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segunda-feira, 18 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23177: Humor de caserna (50): "O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. Conclusão: Siga a Marinha!": um documento do "Gasparinho" que ainda hoje nos suscita um sorriso amargo (António J. Pereira da Costa, cor art ref)



Guiné > Região do Oio > Nhamate > CART 3330 > 1971 > Uma peça de antologia do humor negro... castrense: "O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. Conclusão: Siga a Marinha!"  ...


1. Este documento foi-nos oportunamente remetido pelo António J. Pereira da Costa, cor art e membro da nossa Tabanca Grande, com a seguinte informação (*):

(...) Aqui vai uma nota escrita pelo célebre major Gaspar que inventou aquela expressão que ainda hoje usamos: Siga a Marinha!

In Os Anos de Guerra: 1961 - 1975: Os portugueses em África: Crónica Ficção e História. Organização de João de Melo - II Volume. S/l: Círculo de Leitores 1988. 190 (documento reproduzido com a devida vénia...).

Leiam-na com atenção e vejam se ela não é um tratado de logística da Guerra Colonial. É de um humor amargo, mas era a verdade. (...)


2. Fixação e revisão de texto, da responsabilidade do editor LG, de modo a tornar mais legível o conteúdo da mensagem:


Ministério do Exército | Comando Territorial Independente da Guiné

Mensagem nº 125/71 [classificada como Confidencial, Urgente), enviada pelo Comandante da CART 3330, SPM 6928, Cap Art José Joaquim Vilares Gaspar, dirigida ao Comandante da Engenharia, com conhecimento a CAOP1, RepOper/Com-Chefe, RepPop/Com-Chefe, RecAcap/Com-Chefe, e BCAÇ 2928. Entrada na Secretaria do Batalhão de Engenharia, nº 306, em 22/3/71.

Nhamate, 18 de Março de 1971.

Assunto - Quartel em Nhamate (ou mais propriamente abarracamento)

1. Exponho a V. Excia um dos assuntos mais vitais para a continuidade militar e humana de NHAMATE [, a leste de Binar: vd. carta de Bula].

2. Passo a descriminar [sic, em vez de discriminar]:

a) DEPÓSITO DE GÉNEROS

Quando chover fico sem pão pelo menos 15 dias. Julgo que não é muito agradável. Informo V. Excia que não como pão. Gordo estou eu.

E os outros géneros ? E os autos subsequentes ? Só problemas.

b) CASERNAS: 

Barracas de lona, todas oficialmente dadas incapazes. Na Birmânia, viveu-se assim 1 ou 2 meses. Os quadros vivem-no há 10 anos. E os milicianos (os meus, de certeza) “dão o litro” até ao fim. Os soldados dão tudo. Há que tudo lhes dar, na medida do possível.

c) CANTINA: 

E o tabaco ? Desde Napoleão e Fredy [diminuitivo de Frederico] da Prússia que o tabaco era uma das bases da eficiência do Exército. Como combater ou trabalhar sem o velho cigarrinho ? E outros géneros ? V.Excia, mais experiente, meditará sobre o assunto.

d) CASERNA DE CIMENTO: 

Único exemplar. Vou demoli-lo. Não tenho materiais. Solicito auxílio Engenharia.

e) MESS [sic, em vez de Messe]: 

Desde o início das chuvas desnecessita de garrafas de água. Basta as mesmas estarem abertas. Ponchos e gabardinas já temos.

f) CHAPAS DE ZINCO: 

Ao mínimo vento já voam no Quartel.

g) GABINETE D COMANDANTE E 1º SARGENTO: 

Com as chuvas eu e o 1º Sargento só temos a solução de entrar de escafandro, visto estar a 2 metros abaixo da superfície do solo.

h) O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. CONCLUSÃO: SIGA A MARINHA!


3. Este quartel tem se ser revisto por um Oficial de Eng[enharia], senão começo a construir um novo com os materiais dos REORD[ENAMENTOS], contra a norma, o que é aborrecido, contende com a disciplina e eu não gosto.

4. Agradecendo a boa atenção de V. Excia., gostaria de aqui ter como convidado um Senhor Oficial de Eng[enharia] a fim de concordar ou condenar as minhas asserções supras.

Cumprimentos,

O Comandante,
José Joaquim Vilares Gaspar, Cap Art



3. Comentário do editor LG:

Reproduzo, no essencial, o que escrevi na altura, há cerca de 14 nos atrás.

Repare-se no circuito da informação: uma simples mensagem, que devia ser de rotina, a pedir o apoio da Engenharia para se proceder a obras de reparação num aquartelamento  do interior (na realidade, um conjunto de barracos, como tantos outros), seguia para 6 (seis): o comandante do BENG 447,  com conhecimento a outras unidades,  incluindo três repartções do Com-Chefe!!!... 

Digam-me lá como se podia ganhar a guerra com tantos relés parasitas, porteiros, gate-keepers, típicos do disfuncionamento burocrático! ... 

De um exército em armas (que chegou aos 40 mil homens, no CTIG) quantos não haveria, do cabo ao sargento, do tenente ao coronel, com funções amanuenses, ligados à gestão da informação  e conhecimento?!

Milhares de homens, mangas de alpaca militares, escreviam notas como esta (seguramente menos geniais, divertidas, contundentes, demolidoras, corrosivas... como esta!), batiam-nas à máquina, expediam-nas, classificavam-nas, arquivavam-nas, retinham-nas, guardavam-nas na gaveta, analisavam-nas tardiamente, reencaminhavam-nas tarde e a más horas para o nível superior da hierarquia militar... 

Enfim, a maior parte das vezes estes homens não comunicavam devidamente, não recebiam resposta ou feedback positivo, continuavam perdidos e sós, nas Nhamates  e bu...rakos do mato da Guiné...

Pela primeira vez, em 2008, ouvi falar em Nhamate, na CART 3330 e no seu desconcertante e bravo comandante, o cap art Gaspar, tratado afetuosamente como "Gasparinhi"... 

Pergunta.se:

(i) será que a sorte dos homens que estavam em Nhamate melhorou ? 

(ii) será que nenhum morreu afogado na época das chuvas ? 

(iii) será que nunca lhes faltou o tabaquinho e a água de Lisboa

(iv) será que a Marinha seguiu mesmo ? 

(v) e o Gasparinho (que ternura de nome, posto pelos seus pares e usado pelos seus subordinados) não terá acabado na psiquiatria ? 

Sabemos hoje que acabou mesmo na psiquiatria e levou, ainda por cima,  dois anos de prisão disciplinar... Vejo que morreu cedo, coitado, em 1977... Um homem que tratava o Frederico da Prússia por Fredy merecia um estátua em Nhamate!

Tenho alguma relutância em classificar em poste na série Humor de Caserna... Embora ligeiro, soft, é o título que me acorreu primeiro... Mas podia ser outro qualquer, mais contundente, mais duro, mais agressivo, mais próximo do tempo e do lugar, algures na Guiné, longe do Vietname, como eu ironicamente costumava escrever, no tempo em que lá estive, em 1969/71.

4. Comentário adicional do António J. Pereira da Costa (*):

(...) Sobre este assunto quero acrescentar que não se tratava de uma situação de rotina, mas sim de um pedido para solução de um problema de instalações que se arrastava.

 Como podem ver,  o pedido era enviado às principais Repartições  do ComChefe que não estariam no circuito habitual para uma situação destas. Tratava-se, portanto, de fazer o "protesto" subir de tom para provocar a reacção de quem de direito. Sei que este desiderato foi atingido. 

Por mim considero este documento um verdadeiro tratado de logística, para além de uma prova de inteligêcia. (...)

26 de junho de 2008 às 23:07
_____________

Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 26 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2986: Humor de caserna (5): Siga a Marinha para Nhamate, mais abarracamento que aquartelamento (António José Pereira da Costa)

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2986: Humor de caserna (5): Siga a Marinha para Nhamate, mais abarracamento que aquartelamento (António José Pereira da Costa)






Guiné > Região do Oio > Nhamate > CART 3330 > 1971 > Uma peça de antologia do humor negro... castrense: O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. CONCLUSÃO: SIGA A MARINHA! (1) ...

Repare-se no circuito da informação: uma simples mensagem, que devia ser de rotina, a pedir o apoio da Engenharia para se proceder a obras de reparação num aquartelamento (?) do interior, seguia para 6 destinatários, incluindo três repartções do Com-Chefe!!!... Digam-me lá como se podia ganhar a guerra com tantos relés parasitas, porteiros, gate-keepers, típicos do disfuncionamento burocrático! ... De um exército em armas (que chegou aos 40 mil) quantos não haveria, do cabo ao argento, do tenente ao coronel, com funções amanuenses, ligados à gestão da informação ?

Milhares de homens, mangas de alpaca militares, escreviam notas como esta (seguramente menos geniais, divertidas, contundentes, demolidoras, corrosivas... como esta!), batiam-nas à máquina, expediam-nas, classificavam-nas, arquivavam-nas, retinham-nas, guardavam-nas na gaveta, analisavam-nas tardiamente, reencaminhavam-nas tarde e a más horas para o nível superior da hierarquia militar... Enfim, a maior parte das vezes estes homens não comunicavam devidamente, não recebiam resposta ou feedback positivo, continuavam perdidos e sós, nas Nhamates do mato da Guiné...

Pela primeira vez oiço falar em Nhamate... Será que a sorte dos homens que estavam em Nhamate melhorou ? Será que nenhum morreu afogado na época das chuvas ? Será que nunca lhes faltou o tabaquinho e a água de Lisboa ? Será que a Marinha seguiu mesmo ? E o Gasparinho (que ternura de nome, posto pelos seus pares!) não terá acabado na psiquiatria ? Vejo que morreu cedo, coitado, em 1977... Um homem que tratava por Frederico da Prússia por Fredy merecia um estátua em Nhamate!

Tenho alguma relutância em classificar em poste na série Humor de Caserna... Embora ligeiro, soft, é o título que me acorreu primeiro (2)... Mas podia ser outro qualquer, mais contudente, mais duro, mais agressivo, mais próximo do tempo e do lugar, algures na Guiné, longe do Vietname, como eu ironicamente costumava escrever, distinguindo Bissau e a guerra do ar condicionado, do resto, o inferno do mato... (LG).

Guiné > Região do Oio > 1970 > CCAÇ 13 > "Localização dos aquartelamentos de Bula, Binar, Nhamate, Manga e Unche, bem como a principal base da guerrilha no Choquemone, a uns escassos 4 Kms de Binar" (CF)...

Foto: Cortesia de Carlos Fortunato, Fur Mil CCAÇ 13 (1969/71), o melhor sítio na Net sobre companhias individuais que fizeram a guerra da Guiné > Guerra na Guiné - Os Leões Negros > CCAÇ 13, Binar, 1970.

Guiné > Região do Oio > Binar > Nhamate > CCAÇ 13 > 1970 > Tratava-se de um reordenamento, tendo a população sido substraída ao controlo do PAIGC. As NT tiveram que construir um aquartelamento de raíz. Vivia-se em tendas. " A nossa missão junto da população foi calma, em geral mostrou-se afável e colaborante, embora fosse clara a tristeza por abandonarem a sua antiga casa. Notou-se alguma influência da guerrilha, pois dois elementos da população (guerrilheiros?) chegaram a desafiar abertamente a nossa autoridade, um acabou por ser preso e o outro por ser morto, depois destes incidentes, as relações com a população foram sempre excelentes. Este reordenamento, tinha não só o objectivo de retirar a população do controlo do PAIGC, mas também de reforçar a defesa nesta zona, dado que com os novos foguetões 122mm, seria fácil à guerrilha atingir Bissau a partir daqui" (CF).(3) Foto de Adrina [ou Adriano ?] Silva, ex-Mil da CCaç 13.

Foto: Cortesia de Carlos Fortunato, Fur Mil CCAÇ 13 (1969/71), o melhor sítio na Net sobre companhias individuais que fizeram da Guiné > Guerra na Guiné - Os Leões Negros
> CCAÇ 13, Binar, 1970. 

Ainda hoje o Carlos mantém com os seus antigos soldados (balantas, essencialmente) uma relação de grande afecto e carinho, bem como com os seus antigos camaradas. O último encontro (o 8º da CCAÇ 13) foi no passado dia 26 de Maio, no Lordelo, Guimarães. E o próximo será nos Açores.



Guiné > Região do Oio > Binar > Nhamate > 1970 > CCAÇ 13 > Spínola de visita ao reordenamento de Nhamate, cumprimenta o capitão Durão (Cap Mil Inf Álvaro Alberto Durão, o primeiro capitão da CCAÇ 13, 1969/71). 

Foto de Adrina [ou Adriano ?] Silva, ex-Fur Mil da CCaç 13. A Companhia passou por Bissau, Bolama, Bissorã, Encheia, Binar e Biambi. Foi substituída, em Binar, em finais de Março de 1970, pela CCAÇ 2658, que terá mais tarde, numa coluna de Nhamate a Binar, 8 mortos.

Foto: Cortesia de Carlos Fortunato, Fur Mil CCAÇ 13 (1969/71), o melhor sítio na Net sobre companhias individuais que fizeram da Guiné > Guerra na Guiné - Os Leões Negros
> CCAÇ 13, Binar, 1970


1. Mensagem de António José Pereira da Costa, coronel de artilharia ainda no activo, membro da nossa tertúlia, desde Dezembro de 2007:


Amigos Combatentes (e não só):

Aqui vai uma nota escrita pelo célebre major Gaspar que inventou aquela expressão que ainda hoje usamos: Siga a Marinha!

In Os Anos de Guerra: 1961 - 1975: Os portugueses em África: Crónica Ficção e História. Organização de João de Melo - II Volume. S/l: Círculo de Leitores 1988. 190 (reproduzido com a devida vénia...).

Leiam-na com atenção e vejam se ela não é um tratado de logística da Guerra Colonial. É de um humor amargo, mas era a verdade.

Um Abraço
António José Pereira da Costa

2. Fixação e revisão do texto do documento: LG

Mensagem nº 125/71 [classificada como Confidencial, Urgente), enviada pelo Comandante da CART 3330, SPM 6928, Cap Art José Joaquim Vilares Gaspar, dirigida ao Comandante da Engenharia, com conhecimento a CAOP1, RepOper/Com-Chefe, RepPop/Com-Chefe, RecAcap/Com-Chefe, e BCAÇ 2928. Entrada na Secretaria do Batalhão de Engenharia, nº 306, em 22/3/71.
Nhamate, 18 de Março de 1971.

Assunto - Quartel em Nhamate (ou mais propriamente abarracamento)

1. Exponho a V. Excia um dos assuntos mais vitais para a continuidade militar e humana de NHAMATE [, a leste de Binar: vd. carta de Bula].

2. Passo a descriminar [sic, em vez de discriminar]:

a) DEPÓSITO DE GÉNEROS: Quando ch0ver fico sem pão pelo menos 15 dias. Julgo que não é muito agradável. Informo V. Excia que não como pão. Gordo estou eu.

E os outros géneros ? E os autos subsequentes ? Só problemas.

b) CASERNAS: Barracas de lona, todas oficialmente dadas incapazes. Na Birmânia, viveu-se assim 1 ou 2 meses. Os quadros vivem-no há 10 anos. E os milicianos (os meus, de certeza) “dão o litro” até ao fim. Os soldados dão tudo. Há que tudo lhes dar, na medida do possível.

c) CANTINA: E o tabaco ? Desde Napoleão e Fredy [diminuitivo de Frederico] da Prússia que o tabaco era uma das bases da eficiência do Exército. Como combater ou trabalhar sem o velho cigarrinho ? E outros géneros ? V.Excia, mais experiente, meditará sobre o assunto.

d) CASERNA DE CIMENTO: Único exemplar. Vou demoli-lo. Não tenho materiais. Solicito auxílio Engenharia.

e) MESS [sic, em vez de Messe]: Desde o início das chuvas desnecessita de garrafas de água. Basta as mesmas estarem abertas. Ponchos e gabardinas já temos.

f) CHAPAS DE ZINCO: Ao mínimo vento já voam no Quartel.

g) GABINETE D COMANDANTE E 1º SARGENTO: Com as chuvas eu e o 1º Sargento só temos a solução de entrar de escafandro, visto estar a 2 metros abaixo da superfície do solo.

h) O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. CONCLUSÃO: SIGA A MARINHA!

3. Este quartel tem se ser revisto por um Oficial de Eng[enharia], senão começo a construir um novo com os materiais dos REORD[ENAMENTOS], contra a norma, o que é aborrecido, contende com a disciplina e eu não gosto.

4. Agradecendo a boa atenção de V. Excia., gostaria de aqui ter como convidado um Senhor Oficial de Eng[enharia] a fim de concordar ou condenar as minhas asserções supras.

Cumprimento,

O Comandante,
José Joaquim Vilares Gaspar, Cap Art


_________

Notas de L.G.:


(1) Vd. postes anteriores sobre esta expressão celebérrima expressão da caserna militar Siga a Marinha:

30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1133: Origem da expressão 'Siga a Marinha" (Vitor Junqueira
)

1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1134: A expressão 'Siga a Marinha' , atribuída ao Zé Gaspar, artilheiro, Olossato (Paulo Santiago)


1 de Outubro de 2006 >Guiné 63/74 - P1135: A expressão 'Siga a Marinha' e a crise dos capitães (Sousa de Castro)


1 de Outubro de 2006> Guiné 63/74 - P1138: 'Siga a Marinha': uma expressão do tempo da República (?) (Pedro Lauret)


11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1166: A minha preguiça e a expressão 'Siga a Marinha' (Mário Dias)


11 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2341: Siga a Marinha que o Exército já lá está (Coronel Pereira da Costa)


(...) Esta frase foi inventada pelo capitão José Joaquim Vilares Gaspar, mais tarde major, ainda na Guiné (...) e falecido por volta de 1977. Era o célebre Gasparinho de Quibaxe (Angola) de quem se contam muitos ditos e anedotas, quase todas verdadeiras, embora incríveis.

(...) Siga a Marinha que o Exército já lá está e Força Aérea já anda no ar há meia-hora.Era assim que ele a dizia. Talvez um desabafo ou uma crítica ou até um bordão para se sentir vivo. Não o dizia com qualquer espécie de humor. Conheci-o bem. Era um homem sério,muito inteligente, bom condutor de homens e com uma capacidade de crítica muito apurada, mas que bebia bastante. Além disso, a inteligência e a capacidade de crítica são uma mistura explosiva...

(2) Vd. postes desta série:

9 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2337: Humor de caserna (4): Cancioneiro do Niassa: O Turra das Minas (Luís Graça)


1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2321: Humor de caserna (3): Hino de Gandembel: hino de guerra ou música pimba ? (Manuel Trindade)


26 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2304: Humor de caserna (2): Welcome to Mansambo, a melhor colónia de férias do ano de 1968 (Torcato Mendonça / Luís Graça)


23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2205: Humor de caserna (1): A sopa nossa de cada dia nos dai hoje (Luís Graça / António Lobo Antunes)

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2341: Siga a Marinha que o Exército já lá está (António J. Pereira da Costa)


1. Mensagem de António José Pereira da Costa, coronel de artilharia, ainda no activo, cuja entrada na nossa Tabanca Grande saudamos desde já, não com uma obusada (como se fazia, entre os artilheiros) mas com a publicação da sua primeira (de muitas, esperemos) contribuição para este nosso projecto de preserção da memória da Guiné e das suas gentes na época da guerra colonial, guerra do ultramar ou luta de libertação (conforme os pontos de vista semânticos e político-ideológicos):

Assunto - Siga a Marinha (1)

Esta frase foi inventada pelo capitão José Joaquim Vilares Gaspar, mais tarde major, ainda na Guiné (no GA 7) e falecido por volta de 1977. Era o célebre Gasparinho de Quibaxe (Angola) de quem se contam muitos ditos e anedotas, quase todas verdadeiras, embora incríveis.

Salgueiro Maia fala dele no seu livro e o José(?) de Melo, na Fotobiografia da Guerra Colonial (Circulo de Leitores) (2) transcreve uma nota que ele escreveu, na Guiné, expondo a situação do seu quartel em Nhamate, "mais propriamente abarracamento": Siga a Marinha que o Exército já lá está e Força Aérea já anda no ar há meia-hora.

Era assim que ele a dizia. Talvez um desabafo ou uma crítica ou até um bordão para se sentir vivo. Não o dizia com qualquer espécie de humor. Conheci-o bem. Era um homem sério,muito inteligente, bom condutor de homens e com uma capacidade de crítica muito apurada, mas que bebia bastante. Além disso, a inteligência e a capacidade de crítica são uma mistura explosiva...

Estive a ler o vosso blogue e vi que falam de mim. Já tinha enviado um e-mail que se perdeu por erro no endereço. Aqui vai, de novo.

Fui comandante da CART 3494, Xime/Enxalé (a tal que teve três comandantes) durante cinco meses. Sou amigo de infância do António Levezinho. Fiquei amigo do Mexia Alves a quem envio um abraço.

António José Pereira da Costa

2. O Joaquim Mexia Alves já nos tinha, entretanto, enviado a seguinte mensagem, com data de 28 de Novembro:

Caros Luis Graça, Carlos Vinhal, Virginio Briote:

Numa óptima surpresa, fui contactado pelo telefone pelo Coronel Pereira da Costa, que comandou durante um tempo a CART 3494, sediada no Xime e com quem vivi, em conjunto com a CCAÇ 12, histórias engraçadas e outras não tanto, algumas das quais julgo já ter feito referência em alguns textos que vos enviei em tempos.

Disse-me o Cor Pereira da Costa que vos enviou um mail, sobre o blogue e a sua eventual participação, bem como, falava do célebre Gaspar Artilheiro, de quem já foram contadas algumas histórias no blogue, tais como o "Siga a Marinha".

Conheceu-o muito bem e disponibiliza-se para falar sobre ele.

Estranha a demora em responderem ao seu mail, mas fiquei sem perceber há quanto tempo o tinha enviado.

De qualquer modo disse-lhe que haveria muitos mails para responder e por isso nem sempre era fácil responder de imediato.

A razão deste meu alerta é que o Pereira da Costa tem com certeza histórias interessantissimas para nos contar, e por isso o concurso dele no blogue me parece importante.

Ainda está no activo e disse-me ser, palavras suas, "bibliotecário do Exército" (sic), o que também poderá interessar muito à Tertúlia.

Sei do trabalho que todos vós devem ter, por isso desculpem se este mail de alguma maneira vos pressiona. Não era essa a minha intenção.

Abraço camarigo do

Joaquim Mexia Alves

3. Esta foi a resposta que mandámos ao Mexia Alves na volta do correio:

Querido Joaquim:

Obrigado pelo teu alerta... Não parace haver rasto do teu coronel nos nossos mails...Já vi nas minhas caixas de correio... Manda-me o endereço de e-mail dele, para afinar a pesquisa... Ou melhor, pede-lhe com jeitinho para reenviar a mensagem para este endereço (que é novo, como sabes). Um abraço. Luís


4. Por sua vez, a resposta que enviámos, a 1 de Dezembro, ao coronel Pereira da Costa foi a seguinte:

António:

Amigo do Tony (Levezinho) meu amigo é... Mas não precisavas de invocar essa condição especial... És um camarada da Guiné, de quem aqui temos falado, através da escrita do Mexia Alves... 

Presumo que queiras entrar para a nossa Tabanca Grande, o que também é uma honra para nós... Lamento que o teu mail tenha andado por aí... De facto, deve ter havido erro teu, no endereço... Olha, antes de publicar a tua mensagem, manda-me as chapas da praxe: uma foto antiga e outra mais recente... Não é obrigatório (não usamos a palavra, já não temos RDM!), mas ajuda a rapaziada a reconhecer-te...

Além disso, temos uma fotogaleria (que está infelizmente por actualizar, diga-se de passagem,... que o tempo é curtíssimo para manter esta máquina que agora já não é de guerra, mas de paz, mas é uma belíssima caserna onde cabemos todos - ou quase - todos...).

Não queres contar também o teu percurso lá pela Zona Leste ? Tenho saudades do Xitole e do longo e perigoso caminho que a gente fazia para levar a "água de Lisboa" e a bianda àquela rapaziada (andámos por ali, eu e o Tony, entre Julho de 1969 e Março de 1971, com muitas incursões à - e muita porrada na - margem direita do Rio Corubal)...

Já agora: conheces do Tony, de onde ? Da Amadora ? Da Petrogal ? Da Ericeira ? De Sagres ? Eu moro actualmente em Alfragide, desde há 20 anos, mas já morei na Mina, perto da casa do pai dele... De qualquer modo, sê bem-vindo à nossa tertúlia, caserna virtual, Tabanca Grande... ao blogue de Luís Graça e Camaradas da Guiné...

Um Alfa Bravo. Luís


PS - É evidente que o Pereira da Costa foi comandante da CART 3494 (que esteve no Xime e depois em Mansambo, 1972/74). Não confundir com a CART 3492, que esteve no Xitole, e a que pertenceu o Joaquim Mexia Alves, como Alf Mil.

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1133: Origem da expressão 'Siga a Marinha" (Vitor Junqueira).

1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1134: A expressão 'Siga a Marinha' , atribuída ao Zé Gaspar, artilheiro, Olossato (Paulo Santiago)

1 de Outubro de 2006 >Guiné 63/74 - P1135: A expressão 'Siga a Marinha' e a crise dos capitães (Sousa de Castro)

1 de Outubro de 2006> Guiné 63/74 - P1138: 'Siga a Marinha': uma expressão do tempo da República (?) (Pedro Lauret)

11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1166: A minha preguiça e a expressão 'Siga a Marinha' (Mário Dias)

(2) Lapso do Pereira da Costa: trata-se do João de Melo, que foi o editor literário da obra,em dois volumes, Os Anos da Guerra - 1961/75 (Círculo de Leitores, 1988). A Fotobiografia da Guerra Colonial (D. Quixote, 1990; Círculo de Leitores, 1998) é uma obra conjunta de Luís Farinha e Renato Monteiro...

O Renato Monteiro, que também esteve no Xime e no Enxalé, em 1969, é um querido amigo meu, camarada de Contuboel (Junho-Julho de 1969). Licenciado em história pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é professor do ensino secundário, e um notável fotógrafo, com obra feita (vários álbuns publicados), além de autor de dois livros de poesia. Haveremos de falar dele, muito em breve.

(3)Vd. post de 1 de Outubro de 2006 >Guiné 63/74 - P1135: A expressão 'Siga a Marinha' e a crise dos capitães (Sousa de Castro)


(...) A expressão 'Siga a Marinha' também era muito utilizada no meu tempo de Guiné, CART 3494 - Xime e Mansambo (Janeiro de 1972/ Abril de 1974). Foi o nosso primeiro CMDT, Cap Art NM [Número Mecanográfico] 51322811 - Victor Manuel da Ponte Silva Marques, que a utilizava sempre em qualquer circunstância e nós também por arrastamento a utilizávamos.

Siga a Marinha, Sousa de Castro!

PS - Onde digo "o nosso primeiro CMDT" quero dizer que tivemos mais do que um, foram três. Para além do atrás referido, em Agosto de 1972, foi rendido pelo Cap Art NMº 04309164 - António José Pereira da Costa que acabou por ceder o lugar, em Novembro de 1972 ao Cap Mil NM 06383765 - Luciano Carvalho Costa (...).