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quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27135: Humor de caserna (210): Fugir com o cu (ou melhor, com o pé) à seringa (José Teixeira, "fermero", que "firma"na Tabanca de Matosinhos)

1. Mais uma história. bem humorada, do nosso "fermero"  Zé Teixeira (que hoje "firma" na Tabanca de Matosinhos, mas que noutra incarnação foi 1º cabo aux enf, 
CCAÇ CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)...

Estamos em agosto de 2025... Um mês que há muito deixou de ser  "o nosso querido mês de agosto": é cada vez mais trágico, com a banalização dos incêndios, da morte e da devastação do interior do nosso Portugal...

O Zé Teixeira, que apesar de tudo não se deixa abater com o desolador espetáculo que o mundo à volta nos oferece, mandou-nos, para animar o blogue,  mais uma das suas histórias pícaras. Agora reeditadas (*).


Humor de caserna (21o) > O balanta que fugiu com o cu (o melhor, com o pé) à seringa



Em Mampatá Forreá (na região de Quínara, entre Buba e Aldeia Formosa), os dois únicos balantas que lá conheci (a população era Fula, Futa-fula e Mandinga) eram lenhadores, contratados pela tropa a troco de uma marmita de comida diária para cortarem lenha para a cozinha militar.

Um deles tinha tanta força como de ingenuidade. Um dia peguei numa faca e disse-lhe que o ia matar. Desatou a correr e eu atrás dele, a rir-me às gargalhadas, correndo os dois a tabanca toda.

Ninguém sabia o que se passava nem entendia porque quando eu parava, atrás de uma morança, ele parava e, se eu começasse a correr, ele fugia por entre as moranças, a rir-se, mas sempre longe de mim. 

Enfim, um bom espectáculo para um fim de tarde de alguém  que, como eu,  apenas precisava de queimar o tempo (e ainda faltava tanto!)...

Só parámos, quando deitei a faca ao chão. Depois demos um abraço e   fizemos as pazes. 

Certo dia acertou com o machado num pé. cortando profundamente um dedo. Por pouco não traçava o osso por inteiro.

Dirigiu-se à enfermaria, ao ar livre, isto é, ao cantinho onde todos os dias eu montava o meu engenho de enfermaria.

O meu dilema era completar a obra do machado e sacar o dedo ou tentar suturá-lo, na esperança de o osso solidificar. Ou, então, aguardar dois dias pela avioneta do correio e mandar o "embrulho" para Bissau.

Optei pela sutura, lavei muito bem o pé  (que talvez nunca tivesse sido lavado na vida...) , e preparei a seringa para a anestesia local. Ele baixa a amostra de calções mais negros que a sua pele, convencido que ia tomar uma injecção. Quando se apercebe que ia ser picado no pé, começa a gesticular que não. 

No pé, é que não!!!... 

Claro que eu não sabia balanta, e ele não sabia crioulo, nem português. Assim não nos entendíamos, mas ele encontrou a solução: desata a correr pela aldeia fora com o dedo dependurado e a sangrar. 

Pica no pé, nunca, só no traseiro!!!...

Passado algum tempo lá voltou. Com a ajuda do companheiro, conseguimos entendermo-nos melhor. Fiz de novo a higienização da ferida, suturei como pude e,  passados uns dias, com a ajuda de umas picas de penicilina lá se curou e voltou ao trabalho de lenhad
or para ter direito a comer (os nossos restos).

José Teixeira

(Revisão / fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor:

(*) Último poste da série : 4 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27086: Humor de caserna (209): um "fermero" que em Empada ganhou fama de curandeiro, milagreiro e... abortadeiro (Zé Teixeira, Matosinhos)

domingo, 17 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27126: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, Tite e Fulacunda, 1968/69) (7): A noite de consoada de 1968 em Fulacunda: houve batatas com bacalhau e couves, sessão de cinema (um grande filme de cobóis de 1959...), um ataque à canhoada pelos "vizinhos" que eram belicosos, e até "fake news", a de que o quartel tinha caído em poder deles...



Cartaz do filme "O Homem das Pistolas de Ouro" (título original: "Warlock", EUA, 1959, 115 minutos)... Passou no "cine-ao-ar-livre" de Fulacunda, na noite de natal de 1968. Mal começou o filme, ouviram.se as primeiras canhoadas do PAIGC. (Os "turras" sempre foram uns desmancha-prazeres e, neste caso, queriam ver o filme à borla; não havia cinema nas "áreas libertadas")

Imagem e sinopse: Cortesia da RTP Programas (com a devida vénia)


Sinopse 

Um "western" clássico, com Henry Fonda, Richard Widmark e Anthony Quinn : Warlock (título original do filme, EUA, 1959; realização de Edward Dmytryk) é uma pequena cidade dominada por um bando de pistoleiros. Depois de numerosos assassinatos, os cidadãos elegem Clay Blaisdell (Henry Fonda), como xerife da cidade. Clay é um pistoleiro profissional, sempre acompanhado pelo seu fiel amigo Tom Morgan (Anthony Quinn), e Johnny Gannon (Richard Widmark), que tinha em tempos, pertencido a esse bando.

Jessie Marlow (Dolores Michaels), conhecida como "Angel de Warlock", apaixona-se por Clay, mas este tem, acima de tudo, a sua atenção centrada no confronto com o líder do bando de pistoleiros, Abe Mcquown (Tom Drake).




1. Mais um pequeno texto do Joaquim Caldeira, grão-tabanqueiro nº 905, ex-fur mil at inf,  CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69); vive em Coimbra; é autor do livro "Guiné - Memórias da Guerra Colonial", publicado pela Amazona espanhola (2021)



A Noite de Consoada de 1968

por Joaquim Caldeira (*)


O bom do capitão tudo fez para que a consoada fosse a mais parecida possível com a tradicional. Até conseguiu arranjar batatas, bacalhau, couves, nozes, castanhas e vinho.

Após a ceia, seria projetada num lençol preso a uma das paredes de uma caserna desativada, uma película cinematográfica, cujo tema estava mesmo a condizer: “O Homem das Pistolas de Ouro”. Protagonizado por, entre outros, os grandes actores Henry Fonda e Anthony Quinn.

Pobre cabo Lima. Era sempre a ele que se pediam sacrifícios na hora de comer. Teve por missão chefiar uma equipa que cozinhava para aquela tropa toda. E às vezes nem o furriel Estanqueiro sabia o que mandar cozinhar porque não havia o quê.

Mas naquela noite até havia batatas com bacalhau e couves, seguidas de nozes, castanhas e vinho. Tudo regado com azeite. E tudo a postos. Houve tempo para comer, beber com moderação, até porque a ração de bebida era muito curta, mas de boa vontade.

Depois, enquanto as sentinelas eram substituídas para a refeição, deu-se início à projeção do filme para o que havia dois homens do serviço de fotocine do exército, cuja missão era projetar o filme e não se borrarem de medo.

E começou o filme e começaram a ouvir-se tiros de canhão. Eram demasiado ruidosos para serem do filme. E fizeram tanto estrago que o filme prosseguiu sozinho e penso que só acabou quando faltou a corrente elétrica que era desligada sempre que ocorria um ataque.

Cada qual correu já de arma na mão, que também jantou ao nosso lado, em direção ao abrigo mais próximo e vai de defender a pele o melhor que podia e sabia.

Ao fim de cerca de meia hora, o rescaldo era do quartel quase destruído, vários feridos. Não havia mortos militares, mas na tabanca havia mortos provocados por uma canhonada que rebentou numa habitação.

O resto não conto. É trágico demais para ser lembrado. Apenas uma homenagem ao cabo Melo que passou a noite a chorar por ter que construir os caixões para os mortos e nem madeira tinha para tal. Serviu-se da madeira das caixas do bacalhau. Foste um herói, grande amigo.

De manhã, ainda cedo, tocou o meu telefone - depois conto o episódio do telefone - e quando atendi era a minha namorada que já sabia do que tinha acontecido. Queria saber notícias mais próximas do real daquelas que, prazenteiramente, foram transmitidas por Manuel Alegre, na sua Rádio Argel.

Mas naquela noite e naquele local, haviam 180 homens que tinham em Portugal os seus familiares e amigos e que alguns destes ouviriam a falsa notícia de que o quartel de Fulacunda tinha sido ocupado pelo PAIGC.
 
(Texto enviado em 9/8/2025, 17:28 | Revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 4 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27089: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, Tite e Fulacunda, 1968/69) (6): A noite do Adriano, um herói desconhecido

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27099: Felizmente ainda há verão em 2025 (13): ... e não vai faltando a sardinhada na festa de aniversário dos amigos (Luís Graça)




Lourinhã >  17 de julho de 2025  > Festa de anos do Jaime Silva, o "marquês do Seixal"


Lourinhã > Praia da Areia Branca > Restaurante Foz > 6 de agosto de 2025 > A sardinha assada que não chegava à mesa do comandante... em Bambadinca

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Garça & Camaradas da Guiné]

1. Caros leitores: 

Quem andava pela Guiné, há uns bons 50,  60 anos,  de vez em quando tinha uns "apetites danados"....  Se calhar  era como os "bizarros desejos das grávidas", que os médicos na época nem sempre sabiam explicar bem... 

E então perguntava, o gajo, já "muito cacimbado",  velhinho cpomo o c*r*lho, ao vagomestre:  

− E hoje, ó Soares, não há aí umas sardinhinhas de Peniche assadas na brasa?... 

− Vai-te...Afonso! − respondia ele (que não dizia asneiras, era um menino de coro).

− Mas também pode ser uns jaquinzinhos com arroz de tomate... Ou até uma batatada de peixe seco...

− Não querias mais nada!... Pró nosso comandante, isso é comida dos pobres, não vai à mesa do rei !

− 'Tá bem, pá, mas... nem uma caldeirada de peixe da bolanha ?...  

−  Nem vê-lo nem cheirá-lo!

  Ó nosso vagomestre, mas... nem um arrozinho de lingueirão ?... Ando mesmo 'augado' como uma gaja prenha... Não sejas bera... Ao menos umas ostras, geladinhas, com um espumantezinho da Raposeira !...

− Só se for uma arrozinho de lavagante... Serve ?! − sugeria o Soares, já meio irritado.

− À  falta de melhor até marchava... Mas, não sei porquê,  'tava-me mesmo a apetecer era umas enguias fritas com arroz de feijão... 

−  Já vi que estás a delirar!...Isso é mas é paludismo cerebreal !

−  Pois que seja, vou mais depressa p'ra casa em caixão de chumbo... Mas, antes de morrer, podes-me servir  um bifinho com batata fritas e ovo a cavalo ?!....

− Bolas , que o gajo julga que a messe é o Gambrinus ! −  começava o Soares a perder as estribeiras (mas mesmo assim incpaz de dizer um palavrão, do tipo "p*rra").

− Não te danes, eu cá m'arranjo: vou ali à cantina comprar uma lata de sardinhas com molho de tomate, picante... Estou farto da merda das tuas cavalas com esparguete...


2. Bom, os nossos vagomestres também têm direito a férias, pelo que a série "No céu não há disto: Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande" tem estado parada desde março de 2025 (*).  Provavelmente por falta de "matéria-prima". Ou então a razão pode ser outra: estão de licença graciosa (que é ou era  de seis meses do tempo do império)...

 Mas todos os dias os vagomestres, pelo menos eles, comem. Mal ou bem, mas comem...  E, nós, a "tropa-macaca", felizmente ainda vamos comendo, mal ou bem, mais mal que bem...

E no verão temos a bela sardinha... Valha-nos isso, que já nos tiraram quase tudo.  Quando Portugal era nosso (ou será que alguma vez foi nosso?)... E era lindo.

 O meu fisioterapeuta, que é de Peniche e filho de pescador, da pesca do cerco, diz-me que ainda não está boa, a sardinha, só lá para o fim do mês de agosto. Ora bolas!...

Nos últimos anos tem sido a mesma história, só no fim do verão é que um gajo pode comer uma sardinha a pingar no pão... Acusam as alterações climáticas de ser responsável pela crise... O vagomestre, que é "negacionista", diz que não:

− Olha que não, olha que não!!!

E o meu fisioterapeuta encolhe os ombros, e consola-me:

−  Contente-se com a de Sesimbra e de Sines... Que, essa sim, já é gorda... e pinga no pão!
 
À falta de melhor aqui vão umas fotos das duas ou três sardinhadas que o pobre do editor LG já comeu este ano... De qualquer modo, já dá para fazer inveja ao João Crisóstomo que, com a política tarifária do Trump, tem a sardinha de Peniche  e o tintol da Bombardeira ao preço ao caviar e do Château Lafite Rothschild ... (**)
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 Notas do editor LG:


(**) Último poste da série > 6 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27096: Felizmente ainda há verão em 2025 (12): ruminações nova-iorquinas... (João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona)

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27087: Efemérides (464): 4 de agosto de 1969, o "adeus às armas", ou o dia em que o T/T Uíge apitou.... seis vezes, antes de zarpar (Virgílio Teixeia, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAQÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)


 
Foto nº 1


Foto nº 2

T/T Uíge, no regresso a casa >  Agosto de 1969 >   O Virgílo Teixeira, de óculos escuros,  é o do meio na foto nº 1...  Era o adeus às armas, o regresso a casa... Uma efeméride sempre nostálgica e festiva, ao mesmo tempo.


Fotos (e legenda): © Virgílio Teixeira (2024). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]



1. Mais uma "efeméride"... Temos 464 referências com este descritor. É próprio do ser humano comemorar "efemérides"... A palavra vem do grego antigo "ephemerís" (ἐφημερίς), que queria dizer "diário" ou "registro diário". O termo é composta por 2 elementos: (i) "epí" (ἐπί), sobre, a respeito de; (ii) "hēméra" (ἡμέρα), dia...

Antes de chegar à nossa língua, passou para o latim dos nossos "colonizadores" e "esclavagistas" romanos, "ephemeris", que continuou a significar registro diário de acontecimentos.  

Quando usamos hoje  o termo "efeméride", estamos a referirmo-nos a um acontecimento importante, histórico, social ou pessoal, ocorrido numa determinada data.  Pode ou não estar registada em documento escrito, nem muito ser celebrado como feriado (o 25 de Abril, o Dia de Portugal, o Natal...). Pode simplesmente estar guardado na nossa memória: o dia em que fomos às sortes, o dia em que nascemos (que até pode ser diferente do assento na Conservatória do Registo Civil)... 

Ou simplesmente o dia em que regressámos da Guiné... É o caso de hoje: há 56 anos, o nosso camarada Virgílio Teixeira  dizia... "adeus às armas"... Com uma particularidade, algo anedótica:  foi  o dia em que o T/T Uíge apitou... seis vezes, as três primeiras vezes não valeram,  foi falsa partida, o navio só zarparia  uma hora depois... Algo de insólito aconteceu... (Virgílio, também podia ser publicado na série "Humor de caserna" esta tua "efeméride"...).


2.  Mensagem de Virgilio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69:


Data - 4 agosto 2025 , 01:40 

Assunto - 4 Agosto 69:  o Adeus às Armas... O dia em que o navio de T/T Uíge teve de esperar uma hora para zarpar


Efeméride Nunca Esquecida !

Dia 4 de agosto de 1969,  eram 12 horas,  o T/T  Uíge,  cheio,  ao largo de Bissau, pronto para arrancar rumo à nossa casa.

O heli de Spinola já dava as voltas ao navio para, como normalmente, agradecer e despedir-se das tropas que acabavam a comissão de serviço na guerra da Guiné.

Tudo a postos... e agora vem, não o humor de caserna, mas sim "o humor negro": arrancada interrompida,  ninguém sabe o que se passa!

Vemos uma LDP, uma lancha da Marinha,  a chegar em alta velocidade.  Vêm buscar um oficial miliciano para ir ao QG a Bissau!  Preso ?...

Esperamos longo tempo, uma infinidade, quando queremos deixar para trás o território da Guiné.

Uma hora depois já vemos a mesma LDP a chegar com o oficial impedido de partir!

Ele sobe as escadas mete-se no seu camarote, e nunca falou do assunto.

O navio apita,  ou volta a apitar três vezes, as hélices já rodam e o rasto das águas a ficarem para trás, e uma hora depois lentamente já não se vê nem Bissau nem a ponte-cais, só o oceano Atlântico!...

Não há calor sufocante, nem mais humidade pegajosa!...

Em 10 de agosto chegámos a Lisboa, seguimos para Tomar, fizemos o espólio, recebemos os nossos vencimentos, despimos as fardas, recebemos a guia de marcha e fomos  para o comboio com viagem paga.

Chegámos à estação de São Bento, no Porto,  já noite.

Acabara uma fase das nossas vidas.

Faz hoje 56 anos.(**)

Virgílio Teixeira

Guiné 61/74 - P27086: Humor de caserna (209): um "fermero" que em Empada ganhou fama de curandeiro, milagreiro e... abortadeiro (Zé Teixeira, Matosinhos)



1. Para animar o nosso querido (mas fugaz) mês de agosto de 2025, o Zé Teixeira mandou-nos algumas das suas histórias picarescas e brejeiras.  Ficam bem na série "Humor de caserna" (*).

Recorde-se que o José Teixeira 

(i) é régulo da Tabanca de Matosinhos;

(ii) ex-1.º cabo aux enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; 

(iii) é um histórico da Tabanca Grande, que integrou a partir de 14/12/2005; 

(iv) tem c. quatro centenas e meia de referências no blogue; 

(v) vive em São Mamede de Infesta, Matosinhos; 

(vi) é gerente bancário reformado; 

(viii) escritor, poeta, contista, além de escutista...


A brincar, a brincar, o Zé Teixeira, que conhecia bem a população a quem prestava cuidados de enfermagem, levanta aqui neste microconto (com o título original, "As vitaminas abortivas") algumas questões sensíveis como a promiscuidade sexual, a violência sobre as mulheres (no seio da família patriarcal), a saúde reprodutiva,  a interrupção da gravidez, o acesso aos cuidados de saúde etc.,  nas regiões de Quínara e de Tombali, em plena guerra colonial.



Humor de caserna (209) >  Um "fermero" que em Empada ganhou fama de curandeiro,  milagreiro e... abortadeiro!

por Zé Teixeira
 


Em Empada uma das coisas mais gostosas que a tropa gostava de fazer era ir até à Fonte Frondosa  apreciar as bajudas no banho... 

À falta de melhor e com um bocadinho de sorte aparecia uma ou outra que vestia apenas o fato que a mãe lhe tinha dado ao nascer. Para alguns camaradas virgens aquilo era sopa da boa.

A Fátma, mais uma das muitas Fátmas que conheci na Guiné, abeirou-se de mim:

 
 Fermero, parte quinino pra matá minino que na tem na bariga !

 − Como ?

− Minha tio brinca e faz minino na bariga di mim. Tem pacensa, parte quinino !

− Quinino ká tem, vai na mudjer grandi, ele trata di ti.

− Nega mesmo, mudjer grandi ká na tem quinino. Tu tem quinino.

− Olha, vou pensar nisso, passa amanhã pela enfermaria.

− Tem de ser hodje. Parte quinino.

Seguiu-me até à enfermaria e eu, sem saber o que fazer para afastar a chata, que ainda por cima era daquelas poucas feias que por lá apareciam e de quem todos nós nos afastávamos.

Bem, para grandes males grandes remédios. Se estava grávida, nada como lhe dar uns comprimidos de vitaminas. Mal não faziam. Talvez o milagre se desse...

Quinze dias depois, lá fui eu até à fonte passar um pouco de tempo e treinar uns apalpos, nem sempre bem sucedidos, quando a Fátma aparece. 

− Estou tramado, aí vem a chata…

Qual quê !, ao ver-me, desata a correr para mim, toda contente.

− Fermero, minino na vai. “Coisa” (#) na tchega mesmo. Tu, bom pessoal.

Ganhei mais uma amiga e juntei à fama de curandeiro e milagreiro, mais uma: a de... abortadeiro!

Zé Teixeira

30 de julho de 2025

(#) Menstruação

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27077: Os nossos seres, saberes e lazeres (693): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte XIII: Visita de um delegação militar portuguesa, chefiada pelo general da FAP., Conceição e Silva (1933-2021)




República Popular da China > Pequim > s/d (c. 1977/83) > O António Graça de Abreu
na praça Tianamen [ou Praça da Paz Celestial]


Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2008 ). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Grça & Camaradas da Guiné]


1. Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto / Canchungo, Mansoa e Cufar, junho de 1972/abril de 1974; sinólogo, escritor, poeta, tradutor; tem mais dde 375 referências no blogue; texto enviado em 26 de julho de 2025, 18:12)


Pequim, 20 de Maio de 1981 > Visita de um delegação militar portuguesa

por António Graça de Abreu


Está cá uma delegação de militares portugueses. Visitam a China e uns tantos aquartelamentos modelo a convite do Exército Popular chinês. 

Entre os nossos, vem um tenente-coronel da Fábrica Militar de Braço de Prata com um dossiê na busca de contactos e negócios da China. Mais militares portugueses, no fundo das malas trazem catálogos sobre venda de armamento made in Portugal

Tenho sérias dúvidas de que se consiga vender uma só munição aos chineses que estão entre os maiores fabricantes de armas do mundo. Este convite terá talvez mais a ver com a intenção chinesa de conhecer o que se faz em Portugal e de serem eles a vender-nos armas, e não a comprar.

Hoje fui ao Hotel Pequim almoçar com os nossos oito militares. Conversa entusiasmante e inteligente, até meteu as Guerras do Ultramar, em que todos participámos, eu como alferes n
a Guiné- Bissau, 1972/74.

Fiquei sentado ao lado do general Conceição e Silva  [1933-2021], da  Força Aérea e
chefe da delegação militar portuguesa. 

Rodeando a nossa mesa redonda com nove lugares, as empregadas de mesa desdobravam-se em cuidados para nos servir. Traziam travessas de comida fragrante e colorida, rodopiavam, enchiam delicadamente os copos. Pedi uma garrafa de Maotai [ou Moutai],  a aguardente de sorgo mais famosa da China que do alto dos seus 53 graus de álcool inebria e faz flutuar qualquer simples mortal.

Alguns dos militares lusitanos deglutiam em pequenos sorvos o Maotai e bebiam com os olhos as moçoilas chinesas, entrapadas numas rígidas fardetas brancas. 

Disse ao general Conceição e Silva:

− Ah, estas mulheres são lindas! Bem vestidinhas, eram uma maravilha!

O general, que não estava interessado em roupas e adereços, respondeu de imediato: 

− Bem vestidinhas?... Bem despidinhas, meu caro amigo!.

(Revisão / fixação de texto, título, parênteses retos, negritos, links: LG)

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Guiné 61/74 - P27076: Felizmente ainda há verão em 2025 (5): afinal, Vila do Conde é um dos pontos-chave do Caminho Português da Costa que leva a "pelingrina" italiana a Santiago... (Virgílio Teixeira)



Vila do Conde, Caminho Português da Costa, na rota de Santiago... 31 de julho de 2025 ...Uma selfie do quase-pelingrino Virgílio Teixeira...

Foto: Vt (2025). Direitos reservados


Texto e foto enviados pelo Virgílio Teixeira (ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69; é  do Porto, com gosto; vive em Vila do Conde, a contra-gosto)


Data - 31 de julho de 2025 | 16:11

Assunto - P27074 - Férias Devido à Canícula


"Há, por fim, uma crise de inspiração e transpiração... Vamos ter que põr ar condicionado na Tabanca Grande, sob pena da Alta Autoridade para as Condições de Trabalho mandar fechar o estaminé" (*)


Claro, vai ter que haver um tempo de espera, como o Solnado dizia, vamos parar a guerra para a gente poder descansar...

O Ar condicionado fica em "stand by". Não gosto de ar frio, os dentes sofrem e já tenho poucos.

De qualquer modo,  isto não está nada saudável, mas cá pela minha porta por vezes vai aos 30º;  à noite, se não houver nortada, fica pelos 20º e chega. Com a nortada vai aos 17º.

Temos de ter alguns privilégios, eu não me importo com o calor, e ainda visto, quando saio, um colete fino com bolsos para por toda a tralha.

Na noite anterior quando acordo lá para as 10h00, olho está tudo fechado e estou sozinho!!!

Lá fui procurar pelos quartos virados a Norte e lá estava a minha Manuela a dormir no nosso segundo quarto, conforme os climas.

Esta noite passamos definitivamente a Norte e deixamos o Sul, de muito calor, para mim não!

Qualquer dia aparecem por aí os "Ocupas" e dizem que tenho quartos a mais e tomam conta de 3 vazios.

Viva o Verão e o resto é conversa.

Hoje de manhã, 12 e tal, quando vou comprar o pão, fui sondado por uma "peregrina" que estava hoje na Vila e amanhã vai para Viana etc.... Uma hora de conversa, já soube da história toda dela, italiana, 52 anos, sozinha, professora de Ginástica.

Cuidado,  que já não tenho pedalada para ginasticar muito. Tiramos fotos, depois mando uma, despedimo-nos com um longo abraço e muitos beijinhos.


Fim da história

Abraços,

Virgilio

2025-07-31

PS - A minha filha mais velha faz hoje 26 anos de casada, anda pelos Algarves....


2. Comentário do editor LG: Virgílio, obrigado pelo tua crónica, levezinha, fresquinha ( pela brisa do mar)  e sobretudo bem humorada. (A gente agora o que precisa é de amor & humor.)

Contra a canícula, marchar, marchar!... Gosto da tua atitude, positiva, respondendo ao desafio dos editores, vítimas da canícula e da penúria de colaborações, em chegando o verão.

 Por causa da "pelingrina" (como se dizia em medievos tempos), e para mais italiana, e para mais sozinha, e para mais ainda "ginasticada", fui descobrir que tu estás aí, em Vila do Conde (terra de que não gostas), num dos pontos-chave do Caminho Português de Santiago, o Caminho da Costa. Eureca!, juro que não sabia.

Fui consultar o "Sabe-Tudo", o meu assistente de IA, que me informou:. 

(i) Vila do Conde é de facto um dos pontos-chave no Caminho Português de Santiago, mais especificamente no chamado Caminho da Costa. 

Este itinerário é cada vez mais popular entre os "pelingrinos", tanto portugueses como estrangeiros, por combinar paisagens atlânticas deslumbrantes, riqueza histórica e hospitalidade local.

Aqui estão alguns pontos relevantes sobre Vila do Conde no contexto do Caminho:

(ii) Vila do Conde no Caminho da Costa:
  • localização estratégica: Vila do Conde situa-se entre Porto e Esposende, sendo um dos primeiros grandes núcleos urbanos após os "pelingrinos" deixarem a cidade do Porto,  rumo a Santiago de Compostela;
  • integração no Caminho da Costa: este caminho segue a linha do litoral atlântico e é uma alternativa ao Caminho Central; tem ganho popularidade devido ao clima mais ameno, vistas sobre o mar e menor densidade de "pelingrinos".
(iii) Património e espiritualidade
  • Mosteiro de Santa Clara: imponente edifício do século XIV, com grande valor arquitetónico e simbólico no Caminho; a sua silhueta domina a cidade e inspira muitos "pelingrinos" (como terá sido o caso da tia italiana...).
  • Aqueduto de Vila do Conde: um dos maiores de Portugal, com cerca de 4 km; cruza o percurso dos caminhantes e é um marco fotogénico.
  • Igreja Matriz de São João Baptista: de origem medieval, é outro ponto de paragem e reflexão para muitos "pelingrinos".
  • Albergues e apoio: a cidade dispõe de várias estruturas de apoio aos "pelingrinos",  incluindo albergues municipais e privados, bem como cafés e restaurantes acolhedores.
(iv) Um caminho de beleza atlântica

Caminhar por Vila do Conde é ter mar, rio (o Ave) e património urbano histórico, tudo num só troço.

As praias e os passadiços de madeira ao longo da costa tornam o percurso particularmente agradável e tranquilo. Muitos "pelingrinos" aproveitam para descansar aqui, pernoitar e apreciar a gastronomia local.

(v) Caminhos alternativos e confluência de rotas: em Vila do Conde, os "pelingrinos" podem optar por seguir:

 Fonte: Pesquisa: ChatGPT / LG | Revisão / fixação de texto, negritos,  links:  LG

3.  Comentário do editor LG: 

Virgílio, não publiquei a tua foto com a "pelingrina" italiana, não tanto por ela (que não nos deu autorização por escrito), como sobretudo por ti: prometi proteger a tua privacidade... e sobretudo a tua família...  Por isso na "selfie" apareces só tu, e estás muito bem, com bom ar, de chapéu de palha

Eles/elas, lá em casa, a começar pela tua Santa Manuela, sabem que és muito generoso e impulsivo...Já estava a ver que te esquecias do recado (ir à padaria buscar o pão para o almoço!) e te oferecias para mostrar à "pelingrina" (e ainda por cima italiana...)  o caminho até Santiago... 

Bolas, que me assustaste!... É uma operação para uma semana e tal, duas semanas, ainda são uns 270 km,  a penantes!... Já viste a falta que depois fazias ? Lá em casa e aqui no blogue ?!...

E eu não quero que a tua Santa Manuela  te interprete mal, te dê com o rolo da massa, e te ponha a dormir no quarto Sul...Felizmente que ela não vê o blogue ( e só foi uma vez, por engano, á Tabanca de Matosinhos)... 

PS - Parabéns, por outro lado,  à tua filha, bem casada.

Em italiano de praia:

Virgilio, vedo che, dopotutto, anche la tua (seconda) terra, Vila do Conde, ha il suo fascino: hai appena "scoperto" il Cammino di Santiago..., il santo devoto di altri nostri amici come Paulo Santiago e Abílio Machado... Ma fai attenzione alle pellegrine italiane, soprattutto se da sole e istruttrici di ginnastica... E stai attento soprattutto al mattarello ("rolo da massa") di Santa Manuela... Ciao, arrivederci, buon agosto e buon incontri...

P.S. D'altra parte, congratulazioni a tua figlia per il bel matrimonio.

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Nota do editor LG:

(*) Último poste da série > 31 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27074: Felizmente ainda há verão em 2025 (4): alzheimareados com a canícula...

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27070: Humor de caserna (208): As duas gloriosas malucas das máquinas voadoras, a Zulmira e a Maria Arminda, enfermeiras pqdt a quem o "Pombinho" meteu na cabeça que haveriam de aprender a pilotar o Dornier DO-27


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Pista de Bambadinca... Ao fundo, o muro do cemitério... Uma DO-27 na pista... 

Era uma aeronave que  adorávamos  quando nos trazia de Bissau os frescos e a mala do correio ou, no regresso, nos dava boleia até Bissau, para apanharmos o avião da TAP e ir de férias... 

Era uma aeronave preciosa nas evacuações (dos nossos feridos ou doentes, militares e  civis)... 

Era um "pássaro" lindo a voar nos céus da Guiné, quando ainda não havia o Strela...

Em contrapartida, tínhamos-lhe, nós, os "infantes",  a "tropa-macaca", um "ódio de morte" (sic) quando se transformava em PCV (posto de comando volante) e o tenente-coronel, comandante do batalhão, ou o segundo comandante,  ou o major de operações,  ia ao lado do piloto, a "policiar" a nossa progressão no mato... e a denunciar a nossa posição no terreno!

Quando nos "apanhavam" e ficavam à nossa vertical, era ver os infantes (incluindo os nossos "queridos nharros") a falar, grosso, à moda do Norte, com expressões que eram capazes de fazer corar a Maria Turra:

"Cabr*es..., filhos da p*ta..., vão lá gozar pró car*lho..., daqui a um bocado estamos a embrulhar e a levar nos c*rnos!...".

Também os nossos comandantes operacionais (capitães QP ou milicianos) não gostavam nada do "abelhudo" do PCV, em operações no mato...

Foto do álbum de Arlindo T. Roda, ex-fur mil da CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > s/l > c. 1972/74 > O comandante Pombo aos comandos de um Cessna dos  TAGP (Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa) (era uma aeronave muito melhor, equipada com instrumentos de navegação,  do que a DO-27)

Foto (e legenda): © Álvaro Basto (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1º srgt Pombo, piloto de F-86-F Sabre,
BA 5, Monte Real, 1961.
Cortesia de José Cabeleira (2011)
1. É uma história, mal conhecdia, mas bem humorada (*). Deve-se ter passado na primeira comissão da Maria Arminda, em 1962/63, no TO da Guiné: ela passou primeiro por Angola (1961/62), depois Guiné (1962/63) e novamente na Guiné (1965/66)... E nesse intervalo, em 1963/64, terá estado em Tancos a formar novas enfermeiras paraquedistas. (Pelo telefone, confirmou que a história passa-se em 1963; pedi-lhe desculpa, estava ela a fazer fisioterapia...)

Por sua vez, o outro interveniente nesta hstória, é o saudoso cap pil José Luís Pombo Rodrigues (1934-2017),  o  Comandante Pombo dos TAGP do meu tempo (1969),  um orgulhoso sobrevivente da “Operação Atlas”, a primeira (e única) travessia Monte Real – Bissalanca, feita pela Esquadra 51/201 (BA 5), constituída por aviões F-86F “Sabre”, realizada em agosto de 1961… 

Era ele então um jovem 1º sargento
piloto... O "Pombinho", como lhe chamavam 
a Zulmira e a Maria Arminda. Terá feito 4 comissões na Guiné. Esteve na FAP, e nos TAGP, acabando por ser piloto particular, ao serviço de Luís Cabral e depois do 'Nino' Vieira, até partir para outras paragens (Congo ex-Belga, Brasil...). Regressou a Pátria para morrer...

O Comandante Pombo tem 25 referências no nosso blogue. Conheci-o pessoalmente num  dos nossos convívios da Magnífica Tabanca da Linha. Entrou para a Tabanca Grande, a título póstumo, em 5 de setembro de 2017.


As duas gloriosas malucas das máquinas voadoras,   a Zulmira e a Maria Arminha, enfermeiras pqdt,  a quem  o "Pombinho"   meteu na cabeça que haveriam de aprender a pilotar o Dornier  DO-27

por Maria Arminda

(...) Em nenhum dos muitos locais onde trabalhei (incluindo hospitais), senti um ambiente de tão forte coesão e solidariedade entre todos os que me rodeavam, e em que a palavra "amizade" tivesse uma expressão tão forte e fosse tão marcante para a vida, como o ambiente em que vivi na Guiné. 

(...) Quando os nossos camaradas homens nos viam "em baixo", inventavam processos para nos animar e fazer esquecer as agruras "daquela vida". E nós assim íamos sobrevivendo e cumprindo as nossas missões 

Naqueles nossos momentos "baixos", eles inventavam as mais diversas formas de nos levantar o "astral"... Como, por exemplo, ensinarem -nos a pilotar!



Maria Zulmira André Pereira
(1931-2010)
Naquele tempo, na Base Aérea nº 12, havia um piloto de jatos, que eu penso ainda eram os F-86, de sua graça Pombo Rodrigues, a quem nós chamávamos de Pombinho. 

Ele era como um irmão, muito nosso amigo,  e então meteu na cabeça que a Zu (como tratávamos a Zulmira) e eu, iríamos aprender a pilotar o avião Dornier DO-27., que ele tão bem pilotava, e em que nós fazíamos as evacuações.

Combinou connosco que, sempre que ele estivesse de alerta ao transporte de feridos e saísse com uma de nós as duas, começaria a dar-nos a instrução, mesmo nos DO-27 só com  um só manche, caso não estivesse operacional o que lá havia com dois comandos, que ele procurava sempre utilizar nesses dias da nossa "instrução.

Se bem o pensou, melhor o fez, e a nossa aprendizagem começou com algumas aulas teóricas, primeiro no bar dos pilotos, depois no interior do avião, mas no solo, e depois já no ar, em aulas práticas, nas idas aos locais para onde éramos chamadas, e apenas nas idas, porque no regresso, como se  depreende, a nossa ocupação já era outra.

"A juventude é ousada e por vezes louca", por isso as aulas continuaram por algum tempo, e penso que só os três é que sabíamos destes factos. 

Eu cheguei a levar o avião da Base até à pista de Farim, no DO que tinha os dois manches, e ele disse-me que tinha sido eu a tocar com as rodas no chão, o que não acreditei.

No entanto, ele punha tanta força e empenhamento na nossa "instrução", que me fez ter confiança e esperança de poder vir um dia a saber pilotar aquele avião. Pena foi que daí a algum tempo, eu tivesse sido mandada paar Tancos, a fim de acompanhar um curso para formação de novas enfermeiras "páras".

As minhas lições de pilotagem foram aí, entáo, interrompidas e, infelizmente, para sempre. (...)

Fonte: Excertos de "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pp. 374-376  (com a devida vénia...).

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)
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terça-feira, 29 de julho de 2025

Guiné 51/74 - P27065: Humor de caserna (207): A fome aguça o engenho: roubar vacas, não prenhas, aos balantas de Nhacra, com recurso aos serviços de um "ginecologista"; e "pescar" galinhas com anzol... (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAV 4540, 1972/74)




Guiné > Bissau > Nhacra> c. 1973/74 > Na piscina do quartel... O Eduardo Campos aparece em primeiro plano, a bricnar com um cãozinho. 

Foto (e legenda): © Eduardo Campos (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné




Crachá da CCAV 4540/72 (1972/74), "Somos um Caso Sério": a penúltima companhia a guarnecer Nhacra.Em 10 de abril de 1974, tinha um pelootão destacado na Ponte de Ensalmá.  Em 16 de agosto, foi rendida no subsector de Nhacra pela CCaç 4945/73 e
seguiu para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso à metrópole.


1. O  Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74) foi um dos nossos camaradas que melhor conheceu Nhacra  onde permaneceu quase um ano, até ao fim da guerra... Tem  cerca de 6 dezenas de referências no blogue. Mora na Mora e faz parte da Tabanca Grande desde 21/5/2008. É autor da série "Histórias do Eduardo Campos".  Algumas delas têm interesse documental para se conhecer melhor como  era o quotidiano da NT nos últimos anos da guerra da Guiné. E estão, em geral,  devidamente recheadas com o "piripiri" do humor de caserna (*).  

Por norma, e se acordo com as nossas regras editoriais, não fazemos juízos de valor (de natureza ética,  disciplinar, deontológica,  política, operacional, etc.) sobre  os episódios aqui relatados (neste caso, sobre levantamentos de rancho, ladrões de vacas,  pilha-galinhas...).  Essa função cabe ao leitor, não ao editor.

A CCAÇ 4540/72, vinda do sul, de Cadique, Cantanhez, região de Tombali, esteve destacada em Nhacra cerca de um ano, desde setembro de 1973 a agosto de 1974.

Como o Eduardo já aqui escreveu, Cadique foi o inferno e Nhacra o paraíso. Ele voltaria ao "local do crime", mais de 3 décadas e meia  depois,   em abril de 2010, com um grupo de companheiros. E não escondeu a sua emoção: 

Quem por lá andou na construção da estrada que liga a Cadique, sabe o quanto nos custou, em sofrimento e morte, essa obra. A partir de Iemberem comecei a sentir e a pensar algo que jamais conseguirei decifrar, mas que posso tentar definir como um misto de emoções, desilusões, euforia, tristeza… por ali fora ia dizendo: “Aqui estive emboscado!”, “Ali morreu o A, o Bê, o Cê..”, “Foi aqui que o capitão paraquedista Terras Marques levantou 4 minas.”, etc, etc. (***)


 A fome aguça o engenho: roubar vacas, não prenhas, aos balantas de Nhacra, com recurso ao serviço de um "ginecologista"; e "pescar" galinhas com anzol... 

por Eduardo Campos


Como nada de importante acontecia  em Nhacra, os dias eram passados de uma forma totalmente diferente das matas do Cantanhez, e, acreditem que por vezes, surgiam-nos as saudades. A vida era tornava-se demasiado sedentária.

As alternativas encontradas, para fugir à rotina, eram as idas a Bissau, e, já que a alimentação nunca foi algo digno desse nome em Nhacra, aproveitava estas saídas para ir ao Pelicano, à Churrascaria de Santa Luzia, ao Bento, etc. Assim, evitava que a “dieta” que me tinha sido imposta, fosse levada muito a sério.

Por falar de alimentação, enquanto no Cantanhez suportávamos tudo, por vezes até com um sorriso, em Nhacra as coisas eram diferentes. O pessoal ficou mais rebelde e negou-se a comer duas vezes. Houve dois levantamentos de rancho.  Um dos quais teve como resultado, que passadas duas horas do início do levantamento, estávamos a comer um bacalhau cozido com batatas, que parecia ter sido confecionado no Hotel Hilton.

Embora não estivesse de oficial de dia nessa data, foi o nosso camarada e amigo tabanqueiro Vasco Ferreira (ex-alferes mil da CAÇ 4540), que resolveu o problema.

A dificuldade em adquirir gado bovino (como já disse em poste anterior , o povo,  por motivos religiosos e tradicionais,  não o vendia) (**), dava origem a que, um grupo de camaradas acompanhado de um especialista em ”ginecologia”, fossem às tabancas, de madrugada, â procura de gado. Então o nosso “especialista” apalpava… apalpava e, não estando prenha a vaca, toca a roubá-la.

Logicamente, o dono da rês vinha atrás deles a gritar e a chorar, mas não havia nada a fazer. Chegados ao aquartelamento, acabavam por fazer negócio e diziam que lhe pagavam um preço justo.

A minha eterna dúvida, nestes negócios forçados, é: “Mas que raio de preço justo era esse, se o homem não queria vender o animal!?”

A minha curiosidade sobre o desenvolvimento destas operações levou-me a que, um belo dia, os acompanhasse para ver como decorria a captura da vaca selecionada.

Nesse dia, logo por azar, o “ginecologista” improvisado enganou-se e trouxe mesmo uma vaca prenha. Foi remédio santo para mim, nunca mais comi carne bovina até ao fim da comissão.

A partir de determinada altura, mesmo cabritos, galinhas e porcos os nativos resistiam em vender. 

Aqui chegados, um camarada das transmissões inventou uma fórmula original, na época, para roubar galinhas, que constava do seguinte: um fio de pesca com vários anzóis, onde colocava uns grãos de milho. Depois pela tabanca fora ia espalhando mais alguns grãos de milho pelo chão. As galinhas vinham por ali adiante a comer os grãos e acabavam, quase sempre, por engolir um dos anzóis. Quando o tal camarada via que a bicha tinha caído na esparrela, saía rapidamente da tabanca com a “vítima” atrás dele.

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos: LG)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27060: Humor de caserna (206): Dois conselhos que aprendi na tropa mas que depois esqueci na guerra: 'Nunca dar nas vistas, nem nunca armar em herói, já que os cemitérios estão cheios deles'..... Felizmente fui para Nhacra e acabou-se a guerra (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74)


(***) Vd. poste de 6 de junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6546: Histórias do Eduardo Campos (14): Cantanhez: Do inferno ao Paraíso

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27061: Felizmente ainda há verão em 2025 (1): "Depois dos oitenta deixei de contar anos, agora conto unicamente... Verões" (José Belo, Suécia e EUA)



O Zé Belo deu o "toque de classe": contra a modorra da canícula [do latim canicula, -ae, cadela pequena; calor muito intenso, período mais quente do ano, mas também em grande estrela da constelação do Cão Maior (Astronomia)]... Convida-nos a beber  um vinho ecológico, com mineralidade, do nosso "terroir" europeu... com sabor ao nosso comum Atlântico... 

Eu aposto no Adega d' Rocha Branco 2023 (mas também recomendo o Nita, colheita selecionada, 2024, Doc, Região dos Vinhos Verdes, Quinta de Candoz, Marco de Canaveses, passe a autopublicidade).

O Joseph Belo, agora nas terras do Tio Sam, vai no ecológico  Fasoli Gino Corte del Pozzo Bardolino, feito nas margens do lago Garda, no Norte de Itália.  Felizmente que, vivendo uma parte do ano nos States,  não se converteu à "napalização" do vinho...

Camaradas, leitores,  "amigos" (muito, pouco ou assim-assim), mandem-nos os vossos "postais ilustrados" de verão. Façam prova de vida. Provem a vida. Saudem a vida com um bom vinho (e temos tantos, fabulososos, para todas as bolsas e palatos).

Digam, ao menos, que "felizmente ainda há verão em 2025"...Afinal, nunca se sabe qual é o último... na Terra da Alegria. E, pior ainda, quando virá a "lei seca"... (Cuidado com a caneta do "grande legislador"!|).

Foto: © José Belo (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


1. Mensagem do Joseph Belo, o nosso (e)terno régulo da Tabanca da Lapónia.

Data - domingo, 27/07/2025, 12:47 
Assunto - Os Verões


Pensador e filósofo do Sul dos States escreveu:

“Depois dos oitenta deixei de contar anos, conto agora unicamente……Verões!”

Votos de mais um bom Verão.

Abraço do J.Belo

Guiné 61/74 - P27060: Humor de caserna (206): Dois conselhos que aprendi na tropa mas que depois esqueci na guerra: 'Nunca dar nas vistas, nem nunca armar em herói, já que os cemitérios estão cheios deles'..... Felizmente fui para Nhacra e acabou-se a guerra (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74)



Crachá da CCAÇ 4540, "Somos um Caso Sério" (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74).  Nhacra tinha piscina, o que explica a "sereia" do emblema... (Por mostrar os mamilos, não passa no Facebook, com pena nossa... mas vamos tentar) 



1. O Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540/72  (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74) tem cerca de 6 dezenas de referências no blogue, tem um excelente sentido de humor e é um bom contador de histórias, como se comprova por aquela que apresentamos a seguir. 

É também um dos melhores conhecedores de Nhacra, onde cumpriu a segunda parte da sua "comissão de serviço"...Não foi herói e tem pena. É um bom amigo e camarada que muito prezo, estando connosco, aqui na Tabanca Grande, desde 21 de maio de 2008. 

É autor da série "Histórias do Eduardo Campos". Vamos lembrar algumas dessas histórias, e que giram à volta de Nhacra.


Na tropa e na guerra, passa despercebido e nunca te armes em herói...

por Eduardo Campos 


(...) Em 17/08/73, a CCaç 4540 ("Somos um Caso Sério") disse adeus a Cadique, a bordo,  mais uma vez, da LDG Bombarda, tendo chegado a Bissau no dia seguinte e sendo conduzida para o Depósito de Adidos, em Brá, onde ficou instalada.

Nessa altura eu já não me encontrava em Cadique, pois tinha sido chamado para uma “missão” programada há algum tempo (35 dias de férias na Metrópole). Apanhei um helicóptero (coisa rara nessa altura) e voei para Bissau.

Neste preciso momento, tentei imaginar o que teria sentido na despedida de Cadique, conjuntamente com a minha Companhia, e, a única coisa que me ocorria, nessa data, era pensar: “A merda do barco nunca mais sai daqui.”

Se fosse hoje, creio bem sério, pensaria: “Foi com certa nostalgia e saudade que deixei para trás aquelas paragens, que, com sacrifício sem conta, ajudei a desenvolver e prosperar ficando ligado para sempre a Cadique.”

Depois de ter gozado as merecidas férias, regressei a Bissau em 31/08/73 e, quando entrei nos Adidos, deparei com muitas viaturas na parada prontas para saírem. Foi nessa altura que tomei conhecimento que a minha Companhia se encontrava ali, ao ver camaradas meus em cima das mencionadas viaturas.

Na recruta, o aspirante do meu pelotão dizia com alguma frequência que existiam duas formas de ultrapassar os obstáculos que a vida militar nos opunha:

  • primeira: tentar passar o mais despercebido possível daquilo que nos rodeava, não dando nas vistas;
  • segunda: nunca se armar em herói, já que os cemitérios estavam cheios deles.

Eu, ao entrar nos Adidos, quando tomei conhecimento que o pessoal e as viaturas, que eu vira momentos antes, iriam escoltar uma coluna que se deslocaria de Bissau para Farim, cometi precisamente o primeiro erro, ao violar a regra “passar despercebido”. De facto, reconheço que terei cometido uma imprevidência, “mandando umas bocas foleiras”.

O nosso capitão, ao ver quem era o “artista das bocas” (que mais parecia desfilar numa passerelle, para trás e para a frente), deve ter pensado lá para ele: “Tens a mania que és fino, então toma lá”, pois virou-se para mim e disse:

 
– Ó Campos, larga o saco e sobe para cima de uma viatura!

– Eu,  meu Capitão? – perguntei.

– Não,  a tua prima !

–  Mas eu nem sequer tenho uma arma... – exclamei.

– Nem precisas, os turras sabendo que vais na coluna não nos atacam. Logo não precisas de arma nenhuma!

E lá fomos até Farim. A partir de Mansoa vi imensos vestígios arrepiantes e desagradáveis de emboscadas, ainda por cima sob uma chuva copiosa, durante toda a viagem de ida e de volta, que jamais esquecerei.

Nesse tempo, quase todas as colunas que faziam esse percurso, eram surpreendidas com emboscadas, das quais, infelizmente, resultaram muitas mortes de camaradas nossos. Alguns dos corpos ainda se encontravam nos Adidos a aguardar embarque de regresso ao Continente.

O capitão teve razão, ia na coluna um militar que “impunha muito respeito” ao IN e de facto não aconteceu nada em toda o percurso e devo acrescentar que, em quase vinte e quatro meses de Guiné, nunca tive distribuída uma arma e nem um tiro disparei.( É verdade, nem aos pombos!)

No entanto, fui ferido várias vezes e também tive o meu momento de glória.

Os ferimentos (várias escoriações) foram fruto das “aterragens” mal feitas nas valas. Umas vezes mal calculadas e outras porque entrava de bruços, cabeça, etc. (Por favor,  não se riam porque muitos de vós também as fizeram.)

Quanto ao ato de grande de heroísmo, tudo se passou durante um ataque do PAIGC, com armas ligeiras ao nosso aquartelamento. O meu camarada de serviço foi para o abrigo, não tendo levado o rádio como lhe competia e nada nem ninguém o demoveu, para o ir buscar.

Eu, com uma calma que não me era habitual, saí do abrigo e fui buscar o rádio, regressando ao abrigo com toda a descontração deste mundo. A justificação para tal feito só a encontro num bom copo de whisky que emborcara momentos antes.

Para surpresa minha, não surgiu nenhuma proposta para o prémio Governador ou mesmo um simples louvor. Senti-me deveras injustiçado pela atitude das minhas chefias militares.

Em 08/09/73, saímos do Depósito de Adidos, com destino a Nhacra, onde iríamos substituir a CCaç 3477, “Os Gringos de Guileje”.

A partir de 19/09/73, a Companhia passou a ter á sua responsabilidade o sector de Nhacra, sob as ordens do COP 8, instalado no local.

Meus amigos, para mim e para a minha Companhia,  a guerra tinha terminado, iria ter cerca de um ano de férias e ainda por cima almoçado remuneradas. (...)

(Revisão / fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 24 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27051: Humor de caserna (205): uma boleia para Bissau à pala de uma falsa evacuação Ypsilon (Paulo Santiago, ex-alf mil, Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)