeia, extravasou para os outros continentes, redobraram as medidas de contenção de despesas, não se pode importar nem exportar à toa, usam-se as moedas estrangeiras com a maior prudência, aliás nesta altura já circula na Guiné o ouro em pó como moeda de troca, as administrações coloniais estão seriamente implicadas em cuidar do aumento da produção de bens essenciais, no caso da Guiné o controlo do arroz vai passar a ser muito severo, o mesmo acontecerá com as madeiras.

Estamos em maio de 1942, o Encarregado do Governo chama-se Armando Augusto Gonçalves de Morais e Castro, no Boletim Oficial n.º 20 publica-se uma portaria a regular o comércio e o consumo de arroz, tomam-se medidas como estas:
- Todos os que, por qualquer título, sejam detentores de arroz na colónia, com exceção dos produtores indígenas, devem obrigatoriamente apresentar às autoridades administrativas dos concelhos ou das circunscrições onde o arroz se encontre, no prazo de 24 horas a contar da data desta portaria, manifesto em duplicado devidamente datado e assinado, das quantidades de arroz em casca e arroz descascado que possuam, com indicação dos locais onde as têm armazenado e do destino que pretendem dar-lhes;
- Não é permitido na colónia vender, ceder, transportar, fornecer a trabalhadores, ou de qualquer forma utilizar quantidades superiores a 100 kg de arroz descascado ou a 150 kg de arroz em casca sem expressa autorização da autoridade administrativa;
- Será permitido aos donos das mercearias das cidades de Bissau e Bolama terem postos especiais e unicamente destinados à venda a retalho de arroz, independentes dos seus estabelecimentos principais; os comerciantes possuidores de arroz, estabelecidos nas sedes dos concelhos e das circunscrições civis, que por não terem mercearias, não seja obrigados a vender arroz a retalho e não o queiram voluntariamente fazer, ficam contudo na obrigação de fornecer arroz por grosso, aos preços tabelados, a revendedores que se apresentem munidos das respetivas autorizações;

- As autoridades administrativas, quando reconheçam que as existências de arroz nas áreas sob a sua jurisdição são necessárias ao consumo local, não autorizarão pedidos de transferência para outras áreas; a fim de regular a conveniente distribuição por toda a colónia, a Inspeção do Comércio Geral poderá mandar, por intermédio das autoridades administrativas, requisitar aos industriais, comerciantes e outros detentores de arroz a transferência de determinadas quantidades.

Temos agora obras no porto de Bissau, faz-se contrato entre o Ministério das Colónias e o Engenheiro Civil Henrique Figueiredo O’Donnell para execução dos estudos do porto de Bissau, consta do Boletim Oficial n.º 25, de 22 de junho. Diz-se o seguinte:
“O segundo outorgante obriga-se a fazer os estudos do porto de Bissau com o objectivo da construção de uma ponte-cais acostável pelos navios de maior calado, colhendo no local todos os dados necessários; se, do resultado dos trabalhos realizados no local pelo segundo outorgante se vier a verificar a conveniência e a possibilidade de se executar uma estrutura provisória que facilite a carga e a descarga de mercadorias durante o tempo necessário ao estudo e construção da obra de carácter definitivo, o mesmo segundo outorgante fornecerá os dados técnico relativos a essa estrutura; a execução do presente contrato não poderá importar a quantia superior a 400 mil escudos."

Tratava-se de um contrato completíssimo, inclusive o segundo outorgante ficava obrigado a observar escrupulosamente, e a fazer observar, pelos empregados que estivessem sobre as suas ordens na Guiné, as normas e regulamentos respeitantes a condições de trabalho dos indígenas.

O Boletim n.º 50, de 14 de dezembro, vem exatamente na mesma linha da regulamentação do comércio de arroz, por Portaria é determinado que a exportação de produtos da colónia para países estrangeiros só poderá realizar-se mediante prévia autorização do governador, sob informação da Inspeção do Comércio Geral, e prescrevem-se as atuações necessária sobre documentação, licenças de autorização, etc.

E no Boletim n.º 51, de 21 de dezembro, ficamos a saber que há um Tribunal Repressivo da Especulação e do Açambarcamento:
“Joaquim de Souto Patrício, Tenente Miliciano de Infantaria, Secretário do Tribunal Repressivo da Especulação e do Açambarcamento, certifico que na Secretaria a meu cargo existem uns autos de transgressão em que é arguido José Pereira Monteiro, comerciante, pelo crime de açambarcamento. Vistos os autos: considerando as respostas unânimes dadas aos quesitos; considerando todas as atenuantes que militam a favor do réu; considerando ter ficado provada a culpa, mas não a intenção criminosa; considerando não ser o crime cometido de grande gravidade, embora também não seja de pouca; os do tribunal acordam em dar como provado o crime de que o réu vem acusado, pelo que o condenam ao pagamento da multa de 1500 escudos.
Bissau, 3 de dezembro de 1942.

Joaquim do Souto Patrício, Tenente Miliciano de Infantaria, Secretário do Tribunal Repressivo da Especulação e do Açambarcamento, certifico que na secretaria a meu cargo existem uns autos de transgressão em que é arguido Apolinário Gonçalves Pereira, negociante, residente em S. Domingos. Vistos os autos: considerando as respostas unânimes dadas aos quesitos; considerando ter-se assim provado que o réu procedeu sem intenção criminosa, embora com culpa; considerando as circunstâncias atenuantes que militam a favor do réu; os do tribunal acordam em dar como provado o crime em que o réu vem acusado e condená-lo no pagamento da multa de 500 escudos.
Bissau, 7 de dezembro de 1942.

Joaquim do Souto Patrício, Tenente Miliciano de Infantaria, Secretário do Tribunal Repressivo da Especulação e do Açambarcamento, certifico que na secretaria a meu cargo existem uns autos de transgressão em que é arguido Maximiano Gomes Fernandes, comerciante, residente em Suzana. Vistos os autos: considerando as respostas dadas, por unanimidade, aos quesitos; considerando anulado o acórdão proferido por este tribunal em 23 de setembro; os do tribunal acordam em dar como não provado o crime de que o réu vem acusado, pelo que o isentam de culpa, o absolvem e o mandam em paz, devendo ser-lhe levantado o aresto que lhe foi justificado.
Bissau, 7 de dezembro de 1942.”


O curioso disto tudo é que no ano seguinte o Tenente Joaquim do Souto Patrício é transferido e o tribunal desaparece

Chegada do novo governador, o capitão Ricardo Vaz Monteiro, junho de 1942
Ricardo Vaz Monteiro, governador da Guiné
Carta da Guiné de 1933
Imagem extraída da revista Império, publicação de Lourenço Marques, 1952

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 17 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27226: Historiografia da presença portuguesa em África (497): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1941 (53) (Mário Beja Santos)

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