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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26394: Humor de caserna (97): O anedotário da Spinolândia (XV): O comandante do destacamento de Cabedu... a quem Spínola perguntou pelo plano de defesa (Rui A. Ferreira, 1943-2022)



1. Mais uma história (daquelas "rocambolescas da guerra"...) contada pelo nosso saudoso camarada Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022), ten cor inf ref, que fez duas comissões no CTIG, a última como cmdt da CCAÇ 18 (Aldeia Formosa, jan 71 / set 72): além de ter sido um grande operacional, foi também um talentoso escritor, tendo-nos deixado três livros de memórias; natural de Angola (antiga Sá da Bandeira, hoje Lubango), viveu parte da sua vida em Viseu, cidade que muito amava, onde tinha muitos amigos  (como o protagonista desta história) e onde faleceu.


O comandante do destacamento de Cabedu... a quem Spínola perguntou pelo plano de defesa (*)

por Rui A. Ferreira (1943-2022)



O meu amigo Manuel Cerdeira (**), atualmente coronel reformado da administração militar, cumpriu uma comissão na Guiné, como alferes miliciano atirador de infantaria.

Tendo saído do barco que o transportou até Bissau, diretamente para uma lancha da marinha, que o foi depositar, a si e ao seu grupo de combate, no aquartelamento de Cabedu, cuja guarnição era então composta por dois pelotões de atiradores e, sendo que, como era o mais antigo, passou nestes termos a ser o comandante militar de Cabedu.

Passados uns tempos, recebeu a visita do próprio general Spínola, que a certa altura lhe perguntou:

− Então, e o plano de defesa ?

Ao que o bom do Cerdeira respondeu:

− Não sei o que é isso.

− Então, quando são atacados o que é que fazem ?

− Fazemos fogo.

− Para onde ?

− Para onde pensamos que eles estão.

− Então, e não veio cá ninguém ajudá-lo a fazer um plano de defesa ?

− Não, senhor, o meu general foi o único até agora.

Spínola voltou para o helicóptero, foi à sede do batalhão (***), fez subir para o mesmo o comandante e foi largá-lo em Cabedu  e deixou-lhe TPC (trabalho de casa):

− Daqui a 15 dias volto cá a buscá-lo,quando o plano de defesa estiver pronto.

Para concluir a história, foi o comandante punido com uns quantos dias de prisão e devolvido à metrópole.


Fonte: Excerto de Rui Alexandrino Ferreira - "Quebo: nos confins da Guiné". Coimbra: Palimage, 2014, pág. 348.

( Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos, título: LG)


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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 15 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26391: Humor de caserna (96): "O mê Zé disse isso ?!"... O epílogo engraçado da história do impaludado (Alberto Branquinho)

Vd. poste de 4 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26348: Humor de caserna (91): O anedotário da Spinolândia (XIV): "Vão-se todos vestir com a roupa que tinham quando viram o helicóptero!"... (Mário Gaspar, ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gandembel e Ganturé, 1967/69)


Cor SAM ref Manuel C. A. G. Cerdeira 
(1946-2023)

(**) Trata-se do cor SAM Manuel Carlos de Almeida Guerra Cerdeira, natural de Viseu (1946- 2023)(Curso de Saída da AM: 1974); foi alf mil at inf, OE, tendo cumprido uma comissão de serviço no CTIG, em Cabedu,  no subsetor de Catió (1969/70), comandando dois Gr Com da CART 2476  (Catió e Cabedu, 1969/70), setor S3 (Catió, BART 2865).

Ingressou depois  na Academia Militar em outubro de 1970 (Patrono do Curso: “Major Neutel Simões de Abreu”), concluindo a parte curricular do Curso de Administração Militar (AdMil) em 1973, sendo, após frequência do tirocínio na Escola Prática de Administração Militar (EPAM/Lisboa - 1973/1974), promovido a alferes.

Elemento da primeira hora do MFA, integrou o grupo de oficiais que assumiu o comando da Escola Prática de Administração Militar (EPAM/Lisboa) na madrugada de 25Abril74 bem como o grupo de comando que  garantiu a  ocupação e a defesa dos Estúdios da RTP no Lumiar, no âmbito na “Operação Fim de Regime”.

Fez depois a sua normal carreira militar: tenente (1974), capitão (1977), major (1986), tenente-coronel (1994) e coronel (1996). Destaque para uma Comissão de Serviço na Bósnia e Herzegovina, integrado no Destacamento de Apoio de Serviços (DAS) da Força Nacional Destacada “FND-IFOR/BÓSNIA” (1996).

(***) Catió, sector S3, englobando 3 subsetores, Catió, Cufar e Bedanda, e posteriormente (em out69) mais 3, Cacine, Gadamael e Guileje. Nesta altura, a responsabilidade do setor S3 era do BART 2865 (fev 69 / dez 70), que teve dois comandantes: TCor Art Mário Belo de Carvalho e TCor Art António José de Melo Machado.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26391: Humor de caserna (96): "O mê Zé disse isso ?!"... O epílogo engraçado da história do impaludado (Alberto Branquinho)


1. A história do impaludado da CART 1689 / BART 1913, contada pelo Alberto Branquinho no seu livro de 2013, "Cambança final", e reproduzida no poste P26377 (*), teve um "fim feliz". 

Os nossos leitores (os leitores do Branquinho) têm direito a saber qual foi então esse "desfecho".  É um outro microconto, este inédito. Chegou-nos no próprio dia 11, pelo correio eletrónico. Ficamos a saber que o alferes Abreu da história é um "alter ego" do autor. E que o impaludado que queria mandar a notícia da sua morte à mulher, aproveitando a ida de férias do alferes à metrópole, se chamava Zé P...na [ P...ena ?  P...estana ? P...atarrana ? ... Para o caso não interessa, o Alberto Branquinho quer protegê-lo, e o Zé tem direito ao anonimato].

Aproveitou o nosso escritor (e ilustre camarada) para esclarece que, desde 2005 saíram 11 títulos sus ( e não oito, como tinhamos  informado) (*), mais uma 2ª edição (do "Por Século e meio" - romance com acção principal entre Barca d'Alva e Porto/Foz). 

Desses onze, há três sobre a Guiné: 

  • "Cambança" (2005 e 2009), 
  • "Cambança Final" (2013) e 
  • "Deixem a guerra em paz" (2019).


"O mê Zé disse isso ?!"...  O epílogo engraçado da história do impaludado 

por Alberto Branquinho



A situação (*) teve um epílogo engraçado muitos anos depois.

O impaludado do texto que  o blogue publicou, e que, afinal, se chama Zé, apareceu pela primeira vez (e com a mulher) num encontro da Companhia.

Meio a choramingar, dirigiu-se-me de braços abertos:

− Ó meu alferes!

E abraçámo-nos.

A mulher dele observava-nos deliciada e sorridente. Então dirigi-me a ela:

− A senhora não esteja a rir. Olhe que aqui o seu marido estava muito doente quando eu vim cá de férias e pediu-me para lhe telefonar a dizer-lhe que morreu a pensar em si.

− O mê Zé disse isso?

Imediatamente, se agarrou a ele e a mim. E não parava de chorar:

− Ele disse isso? Disse?

Aí o Zé (também a choramingar), soltou-se do abraço e desatou a bater na mulher (controladamente...), que continuava abraçada a mim sem parar de chorar,,,  E ele repetia, repetia:

 − Ó mulher, pára lá com isso! Ora não querem lá ver esta!

Juntou-se à nossa volta um grupo dos que estavam a chegar, que olhavam espantados sem perceber porque o Zé batia na sua própria mulher (que continuava abraçar-me e a chorar).

Era assim o Zé P....na. (**)

Alberto Branquinho, Lisboa, 11 jan 2025 18:44
 
 _____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26377: Humor de caserna (94): "Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!... (Alberto Branquinho, "Cambança Final", 2013)

(**) Último poste da série > 13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26386: Humor de caserna (95): Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau (António Reis)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26386: Humor de caserna (95): Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau (António Reis)


Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > Natal de 1967 > "Foto que me foi oferecida pelo grande amigo  António Malheiro (natural de Lamego, vive no Porto)."


Foto (e legenda): © António Reis (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1423 > Monumento funerário, à memória dos Fur Mil Condeço e Boneca, mortos na tarde de 24 de dezembro de 1966 (ainda evacuados para o HM 241). (****)

Foto (e legenda): © Ex-1º Cabo Gandra / Hugo Moura Ferreira (2006). 
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68; natural de Avintes, V. N. Gaia, é membro da nossa Tabanca Grande, nº 882; é autor de dois livrinhos de memórias da Guiné; tem página no Facebook... Vai fazer 81 anos no próximo dia 28 de fevereiro.

Gosto de reler o seu título "A minha jornada em África", com as as suas pequenas histórias do dia dia do HM 241 (Bissau), onde há uma sempre uma mistura de ternura, compaixão, humanidade, humildade, gratidão... e ironia". Tem uma boa memória.

Algumas delas tem perfeito cabimento na nossa série "Humor de caserna". Como esta que vamos aqui reproduzir, com a devida vénia, "Os Natais"...

Ele passou dois, no CTIG, o de 1966 e 1967. Um, o de 66, passado em família, a grande família do hospital, onde não faltaram oficiais e sargentos, médicos e enfermeiros, esposas que vieram da metrópole, etc., e onde não faltou nada do bom e do melhor... O de 67, bom... "também não foi mau", mesmo sem convidados... À boa melhor maneira portuguesa, ele justifica-se: havia quem estivesse pior, no mato...

Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau...

por António Reis


O de 66 foi um Natal passado em família, a família do hospital mais os convidados. 

As mesas forma postas cá fora; foram os oficiais médicos e os não médicos, os sargentos... Foram muitas esposas da metrópole para passarem o Natal.

Para quem estava habituado a pouco como eu, diria que nada faltou. Na nossa mesa andava, à vez, um de nós quase sempre de pé para desenrascar o que faltava.

Para quem estava em guerra foi um bom Natal, mas para que não esquecêssemos que estávamos em guerra, não faltaram  os helicópteros com mortos e feridos, por mais de uma vez, uma das quais com um capitão, já morto (**), e outra com dois furriéis gravemente feridos.

Um deles, se bem me lembro era uma figura do mundo do desporto, conhecido por "furriel boneco": ficaram ambos na minha enfermaria. Não me lembro se morreram os dois, mas pelo menos o "boneco" morreu. (***)

Assim se passou o Natal de 66, só que depois veio janeiro e passámo-lo, nós, as praças, a comer "bianda" (arroz) ao almoço e "bianda" ao jantar, para pagar a fatura do que foi gasto na noite de Natal.

No Natal de 67, como não foram  convidados nem médicos nem sargentos, nem ninguém estranho ao serviço, passámo-lo no nosso modesto refeitório, feito em hexágonos de cimento, tendo como telhado chapas de zinco, sem nada a lembar qiue era o Natal.

Não foi mau, porque outros o passaram metidos em abrigos que tinham furado, ou tinham sido feitos com camadas de troncos de árvores, e  a frazerem uma prece para chegarem ao dia seguinte.



Fonte: António Reis, "Os Natais". In: A minha jornada de África, 1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, pp. 75/76,

(Revisão/ fixação de texto, título: LG)

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Notas do editor:

(*) Ultimo poste da série > 11 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26377: Humor de caserna (94): "Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!... (Alberto Branquinho, "Cambança Final", 2013)

(**) Vd,. poste de 17 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4968: In Memoriam (32): Cap Mil Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, CART 1613, morto pelo Sold Cavaco, na véspera do Natal de 1966

(***) Não era alcunha mas apelido: "Boneca" e não "boneco": José Manuel Caracol Boneca, algarvio de Portimão...Vd. aqui os dois furriéis, gravemente feridos, que vão morrer no HM 241 na Consoada de 1966, ambos vítimas de rebentamento de uma armadilha, no Cachil:

Álvaro Nuno Florentino Condeço, fur mil at inf, CCAÇ 1423 / BCAÇ 1858, natural de Évora,

José Manuel Caracol Boneca,  fur mil sapador,  CCAÇ 1423 / BCAÇ 1858, natural de Portimão.


(****) Vd. poste de 18 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2361: O meu Natal no mato (4): Cachil, 1966: A morte do Condeço e do Boneca, CCAÇ 1423 (Hugo Moura Ferreira / Guimarães do Carmo )

sábado, 11 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26377: Humor de caserna (94): "Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!... (Alberto Branquinho, "Cambança Final", 2013)

Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa), advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970; ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), tem 140 referências no nosso blogue; é autor das notáveis séries "Contraponto" e "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".

Tem, pelo menos, 8 títulos publicados, desde 2005 a 2023.

Não foi apenas um grande operacional, como oficial miliciano, numa companhia como a CART 1689, a quem foi atribuída a Flâmula de Honra (ouro) do CTIG, em julho de 1967, como também é um dos melhores cronistas desta guerra, no género do humor picaresco.

 Para além do toque sempre subtil de humanidade, que ele sabe dar às suas histórias, é um mestre no uso da ironia fina. Numa escala de a 1 a 5, dou 4,5 pontos a este genial microconto: em escassa página e meia,  ele descreve magistralmente, numa só pincelada, o clássico quadro clínico das "sezões" (*) que nos apanharam a todos, no mato, e faz um retrato-robô, a corpo inteiro, do soldado português que tanto é bravo na guerra como é um pinga-amor, piegas, emocionalmemnte frágil, trágico-cómico, quando agarrado à cama de uma improvisada enfermaria do mato, chamando pela mãe ou pela mulher quando pensa que vai morrer... (LG)


"Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!

por Alberto Branquinho



− Ó meu alferes, o Angelino quer falar consigo.

O Angelino era um rapaz franzino, mediador de conflitos, sempre a tentar conciliar mesmo aquilo que parecia inconciliável. Mas, para tentar conciliar os desavindos,  não utlizava linguagem contida, cuidada. Pelo contrário, as suas tentativas  para conciliar as partes em confronto passavam por uma linguagem agressiva, insultando, até, os que estivessem a quezilar.

Estava, agora,  prostrado na cama, naquela espécie de enfermaria, que tinha uma porta de ligação para o quarto do furriel e do cabo, enfermeiros. Estava com paludismo. Era a sua primeira experiência.

Depois dos picos de febre, na área dos quarenta graus, vómitos, diarreia, tonturas, que o faziam gritar "Ai, que vou morrer!",  vinham os arrepios e estremeções que abanavam a cama como se estivesse a haver um terramoto.  A seguir, ficava de tal modo prostrado que parecia morto. Era aquela sensação de fim de mundo, apocalíptica, instalada na cabeça.

Quando recuperava da prostração e sentia que as tonturas iam regressar, agarrava-se aos ferros da cama para evitar ser arrastado, de novo, no rodopio infernal, que só existia dentro da sua cabeça. Regressavam, então, os vómitos.

Porque estava a demorar mais do que o habitual, o furriel enfermeiro estava preocupado e desejava, do fundo da alma, que houvesse um médico.

Depois de quatro (ou cinco?) dias de cama, começou, finalmente, a recuperar, a reter líquidos, a comer sopa. Parecia estar a estabilizar, mas sentia-se prostrado, sem forças. O furriel comunicou, então, ao capitão que o Angelino estava a melhorar e não seria necessário transportá-lo para a sede do Batalhão [BART 1913, Catió, S3]

Foi já nesse estado que o Angelino ouviu dizer que o alferes Abreu  iria nesse dia na Dornier [DO-27] para Bissau, para passar férias na Metrópole.

− Meu alferes, o Angelino quer falar consigo. 

O alferes mandou parar o Unimog à porta da "enfermaria". Saltou do carro, entrou e demorou uns segundos a adaptar-se à luz interior. Sentou-se na cama.

− Então, pá, isso está melhor ?!

As mãos do Angelino procuraram as do alferes, enquanto no rosto, macilento, barbudo, corriam duas lágrimas.

− Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela. Para este número.

O alferes não telefonou. O Angelino não morreu. Quando o alferes regressou, o Angelino, envergonhado, evitava encontrar-se com ele. 

In: Fonte: Excertos de Alberto Branquinho  - "Paludismo". In: Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos.  Lisboa,Vírgula,  2013, pp. 193/194.  (***)


(Título,  revisão / fixação de texto, itálicos: LG)  (Com a devida vénia ao autor e à  editora) 

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Notas do editor LG:

(*) A forma sezões é [feminino plural de sezão].

sezão (se·zão)
nome feminino

1. [Medicina] Acesso de febre, intermitente ou periódica, precedido de frio e de calafrios. (Mais usado no plural.)

2. [Medicina] Doença infecciosa causada por parasitas do sangue do género Plasmodium, transmitida ao homem pelo mosquito anófele. (Mais usado no plural.) = IMPALUDISMO, MALÁRIA, PALUDISMO

"sezões", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/sez%C3%B5es.

(**) Último poste da série > 10 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26369: Humor de caserna (93): o guardador das vacas do Enxalé que violou... a bezerrinha do furriel enfermeiro (João Crisóstomo, ex.afl mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)

(***) Alguns dos "microcontos" do autor, aqui publicados recentemente nesta série:

12 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25936: Humor de caserna (74): " O "Biró-lista", atirador de... morteiro (Alberto, Branquinho, "Cambança final", 2013, pp. 105-107)

22 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25866: Humor de caserna (70): um "tuga"... (de)composto, ou uma estória pícara num almoço fula (Alberto Branquinho, autor de "Cambança final", 2013)

27 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25689: Humor de caserna (68): Passa-palavra, furriel Canhão à frente! (Alberto Branquinho)

17 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25652: Humor de caserna (67): O Spínola teria-se-ia desmanchado a rir, se fosse vivo, e tivesse lido esta história do cabo Abel, contada aqui, em versão condensada, pelo nosso Alberto Branquinho

13 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25636: Humor de caserna (66): Fidju di bó... ou a língua afiada das mulheres guineenses (Alberto Branquinho)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26375: Pensamento do dia (28): "A gente, afinal, só se ri do mal que não faz mal a ninguém, nem a nós nem aos outros"... (Luís Graça)


1. Comentário ao poste P26369 (*):


Bom, João, não se pode dizer que é "humor... negro", porque a expressão (pelo menos, até há pouco tempo) é ou era "politicamente incorreta"... nem muito menos "humor... branco", para mais na tua "nova terra prometida", os "United States of America" (USA)... Seríamos logo apodados de racistas ou supremacistas...

Mas se a sentinela do Enxalé viu, é porque viu. É pressuposto a sentinela ver tudo, para lá e para cá do arame farpado... 

Portanto, a "tua" história só pode ser verdadeira e de resto tu estavas lá, entre as testemunhas (não por teres visto o "ato em si", mas por teres ouvido contar a cena e observado depois a reação do enfermeiro)...

Na época (c. 1965/67) não havia drones, por isso os nossos postes de vigia, no Enxalé,  estavam acima das nossas cabeças bem como do arame farpado. 

Algumas sentinelas tinham alucinações à noite (em Bambadinca um básico viu uma manada de elefantes ao pé do arame farpado, no meu tempo)...Não terá sido o caso do teu sentinela, que, pelo que contas,  era "de olho vivo", não lhe escapava nada ..
Mas essa "cena",  digamos,  de tipo "porno bizarro", e que ajudou a matar o tédio da tua sentinela,  não é coisa assim tão invulgar como isso, na vastidão dos nossos campos ou ou nos exíguos espaços dos nossos apartamentos... 

O comportamento sexual do "homo sapiens sapiens" (que é, antes de mais, um "bicho", um animal, primata, territorial, social e sexualmente promíscuo)...e qualquer que seja o seu fenótipo, tem uma amplitude maior que o espectro do arco-íris, as paleta do pintor, ou a imaginação do contador de "estórias"...

As parafilias, incluindo as zoofilias, são um catálogo quase infindável... E a internet está cheia de vídeos de zoofilias (pornográficas), em que os pobres  animais são vítimas de exploração sexual... (Mas, também é verdade, nunca vi os respeitáveis e púdicos partidos dos animais indignarem-se publicamente contra contra esta e outras violações dos direitos dos animais.)

Mas, abreviando... Esta "cena" diz muito sobre o "teatro do absurdo" que era aquela p*ta de guerra, bem como sobre a "miséria" do nosso quotidiano, nos Enxalés da Guiné... 

De facto, o que é que um gajo podia fazer entre duas "saídas para o mato" ou duas "colunas logísticas" até à vilória mais próxima (para se ir abastecer) ?... Nada, não havia programas de tempos livres, distrações, centros comerciais, restaurantes, cinemas, e coisas dessas... 

Então como se matava o tempo durante dois anos ? (Ainda por cima só havia duas estações, intermináveis, a da chuva e a do tempo seco, e a noite começava cedo como o caraças!)...

O leque de escolhas do combatente era muito limitado: dormir (mal), comer (porcamente), beber (muito, havendo cerveja e uisque), "jogar à lerpa", dar uns chutos na bola, escavar mais o buraco, ler e escrever aerogramas, contar anedotas (parvas), ir a Bissá comprar vacas, apanhar um "esquentamento"  (por causa de uma "cambalhota) ou uma "bilharziose" (por um simples mergulho  no rio ou travessia de uma bolanha),  e pouco mais... (E o pouco mais podia ser, por exemplo, uma minazinha A/P ou A/C, ou uma "bailarina" ou uma roquetada...).

Alguns de nós estavam à beira da loucura: a sorte da tropa é que não havia psiquiatras, e os loucos já viviam enterrados nos seus manicómios (do Enxalé a Missirá, de Mansambo a Guileje, de Jumbembém a Gadamael, do Xime a Canquelifa, etc., sem esquecer o manicómio maior que era Bissau, onde estavam os loucos mais famosos...).

João, no Enxalé, hoje estaríamos todos agarrados aos telemóveis (como estão, dizem os "mentideros" das redes sociais, os desgraçados dos soldados norte-coreanos arrebanhados para a guerra da Ucrânia, a devorar, pobres diabos, filmes pornográficos e a "tocar pívias" entre duas barragens de artilharia...).

Felizmente, João, que hoje aquele tipo de guerra, a do nosso tempo,  de guerrilha e contra-guerrilha ("subversiva e contrassubversiva", diziam os nossos "man...jores"), do toca-e -foge- senão - eu-mato-te, não mais é possível, de um lado e do outro... 

O pobre do Amílcar Cabral, se tivesse nascido setenta anos mais tarde, não ganharia coisa nenhuma, apenas a fama de ter chegado tarde demais à Guiné... Ou nem o Spínola, para se poder cobrir de "honra e glória"...

A Guiné está cada vez mais desflorestada... E com os satélites, os drones, os robôs, a inteligência artificial, o laser, etc., não há mais "heróis do ultramar" nem muito menos "combatentes da liberdade da Pátria"... 

Além disso, João, no nosso tempo havia a 5ª Rep, o Café Bento, onde, de um lado e do outro, se propalavam as pequenas grandes mentiras daquela guerra... Hoje tens uma gigantesca 5ª Rep, à escala mundial, globalizada, a trabalhar para os multimultimilionários que são os donos disto tudo...

João, começo a ter saudades das piedosas mentirolas do Café Bento... E até desses grandes dois grandes atores de opereta que eram o Cabral e o Spinola...

Mas valha-nos, ao menos, o humor de caserna!... Da "nossa caserna"....Saibamos cultivá-lo até ao fim dos nossos dias, sinal de que os nossos neurónios ainda não estão em curto-circuito...

Obrigado, mano, por este pequena preciosidade, que te ocorreu quando ias a caminho do teu ginásio, lá no teu "bairro" de Queens, em Nova Iorque... Não és só tu a rir-te sozinho com "cenas caricatas" (e afinal tão humanas) como estas, a do "dono" da bezerrinha atrás do patife do "djubi" violador... (Quiçá de bisturi em punho, já que o homem era o "barbeiro-sangrador" da companhia: eis um detalhe picaresco com que podes enriquecer a próxima versão desta "estória"...).

Às vezes também me apanho, a mim próprio, a rir sozinho de cenas destas (caricatas, estúpidas, humanas, inofensivas, inocentes, pícaras, deliciosas): a gente, afinal, só se ri do mal que não faz mal a ninguém, nem a nós nem aos outros)...

O nosso "humor de caserna baseia-se assim no velho princípio do "Primum non nocere" da medicina hipocrática (em primeir... Trocando por miúdos, pode- se dizer mal, mas não fazer mal... Nos tempos de correm, de atropelos á liberdade, há muita gente a confundir maledicência com maleficência ...

 (**)

Luís Graça
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P26369: Humor de caserna (93): o guardador das vacas do Enxalé que violou... a bezerrinha do furriel enfermeiro (João Crisóstomo, ex.afl mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)

 



Guiné >  Zona Leste > Pel Caç Nat 54 > Enxalé > Agosto de 1966 >  Vacas compradas em Bissá, pelo comandante da CCAÇ 1439, cap Pires.

Foto (e legenda): © José António Viegas  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem do João Crisóstomo   [(foto abaixo à esquerda com a Vilma): (i) é um luso-americano, natural de Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras; (ii) conhecido ativista de causas que muito nos dizem, a todos nós, portugueses: Foz Côa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes; (iii) Régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, tendo sido alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): (iv) vive desde 1975 em Nova Iorque, depois de ter passado por Inglaterra e Brasil; (v) é casado, em segundas núpcias, desde 2013, com a nossa amiga eslovena, Vilma Kracun; (v) tem mais de 250 referências no nosso blogue;  (vi) está aqui "atabancado" desde 26 de julho de 2010 (nº 432)].

 
Data - 9 jan 2025 02:40  

Assunto .- Humor de caserna

Caro Luís Graça,

Certos postes, uns mais que outros, como os teus recentes postes sob o tema "humor de caserna” (e dentre estes, sem desprimor para os outros, tenho de destacar os relacionados com os baseados nos feitos e vida do "alfero Cabral”) ocasionam sempre resultados por vezes inesperados. 

De repente vejo-me a reler (pela terceira ou quarta vez) as “Estórias Cabralianas”, ou outros livros que me tocam por dentro e por fora. E não é a primeira vez que isso sucede: neste caso porque Missirá foi quartel general para tantas “estórias" e histórias, esta tem-me levado a reler os livros do Beja Santos, o livro do Abel Rei, e outras fontes que me fazem vaguear por essas terras por onde também andei. 

Por acaso até mais cedo que a maior parte destes nossos camaradas: eu estive lá em 1965 a 1967 ; o José António Viegas, em 1966; o Abel Rei esteve em 1967/68; e o Beja Santos de 68/69, o Jorge Cabral, em 1970/71, o que me faz “sénior" senão na intensidade de experiências vividas, pelo menos na escala cronológica.

Mas desta vez a minha vagueação andou mais por Porto Gole e por Enxalé, sede da minha companhia, a  CCAÇ 1439. E comecei-me a lembrar de coisas que lá vivi, algumas delas más, mesmo muito más; e outras boas, algumas muito boas. Boas, no sentido de bom ambiente e camaradagem que lá experimentei. 


Vilma e João (2013)


Lembro que a nossa companhia era muito diversificada quanto a crenças, valores e costumes. E havia uma compreensão grande e aceitação por parte de todos das posições dos outros, mesmo que estas fossem completamente diferentes das suas. Eu verifiquei e experimentei isso várias vezes. 

 Mas entre as "outras boas” …"muito boas mesmo”, lembro-me de algumas que ainda hoje me fazem rir. Hoje de manhã foi uma destas ocasiões.

Estávamos a caminho do ginásio, que eu a Vilma frequentamos (ela pelo prazer da natação e sauna;  e eu porque a minha velhice exige exercícios terapêuticos aquáticos). 

 A Vilma, enfermeira de profissão, que agora,  além de ser minha esposa,    acumula os encargos de chofer, deu comigo a rir sózinho e perguntou-me qual a razão. 

Contei-lhe então que há poucos dias, nos vários telefonemas que fiz para dar um abraço de Boas Festas, vim a saber que alguns dos meus colegas na Guiné estão, como me sucede a mim, duma maneira ou outra experimentando os efeitos da idade. E que me veio à memória uma história engraçada de um deles, que por acaso até era o furriel enfermeiro da Companhia. E vi que a curiosidade dela, enfermeira, arrebitou imediatamente. Aqui vai a "estória" para a série... "Humor de caserna". JC

PS - A "cena" passa-se no Enxalé ( que a Vilma agora já "conhece", pelos contactos com camaradas e pelas muitas vezes que dele falo).


Humor de caserna > o guardador das vacas do Enxalé que violou... a bezerrinha do furriel enfermeiro

por João Crisóstomo 


O furriel enfermeiro da CCAÇ 1438, como profissional era extraordinário, com conhecimento práticos muito além dum simples enfermeiro, sendo-lhe creditado ter salvo a vida a vários camaradas que,  se não fora os seus vastos conhecimentos de enfermagem (até de operações cirúrgicas de emergência não tinha medo), teriam perecido  ("lerpado") mesmo antes da chegada dos helicópteros. 

Como homem,  era muito calmo, sem grandes exuberâncias, aparentemente introvertido, mas sempre amigo de toda a gente e, como tal,  respeitado por todos. Nunca da sua boca se ouvia uma palavra menos respeitosa.

No Enxalé havia um terreno onde se cultivavam vegetais para suprir a sua muita falta na cozinha. Outras faltas tentavam-se solucionar, comprando galinhas e mesmo vacas nas tabancas vizinhas.

 O nosso capitão Pires fazia questão de ser ele a  negociociar quando se tratava de comprar vacas, ou bezerras, que geralmente eram compradas na tabanca dos balantas na região de Bissá. E nestas ocasiões fazia-se acompanhar pelo furriel enfermeiro. Não sei se este era o encarregado do tal terreno para cultivo de vegetais e do cuidado das vacas por nomeação ou se ele mesmo se tinha oferecido para essa tarefa. 

A verdade é que se notava que o fazia com prazer, com todos os cuidados para que as suas vacas pudessem pastar à vontade e até fossem protegidas do calor e outras intempéries quando elas sucediam.

Depois da "ida à feira",    por vezes sucedia haver 3 ou mais vacas no Enxalé ao nosso cuidado. E era frequente ver o nosso enfermeiro tratando as suas vacas,  parecia mesmo  com compaixão, sobretudo para com as mais jovens, sabendo do destino que as esperava.

Para isso ele tinha como ajudante um rapaz dos seus 14 ou 15 anos que havia sido capturado aos "turras" e agora “pertencia” à nossa companhia.

Lembro uma dessas ocasiões em que haviam duas vacas na altura,  no Enxalé. Um dia, não me lembro quantos éramos , mas sei que eu e o tal furriel enfermeiro fazíamos parte dos muitos, próximos ou junto ao bar , uns fumando e cavaqueando, outros, como eu, bebendo a nossa cerveja Cristal ou outras libações. 

 E como sucedia frequentemente veio à baila, na conversa entre o pessoal, o assunto  das bajudas, lavadeiras, e suas relações com o pessoal.  E foi então que um soldado que acabara de fazer o seu turno de sentinela,   se saiu com o inesperado: que "o rapaz,  o ajudante na lida e cuidado das vacas, com certeza ainda não tinha conseguido bajuda própria, pois ele o tinha visto a descarregar a sua tensão de jovem frustrado, montado num das vacas ao seu cuidado.”

A reação foi uma risada pela maior parte dos que ouviram o acontecido. Outros pareceram prestar pouca atenção; entre estes o nosso enfermeiro, mas, que de repente, como que a despertar dum sonho, perguntou num súbito berro : 

  Qual delas , qual delas ?!...

E ao ouvir que a sua bezerrinha de estimação tinha perdido a virgindade e sido ela o objeto da predileção do seu ajudante, o nosso pacato enfermeiro, correndo e rugindo de raiva, gritava : 

– Ai seu filho da p*ta, seu grandessíssino c*br*o,  que te vou matar!!!...

João Crisóstomo

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, título: LG)

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7 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26357: Humor de caserna (92): "Então a senhora não me conhece ?!...Foi-me buscar a Bambadinca quando eu fui ferido!"... (Maria Arminda Santos, ex-ten grad enfermeira paraquedista, FAP, 1961/70)

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26357: Humor de caserna (92): "Então a senhora não me conhece ?!...Foi-me buscar a Bambadinca quando eu fui ferido!"... (Maria Arminda Santos, ex-ten grad enfermeira paraquedista, FAP, 1961/70)

Guiné, Bissalanca, BA12, s/d   > Da esquerda para a direita, (i) a Maria Arminda; (ii) a Maria Zulmira André (falecida em 2010); e (iii) a Júlia Almeida (falecida em 2017). 

 Foto de cronologia do Facebook da Maria Arminda Santos. (Editada e reproduzida aqui com a devida vénia...) (LG)



 
A Maria Arminda Santos (n. 1937, ex-tenente graduada enfermeira paraquedista, 1961-1970, hoje ref) pertenceu ao grupo das Seis Marias, nome pelo qual ficou c
onhecido o 1.º curso de Enfermeiras Paraquedistas portuguesas feito em 1961. Nossa grã-tabanqueira nº 500 (desde 23 de maio de 2011), co,m mais de 6 dezenas de referências no blogue, é agora a decana ou a matriarca das antigas enfermeiras paraquedistas: tem uma "memória de elefante" e é uma excelente contadora de histórias.

Nasceu e vive hoje em Setúbal. Os pais eram oriundos do concelho de Mafra. O pai foi combatente da I Grande Guerra. E algumas histórias que ouviu dele,   terão influenciado a sua decisão de ser enfermeira e depois paraquedista.

Passou por todos os TO, e nomeadamente Guiné (1962 / jan 63) e depois  1965/67, e 1969 (vários períodos no CTIG, onterrompidos, por outras missões), até passar à disponibilidade em finais de 1970.





Fonte: Excertos de Maria Arminda - "Manifestaçóes de reconhecimento."  In: "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pág. 370 (com a devida vénia) (Imagem acima: Capa do livro)

Coautoras (das 30 da lista, com a Rosa Serra, editora literária, 18 são Marias...):

Maria Arminda Pereira (Santos por casamento) | Maria Zulmira André   | Maria da Nazaré Andrade (†) | Maria do Céu Policarpo | Maria Ivone Reis (†) | Maria de Lourdes Rodrigues | Maria Celeste Guerra | Eugénia Espírito Santo | Ercília Silva | Maria do Céu Pedro (†) | Maria Bernardo Teixeira | Júlia Almeida 
(†)  | Maria Emília Rebocho | Maria Rosa Exposto | Maria do Céu Chaves | Maria de Lourdes Cobra | Maria de La Salette Silva | Maria Cristina Silva | Mariana Gomes | Dulce Murteira | Aura Teles | Ana Maria Bermudes | Ana Gertrudes Ramalho | Maria de Lurdes Gomes | Octávia Santos | Maria Natércia Pais | Giselda Antunes (Pessoa, por casamenti) | Maria Natália Santos | Francis Matias | Maria de Lurdes Costa.

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Então a senhora não me conhece ?!...

por Maria Arminda Santos




(...) A vida dá tantas voltas! E, assim sendo, em 1974, resolvi mudar de casa e fui morar para uma zona desconhecida.

Ninguém sabia quem eu era e o que fazia ou tinha feito. 

Passados poucos dias abordou-me um vizinho, um homem da rua, como é hábito dizer-se na minha terra, que me perguntou se eu não o conhecia.

Não tinha a mínima ideia de já alguma vez o ter visto, pelo que respondi negativamente. Então, com um largo sorriso. disse-me:

–  Pois eu lembro-me muito bem de si, foi-me buscar a Bambadinca. quando fui ferido!

Não queria acreditar, mas era verdade!

Passado pouco tempo, os habitantes da rua ficaram a saber...

Foi numa época menos boa e de certa conflitualidade, após o 25 de Abril, e o modo como a população encarava os militares que tinham estado em Africa não era muito favorável.

Esse facto nunca me intimidou e, sempre que fosse oportuno, eu afirmava que tinha andado na guerra do Ultramar como enfermeira. (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título. negritos, itálicos: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26348: Humor de caserna (91): O anedotário da Spinolândia (XIV): "Vão-se todos vestir com a roupa que tinham quando viram o helicóptero!"... (Mário Gaspar, ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gandembel e Ganturé, 1967/69)

sábado, 4 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26348: Humor de caserna (91): O anedotário da Spinolândia (XIV): "Vão-se todos vestir com a roupa que tinham quando viram o helicóptero!"... (Mário Gaspar, ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gandembel e Ganturé, 1967/69)


1. Excerto do poste P12412(*), de Mário Gaspar:

(...)  A CART 1659, "Zorba", só conheceu dois governadores, o General Arnaldo Schulz e o Brigadeiro António de Spínola. Só este último nos visitou – e por duas vezes. – mas, na segunda vez, discursou depois de formada a Companhia:

− Vão-se todos vestir com a roupa que tinham quando viram o helicóptero!

E assim sucedeu, depois de destroçarmos todos, rapidamente surgimos, de calções, tronco nu, chinelos e cabeça destapada.

 Continuou o discurso e, já no fim, um soldado perguntou quando terminávamos a comissão, já que nos tinham prometido sairmos ao fim de 18 meses se terminássemos de fazer o cais, e este já se encontrava funcional há muito tempo. 

António de Spínola respondeu:

Não venho fazer promessas. Venho pedir mais privações e sacrifícios! (...) (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12412: Tabanca Grande (413): Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art, MA da CART 1659 - Zorba (Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Vd, também poste de 19 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25657: Humor de caserna (68): O anedotário da Spinolândia (XIII): na ilha das Cobras, a ementa hoje é... cabrito com ostras... V. Exas são servidas ?

Guiné 61/74 - P26345: Humor de caserna (90): teimoso... que nem um burro (João Crisóstomo, Nova Iorque)


João Crisóstomo, 2017. Foto: LG

 1. O João Crisóstomo , como lhe  disse uma vez um seu amigo, o futuro cardeal patriarca de Lisboa, o José Policarpo (1936-2014), é um "berbequim", uma verdadeira força da natureza, persistente, teimoso, perseverante...

O João  já era conhecido, no seu tempo de menino e moço, como um gajo teimoso como o caraças... Quando se metia numa coisa, não desistia logo às primeiras...

 Se não assim, não teria tido sucesso, na emigração,  na diáspora, no seu trabalho, nas "causas sociais" em que se tem metido  (Foz Coa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes...) nem muito menos reencontrado a "sua" Vilma 40 anos depois de ter perdido o seu paradeiro (em Londres)...

Esta história. aqui meia perdida na minha caixa de correio, tem a sua piada (***). E, segundo penso, está relacionada com as suas diligências para associar as autoridades políticas e religiosas portuguesas â celebração da efeméride dos 70 anos da morte do Aristides de Sousa Mendes (Viseu, 19/7/1885 - Lisboa, 3/4/1954) (*)

Dizer que o João é "teimoso... que nem um burro", não é um insulto, é um elogio, a ele (e ao burro) e aos nossos milhões de compatriotas que escolheram viver e trabalhar (e morrer) longe, fora da Pátria.


Humor de caserna > Teimoso... que nem um burro 

por João Crisóstomo


Data - quinta, 21/03/2024, 20:27
 
Assunto - Vale a pena ser teimoso…


Eu contei, em Nova Iorque,  ao Fernando Santos (**) a minha odisseia em Portugal (em março de 2024: que o Presidente cancelou; que o Cardeal nem apareceu, mas por outro lado a secretária do Presidente facilitou-me a vida...

Aqui está a "verdade verdadinha", segundo "São Fernando”:

"Agora já sei por que é que o cardeal não compareceu. O Cardeal telefonou ao Pe. Melicias a saber quem era esse tal João Crisóstomo e ele disse-lhe: 

− Tenha muita cautela, não apareça, ele mete-o em trabalhos. 

O Cardeal telefona imediatamente ao Presidente Marcelo e avisa-o. 

−  Tenha cautela com um esse senhor João Crisóstomo. Vai metê-lo em trabalhos. 

O Marcelo então avisa a secretária Ruela: 

− Cancele o encontro com João . 

Ela responde. 

− Impossível, Sr. Presidente , o João Crisóstomo já está aqui! 

− Oh, menina Ruela, por favor. Então diga-lhe que eu que lhe disse que eu não estava. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26341: Humor de caserna (89): 38 sutiãs ("corpinhos"),de todos os tamanhos, cores e feitios, para as bajudas de Bissaque e Fá (Jorge Cabral, 1944-2021)


Guiné >Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Uma bela bajuda local, numa das 150 fotos de Guileje que nos deixou o saudoso Cap SGE ref Zé Neto (1927-2007), o nosso primeiro grã-tabanqueiro a deixar a Terra da Alegria... 


Enquanto que as feministas da Europa, do pós-Maio de 1968, queimavam os seus sutiãs, símbolo do sexismo e opressão falocrática, na Guiné, o supremo luxo, para as nossas queridas bajudas, era ostentar um corpinho (sutiã), como este que se vê na foto... Farto, largo, colorido...

O "alfero Cabral" foi o primeiro dos "régulos" da Guiné a dar-se conta desta tendência comportamental da mulher guineense...Um "corpinho" era "manga de ronco"!

O nosso inimitável,  impagável e inbstituível  Jorge Cabral deixou-nos há 3 anos, em 28 de dezembro de 2021. Faz-nos muita falta. E deixou um rasto de saudade.A melhor maneira de o recordar é ler ou reler as "estórias cabralianas". Esta que republicamos é simplesmente genial (*). Lembro-me de ele me ter confidenciado que comprou os sutiãs para as bajudas, quando veio de férias, logo no princípio de 1970, nos Armazéns Grandella (no conto, é o Armazém Fama, na Calçada do Garcia, também na zona do Rossio).

Foto (e legenda) © José Neto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Fotograma do vídeo do Jorge Cabral (Lisboa, 1944 - Cascais, 2021), de apresentação do vol I de livro de contos, "Estórias Cabralianas", em Lisboa, no Jardim Constantino, em 29 de outubro de 2020, um ano e dois meses antes de morrer. 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


Humor de caserna > A festa do corpinho...


por Jorge Cabral (1944-2021)

[ex-alf mil at art, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71]


O Marinho era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá  
[antiga estação agronómica], desde os anos 50. Embora existisse uma estrada para Bissaque (a norte de Fá Mandinga, na margem esquerda do Geba Estreito), o Marinho conduziu-nos por uma interminável bolanha, após a qual lá chegámos, obviamente muito depois do inimigo ter retirado   [flagelação a Bissaque, aldeia balamta sob duplo controlo, em 18 de dezembro de 1969].

O ataque, referido nos documentos oficiais, não passou de uma breve flagelação. Fui eu que relatei a ocorrência, e porque quem conta um conto... acrescentei-lhe alguns pormenores (essa da intervenção de brancos deve ter sido ficção cabraliana), para assustar o Comandante de Bambadinca [BCAÇ 2852, 1968/70] (**).

Bissaque era uma aprazível aldeia balanta. Logo nessa noite, à volta de uma fogueira, reparei na beleza das raparigas, tendo passado a frequentar semanalmente a tabanca, numa ação socioerótica [...]

Habituado às bajudas mandingas, verifiquei [...] a superioridade dos seios balantas, tendo, e disso me penitencio, contribuído para um conflito etnicomamário.

A fim de me redimir, em janeiro de 1970, de férias em Lisboa, comprei 38 corpinhos (sutiãs) no armazém Fama, sito à Calçada do Garcia, junto ao Rossio, onde agora se reúnem os guineenses.

Coincidência? Premonição? Lembro a perplexidade do empregado do armazém, quando lhe pedi os 38 sutiãs de todos os tamanhos e cores.

Regressado à Guiné, em plena Tabanca de Fá Mandinga, organizei a festa do corpinho, para a alegria das bajudas, que envergaram o seu primeiro sutiã. Tivesse esta história acontecido nos dias de hoje, e certamente sentiria dificuldades no aeroporto, até porque os sutiãs constituíam a minha única bagagem. 

Armas secretas? Indícios de terrorismo? Não sei, mesmo, se não teria ido parar a... Guantanamo [ prisão militar norte-americana, que faz parte integrante da Base Naval da Baía de Guantánamo, em Cuba].

In: Jorge Cabral - "Estórias Cabralianas". Lisboa: ed. José Almendra, 2020, pp. 59-60 (com a devida vénia...).

Originalmente publicado no nosso blogue em 16 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2354: Estórias cabralianas (29): A Festa do Corpinho ou... feliz o tuga entre as bajudas, mandingas e balantas (Jorge Cabral)