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sexta-feira, 8 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16285: Notas de leitura (856): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte III: onde se faz referência à possível operação das NT, no corredor de Sambuiá, onde terá morrido o cap inf QP José Jerónimo da Slva Cravidão, da CCAÇ 1585, em 4/6/1967 (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)


Guiné > 1970 > s/l > Algures, numa enfermaria do mato, um guerrilheiro do PAIGC ferido, em tratamento. Uma das célebres fotos de Bara István, o fotógrafo húngaro, nascido em 1942, que esteve 'embebed' com forças do PAIGC, no mato, em 1969/70. É hoje um vulgaríssimo fotógrafo comercial, mas contnua  manter,   na sua página na Net, na sua galeria, esta e outras fotos que documentam bem a dura realidade da vida dos guerrilheiros do PAIGC e da população sob o seu controlo,

Título da imagem em húngaro: "0076_Bara Istvan_Sebesult PAIGC harcos, Guinea Bissau_1970.jpg",,,

Estamos gratos a este conhecido fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial / guerra de libertação na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página. Partimos do princípio que estas imagens são do domínio público. Tentámos em tempos contactá-lo por e-mail, mas nunca recebemos resposta, para obtermos autorização para divulgação de mais fotos da sua fotogaleria.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria > Guiné-Bissau (com a devida vénia / with our best wishes...)


1. Terceira parte das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo, e enviadas a 28 de junho último. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato e as limitações do blogue.  Reproduzimos aqui a sua mensagem que serve de introdução:

Caros tertulianos:  apresento-vos o terceiro de quatro fragmentos em que foi dividida a publicação, no nosso blogue, da entrevista ao cirurgião Domingo Diaz Delgado, médico do primeiro grupo de nove clínicos cubanos chegados em junho de 1966 à Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau], para apoiarem o PAIGC na sua luta pela independência [, o outro lado do combate]. 

Trata-se de um trabalho realizado pelo jornalista e investigador cubano Hedelberto López Blanch e que consta no seu livro, escrito em castelhano, com o título «Historias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp. Disponível na Net em versão preliminar, em formato pdf .

No que concerne aos clínicos que cumpriram a sua missão na Guiné são três as entrevistas publicadas nesse livro, cada uma delas relatando algumas das suas experiências, vividas na primeira pessoa por cada um deles, a saber: (i) Domingo Diaz Delgado (médico-cirurgião); (ii)  Amado Alfonso Delgado (médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia); e (iii) Virgílio Camacho Duverger (médico militar, especialista em cirurgia geral). 

O conteúdo de cada fragmento respeita aquela ordem, assim como a estrutura dos guiões utilizados pelo autor nas três entrevistas.

Porque se trata de uma tradução e adaptação para português, não farei juízos de valor sobre os diferentes depoimentos, apenas colocando entre parênteses rectos algumas notas avulsas de enquadramento socio-histórico ao que foi transmitido com recurso a imagens desse contexto retiradas da Net e dos arquivos deste blogue (e, nalguns casos, da própria publicação, ou da versão disponúivel em formato pdf).


[Foto à esquerda:

 O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo:  (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].


2. O CASO DO CIRURGIÃO DOMINGO DIAZ DELGADO - Parte III

Para melhor compreensão da contextualização deste 3.º fragmento, referente ao cirurgião Domingo Diaz Delgado, sugere-se a leitura dos P16224  e P16234 (*): o primeiro relacionado com a preparação para a missão africana, viagem e inclusão na estrutura do PAIGC; o segundo de explicação/caracterização da paleta de actividades clínicas presentes no quotidiano de um médico naquela guerra de guerrilha, das condições logísticas vividas em bases improvisadas, provisórias e de parcos recursos, ora socorrendo os guerrilheiros feridos nos combates, ora cuidando das maleitas apresentadas pela população sob o seu controlo.

Em função dos itinerários percorridos a pé por Domingo Diaz, no interior do território da Guiné durante os primeiros seis meses da sua missão [2.º semestre de 1966], este teve a oportunidade de conhecer quase todas as bases do Norte, como sejam os casos de Liador, Sambuia, Naga, Maqué, Morés e Sará.

Considerando este facto, um militar das NT, cuja identidade se desconhece e utilizando uma cópia do mapa da Guiné existente à época, assinalou em 1968 a localização de bases dos guerrilheiros, de zonas de infiltração destes a partir dos países circunvizinhos, de áreas onde a acção da guerrilha era mais intensa e dos aquartelamentos das unidades militares portuguesas.

Dando conta desse levantamento, reproduzimos abaixo uma dupla imagem: o original retirado do P14391 e a cópia extraída do livro de Renato Monteiro & Luís Farinha, (1990),  Guerra Colonial - Fotobiografia. Lisboa. Publicações Dom Quixote, Circulo de Leitores e Autores. pp. 130/131, com a devida vénia. [ O Renato Monteiro é membro da nossa Tabanca Grande e passou pelo Xime e Enxalé,  ao tempo da CART 2520,  em 1970, sítios por onde também passarei dois anos depois...]



Mapa da Guiné (original e cópia). A cópia refere-se à localização de bases dos guerrilheiros, de zonas de infiltração destes a partir dos países circunvizinhos, de áreas onde a acção da guerrilha era mais intensa e dos aquartelamentos das unidades militares portuguesas, elaborado por militar das NT em 1968, e encontrado um ano depois num dos aquartelamentos no interior do território.

Fonte: Renato Monteiro & Luís Farinha, (1990),  Guerra Colonial - Fotobiografia. Lisboa. Publicações Dom Quixote, Circulo de Leitores e Autores. pp. 130/131. (Com a devida vénia...)

Continuação da entrevista com Diaz Delgado (no docuemto em pdf, a que tivemos acesso, as páginas não estão numeradas. mas o total da entrevuista corresponde, no pdf, ao cap X (pp. 65/78). O Diaz Delgado regressou a Cuba em janeiro de 1968.

Para ligar o presente texto com o anterior,  a questão n.º 17 (xvii, na nossa rnumeração romana) foi repetida. Tradução, fixação de texto, negritos,  itálicos e realces a cor são da nossa responsabilidade bem como todas as notas em parênteses retos.

Este documento merece ser conhecido e parcialmemte partilhado com os nossos leitores, e em especial os camaradas e amigos da Guiné.

Cuba terá mandado cerca de 60 "voluntários internacionalistas" para apoiar a luta do PAIGC, entre 1966 e 1974 (entre os quais 9 ou 10 médicos).  A mortalidade foi elevada (cerca de 15%), apesar das grandes preocupações de Amílcar Cabral com a sua segurança. Conhecemos pelo menos os nomes de 9 combatentes "internacionalistas cubanos" mortos ao lado dos guerrilheiros do PAIGC:  tenente Raúl Pérez Abad, Raúl Mestres Infante, Miguel A. Zerquera Palacio, Pedro Casimiro Llopins, Radamé Sánchez Begerano, Eduardo Solís Renté, Felix Barriento Laporte, Radamés Despaigne Robert e Edilberto González...

O primeiro a tombar em combate foi Félix Barriento Laporte, em 2 deJulho de 1967, no ataque ao quartel de Beli, a nordeste de Madina do Boé. 


(xvii) Tem outras memórias da estadia 
em Sará?

Um dia, pela madrugada, chegou à nossa tabanca (assim se chamam as aldeias ali, nas quais existem várias construções que podem ser 7, 8 ou 10) um miúdo que se chamava Kumba [imagem ao lado, a ser assistido pelo cirurgião Domingo Diaz], com aproximadamente quatro anos. Estava em boas condições gerais, mas com uma grande ferida na perna direita onde se tinha lesionado, vendo-se o osso e as artérias, pois foi na face anterior. Impressionou-me o estado anímico em que chegou, com naturalidade, sem uma lágrima, nem um sinal de dor.

(…) Foi tratado pelo ortopedista Teudi Ojeda e por mim. (…) Durante o tratamento sem anestesia, Kumba manteve-se igual, sem uma lágrima e sem manifestar dor. A esta situação já nos tínhamos habituado particularmente na população adulta.




(xviii) A que se deve essa resistência?

Creio que é um problema de cultura, de formação, das condições duras que se vive naquele país. Por uma razão de formação e de valentia, os habitantes desta parte de África controlam e resistem à dor. Fizemos operações de abdómem sem anestesia a pacientes conscientes, que não se queixaram. Isto também acontece nos países asiáticos como o Vietname. Doentes com uma perna partida são tratados e não expressam a dor. Resistem. Guardo uma foto de Kumba, quando o tratámos no acampamento,




(xix) Quantas cirurgias realizou 
nesse tempo?

A frio realizei umas quantas, em patologias que necessitavam como hérnias, inguinais, umbilicais, enguino-escrotais. Operei umas vinte hérnias com anestesia elementar que me proporcionava o doutor Pedro Labarrere, o clínico que às vezes fugia da anestesia, porque o sistema chamado éter rainha ou éter gota-a-gota, que se realiza primeiro com uma indução de cloro de etilo para que o paciente perca a consciência rapidamente e depois se aplicava o éter gota-a-gota. Este tipo de anestesia, que inclusivamente, nessa época, era muito frequente nos hospitais de Havana, provocava muita secreção, e depois teríamos de lhes dar atropina por administração parental, para a diminuir.

Não tivemos nenhuma complicação, mesmo sem a administração de antibióticos. Nesta região, por estarem virgens os organismos dos seus habitantes, com uma dose mínima de antibiótico se pode controlar facilmente qualquer infecção. Também vimos doentes com hérnias sujas que não se infectavam e que no início não o entendíamos.

A isto se adiciona o clima desfavorável com um calor insuportável no verão [, estação das chuvas], embora no inverno [, estação seca,] fizesse bastante frio. Apesar do grande calor, as feridas não se infectam. Esta situação era-nos favorável, porque a quantidade de antibióticos que dispúnhamos era mínima e vinham do exterior, com as consequentes dificuldades de transporte, uma vez que em Sará estávamos a cinco dias de caminho até à fronteira com o Senegal, cujo governo não ajudava a guerrilha do PAIGC, tornando muito complicada a obtenção de medicamentos através desta via.

Inclusivamente transportar guerrilheiros feridos para o Senegal era um problema e muitas vezes havia que fazer um grande percurso por terra, contornando toda a fronteira até chegar a Koundara, no Norte da República da Guiné, para depois os levarmos a Conacri, onde recebiam o apoio médico. No total, entre o ortopedista e eu, realizámos umas cento e cinquenta operações a civis e militares, incluindo hérnias, feridas de balas, fracturas e outras urgências.



(xx) Quando deixou o bigrupo? 

Com o bigrupo continuei a acompanhá-lo permanentemente pela Zona Norte, mas mais tarde comecei a ter vários problemas importantes de saúde como paludismo crónico, viroses, e uma lesão infiltrativa tuberculosa. Por essa razão o chefe da missão, que naquela altura era já o comandante Víctor Dreke (Moja), decidiu retirar-me até ao meu restabelecimento total.

Mas antes da saída e ainda na base de Sambuiá  [,  Zambulla, no original], quase todos os dias as tropas portuguesas nos atacavam com morteiros e canhões que caíam muito perto de nós. Essa base portuguesa ficava somente a quinze minutos a pé. Mas uma noite notámos que as canhoadas caíam mais longe, passando-nos por cima e sentindo o som, caindo muito mais longe. Eu estava com o chefe do grupo da Frente Norte, o tenente Alfonso Pérez Morales (Pina), surgindo-nos a dúvida de que estas canhoadas tão longe queriam dizer que as tropas estavam avançando por terra para nos surpreender. Esta nossa percepção estava certa, uma vez que pelas quatro da manhã uma companhia constituída por portugueses e naturais começaram o ataque.

Por sorte, os primeiros tiros foram do nosso lado, na sequência de uma ronda que estava a ser feita por dois guerrilheiros que, ao detectarem a presença do inimigo,  reagiram e acabaram por matar o comandante da companhia. [Possível referência à Op Cacau, em 4/6/1967, em que morreu o cap inf José Jerónimo da Silva Cravidão, cmdt da CCAÇ 1585, na região de Bricama (Farim), no dia em que fazia 25 anos, se bem que o médico cubano refira outra data, março de 1967, quando foi a seguir evacuado para Conacri com paludismo,, regressando ao fimd e 3 meses: no período em que o Diaz Delgado esteve na Guiné,  na frente norte, entre agosto de 1966 e janeiro de 1968, não temos informação de mais nenhum comandante de companhia morto em combate numa operação] (**).

Por outro lado, as tropas portuguesas reagiram ao fogo e praticamente devastaram todas as palhotas da base, onde conviviam os guerrilheiros com a respectiva população. Só tive tempo, pois ouvia a fala dos atacantes, de dar uma volta à minha cama (recordo que estava com uma crise de paludismo) e rastejar até desaparecer no meio das explosões das granadas de morteiro e dos disparos. Aquilo transformara-se num inferno.

Mas, como quase sempre sucedia, quando havia tiros de resposta, não avançavam, pois não estavam dispostos a combater. Esta base era dirigida por Campané, um homem muito valente e que se bateu com afinco detendo o ataque. Certo é que, se [as tropas portuguesas] têm avançado,  não teria ficado nada.

Na rectaguarda do acampamento passava um rio no qual entrei com água pela cintura cerca de três horas, embora as balas me passassem por cima. De qualquer maneira mantinha a pistola, pois o meu desejo era de nunca ficar prisioneiro.

Posteriormente começaram a sobrevoar a zona alguns helicópteros, baixando para recolher os mortos e os feridos. Passava do meio-dia, regressei à base que estava completamente destruída e não pude recuperar nenhum dos meus bens, nem tampouco os ténis. Este tipo de calçado era mais aconselhável para aquele contexto, pois como tínhamos de atravessar muitos rios e riachos, secavam mais rápido que as botas e eram mais leves.




Guiné > Região do Cacheu e região do Oio > Os nossos aquartelamentos junto à fronteira com o Senegal e a Frente (do PAIGC) São Domingos / sambuiá. Fonte: SUPINTREP nº 31, fevereiro de 1971.


(xxi) Quando saiu para a República da Guiné?

No dia seguinte ao do ataque a Sambuiá,  inicio a viagem pelo mesmo caminho por onde tinha entrado havia oito meses [a povoação de Yiriban, rumo a Ziguinchor]. Isto aconteceu em março de 1967. Volto a Conacri onde permaneci cerca de três meses em recuperação. O comandante Víctor Dreke, que era o chefe da missão militar cubana, deu-me um apoio muito bom.



(xxii) Recorda outros factos interessantes da sua primeira etapa no norte da Guiné-Bissau?

Tenho muitos para contar. Por exemplo, nas primeiras caminhadas que fiz perdi todas as unhas dos dedos dos pés. Ficaram pretas e caíram porque não estava preparado para esse desempenho, uma vez que os pés se mantinham quase todo o tempo húmidos e as travessias eram intermináveis. Depois de ter perdido peso, e com o treino diário, consegui ter mais resistência. Fiquei tão fraco que parecia uma “corda de violino”. Mas fiquei com o hábito de andar e em Cuba percorro cinco quilómetros todos os dias.

Noutra ocasião, quando me encontrava na base de Liador, também no Norte, recebi uma mensagem num pequeno papel escrito por Francisco Mendes,  um dos chefes militares da zona a quem chamavam de Chico Mendes ou Chico Té. Ele, atraído pelo triunfo da Revolução, foi o primeiro presidente da Assembleia do Poder Popular desse país e morreu depois num acidente. Nesse papel solicitava-me que fosse ver uma mulher que estava com sinal de parto e em dificuldade de parir.

Essa noite saí com outro companheiro e um guia até uma aldeia um pouco distante e nos perdemos. No trajecto cruzamos dois corredores com muito cuidado e com a arma na mão, pois por ali passavam regularmente viaturas com portugueses. Quando chegámos, encontramos uma mulher aparentando uns vinte e quatro anos (e com aquela idade era quase uma velha pois a esperança de vida, naquela época, era de quarenta anos). Estava no chão, rodeada de galinhas e uns porquitos e já havia parido um dos bebés, pois tinha gémeos.

Eu tinha bastante experiência em partos, porque durante a minha carreira fiz as práticas no Hospital da Maternidade Obrera [Operária], aonde realizei mais de uma centena. Como este bebé se encontrava emperrado, sabia que devia introduzir a mão para o retirar. Ao ver que o bebé estava em boa posição,  lá o conseguir extrair sem problemas.

A mãe tinha feito um quadro psiquiátrico e que me pareceu ter contraído tétano. Começou por dizer que o primeiro filho não era seu, mas só o segundo, e queria matar o primeiro, no que foi impedida pelos seus familiares. 

No entanto, administrei-lhe dez milhões de penicilina nos dias seguintes e o trismo, que é a contracção da mandíbula que se vê nos tétanos, cedeu. Ela sobreviveu, embora mantendo o quadro psiquiátrico.

Continua.
 ____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriors:

22 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16224: Notas de leitura (850): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte I: a partida de La Habana e os primeiros contactos com o PAIGC (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

24 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16234: Notas de leitura (851): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte II: a vida dura nas base de Sara, na região do Oio (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

(**) Vd. postes de:

24 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6638: Lista alfabética dos 24 capitães que morreram em campanha no CTIG, dos quais 10 em combate, todos comandantes de companhias operacionais (9 Cap QP, 1 Cap Mil) (Carlos Cordeiro)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3344: PAIGC - Instrução, táctica e logística (18): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: O temível helícóptero (A. Marques Lopes)

Tancos > Base Aérea nº3 > 1967 > 1º Curso de Pilotos de Helicópteros, onde pela 1ª vez também foram incorporados milicianos, segundo informação do Jorge Félix, aqui, junto a um Allouette II, no meio dos seus camaradas, onde se inclui o Duarte Nuno de Bragança.


Os primeiros pilotos milicianos de helicópetros da FAP > 14 de Março de 2008 > "Éramos oito milicianos (Eu, Antolin, Cavadas, Melo, Baeta, Pinto e Duarte) e três da Academia Militar (Braga, Afonso e Costa). O Pinto faleceu em Outubro de 2007, em Lisboa, vítima de doença. O Oliveira faleceu no acidente de aviação em Tancos, em 72 ou 73. Estes dois companheiros estiveram comigo na Guiné. O Melo anda em sítio incerto na Venezuela (vou saber pormenores da 'chatice' que foi a vida dele por lhe terem roubado um Allouette III da FAP). O Baeta faleceu em Gago Coutinho, Angola, Março de 1969, num acidente, voo nocturno, Heli. O Cavadas também já faleceu em acidente de Heli, andava nas pulverizações, no Alentejo. O Antolin está de perfeita saúde, Comandante da TAP reformado, a viver em Lisboa. O Duarte é... Sua Alteza D. Duarte Nuno de Bragança, esteve em Moçambique e vive em Lisboa. O Pinto, também reformado da TAP, faleceu há quatro meses. Do Braga, Afonso e Costa, sei muito pouco (...). Jorge Félix".

Foto (e legenda) de Jorge Félix, ex- Alf Mil Pil Av Heli Allouette III (BA 12, Bissalanca, 1968/70) > Cortesia de:
Blogue do Victor Barata > Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74.




PAIGC > Figura 1 > O helicóptero > "Helicóptero quer dizer: uma coisa que tem asas (ptero) em forma de hélice ou ventoinha (héli). Na verdade o helicóptero não tem asas como o avião, tem três partes principais: O corpo – com a carlinga onde está o piloto; o rabo – que também tem uma hélice (hélice propulsora); as hélices – grandes, acima do corpo e que se consideram como sendo as asas do helicóptero (ver desenho)"


Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado, de que nos foi enviada uma cópia, através de mais de um dúzia de mails, entre Setembro e Outubro de 2007, pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma.

O Marques Lopes foi Alf Mil na CART 1690 (Geba ) e CCAÇ 3 (Barro) entre 1967 e 1969.

PAIGC: Instrução, táctica e logística (18) > INSTRUÇÕES SOBRE A ACTUAÇÃO CONTRA HELICÓPTEROS [Transcrição de documento, interno, do PAIGC] (1)

Revisão e fixação de texto: AML/LG

INTRODUÇÃO

Desesperados diante do progresso da nossa luta, do aumento crescente das nossas forças armadas, os colonialistas portugueses tentam usar contra nós todos os meios modernos de que podem dispor, para ver se conseguem parar a marcha vitoriosa do nosso Partido. Nos devemos estar prontos para responder com coragem a todos os crimes dos colonialistas. Os combatentes das nossas forças armadas, principalmente os responsáveis do nosso Partido, devem enfrentar com calma e coragem todas as iniciativas criminosas dos colonialistas portugueses, devem estudar bem as suas manobras e os meios que usam contra nós, para poder manter bem alto o espírito combativo dos nossos militares armados, reforçar cada vez mais o apoio do nosso povo à luta armada e infligir novas e mais pesadas derrotas às tropas colonialistas.

Desde meados de 1966 que os colonialistas têm vindo a usar contra nós os helicópteros. Já usavam antes os helicópteros, mas apenas para abastecimento dos soldados isolados, para retirar mortos e feridos dos campos de batalha e para abastecimento.

Agora os colonialistas estão a usar helicópteros armados nas operações contra nós, principalmente contra as tabancas das regiões libertadas, para fazer mal ao nosso povo mas também em operações combinadas e para acções de surpresa contra certos sectores da nossa luta. Já nos fizeram algum mal e poderão fazer muito mais, se não tomarmos as medidas necessárias para responder com coragem e força a esta nova tentativa criminosa dos colonialistas.

Para conseguirmos votar ao fracasso esta nova iniciativa desesperada dos tugas, todos devem saber bem o que é o helicóptero, para que serve e como se usa, quais são as suas forças e as suas fraquezas, como combater contra os helicópteros e contra as armas transportadas por helicópteros. Os responsáveis do Partido devem saber isso, todos os combatentes devem saber isso, mas também as nossas populações, homens, mulheres e jovens devem saber isso. Os helicópteros nada podem contra um povo unido e pronto a lutar corajosamente para a sua liberdade. Assim como temos derrotado as forças colonialistas com as suas armas modernas e aviões, assim também derrotaremos os helicópteros que agora estão a usar.

Para fazer este documento, tomou-se como base, fundamentalmente, a grande experiência do povo heróico do Vietname na luta contra os helicópteros, tendo em conta as condições próprias da nossa terra.


I - RAZÕES, OBJECTIVOS E CONDIÇÕES DE USO DOS HELICÓPTEROS NA GUERRA COLONIAL


1. Porque é que os tugas usam os helicópteros contra nós



Os colonialistas portugueses já usaram contra o nosso povo muitos meios, quase todos os meios de que podem dispor para nos fazer mal. Manhas e intrigas, escravatura, armas de fogo antigas para conquistar a nossa terra; chicote, pontapé, bofetadas, palmatória e trabalho forçado no tempo do colonialismo; prisões, torturas, assassinatos, armas de fogo modernas, aviões com bombas de todas as espécies, carros blindados, etc., para destruir o nosso Partido, meter medo ao nosso povo e parar a nossa luta de libertação. Agora usam os helicópteros, convencidos de que assim poderão realizar os seus objectivos criminosos. No princípio da luta armada, os tugas vinham de carro. Nós destruímos os carros e passaram a tentar vir a pé. Nós matámo-los nas estradas e no mato em grande número, não conseguiram avançar de surpresa, porque eram descobertos pelas nossas patrulhas. Agora resolveram vir de helicóptero, para chegarem mais depressa, com surpresa, para também poderem fugir mais depressa, e para tentar retomar a iniciativa da luta.

Os tugas usam os hlicópteros para tentarem realizar combates e retirarem-se rapidamente, antes de os liquidarmos. Usam os helicópteros porque já sabem que não podem entrar a pé profundamente nos nossos matos, porque só com helicópteros poderão entrar nas nossas tabancas situadas junto das bolanhas e das matas onde é perigosa para eles andar a pé. Usam helicópteros, porque querem causar surpresa nos seus ataques contra as nossas populações e combatentes, querem ter iniciativa. Porque querem tentar liquidar-nos com ataques rápidos e seguros, para se retirarem rapidamente depois. Usam os helicópteros, porque também estão convencidos de que, como não conhecemos bem os helicópteros, ficamos com medo e não podemos agir.

Mas a razão principal porque os tugas usam agora os helicópteros, é porque todas as táticas e técnicas usadas contra nós até agora não deram resultado para eles. Estão desesperados e usam agora os helicópteros na esperança de que assim poderão mudar a situação. Por isso mesmo, nós devemos fazer frente aos helicópteros, atacá-los, botá-los abaixo, atacar e liquidar as tropas que transportam. Fazendo isso, votando ao fracasso essa nova tentativa desesperada dos tugas, vamos matar uma das suas últimas esperanças na nossa terra e, portanto, conseguir uma vitória decisiva para a expulsão dos tugas da nossa terra.


2. O que os tugas fazem e querem fazer com os helicópteros


Como se disse, os tugas usaram antes os helicópteros só para retirar os feridos e mortos dos campos de batalha e para abastecer ou apoiar as suas tropas tanto nas casernas como nos postos do mato.

Agora, os tugas, além disso, transportam tropas nos helicópteros para fazerem ataques terrorristas contra as nossas populações, para tentar atacar as nossas bases guerrilheiras, para tentarem estabelecer pontos de apoio em certas zonas. Portanto, para tentar destruir as nossas forças. Os helicópteros armados atacam as nossas aldeias e lançam chamas para queimar as nossas culturas.

Os tugas querem, com os helicópteros, com helicópteros que esperam receber dos seus aliados americanos, alemães, ingleses e franceses, desejam fazer grandes ataques contra nós, em operações combinadas com a infantaria, a aviação e a marinha; pensam poder lançar as suas tropas em várias direcções com muitos ataques rápidos, para tentar destruir as nossas forças e tomar o nosso material; esperam poder atacar cada vez mais as populações das regiões libertadas para matá-las ou forçá-las a fugir, para assim nos retirar o apoio do povo, indipensável para a marcha vitoriosa da nossa luta.

Para tentar fazer tudo isto contra nós, os tugas têm de vencer grandes dificuldades. Por isso, procuram aplicar na nossa terra os conhecimentos dos imperialistas americanos e outros, nomeadamente as tácticas e técnicas do uso dos helicópteros pelos americanos, contra o povo do Vietname.


3. Casos em que o tuga usa ou pode vir a usar os helicópteros contra nós


a - Assaltos de surpresa em terreno plano

A Guiné é em geral plana, pelo que não é difícil usar os helicópteros, salvo nas áreas de floresta com muitas árvores. Já em Cabo Verde, onde o terreno é montanhoso, será mais difícil de usar os helicópteros para ataques deste tipo.

Neste caso, o helicóptero é usado apenas como transporte de tropas, não sendo apoiado por fogo de armas pesadas ou por aviões. O objectivo desses assaltos é de prender pequenos grupos guerrilheiros ou gente do Partido. O inimigo procura tirar o maior efeito da surpresa, procura chegar ao local do ataques sem ser esperado. Mas só usa este tipo de ataque, quando sabe que as nossas forças são fracas. Por isso mesmo, na fase actual da nossa luta, em que temos em grande forças em todos os lados, o inimigo não pode usar muito este tipo de ataque dos helicópteros.


b – Assaltos a bases de guerrilha

Para fazer este tipo de assalto em helicópteros, o inimigo precisa de informações dadas pelo serviço de espionagem, pelos traidores ou por prisioneiros que lhes dizem onde estão exactamente as nossas bases, a força que temos nelas as armas que temos, o nosso sistema de defesa, etc. Por isso é preciso muito cuidado om os espiões e com os traidores, e, quando uma pessoa (da população ou combatente) que conhece bem uma base é presa pelos tugas, devemos sempre mudar a base.

Este tipo de assalto tem de ter um apoio aéreo (de aviões), para nos obrigar à defensiva, de maneira a sermos apanhados de surpresa pelas tropas transportadas por helicópteros.

Os helicópteros têm de partir de longe (por exemplo de Bolama para atacar no Cubisseco ou no Como) a fim de não sabermos antes que os tugas vão vir de helicóptero.


c - Desembarque de tropas para ocupar um lugar ou para fazer ataques de envergadura

Este é uso principal dos helicópteros que o IN [Esta abreviatura deve ser vício profissional do tuga que passou o texto à máquina. Não acho que usassem a mesma expressão que nós, o que, aliás, se vê em todo o SUPINTREP - A. Marques Lopes] pode querer fazer na fase actual da nossa luta. Exige bastante preparação, boas informações sobre as nossas forças, apoio de aviões e de fogo de armas pesadas, e, em alguns casos, apoio de tropas vindas por mar e por rio.

Vamos ver mais adiante o caso de desembarque de tropas transportadas por helicópteros.


4. Como é que o inimigo usa os helicópteros

No uso do helicóptero, o inimigo usa o seguinte método de trabalho:


A) – Faz o plano de combate

O plano é traçado de acordo com os métodos de combate da infantaria (as tropas só têm armas ligeiras). Para isso, o inimigo toma em conta o tipo de terreno, o método de desembarque e o número de helicópteros necessários para a peração. O chefe dos helicópteros e o chefe da infantaria reconhecem a situação e traçam o plano.


B) – Faz o plano para o transporte

Para isso toma em consideração:

- o número de soldados

- a quantidade de helicópteros

- a distância até ao lugar do desembarque

O chefe de infantaria indica a direcção do voo, e o chefe dos helicópteros indica como os helicópteros devem formar-se em voo.


C) – Faz o plano de fogo de apoio

Durante o voo dos helicópteros, são combinados três tipos de fogo: Artilharia, bombardeamento e metralhagem por aviões e fogo dos helicópteros que têm canhões e voam separados dos helicópteros que transportam tropas.

Antes de começar o voo e durante o voo, a artilharia e os aviões bombardeiam a posição a atacar, para enfraquecer as nossas forças. Durante o combate continua o fogo de apoio com artilharia e aviões, mas também com morteiros para permitir a saída dos soldados e a retirada dos helicópteros.


D) – Realização do desembarque

O desembarque é feito por fases, porque, em geral, os helicópteros não podem descer (aterrar) todos ao mesmo tempo no mesmo terreno. O primeiro grupo que desembarca é o grupo de protecção. Logo que o helicóptero toca a terra, os soldados saltam ou descem dele. A disposição do inimigo é a mesma que a das tropas de infantaria. Devem estar prontos para combater logo que tocam a terra.


5. Como é que o inimigo prepara um ataque com helicópteros


a - Faz reconhecimentos com aviação

Isto é para conhecer bem: a posição das nossas forças, o número de homens, as condições do terreno, as condições do tempo, etc. Este tipo de reconhecimento toma em geral bastente tempo, mas é muito fácil nas regiões planas como a nossa terra.


b - Faz ensaios de desembarque

Isto é para conhecer as dificuldades que pode encontrar no combate. Faz isso porque não é fácil aterrar e necessita de boas condições.


c – Escolhe o ponto de partida

É preciso para isso que a unidade da infantaria não esteja muito longe do desembarque, e que a caserna ou o posto em que se encontra seja uma base segura. A distância de voo deve ser em geral de cerca de 40 a 50 Km. Quando há muitos aeroportos, eles servem de ponto de partida (Bolama, Catió, Farim, Bafatá, etc).


d – Concentra (junta) os helicópteros e as tropas no ponto de partida

Quando é preciso mudar as tropas do quartel para o aeroporto, faz isso rapidamente, no máximo de uma hora, porque tudo deve estar pronto para partir, uma ou duas horas antes do desembarque.

e – Faz manhas para desviar a nossa atenção, para nos enganar

Pode fingir que está a reconhecer outro lugar em vez daquele que vai atacar, fingir que vai desembarcar noutro lado, lança boatos (notícias falsas) dizendo que vai atacar noutro lado, lança panfletos (cartas com propaganda) para nos desmoralizar e no fim atacam o lugar que sempre tinham em vista atacar.


6. Como é que o inimigo faz o desembarque


a) Fogo de apoio

Quando começa o fogo de apoio, os helicópteros saem do local de partida. O fogo de apoio dura todo o tempo de voo, de modo que quando chegam os helicópteros para o desembarque pára o fogo de apoio. No momento do desembarque o fogo de apoio recomeça, mas muda para as zonas próximas do local de aterrisagem, com o fim de cobrir o desembarque. Antes do desembarque o inimigo pode lançar paraquedistas falsos para, conforme a nossa reacção, conhecer melhor as nossas posições no terreno. Para o fogo de apoio, usam, como se disse, artilharia e aviões de combate. Os aviões fazem voos razantes (baixos) para fazer muito barulho com o fim de cobrir o ruído dos motores dos helicópteros.

Em geral as tropas que desembarcam e os aviadores de helicópteros pedem fogo de apoio. Mas isso faz com que nós podemos desconfiar do ataque, a surpresa fica diminuída ou sem efeito. Isto acontece porque as tropas colonialistas têm baixo espírito de combate, querem agir com maior segurança.


b) Tipos de desembarque

O inimigo desembarca grupo por grupo, mas se o primeiro grupo é atacado, volta a fazer fogo de apoio. Há três tipos de desembarque:

1º tipo – O helicóptero aterra e os soldados saem. Fazem assim em terrenos planos.

2º tipo – O helicóptero não aterra, fica suspenso no ar a pequena altura, lança uma escada e os soldados saem. Fazem assim nas zonas montanhosas principalmente.

3º tipo – O helicóptero não aterra, fica no ar a uma altura muito baixa, e os soldados saltam dele. Fazem assim nas zonas pantanosas (bolanhas, lalas com água, lama).


c) Tempo que dura o desembarque

O desembarque dos soldados de um helicóptero dura em geral 3 minutos; o desembarque de uma companhia (20 helicópteros) [Não me parece que na Guiné tivéssemos tantos helicópteros. Há-de ser uma ideia colhida junto dos vietnamitas - A. Marques Lopes] dura 10 a 15 minutos.


d) Como ataca o inimigo depois do desembarque

O inimigo age exactamente como fazem as tropas de infantaria, que estamos habituados a enfrentar.


II – BASES PARA A LUTA CONTRA OS HELICÓPTEROS


A nossa luta é uma guerra popular (de todo o povo). Por isso, a luta contra os helicópteros deve ser uma luta de todo o povo. Na luta contra os helicópteros, o trabalho principal é: mobilizar todas as forças armadas (exército e guerrilha), mobilizar todo o povo (população e milícia popular) par combater conra os helicópteros.

Para realizar este trabalho é preciso ensinar às massas populares e a todos os combatentes o que é um helicóptero, quais são as vantagens (forças) desvantagens (fraqueza) dos helicópteros; mostrar que temos capacidade para atacar e botar abaixo os helicópteros, criar e reforçar a confiança do povo e dos combatentes na sua capacidade diante dos helicópteros; aproveitar as nossas próprias experiência e as experiências dos outros, levá-las aos combatentes e às massas para poderem ser aplicadas em grande escala.

Conhecer o helicóptero, estar sempre pronto para lutar contra os helicópteros esta é a condição principal para derrotarmos os helicópteros na nossa terra.

1. O que é um helicóptero

Um avião é um meio de transporte que anda no ar, em geral com grande velocidade, mais epressa que os barcos e os carros. Mas o avião, para levantar voo (descolar) ou assentar na terra (aterrar) precisa de um grande espaço, duma pista (terreno plano, seco e firme) que tem várias centenas de metros e às vezes atá alguns quilómetros (avião a jacto). Por exemplo: um avião não pode descolar nem aterrar num quintal, num terraço, numa lala com água, num monte ou na lama. O avião não pode também parar no ar, nem perto da terra nem a grande altura: tem de estar sempre a andar.

O helicóptero é também um meio de transporte aéreo (que anda no ar), tem emgeral uma velocidade mais pequena do que a do avião, mas pode levantar voo ou aterrar numa porção pequena de terreno (um quintal, um campo de futebol, um terraço, etc.). Isso é possível porque o helicóptero não precisa de correr para levantar voo e porque pode parar no ar, mantendo o motor a trabalhar. O helicóptero levanta voo ou aterra muito devagar, e na vertical, quer dizer no sentido de um tronco de palmeira como quem sobe ou desce uma palmeira. Além disso, porque o helicóptero pode parar no ar, mesmo muito perto da terra, ele pode transportar pessoas e até carga para qualquer terreno: com pedras, com água, com lama, sem ser plano (monte) etc. Basta para isso que ponha uma escada ou um guindaste, e as pessoas ou as cargas descem ou sobem. Esta é a diferença principal entre o helicóptero e o avião: o helicóptero serve para qualquer terreno e até para trabalhos por cima da água, enquanto que o avião precisa de terreno especial para ser utilizado.

Helicóptero quer dizer: uma coisa que tem asas (ptero) em forma de hélice ou ventoinha (héli). Na verdade o helicóptero não tem asas como o avião, tem três partes principais [Vd. Fig 1, acima]:

O corpo – com a carlinga onde está o piloto

O rabo – que também tem uma hélice (hélice propulsora)

As hélices – grandes, acima do corpo e que se consideram como sendo as asas do helicóptero (ver desenho [, no cimo deste texto] )

Como os aviões, os helicópteros são feitos de metal ligeiro (alumínio) e de outros materiais leves, para diminuir ao máximo o seu peso. Como tudo o que voa, o helicóptero se é atingido seriamente ou se fica muito avariado não tem outro caminho senão cair no chão.

2. Quais são as vantagens (forças) dos helicópteros


São as seguintes:

a) – Dão uma grande mobilidade (movimentos rápidos) às tropas que podem assim deslocar-se mais depressa do que a pé ou de carro ou de barco, para qualquer terreno. Tem um raio de acção de 150 Km e uma velocidade de 160 Km/hora.

b) – Raio de acção – capacidade de voar sem receber mais gasolina. Por exemplo: pode ir de Bissau a Bissorã e voltar sem meter mais gasolina (em linha recta).

c) – Levam as tropas e abastecimento (material de guerra, comida, etc) para qualquer terreno e pode retirar tudo isso, assim como feridos e mortos de qualquer terreno.

d) – Causam surpresa tanto na ofensiva como na defensiva, porque chegam rapidamente, muitas vezes sem nós esperarmos e sobre qualquer terreno.

e) – Podem mudar de direcção de ataque rapidamente, dentro dum limite (distância máxima de 20 a 30 Km).

f) – A infantaria não precisa de muito treino para saber desembarcar dos helicópteros. Bastam em geral 5 a 6 minutos de treino para aprender a subis a descer do helicóptero. Logo a seguir ao desembarque podem começar o combate.

g) – Podem ter um grande apoio de fogo de armas pesadas.

h) – Podem ser armados para atirar contra os combatentes e contra a população.


3. Quais são as desvantagens (fraquezas) dos helicópteros


Os helicópteros têm muitas desvantagens (fraquezas).

São as seguintes:

a) – A cobertura de fora dos helicópteros é muito fina. Balas de calibre maior de 7 milímetros poem furar o casco dos helicópteros.

b) – A velocidade dos helicópteros não é grande. Por isso não é difícil fazer fogo contra os helicópteros quando estão em movimento, no ar, ao levantar-se ou a descer.

c) – Os helicópteros têm muita dificuldade em voar com mau tempo. Por isso só podem agir no tempo seco, os seus movimento são muito prejudicados (dificultados) pelo vento e pelas chuvas.

d) – Os helicópteros exigem muita conservação (tratamento). Assim, por cada hora de voo devem ser revistos e tratados durante cerca de três horas. Além disso, o motor dos helicópteros só tem uso em condições durante cerca de 300 a 500 horas.

e) – Os helicópteros gastam muita gasolina. Por exemplo, um helicóptero qie trabalha durante um dia gasta em médi mais de uma tonelada de gasolina.

f) – Quando os helicópteros se juntam num lugar de desembarque de tropas, formam um bom alvo para tiro fácil.

g) – O som do motor é muito forte, e por isso torna difícil ao IN [certamente mais um deslize do tuga escriturário...] de dar ordens de comando e também diminui ou impede a surpresa no momento do desembarque se nós estamos vigilantes.

h) – As tropas que vigiam os helicópteros não podem levar armas pesadas, e precisam de apoio de fogo de outras forças de apoio, o que nem sempre é fácil.

i) – Para usar os helicópteros, o inimigo deve sempre fazer primeiro um reconhecimento e usar fogo de apoio para desembarque, o que tira a surpresa à operação, desde que estejamos com atenção.

j) – O IN [novamente...] pode ter muitos helicópteros, mas não pode usar muitos num mesmo lugar ao mesmo tempo. É obrigado a repetir [é capaz de ser repartir...] os helicópteros por diversos lugares ou então fazer o desembarque por partes, o que torna mais fracas as suas forças.


4. Quais são os pontos mais fracos dos helicópteros

Os pontos mais fracos dos helicópteros são a carlinga, onde se enconta o piloto, e as hélices que fazem voar o helicóptero.

É, portanto, principalmente contra esses pontos que devemos fazer o tiro com a arma que temos. O tiro contra a carlinga tem a vantagem de poder atingir o piloto, deixando o helicóptero sem comando; além disso pode detruir aparelhos importantes sem os quais o helicóptero não poderá continuar a andar. O tiro nas hélices é o mesmo que umtiro nas asas de um pássaro: não poderá voar mais e cai, desde que o tiro seja bem dado.

- Alturas e distâncias

A altura em que está o helicóptero (distância entre o atirador e o helicóptero) pode ser avaliada com a vista. Assim:

Quando o helicóptero está a 100 metros mais ou menos, podemos ver claramento o helicóptero, a cara do piloto, a antena de rádio, e a boca da arma do helicóptero (canhão).

Quando está a 200 metros, vemos apenas a porta, as letras escritas no corpo ou no rabo, a carlinga, a cabeça do piloto.

Já quando está a 300 metros, só vemos o corpo do helicóptero a sua cauda ou rabo.

Para atirar contra um corpo em movimento é preciso mandar a bala para a frente desse corpo. Por isso é preciso conhecer a distância adiantada a que se deve mandar o tiro.


- A distância adiantada é calculada por fórmula:

DTA (distância) – TP (tempo que leva a bala a chegar ao alvo) x (vezes) VA (velocidade do corpo em movimento)

Suponhamos que o helicóptero está a 200 metros. A bala, para correr 200 metros, leva 0,31 segundos, portanto TP=0,31. O helicóptero anda a 50 m/segundo, portanto VA=50 m/segundo donde DTA=TpxVA=0,31s.x50=15m

Devemos portanto mandar o tiro para 15 metros à frente do helicóptero quando ele está a uma distância de 200 metros do ponto onde nos encontramos.

Fazendo cálculos parecidos com este, vemos que a distâncias adiantadas são as seguintes, para as distâncias do helicóptero a seguir indicadas conforme as armas (em metros).

Distâncias adiantadas (em metros)




Estes números indicam aproximadamente distâncias de tiro adiantadas, tiro isolado (um só atirador). Conforme o resultado do primeiro tiro, regulamos a distância para melhor acertar.

Devemos ter em atenção o seguinte:

Quando disparas várias armas ao mesmo tempo, devemos dobrar a distância de tiro adiantado, para formar à frente do helicóptero uma cortina de fogo com maior possibilidade de acertar.

Devemos ter em atenção o seguinte:

Quando usamos armas automáticas, de rajadas, devemos também dobrar a distância do tiro adiantado.

Antes de disparar, devemos sempre considerar uma distância adiantada maior do que a boa para podermos regular bem a distância que queremos, enquanto o helicóptero avança (em geral toma-se o dobro da distâcia necessária).






6. Como fazer tiro?


Pode-se dar tiros nos helicópteros com espingardas (Mauser), carabina russa ou outra espingarda semi-automática, espingarda metralhadora (G3 ou outra), com sub-metralhadoras como a AK10 (chinesa ou soviética) ou qualquer metralhadora ligeira.

a) – Graduar a alça da arma (regular a distância)

Isso depende da distância a que está o helicóptero sobre o qual se atira. Mas para agir rapidamente, convém ter a alça regulada antes do momento de ataque. Em geral escolhe-se a alça 3, quer dizer 300 metros de distância.

b) – O ângulo de tiro (posição da arma em relação ao solo)

Deve ser de 40º, o que permite um alcance de tiro de 1.200 metros em linha recta (trajectória rasante). Deve-se disparar quando o helicóptero está a uma altura do alto abaixo de cerca de 500 metros.

c) – Escolher o ponto de tiro

Quando o helicóptero está a uma altura igual ao do ponto em que nos encontramos (por exemplo, se estamos em cima de uma árvore, duma casa ou dum muro), atiramos contra ele directamente (tiro directo, ver figura 2).

Quando está no ar parado ou quando está muito perto e avança lentamente atiramos directamente (ver figura 3).

Quando está em voo, em linha recta, artiramos sobre o seu eixo (linha de voo) com tiro adiantado (tiro indirectyo), (ver figura 4).


5. Preparação e organização de combate contra os helicópteros



a) – Apreciar bem a situação do inimigo

Como se sabe, isto deve fazer-se para todos os casos de combate. Combater sem conhecer a situação do inimigo é o mesmo que entrar num quarto escuro cheio de obstáculos, é o mesmo que andar às cegas num caminho perigoso (ver palavras de ordens gerais, no que respeita à necessidade de fazer reconhecimentos antes dos combates).

Para conhecer a situação do inimigo devemos organizar uma rede de informação na zona do inimigo, para obter quaisquer indicações dos movimentos dos colonialistas, que mostram que se preparam para nos atacar em helicópteros.

Devemos saber a quantidade aproximada dos helicópteros que o inimigo vai empregar e apreciar a sua capacidade de combate. O inimigo pode desembarcar desde pequenos grupos de soldados até um ou mais batalhões. Em geral é difícil transportar mais e um batalhão, sobretudo para os tugas que não têm muitos helicópteros.

Devemos apesar disso estar preparados para combater contra o máximo de forças do inimigo, pois assim temos a segurança de poder derrotar essas forças.

Devemos também estudar quais são as forças de apoio que agem em coordenação com os helicópteros (fuzileiros, paraquedistas, etc.) e também qual o fogo de apoio que podem receber.

b) – Estudar o terreno

Com uma boa apreciação (conhecimento e atenção) podemos determinar o lugar onde é possível o desembarque, antes da chegada dos helicópteros. Apesar de que na nossa terra, que é em geral plana, haja muitos lugares para os helicópteros aterrarem, devemos conhecer bem os terrenos à volta das bases, das arrecadações e das tabancas, para fixar aqueles em que é mais fácil poisarem os helicópteros, que são melhores para o desembarque do inimigo.

Em cada Sector de luta e em cada base, devemos marcar esses terrenos. Isso permite-nos pôr obstáculos nesses terrenos (pedras, troncos de árvores, fogo, paus fincados na terra, minas, etc.) para evitar que os helicópteros aterrem, mas também para obrigá-los a aterrar lá onde nos convém melhor para o combate.

Para isso devemos ter em conta:

- O que queremos com o combate, o seu objectivo, quer dizer, se é para dar um golpe no inimigo, para evitar que desembarque ou para o aniquilar (detruir totalmente).

- A forma de combate que vamos utilizar, quer dizer, se combatemos em emboscada (esperando o inimigo no local de desembarque) ou se atacamos em movimento (avançar para o local do desembarque, e atacar o in imigo depois de desembarcar).

- A capacidade (as forças) do inimigo. Conforme essa capacidade, assim organizamos as nossas forças.

- As posições que devemos tomar no terreno.

- A sincronização (quer dizer: acção ao mesmo tempo) com outras forças nossas (guerrilhas, povo armado).

- A distribuição das tarefas (repartição dos tabalhos) durante o combate, o que deve ser feito claramente sem confusões.

- A organização dum sistema de vigilância e de comunicação (vigias, uso de bombolons ou de rádio para comunicar o movimento dos helicópteros), a fim de evitarmos a surpresa.

Quando estamos acampados, devemos prever um possível assalto com helicópteros. Por isso devemos ter um plano de defesa, cavar trincheiras e fossos, tomano posições favoráveis. Isso deve ser feito tanto nos pontos de apoio (acampamentos) como nas bases de guerrilha e também junto das tabancas.


8. Tipos de combate

O tipo de combate contra os helicópteros depende principalmente das forças de que dispomos e das armas que temos. Na fase actual da nossa luta se mobilizarmos e instruirmos (ensinarmos) bem as massas populares e os combatentes para a luta contra os helicópteros, podemos fazer qualquer tipo de combate contra eles. Temos todas as armas n ecessárias.


a) – Combate disperso

É a forma do combate popular, pois pode fazer-se em todos os lugares, os casos e a qualquer momento. Para poder fazer o combate disperso devemos:

- Criar grupos de caçadores de helicópteros formados de guerrilheiros e povo armado. Escolher para isso os bons atiradores.

- Convencer a população e os combatentes (nas horas vagas) a preparar cibes para fincar nos lugares bons para desembarque.

- Semear ou plantar plantas nos lugares em que não há, para nos servir de esconderijo donde faremos fogo contra os helicópteros e o inimigo.

- Nos grandes campos, combinar estacas fincadas no chão com minas anti-pessoais e anti-aéreas que devemos preparar.

- Não arrancar as árvores para fazer lenha, mas cortar apenas a parte dos ramos deixando os troncos no chão (como nos terrenos de queimada).

- Manter grupos de atiradores, devigilância, para darem tiros contra os helicópteros ainda quando estão a voar. Estes grupos devem estar em lugares situados na trajectória (linha de voo) que os helicópteros podem fazer e são a base para as nossas posições.

- Organizar comandos (grupos fortes) para atacar os aeroportos e bases inimigas com o fim de destruir os helicópteros.


b) – Combate concentrado

Este tipo de combate deve ser feito em geral com as forças principais (unidades do Exército e guerrilheiros bem armados). Podemos usar neste tipo de combate as tácticas seguintes:

- Combate de emboscada – Concentramos as nossas forças no lugar ou nos lugares previstos para o desembarque, e esperamos que cheguem os helicópteros. Neste caso, é em geral necessário atrair (chamar) o inimigo ao local da emboscada. Por exemplo: pôr obstáculos em todos os sítios bons para desembarque, menos naqueles que nos convém para combate; atacar um posto de uma caserna inimiga, para provocá-lo, e ficar depois à sua espera no lugar ou lugares bons para desembarque e situados próximos das nossas posições; dispor de forças em todos os lugares.» (2).
_________________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último poste da série > 8 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3284: Instrução, táctica e logística (17): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: A formação do soldado das FARP (A. Marques Lopes)

(2) Para saber mais sobre o helicóptero, vd. por exemplo os seguintes sítios:

Wikipédia > Helicóptero

Wikipédia > Portal: Aviação

Blogue do Victor Barata > Especialistas da BA 12, Guiné 65/7

Aproveito para saudar o Victor, que é também membro da nossa Tabanca Grande e tem ido aos nossos encontros nacionais, e desejar-lhe boa sorte e perseverança neste combate, que nem sempre é fácil, de reunir as antigas tropas, agora tresmalhadas, e que no caso dele não eram de terra nem do mar, mas do ar... No seu sempre activo blogue, têm aparecido além dos Melec (técnicos de manutenção aeronáutica, como ele), outros camaradas, como os pilotos e os pára-quedistas... Boa saúdede e bom trabalho para o Victor e os camaradas da FAP que a Guiné juntou e uniu. O Victor está, além disso, a organizar uma viagem de saudade à Guiné, a realizar em Fevereiro do próximo ano.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3170: PAIGC - Instrução, táctica e logística (14): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: Educação (A. Marques Lopes)

Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado (1), de que nos foi enviada uma cópia, através de mais um dúzia de mails, entre Setembro e Outubro de 2007, pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma. Faz parte da Tabanca de Matosinhos, a maior das tabancas da nossa Tabanca Grande...


1. Mensagem do A. Marques Lopes, de 4 de Outubro de 2007:

[Ao ver este programa escolar, lembrei-me dos anos em que estive sentado nas carteiras das Oficinas de S. José, em Campo de Ourique, durante a minha instrução primária, e não me pareceu muito diferente. Foi meu professor o Padre Serafim Gama, que, depois de muitos anos, encontrei em Bissau como capelão militar (2).

Os alunos do PAIGC tinham incluída a formação política, como se vê, o que é natural, dada a situação em que se ministrava a sua educação e dada a natureza da organização que a orientava. Também, nas Oficinas de S. José, ouvi o Padre Gama falar-me muito de Deus, de Jesus, de Nossa Senhora Auxiliadora, da Igreja, da Sociedade Salesiana, de S. João Bosco, de S. Domingos Sávio, e outros, do pecado... o que era natural igualmente, dada também a situação e a natureza da organização salesiana a que esse meu professor pertencia.

Claro que, quando nos encontrámos em Bissau, o teor da nossa conversa já não foi esse, tendo-se, ao invés, aproximado bastante de alguns aspectos da "Parte Política" deste programa que vos mostro ... - A. Marques Lopes]



PROGRAMA DAS ESCOLAS DO PAIGC


PRIMEIRAS LETRAS


Conhecimento do alfabeto. Leitura soletrada. Conhecimento dos algarismos. Contar até mil.

PRIMEIRA CLASSE

Leitura sem soletrar. Cópias. Tabuada de adição e subtracção. Adições e subtracções e prova dos nove destas operações.


SEGUNDA CLASSE

Ler livremente. Cópias. Prova real da adição. Prova real da subtracção por meio da adição. Tabuada da multiplicação e adição. Pequenas multiplicações e divisões com a prova dos nove. Numeração romana até cincoenta.

TERCEIRA CLASSE

Revisão da matéria dada.

Português

Leitura livre e correcta. Interpretação e comentário breve dos trechos lidos. Ditado. Redacção sobre temas da vida.

Aritmética

1 - Leitura de números inteiros.

2 – Números decimais: leitura de números decimais de duas maneiras. Operações com números decimais.

3 – Medidas de comprimento: o metro, múltiplos e submúltiplos.

4 – Medidas de superfície: o metro quadrado, múltiplos e submúltiplos.

5 – Medidas agrárias: are, hectare, miriare e centiare. Sua equivalência com as medidas de superfície.

6 – Medidas de volume: o metro cúbico, múltiplos e submúltiplos.

7 – Medidas capacidade: o litro, múltiplos e submúltiplos. Equivalência com as medidas de volume.

8 – Medidas de peso: grama, múltiplos e submúltiplos.

9 – Problemas simples aplicando as quatro operações e as medidas.

Geometria

1 - Noção do ponto. Noção da linha. Noção da linha recta. Linha curva e linha quebrada. Noção do ângulo. Divisão dos ângulos. Triângulos. Divisão dos triângulos. Quadriláteros. Polígonos. Circunferências.

Ciências naturais

1 - Os reinos da Natureza. Seres vivos ou animados e seres brutos ou inanimados. Divisão dos seres vivos em animais e plantas. Definição de Zoologia, Botânica e Mineralogia.

2 – Divisão dos animais em vertebrados e invertebrados. Divisão dos vertebrados em Mamíferos, Aves, Répteis, Batráquios e Peixes. Características destes grupos e exemplos.


Geografia

1 – A Terra e o Espaço. Divisão dos astros em estrelas, planetas e cometas. Noção de satélite. O Sol. A Lua.

2 – A esfericidade da Terra. Provas da esfericidade da Terra. Divisão da Terra em parte sólida e parte líquida. Os continentes e os oceanos.

3 – Noções de oceano, mar, lago, rio, continente, ilha, arquipélago, montnha, monte e serra.


QUARTA CLASSE

Português:

Leitura livre e correcta. Interpretação e comentários dos trechos lidos. Ditado.

Redacção sobre temas da vida e da luta.

Revisão da matéria da Gramática dada na 3.ª classe. Estudo da Morfologia e da Sintaxe.

Aritmética:

1 - Noções de fracção. Numerador e denominador. Fracções próprias e inpróprias. Número misto fraccionário. Transformação de número misto fraccionário em fracção imprópria e vice-versa. Adição e subtracção de fracções com o mesmo denominador. Multiplicação de fracções. Divisão de fracções. Adição e subtracção de racções com denominadores diferentes. Transformção em número decimal. Fracções decimais. Sinplificação de fracções.

2 – Multiplicação de um número decimal por 10, 100, 1000, etc. Divisão por 10, 100, 1000, etc. Multilicação por 0,1 – 0,001.

3 – Números complexos. Adição, subtracção, multiplicação e divisão de números complexos.

4 – Divisibilidade. Regras da divisibilidade: por 2, 3, 5 e 10.

5 – Problemas que utilizem as noções dadas.

Geometria:

1 – Sólidos: cubo, paralelipípedo, prisma, pirâmide, cilindro, cone e esfera.

2 – Área das figuras planas: paralelograma, losango, trapézio, polígonos regulares, círculo, coroa circular.

3 – Volume do cubo, do paralelipípedo e do prisma.

4 – Perímetro das figuras planas: do triângulo, quadrilátero, polígono, circunferência e semi-circunferência.

5 – Segmento circular, sector circular, zona circular, circunferências concêntricas e excêntricas.


Ciências Naturais:

1 – Revisão.

2 – Divisão dos invertebrados em insectos, aracnídeos, vermes ou anelídeos, moluscos e crustáceos. Características destes grupos e exemplos.

3 – O corpo humano. Partes do corpo humano.

4 – Esqueleto humano. Caveira. Crâneo e ossos da face. Divisão dos membros superiores em espádua ou ombrio, braço, antebraço e mão. Os ossos dos membros superiores. Divisão dos membros inferiores em anca, coxa, perna e pé. Os ossos dos membros inferiores. A coluna vertebral. As vértebras cervicais, dorsais, lombares, sagradas e coccígeas. As costelas (verdadeiras, falsas e futuantes). O externo.

5 – Aparelho digestivo. Tubo digestivo e órgãos anexos. Partes do tubo digestivo. As glândulas. A transformação dos alimentos ao longo do tubo digestivo.

6 – O aparelho respiratório. Partes constitutivas. Função do aparelho respiratório.

7 – O aparelho circulatório. Partes constitutivas. Divisão do coração. Vasos sanguíneos. O sangue. A grande circulação e a pequena circulação. Função do aparelho circulatório.

8 – O aparelho urinário. Partes cosntituintes. A urina. Função do aparelho urinário.

9 – O sistema nervoso. Centros nervosos e nervos. Divisão dos centros nervosos. Partes constituintes.

10 – Botânica – partes da planta. Distição entre plantas fanerogâmicas e criptogâmicas. Observação de exemplares de plantas.

Geografia:

1 – Revisão

2 – Geografia da Guiné: superfície, população, situação geográfica, clima, fauna e flora. Parte continental e parte insular. Rios: Geba, Cacheu, Corubal e Cacine. Relevo. Produção agrícola e florestal. Exportações e importações. Capital e centros comerciais. Principais portos.

3 – Geografia de Cabo Verde: superfície, população, situação geográfica, clima, fauna e flora. Di visão das ilhas em grupo Barlavento e Sotavento. Produção agrícola. Exportações e importações. Capital e centros comerciais. Principais portos.

PARTE POLÍTICA > SEGUNDA CLASSE

1 – Deveres das crianças para com os pais. O amor filial. Deveres das crianças para com a Pátria. O amor ao Povo. O patriotismo.

2 – Deveres das crianças para com os seus professores. Amizade e camaradagem entre as crianças da mesma escola, da mesma tabanca, da mesma terra; as crianças das nossas terras devem ser amigas de todas as crianças do Mundo.

3 – Necessidade que o nosso povo tem da contribuição que os nossos jovens podem dar à luta de libertação e à construção do progresso das nossas terras. Necessidade e os jovens se prepararem para amnhã contribuir melhor para a realização da felicidade do nosso Povo. O amor ao estudo. O amor ao trabalho e aos trabalhadores. A Juventude como garantia do futuro do nosso Povo.

4 – Exploração do nosso povo pelos colonialistas portugueses. A opressão, como se fazem a a exploração e a opressão. A exploração e a opressão não são do interesse do povo português. Distinção entre povo português e colonialismo português. [negrito meu - A. Marques Lopes]

5 – Condenação do colonialismo e dos crimes dos colonialistas portugueses por todos os povos do Mundo. O nosso Povo e os seus amigos. A ajuda dos outros povos à justa causa por que luta o nosso Povo. O direito do Nosso Povo à Liberdade e ao Progresso. O que é o Progresso.

6 – Necessidade de luta para a libertação das nossas terras, condição de construção de Progresso. Lugar dos jovens nessa luta.

7 – Necessidade de preparação do povo para a luta. Necessidade da mobilização. O que é a mobilização. Necessidade de organização e de direcção.

8 – O PAIGC, Partido do Povo da Guiné e de Cabo Verde. No Partido estão os melhores filhos do nossos Povo. Porque é o Partido a ESPERANÇA do Povo. O dever de defender o Partido. Os inimigos do Partido são inimigos do Povo. O dever de respeitar o Hino, a Bandeira, o Emblema e os dirigentes do Partido.

9 – O aluno e os combatentes da nossa luta de libertação nacional. A estima e o respeito que merecem os combatentes do Partido. As vítimas da nossa luta. As viúvas e os órfãos. Os mutilados. Motrar a importância que tem a ajuda que o aluno pode dar a uma vítima da luta. Glória e imortalidade dos nossos heróis.

10 – ORGANIZAÇÃO DO PARTIDO:

a) - O Grupo, organização de base do Partido. Onde se formam grupos, o número mínimo de militantes para que se possa constituir um grupo. O que é a Assembleia de Grupo. Quantas vezes se reune por semana. O que se faz nas reuniões. O Secretariado do Grupo – quem o criou e para quê.

b) - Existência de milhares de grupos, com milhares de militantes, cobrindo as nossas terras. O amor do Povo ao partido é a sua força principal. A direcção do Partido: o Comité Central. O Congresso como reunião dos representantes legítimos do Povo. Os membros do Comité Central como os filhos mais dedicados do Povo e os melhores amigos da Juventude e das crianças. Quem é o Presidente do Comité Central do Partido. Quem é o Secretário Geral do Partido.

PARTE POLíTICA > TERCEIRA CLASSE

1 – Revisão.

2 – ORGANIZAÇÃO DOS PIONEIROS

a) - Necessidade de organização de todo o Povo. A organização das crianças: Pioneiros do Partido. Deveres dos Pioneiros para com a família, a Pátria, e o Partido. A camaradagem no seio da organização dos Pioneiros. Necessidade de as crianças da mesma escola ou da mesma tabanca se constituirem em grupo de Pioneiros.

b) - Idade máxima para um Pioneiro.

3 – ORGANIZAÇÃO DO PARTIDO

a) Quem pode entrar para o Partido. O Juramento. Explicar o seu significado. Porque é que nesta fase se dispensa o pagamento das cotizações. As outras formas por que o povo tem contribuído.

b) A Secção – reunião de 5 grupos, sob a mesma direcção.

c) O Congresso como órgão máximo do Partido. Porquê. Quando se reune o Congresso.

4 – PROGRAMA DO PARTIDO:

a) - A felicidade do Povo como objectivo do Partido. A Liberdade como primeira condição da felicidade do Povo. A INDPENDÊNCIA.

b) A necessidade de defender permanentemente a Independênciadepois de conquistada.

c) - Necessidade de impedir que o poder seja tomado por indivíduos que vão exercê-lo no seu interesse, explorando o Povo. Inimigos internos. A Justiça e o Progresso para todos. Os inimigos internos na fase da luta. Os traidores e os oportunistas. O dever de vigilância dos militantes contra os inimigos internos. O direito do Povo de castigar os inimigos internos.

d) - A UNIDADE do Povo como condição da conquista da Independência, da defesa da Independência conquistada e da construção do Progresso. A importância da defesa da Unidade do Povo. Condenação do racismo e do tribalismo. Unidade do Povo na Guiné, unidade do Povo em Cabo Verde e a Unidade do Povo da Guiné e Cabo Verde.

e) - A administração colonialista é contra os interesses do Povo. Necessidade de liquidar a organização política e administrativa dos colonialistas. Necessidade de uma nova organização ao serviço do Povo.

f) - A Liberdade e Justiça para todos. Necessidade de o Povo ser efectivamente quem dirige, através dos melhores filhos do Povo (dos mais honestos, dos mais amigos do Povo dos mais capazes). Necessidade de a Lei ser igual para todos. A emancipação da mulher, exigência da Justiça e do Progresso.

g) - Respeito do direito à vida, à integridade física e à liberdade das pessoas (Direitos do Homem). Liberdade de domicílio, de religião e de trabalho. Necessidade da liberdade no casamento.

h) - Como devem ser tratados os estrangeiros que respeitem o Povo e as Leis.

i) - A instrução do Povo como condição do Progresso. A necessidade de alfabetização das massas. A necessidade de escolarização de todas as crianças em idade escolar. A necessidade da formação de quadros. Ensino primário obrigatório e gratuito. Necessidade da criação de escolas primárias, liceus, escolas técnicas e universidades. Necessidade de desenvolvimento da educação física e dos desportos. O que o Partido já está a fazer no domínio do ensino: alfabetização, criação de escolas e bolsas de estudo para futuros quadros.

PARTE POLÍTICA > QUARTA CLASSE

1 – Revisão

2 – ORGANIZAÇÃO DO PARTIDO

a) – Quais os órgãos da Secção, da Zona, da Região. Quais os Órgãos Nacionais. A Conferência como órgão máximo em cada escalão. Distinção entre as funções das Conferências, dos Comités e dos Secretariados. As funções das Comissões das Finanças. As funções das Comissões de Controle.

b) – Explicação a competência do Congresso: definição da linha política, aprovação do Programa e eleição do Comité Central. Quem escolhe os delegados ao Congresso. Referência à reunião do 1.º Congresso.

c) – Divisão do Comité Central em Departamentos. O Secretariado Geral como principal Departamento do Comité Central dirigindo os outros departamentos.

d) – Adopção na organização do Partido do princípio da direcção colectiva. As vantagens da direcção colectiva.

e) – Qual deve ser o comportamento do militante para com os seus camaradas. O que são a crítica e a auto-crítica. Distinção entre a crítica positiva e a crítica negtiva. Distinção entre a competição fraternal e a concorrência.

f) – O que é um Responsável do Partido. Qualidades que se exigem a um Responsável.

3 – PROGRAMA DO PARTIDO

a) – Necessidade de todo o Povo trabalhar com entusiasmo para a construção do Progresso das nossas terras. Condenação dos vadios. Os parasitas como inimigos do Progresso e do Povo. O respeito que merece o homem trabalhador. O amor ao trabalho. Heróis do trabalho.

b) – Necessidade de destruir todos os vestígios da exploração colonialista e imperialista, para que o fruto do trabalho do Povo seja para o Povo. Ideia de independência económica e de neo-colonialismo.

c) – Ideia de planificação. Vantagens da planificação.

d) – Bens que devem ser propriedade do Estado e porquê. As vantagens da cooperação e a propriedade cooperativa. Necessidade de acabar com apropriedade privada que não sirva o interesse do desenvolvimento económico das nossas terras. A propriedade pessoal.

e) – Necessidade de desenvolvimento da agricultura. A modernização da agricultura. Os inconvenientes da monocultura da mancarra na Guiné e da monocultura do milho em Cabo Verde. A necessidade da reforma agrária em Cabo Verde.

f) – Necessidade de desenvolvimento da indústria e do artesanato.

g) – O que o Partido tem feito no domínio da produção agrícola e do artesanato.

h) – Organização da assistência social para os que involuntariamente precisarem de ajuda, em caso de desemprego, invalidez ou doença.

i) – Necessidade de uma Defesa Nacional eficaz. Organização da Defesa Nacional a partir das forças armadas combatentes da luta de libertação nacional. Necessidade de apoiar a Defesa Nacional do Povo. Necessidade de disciplina nas forças armadas. A fidelidade e a submição das forças armadas à direcção política.

j) – Unidade Africana. Razão. Condições.

k) – Necessidade de colaboração fraternal com os outros povos. Explicação dos princípios em que deve basear-se esta colaboração: respeito da soberania nacional, respeito pela integridade territorial, não-agressão, não-intervenção em assuntos internos, igualdade e reciprocidade de vantagens e coexistência pacífica.

l) – Referência à UNTG [União Geral dos Trabalhadores da Guiné] e à UDEMU [União Democrática das Mulheres da Guiné]. A UNTG e a UDEMU contribuem para a realização dos objectivos do Partido. As relações entre o Partido e essas organizações. A direcção política pelo Partido. [A 12 de Setembro de 1974, no Boé, foi criada a JAAC - Juventude Africana Amílcar Cabral (LG)].

PARTE POLÍTICA > QUINTA CLASSE

1 – Revisão.

2 – Os outros povos em luta contra o colonialismo português. As organizações que dirgem esses povos. A CONCP [Conferência d das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, craiada em 1961, em Marrocos (LG)]. O que é, quem nela participa, quais os seus objectivos.

3 – A nossa luta como parte da luta de África pela sua libertação. Os outros povos em luta contra o colonialismo. O apartheid. Os povos em luta contra o apartheid. Os países independentes de África. A existência de países submetidos à exploração colonialista e a necessidade da luta contra o neo-colonialismo. A OUA como união dos Estados independentes de África. Os seus objectivos.

4 – O nosso Partido no Mundo. Os povos e os governos que ajudam a nossa luta. A ajuda da África. Os paízes vizinhos. Os países socialistas ajudam os povos que lutam pela libertação nacional. A ajuda dos países socialistas ao nosso Partido. Organizações anti-colonialistas no Mundo. Sua existência em países cujos governos ajudam os colonialistas portugueses.

5 – Os governos aliados de Portugal. Portugal não pode fazer a guerra colonial sem a sua ajuda. A OTAN [ou NATO]

(Reprodução de documento do PAIGC. In: Supintrep nº 32, Junho de 1971)
______

Notas de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série > 7 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3032: PAIGC: Instrução, táctica e logística (13): Supintrep, nº 32, Junho de 1971 (XIII Parte): Armamento (A. Marques Lopes)

(2) António:

Este Padre Gama será o mesmo que a nossa amiga Teresa de Seabra procura ? O que foi capelão militar do BCAV 490 (1963/65)? A ser o mesmo, de certo que não o encontraste em Bissau, nessa época, mas só mais tarde, na altura em que por lá andaste (1967/69)... Confirmas ou infirmas ?

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3032: PAIGC: Instrução, táctica e logística (13): Supintrep, nº 32, Junho de 1971 (XIII Parte): Armamento (A. Marques Lopes)




Quadro I - Evolução do armamento do PAIGC no TO da Guiné (1961-69)... Fonte: Supintrep nº 32, Junho de 1971. Naturalmente faltam os Strela, os mísseis terra-ar que apareceram em Março de 1973, nos céus de Guileje...


Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado, de que nos foi enviada uma cópia, em 19 de Setembro de 2007, pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma :


PAIGC - Instrução, táctica e logística (13): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (Parte XII) > Logística:


a. ABASTECIMENTO DE MATERIAL DE GUERRA E INTENDÊNCIA (*)

1. Armamento e munições


Os grupos armados do PAIGC dispõem de material ligeiro moderno, próprio para o tipo de guerra que pratica, ao qual associa armas pesadas, tais como canhões sem recuo e morteiros de vários tipos, metralhadoras e peças anti-aéreas, metralhadoras pesadas, foguetões 122, havendo notícias de que possui já, ou possuirá a curto prazo, mísseis terra-ar [Strela]. Esta gama de armamento de origem russa, chinesa e checa, é recebida quer directamente desses países quer a partir de Cuba, e encontra-se descrito no SUBINTREP 33.

Dada a grande variedade de armas utilizadas e, dentro do mesmo tipo de armas, de vários calibres, poder-se-ia admitir que se verificassem deficiências ou dificuldades no seu emprego, estas últimas especialmente devidas a deficiências de reabastecimento. Tal não acontece, porém, e, muito ao contrário, em todas as acções que tem levado a cabo o IN tem vindo a actuar com crescente potencial de fogo em que o quantitativoe a variedade das munições consumidas revelam níveis apreciáveis, não sendo raras as flagelações em que são consumidas várias centenas de granadas de canhão e morteiro. A ausência de restrições no consumo de material é suficientemente elucidativa da “generosidade” dos países fornecedores.

O mesmo acontece com os engenhos explosivos, minas anti-carro e anti-pessoal, normalmente de fabrico russo, das quais o IN faz largo uso.

Considerando os vários tipos de armas utilizadas, julga-se que será de interesse incluir neste documento elementos respeitantes ao seu aparecimento no TO, o que constiturá uma pequena história das sucessivas “fases” em que podemos dividir o tempo que meneia entre a eclosão do conflito e os dias de hoje, fases essas definidas presisamente pela utilização de novos armamentos.

Consideram-se as seguinte referenciações (Vd. Quadro I, em cima):

Tipo de armamento - Espingarda gentílica de caça

Mês e ano do seu aparecimento - Junho de 1961
Local onde foi referenciado pela 1ª vez - S. Domingos

Pistola / Jul-Dez 1962 / Frente Sul

Pistola metralhadora e granada de mão / Jan 1963 / Tite

Mina Anti-carro / Jul 1963 / Estrada Fulacunda - S. João

Metralhadora ligeira / Jul -Dez 1963 /

Morteiro 82 / Jan-Fev 1964 / Buba, Ilha do Como

Metralhadora pesada 12,7 / Março de 1964 / Cabedú

Lança granadas-foguete / Ago 1964 / Piche

Morteiro 60, espingardas automáticas, semi-automáticas e minas generalizadas / Dez 1964

Canhão s/recuo 82 mm / Jul 1966 / Beli

Canhão s/recuo 75 mm / Nov 1966 / Canquelifá

Confirmação da utilização de meios rádio / Dez 1966

Lança granadas-foguete RPG7 / Nov 1967

Canhão s/recuo T21 / Jun 1968

Morteiro 120 / Ago 1968 / Gandembel

Foguetões 122 / Nov 1969 / Bolama



Lisboa > Museu Militar (1) > O foguetão 122 mm ou a arma especial Grad (na terminologia do PAIGC) (**). Os primeiros foguetões 122 mm terão sido usados, pela primeira vez, numa flagelação contra Bolama, em Novembro de 1969.


Foto [à esquerda]: © Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.


Entrando em linha de conta com estes elementos, consideram-se as seguintes fases no desenrolar da luta:


1.ª FASE [1961/63]



Definida pelo uso de armas de caça e armas gentílicas e caracterizada também pela utilização de pistolas, pistolas metralhadoras e granadas de mão, a qual se estende até Julho de 1963.


2.ª FASE [1963/1966]

Caracterizada pela utilização de minas A/C e armamento pesado, nomeadamente morteiros 82, metralhadoras pesadas e lança granadas-foguete, até meados de 1966.

3.ª FASE [1966/69]

Caracterizada pela utilização de espingardas automáticas e semi-automáticas, canhões sem recuo (s/r) 75 e 82 mm, morteiros 120, a par de todas as outras anteriormente referenciadas.


4.ª FASE [Nov 1969... ]

O início desta fase, Novembro de 1969, é caracterizada pelo aparecimento no TO de foguetões 122, em paralelo com todo o restante armamento citado.

3. As arrecadações

São instalações de vários tipos onde o IN guarda o seu material, sendo a sua capacidade e construção dependente do escalão que servem. Verifica-se, assim, a existência de arrecadações de grande capacidade (Depósitos) construídas em betão nas bases das regiões fronteiriças, arrecadações mais pequenas, embora seguras, junto dos órgãos de comando das Frentes e Sectores, e pequenas arrecadações, muitas vezes simples buracos camuflados, junto dos acampamentos das unidades mais elementares.

Estas “arrecadações”, que possuem sempre um encarregado, o “responsável”, situam-se, especialmente as que servem unidades de pequenos efectivos, fora das áreas dos acampamentos de modo a não serem facilmente detectáveis.

A fim de protegerem o material guardado nestas “arrecadações” rudimentares, o IN utiliza plásticos, caixotes de madeira, de cibes e de ferro, além de outros materiais de protecção; nas “arrecadações” que reunem já razoáveis condições de armazenamento não são descurados os cuidados a ter com o material, sendo o mesmo colocado em caixotes que assentam em estacarias, defendendo-o assim da humidade e da bicharia.


4. Maneira como se processa o reabastecimento de material


Kandiafara e Koundara são, como se referiu já, as bases logísticas de apoio à Inter-Região Sul e Inter-Região Norte, respectivamente, sendo Boké e Kolda pontos de passagem e controle de viaturas e material nelas transportado. Este, vindo dos órgãos logísticos e centrais de Conakry, chega às bases inter-regionais onde fica registado e armazenado até ser feita a sua distribuição pelas bases que, nas regiões fronteiriças e no interior, servem as diferentes Frentes e Sectores. Aqui, por sua vez, acaba também por ser distribuído pelos acampamentos das diferentes unidades.

O procedimento adoptado para o processamento da distribuição do material é o seguinte: cada escalão elabora relações de material especificando nelas o material consumido ou desaparecido, o operacional e o inoperacional, o fornecido e o evacuado. Estas relações são enviadas periodicamente aos escalões superiores, os quais procedem aos necessários ajustamentos em função delas.



____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2955: PAIGC: Instrução, táctica e logística (12): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (XII Parte): Saúde (A. Marques Lopes)


(**) Vd. postes anteriores sobre o armamento do PAIGC:

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1756: Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, aquando da visita de Américo Tomás (Bissau, 1968) (Victor Condeço)

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1764: Armamento do PAIGC (1): Metralhadoras pesadas Degtyarev, antiaéreas (Nuno Rubim)

27 de Junho de 2007 >Guiné 63/74 - P1890: PAIGC: Gíria revolucionária... ou como os guerrilheiros designavam o seu armamento (A. Marques Lopes)

(...) Tipo de Armamento > DESIGNAÇÃO

Foguetão 122 mm > GRAAD ou JACTO DO POVO

Morteiro 120 mm > BADORA

Canhão S/R B-10 > BEDIS
Canhão S/R 75 mm > TECHONGO

Lança Granadas-Foguete PANCEROVKA P-27 > BAZOOKA BICHAN, LANÇA GRANDE, PAU DE PILA, BAZOOKA CHINÊS

Lança Granadas-Foguete RPG-2 > BAZOOKA CHINA, BAZOOKA LIGEIRO, LANÇA PEQUENO

Lança Granadas-Foguete 8,9 cm (M20 B1) > BAZOOKA CUBANA

Metralhadora Pesada DEGTYAREV (DSHK) Cal. 12,7 mm M-38/56 > DEKA, DESSEQUE, DCK,

Metralhadora Pesada GORYOUNOV Cal. 7,62 mm M-943 SG > TRIPÉ, GORRO NOVO

Metralhadora Pesada ZB – 37 ZDROJOVSKA > TRIPÉ, TRIPÉ BESSA

Metralhadora Ligeira DEGTYAREV DP Cal. 7,62 mm > BIPÉ DISCO ou DISCO BIPÉ SOVIÉTICO

Metralhadora Ligeira DEGTYAREV RDP Cal. 7,62 mm > BIPÉ CHECO, BIPÉ PACHANGA

Metralhadora Ligeira M-52 Cal. 7,62 mm > BIPÉ CAUDO, BIPÉ MAQUESSEN

Metralhadora Ligeira BORSIG Cal. 7,92 mm > BIPÉ

Espingarda Automática KALASHNIKOV (AK) Cal. 7,62 mm > AKA ou ACAG3, PM SOVIÉTICO

Espingarda Automática SIMONOV (SKS) Cal. 7.62 mm > CARABINA AUTOMÁTICA ou CHIME AUTOMÁTICA, CANHE BALE (JOL), CARABINA SINECE, CARABINA CHINESA, E.S.A SIMA

Espingarda M-52 Cal. 7,62 mm > CARABINA CHECA

Espingarda MAUSER K98K > MAUSER

Espingarda Semi-automática M-52 Cal. 7,62 mm > CHIME AUTOMÁTICA, CARABINA BOMBARDEIRA

Carabina MOSIN-NAGANT M-944 > CARABINA RÔSSIA (SOVIÉTICA

Pistola-Metralhadora M-23 > MERENGUE

Pistola-Metralhadora M-25 > MERENGUE ou RICON RICO

Pistola-Metralhadora SHPAGIN Cal. 7,62 mm M-941 (PPSH)> PACHANGA, METRO ou METAR

Pistola-Metralhadora SUDAYEV Cal. 7,62 mm M-943 (PPS) > PM de FERRO, 
DECÉTRIS,MODELO PACHANGA, PM CHINESA

Pistola-Metralhadora THOMPSON Cal. 11,4 mm > RICO JAZ-THOMPSON

Pistola-Metralhadora BERETTA N-38/42 e M-38ª> BERETTA

Pistola-Metralhadora SHMEISSER MP-38 e MP-40 > COPTER

Pistola CESKA ZBROJOVKA Cal. 7,65 mm > PISTOLA SEMI-AUTOMÁTICA

Pistola CESKA ZBROJOVKA Cal. 6,35 mm > PISTOLA SEMI-AUTOMÁTICA PEQUENA