Guiné-Bissau > Região de Tombali > POnte Balana > Novembro de 2000 > Um tuga, um homem de calças na mão...na Ponte Balana, antigo destacamento de Gandembel, ao tempo da CCAÇ 2317 (Abril de 1968/Janeiro de 1969). O motivo foi um ataque de... formigas carnívoiras!
Foto: © Albano Costa (2006) (1)
1. Chegou até nós através da Caixa de Correio do Beja Santos... É uma apreciação humorística, bem humorada, irreverente, quiçá iconoclástica, do Hino de Gandembel, ou pelo menos de uma das suas versões musicais... O Beja Santos e o seu amigo ou colega de trabalho, o amanuense Manuel Trindade, não levam porventura a mal que a mensagem (em princípio, privada) seja partilhada a nível da caserna ou até da Tabanca Grande...
Ora aqui está uma questão apropriada para o feriado (patriótico) de hoje, primeiro de Dezembro (e para a próxima sondagem): O Hino de Gandembel (2) não era esperado que fosse algo de muito guerreiro, feroz, marcial ? Se sim, a versão que nos chega, não passa de uma paródia da guerra, tipo guerra [de 1908] do Raul Solnado (3)...
Eis a opinião do Manuel Trindade, que presumimos ser um assíduo leitor/visitante do nosso blogue... Embora ele seja um paisano, e um jovem - comparado connosco, os cotas que fizeram a guerra da Guiné, e a avaliar pelo estilo da sua escrita : escreve k7pirata em vez de cassete pirata - a sua intervenção merece, pela irreverência, frescura, verve e originalidade, um tratamento aparte na nossa caserna... Vai para a secção, não dos Perdidos & Achados, mas do Humor (4)... Além disso, com os agradecimentos dos editores.
Naturalmente que gostaríamos, a seguir, de ouvir a opinião dos guerreiros de Gandembel/Balana, a começar pelo nosso venerando Idálio Reis...
2. Mensagem de Manuel Trindade:
Dr. Beja Santos,
Pensava que ia ouvir um hino (2) e sai-me uma coisa quase pimba... pimba.
A coisa poderia estar numa “k7pirata” e poderia passar no bailarico da colectividade.
Gostei das alusões ao feijão e coisas afins, conectado com wc (white chapel), que em Gandembel talvez não fosse tão branca quanto isso, se é que era branca...
No entanto existem pistas na letra que permitem estabelecer uma conexão entre feijão, wc, morteirada e canhoada, o que deixa antever problemas de...flatulência.
Ainda por cima o intérprete fala em abrigos de madeira (nos clássicos filmes norte-americanos dos “rapazes da vaca” o abrigo de madeira distava uns metros da habitação, salvaguardando-a dos efeitos... da feijoada).
Ainda pensei que no final teríamos um grito bélico, másculo (um exercício do tipo da selecção de râguebi da neozelandesa), do género: urra, urra/Gandembel/ao turra/arrancar a pele... Mas não! A coisa em vez de terminar com a dignidade que se impõe, termina em desfalecimento, ou seja o som vai baixando até deixar de se ouvir.
Dr. Beja Santos, impõe-se um novo hino para Gandembel. Espero que não leve a mal este exercício deste pobre amanuense.
Um abraço,
Manuel Fidalgo
Centro Europeu do Consumidor
Direcção-Geral do Consumidor
Lisboa
______
Notas dos editores:
(1) Vd. post e 6 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P850: O Álbum fotográfico do Albano Costa (2): a Ponte Balana (Gandembel)
(2) Vd. post de 1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2319: Hino de Gandembel: interpretação de António Almeida (CCAÇ 2317, Gandembel/Balana, 1968/69)
(3) Vd. os seguintes posts:
Raul Solnado, Wikipédia
SPA - Sociedade Portuguesa de Autores > As mil faces de Raul Solnado > As gargalhadas que ganharam a guerra, entrevista de Raul Solnado, por Artur Queiroz
(...) "Raul Solnado é um actor de mil faces mas foi com as gargalhadas que se impôs como uma figura mítica do espectáculo. E quando a guerra colonial era sagrada e indiscutível, ele pôs Portugal a rir-se de uma guerra sem sentido, uma rábula que foi o seu maior êxito de sempre." (...)
A - Foi por isso que em plena guerra colonial pôs Portugal a rir à gargalhada com a sua versão da guerra?
RS - Aquela rábula tem um início anterior à guerra. Eu fui a Madrid e vi o Miguel Gila representar o texto. Fiquei logo apaixonado pela rábula porque o non sense é o tipo de humor que mais me toca.Comprei o disco, traduzi o texto mas guardei-o, não por temer a censura mas porque tinha dúvidas que as pessoas gostassem daquilo.
A - E quando é que a sua guerra saiu da gaveta?
RS - Foi já no início da guerra em Angola. Eu fui com o Humberto Madeira - um cómico fabuloso - à quermesse do Nacional da Madeira, na Quinta da Vigia, um sítio lindíssimo onde agora está instalado o Governo Regional. Num mês fizemos 45 espectáculos e lá para o fim sentimos que era preciso refrescar o repertório. Disse ao Humberto Madeira que gostava de fazer a guerra, talvez as pessoas gostassem. Ele apoiou-me e avancei. Nessa noite o público riu-se tanto que pediu bis. Foi ali que começou o sucesso da minha guerra...
A - Quais eram as suas dúvidas em relação ao texto?
RS - Não era em relação ao texto, mas ao gosto do público, hoje as pessoas riem melhor que naquela altura. Eu não sabia se um texto non sense ia funcionar. Os cómicos têm sempre essa dúvida. Uma piada leva duas horas a ser construída e depois desaparece como um fósforo. É ao contrário dos cantores que quanto mais cantam um tema, mais ele se populariza e ganha notoriedade.
A - A estória da sua ida à guerra começou na Madeira e depois alastrou a que palcos?
RS - Mal cheguei a Lisboa fui fazer um espectáculo no ringue de patinagem de Oeiras e o êxito foi igual ao da Madeira. Na altura ia fazer a revista "Bate o Pé" e fiquei com a certeza de que a rábula não ia falhar.
A - Mas aí já tinha que submeter o texto à comissão de censura...
RS - Pois, e era uma censura visual e de texto, por isso eu tinha um grande receio que não passasse. O Nelson de Barros, grande jornalista e o maior autor de revistas que conheci, disse-me que mandávamos o texto como sendo para o personagem Cantinflas, uma rábula que tinha feito no teatro Apolo. Quando o texto veio aprovado, ninguém queria acreditar. O problema era a censura visual.
A - Como funcionava essa comissão de censura visual?
RS - No ensaio geral, cinco ou seis censores viam o espectáculo. Depois diziam que era preciso tapar um umbigo, descer umas saias, coisas assim. No Carnaval só se podia dizer merda uma vez por sessão. Como eu não ia vestido de Cantinflas, estava receoso que a rábula fosse cortada. Mas estes textos de non sense têm de ser bem compreendidos, caso contrário não funcionam. E eu disse aquilo a uma velocidade tal que nem eu próprio percebi o que dizia. Os censores também não perceberam e, no final, um deles disse-me que estava tudo aprovado mas deu-me um conselho: olhe lá, não faça aquilo da guerra, não tem piada nenhuma! E eu disse-lhe que era obrigado a fazer mas que então só fazia aquilo na estreia. Como já sabia o que vinha a seguir, pedi à Valentim de Carvalho que gravasse aquilo na estreia e lançasse o disco. Depois era impossível travar a rábula. Os censores ficaram baralhados com o Cantinflas! (...)
(4) Vd. post de:
26 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2304: Humor de caserna (2): Welcome to Mansambo, a melhor colónia de férias do ano de 1968 (Torcato Mendonça / Luís Graça)
23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2205: Humor de caserna (1): A sopa nossa de cada dia nos dai hoje (Luís Graça / António Lobo Antunes)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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