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terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26485: Humor de caserna (102): o macaco-fidalgo ou "fatango"... "ó meu alferes, parecia que era um gajo... dos turras!" (Alberto Branquinho)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional de Cantanhez > Iemberém > 9 de dezembro de 2009 > 15h50 > Macaco fidalgo vermelho (ou fatango, em crioulo). Espécie, nome científico: Piliocolobus badius. Em inglês, western red colobus. É uma espécie ameaçada (está "em risco acelerado"= fundamentalmemte devido à caça e à desflorestação.O Piliocolobus badius é uma espécie dos macacos do velho mundo. É freqüentemente caçado por chimpanzés. Em 1994, os macacos dessa espécie infectaram muitos chimpanzés com o vírus Ebola ao serem comidos.

Em 2008 e em 2009 avistavam-se bastantes do perímetro turístico de Iemberém... Aproximavam-se facilmente dos seres humanos à hora das refeições.

Foto (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém> Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > Primatas do Cantanhez: o "fatango" (macaco-fdalgo)... Desenhado nas paredes das instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento, em Iemberém (Para saber mais, ver  Guia_Mamiferos_Cantanhez_web-res_2017.pdf ).

No Cantanhez, há  o macaco fidalgo vermelho (Piliocolobus badius).  e o  macaco fidalgo preto (Colobus polykomos). Em crioulo, ambos são fatango.

Nomes locais, para o macaco fidalgo vermelho:

Mane (nalu) Nhandjo (fula) - Tugdu-hanz (balanta).

Nomes locais para o macaco fidalgo preto:

Madisom/Dossé (nalu) Bando (fula) - Tugdu-mon (balanta).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa), advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970; ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), tem mais de 140 referências no nosso blogue; é autor das notáveis séries "Contraponto" e "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".

Reproduzimos com a devida vénia mais um dos seus microcontos, um dos meus preferidos, do livro "Cambança Final" (2012).


Alberto, um etólogo (especialista em comportamento animal) ou um primatólogo (especialista em comportamento dos primatas) não faria melhor do que tu: essas duas páginas, com a descrição da dramática interação do macaco - fidalgo e do teu homem, são de antologia.

Ficamos sem saber se tratava de  um macaco fidalgo vermelho (Piliocolobus badius).  ou macaco fidalgo preto (Colobus polykomos)... Sáo espécies diferentes, mas em crioulo chamam-lhes fantango..Ainda váo existindo no Cantanhez (pelo menos quando eu lá estive em 2008, e o meu filho, em 2009).  Associam-se para melhor se defenderem mutuamemnte dos predadores. Estão  seriamente em risco e só existem na África Ocidental.

Inclino-me mais para  a hipótese, na tua história, de  ter sido um Colobus polykomos. Foi vítima da sua curiosidade de primata e sobretudo das dificuldades da comunicação com o Homo Sapiens Sapiens, como chamam os zoólogos à espécie a que pertencia (ou pertence, faço votos para que ainda esteja vivo) o teu 1º cabo Garcia... (LG)



O macaco-fidalgo... "ó meu alferes, parecia que era um gajo... dos turras!" 

por Alberto Branquinho




 Fonte: Excertos de Alberto Branquinho  - "Macaco Fidalgo: inimigo ?" In: Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos.  Lisboa,Vírgula,  2013, pp. 81/82. 


(Seleção, digitalização, título: LG) (Com a devida vénia ao autor e à editora)

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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26472: Humor de caserna (101): Dar de beber à dor... (António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68, autor de "A Minha Jornada em África", 2015)

sábado, 8 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26472: Humor de caserna (101): Dar de beber à dor... (António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68, autor de "A Minha Jornada em África", 2015)


Espinho > 20.º Encontro do Pessoal do HM 241 (Bissau) > 7 de Outubro de 2023 >  O António Reis e a esposa, Rosa, na convívio anual do pessoal do HM 241 (Bissau)


Foto (e legenda): © António Reis (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241 (Bissau, 1966-68)
 membro da nossa Tabanca Grande, nº 882. 
É natural de Avintes, Vila Nova de Gaia.



Capa do livro de  António Reis, "A minha jornada de África", 
1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, 111 pp. 


1. Tenho especial carinho pelos nossos camaradas dos serviços de saúde militar, não só alferes milicianos médicos (não conheci os do QP, a não ser mais tarde como professor...),  mas também furriéis enfermeiros, 1ºs cabos aux enf, soldados maqueiros, e outros.

 Nunca entrei felizmente no HM 241 (devia tê-lo feito, ainda em Bissau, antes de regressar a casa, para visitar camaradas internados, o que nunca se proporcionou). 

Também nunca fui, como devia ter ido, ao HMP, à Estrela, depois da "peluda"...Visitar os doentes é uma das 14 obras de misericórdia que um cristão deve cumprir.  Mas depois da guerra acabar (?) para mim, ainda houve camaradas que conheceram o calvário do Hospital  Militar Principal... Não fui cristão para com  eles.  

Penitencio-me agora, mais de 50 anos depois, dando-lhes a palavra, não os esquecendo, valorizando o seu papel... O mesmo se passa com as nossas antigas enfermeiras paraquedistas, que pertenciam ao serviço de saúde da Força Aérea.  Temos que falar mais deles e delas. porque "nunca tantos deveram tanto a tão poucos e tão poucas"...

O António Reis foi um dos nossos camaradas que passou toda a comissão no HM241. Nunca saiu de Bissau, e se deu um "tiro" de G3 só para dazer o gosto ao dedo e... "perder os três" como combatente; enfim, nunca viu o "mato" mas viu os "horrores do mato" nos corpos e nas almas dos que chegavam, de helicóptero, ao HM241,  onde trabalhava por turnos.   

Não o conheço pessoalmente, mandou-me há 10 anos atrás dois ou três exemplares da nova edição do seu livrinho de memórias. Tenho que publicar um dia destes a sua pequena grande história de vida. Gosto do seu sentido de humor, da sua bonomia, da sua bondade e da sua...marotice.

Esta cumplicidade entre dois avintenses, o Toinho e o Feiteira é uma grande história, a nº 101 da série "Humor de caserna".


Dar de beber à dor

por António Reis

(....)

Fonte: Excertos e adapt. de António Reis - "Em nome do próximo" e  "Saudade". In:  "A minha jornada de África", 1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, pp. 45/46 e 49/50.


Observações: 

 O autor queria muito provavelmente escrever " Coramina" e não "Coromina"...

"La niquetamida es un estimulante que afecta principalmente al ciclo respiratorio. Ampliamente conocido por su antiguo nombre comercial de Coramina, se utilizó a mediados del siglo XX como contramedida médica contra las sobredosis de tranquilizantes" (...). Fonte: Wikipedia.

O medicamento "Coramina®", dos Laboratórios Ciba,  era "a marca registrada da substância (C10H14N2O) derivada do ácido nicotínico, indicada como estimulante cardíaco e respiratório". Etimologia: vocábulo composto do latim, "cor + amina". Fonte: Michaelis.


(Seleção, digitalização, título, observações: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26460: Humor de caserna (100): A piçada do general: "Ó nosso alferes, qual bicha, qual carapuça!... Saiba que no exército português não há bichas e muito menos de pirilau!"... (disse ele para o ten mil José Belo, sendo o 1º cabo mil Carlos Silvério testemunha)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26460: Humor de caserna (100): A piçada do general: "Ó nosso alferes, qual bicha, qual carapuça!... Saiba que no exército português não há bichas e muito menos de pirilau!"... (disse ele para o ten mil José Belo, sendo o 1º cabo mil Carlos Silvério testemunha)


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > S/l > s/d > Progressão em coluna apeada, "coluna por um",  "fila indiana" "bicha de pirilau"...

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A 'piçada' do general

por Carlos Silvério


 Quando o 1º cabo miliciano atirador de cavalaria Carlos Silvério (hoje nosso grão-tabanqueiro nº  783) passou pelo RI 5, Caldas da Rainha, como monitor de recruta do CSM (Curso de Sargentos Milicianos), entre setembro e dezembro 1970 (4º turno), lembra-se de ter conhecido o José Belo, então alferes ou tenente miliciano,  acabado de regressar da Guiné...


Carlos Silvério, ex-fur mil at cav,
 
CCAV 3378 (Olossato e Brá, 1971/73);
vive hoje na Lourinhã
Um belo dia apareceu lá um senhor general que quis certificar-se da excelência da formação dada aos futuros sargentos milicianos... E fez questão de supervisar (do latim, "supervidere", ver de cima...)  uma das aulas práticas dadas pelo instrutor José Belo... 

Às tantas, falando da sua experiência como combatente no TO Guiné, em 1968/70, o instrutor usou a expressão "bicha-de-pirilau"...

Parece que o general ficou "piurso", saltou-lhe a mola e deu uma valente reprimenda ("piçada") ao oficial, à frente dos instruendos (o que, como é sabido, não é regulamentar nem elegante):

- Ó nosso alferes, qual bicha, qual carapuça!... Saiba que no exército português não há bichas e muito menos de pirilau!... Os nossos militares, aqui na metrópole ou nos teatros de operações do Ultramar, na Guiné, em Angola ou em Moçambique, andam  em coluna por um !... Ponha isso no seu dicionário!...

O Carlos ficou sem perceber  por que é que o senhor general foi aos arames com a expressão "bicha-de-pirilau"... Seria uma reacção... h
omofóbica?...

Afinal, "pirilau",  no português (informal) de Portugal, é sinónimo de órgão sexual masculino, pénis, pilinha, piloca. (Os brasileiros dizem bilau)...


José Belo, ex-alf mil, CCAÇ 2381,
Ingoré, Buba, Aldeia Formosa,
Mampatá e Empada, 1968/70;
vive hoje nos EUA
Já o termo "bicha" começa por referir-se ou estar associado a qualquer objecto que, pelo seu feitio ou movimento sinuoso, dá ideia de um réptil, e por extensão, qualquer animal de corpo comprido e sem pernas (como a minhoca, por exemplo).... 

 Na linguagem informal é usado para designar uma fila (ou fileira) de pessoas, umas atrás das outras, em geral esperando a sua vez de serem atendidas, para obter um bem ou serviço, etc. (por ex., a bicha do pão, das vacinas, do trânsito)...

"Bicha-de-pirilau" é uma expressão que, infelizmente, ainda não está grafada pelos nossos lexicógrafos, muito cautelosos e conservadores. Tal como, aliás,  a correspondente  expressão técnica ("jargão") usada pela tropa : "coluna por um" refere-se  à formação de uma tropa, em que os elementos (que podem ser homens ou viaturas) são colocados um atrás do outro, seguidamente, guardando entre si uma distância regulamentar.   (Mas também  há colunas por dois, por três, etc.)

A expressão "bicha-de-pirilau" era corrente na Guiné, tal como "fila indiana" (originalmente, o modo como os índios da América progrediam  no seu território, em situações de caça, patrulha ou guerra).

A história tem a sua piada, sobretudo pela reação intempesttiva do senhor general inspetor, de ouvido mais sensível ou então demasiado purista da língua portuguesa e/ou do jargão militar.

(Recolha, revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20668: Em bom português nos entendemos (25): Bicha de pirilau... Expressão da gíria militar do nosso tempo, ainda não grafada nos dicionários... Será que continua a incomodar o senhor general?

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26412: Humor de caserna (99): "Ir a Jabadá ver as contas ?...Nem pensar, meu comandante, se for preciso, eu pago do meu bolso!"... (Alferes SAM, do CA do Batalhão de Tite) (mais uma história do Rui A. Ferreira, 1943-2022)



Guiné > Região de Quínara > Jabadá > 
 26 de fevereiro de 1968 > O Comando e CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) façam a viagem  de regresso a Bissau, atravessando as Regiões de Gabu e de Bafatá, em coluna militar, e depois de barco, a partir de Bambadinca. Até ao Xime, Ponta Varela e foz do rio Corubal ainda era região de Bafatá. Mato Cão ficava a seguir a Bambadinca, ainda no Geba Estreito (que ia até ao Xime). A caminho de Bissau. na margem esquerda do rio Geba, no estuário do Geba, já muito depois da Foz do Rio Corubal, ficava Jabadá... Não era sítio onde a malta parasse, via-se apenas, de perfil, ao longe, escondida sob enormes poilões... (Foto tirada na maré vazia, as canoas estão fora de água...)


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Quínara > Carta de Tite (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da Ponta de Jabadá, na margem esquerda do Rio Geba, a meia distância entre Bissau e Porto Gole (situados na margem direita).

A população de Jabadá vivia da cultura do arroz, produzido na grande bolanha.  O aquartelamento das NT nunca foi em Jabadá (tabanca, mais a sul) mas na Ponta, que até ao início da guerra (1963) era um florescente entreposto comercial. Por exemplo, o comerciante e colono libanês Jamil Heneni,  com sede em Bafatá, tinha "grandes plantações de arroz" em Jabadá. 

A sentinela do Geba foi reconquistada ao PAIGC há 60 anos  em 29 de janeiro de 1965.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020


Rui A. Ferreira (1943-2022). Aqui com um "boné turra"...


1. Mais um delicioso microconto do nosso saudoso Rui Alexandrino Ferreira. É sobre o temível aquartelamento de Jabadá, ao tempo em que ele era alf mil inf, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67). (Fará depois outra comissão no CTIG, como capitão mil, cmdt da CCAÇ 18, Aldeia Formosa, jan 71 / set 72). 

 Esta história (no original, "O Alferes da Administração Militar") deve-se ter passado no tempo do BCAÇ 1860 (TIte, 1965/67). O autor não identifica a unidade.

 

O Alferes SAM que por nada deste mundo queria ir ver as contas a Jabadá...

por Rui A. Ferreira (1943-2022)


Dependendo organicamente do batalhão sediado em Tite, um belo dia, o alferes responsável pelo controlo das contas, do rancho geral, bares e similares, foi chamado à presença do comandante do batalhão, que o informou que no dia seguinte, aproveitando a avioneta destinada ao sector nesse dia, devia tomar nela o lugar e ir inspecionar as contas de Jabadá a ver se estava tudo conforme,

Aí o bom do alferes, que queria tudo menos ir a Jabadá, respondeu:

− Saiba, senhor meu comandante, que os indivíduos de Jabadá são extremamente rigorosos na apresentação das contas.

Fez uma pausa, como que a medir a reação do comandante e, não querendo de forma nenhuma ter de ir a Jabadá, concluiu:

− E se faltar alguma coisa, eu mesmo pago do meu bolso.

Ir a Jabadá é que nem pensar!...

Fonte: Excertos de  Rui Alexandrino Ferreira, "Quebo: nos confins da Guiné", Coimbra: Palimage, 2014, pág. 347.


 (Título,  revisão / fixação de texto, itálicos: LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)
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segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26403: Humor de caserna (98): Quando o IN... jabadava!... Até que o goês e pacato alferes Basílio dos morteiros quis saber porquê... (Rui A. Ferreira, Sá da Bandeira, 1943 - Viseu, 2022)


1. O Rui Alexandrino Ferreira (Sá da Bandeira, Angola, hoje Lubango, 1943-Viseu, 2022), ten cor inf ref, duas comissões no CTIG, a última como cmdt da CCAÇ 18 (Aldeia Formosa, jan 71 / set 72). 

Da primeira vez, esteve como alf mil inf, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67). Foi um grande operacional, e também um talentoso escritor, tendo-nos deixado três livros de memórias. Angolano,  adoptou a cidade de Viseu, depois do 25 de Abril,  para viver, amar, escrever e morrer (a sua última obra, de 2017, tem por justamente por título "A caminho de Viseu - Memórias").

Gostava de pregar partidas, e era um bom contador de histórias.


Do seu segundo livro ("Quebo: nos confins da Guiné", Coimbra: Palimage, 2014), vamos publicar duas histórias sobre Jababá (um dos subsetores do setor S1: Tite, Jabadá, Fulacunda, São João) , em dois postes separados. 

poucas referências no nosso blogue a Jababá (pouco mais de 3 dezenas), na região de Quínara, na margem esquerda do Rio Geba, um aquartelamento que se via quando se navegava no rio Geba, de Bissau para o Xime ou vice-versa (quer no "barco turra", quer em LDG).

A história da reconquista da Ponta de Jabadá en 29/1/1965, já foi aqui contada pelo Gonçalo Inocentes, nosso grão-tabanqueiro nº  810. Até então o PAIGC era "rei e senhor", impondo ali o terror à navegação no Geba.

Pelas nossas contas, esta história com o "alferes Basílio" deve-se ter passado em meados de 1965, ao tempo do BCAÇ 599 (Tite) e com o Pel Mort 912 a guarnecer Jabadá, reocupada após a Op Braçal. (No entanto, ao tempo do nosso camarada Santos Oliveira, ex-fur mil do Pel Mort 912, o comandante seria o alferes Rodrigues, desconhecendo nós o seu primeiro nome; mas Basílio também pode ser um pseudónimo.)

 

Quando o IN... jabava!... Até que o goês e pacato  alferes Basílio dos morteiros quis saber porquê... 


por Rui A. Ferreira (1943-2022)



Jabadá era uma guarnição debruçada sobre o rio Geba. Organicamente dependia do batalhão de Tite e era atacada constantemente, de tal forma que, quando se queria dizer que o IN tinha atacado  Jabadá, se dizia:

− O IN... jabadou!

O alferes Basílio era um moço calmo e sereno, como aliás o são a maioria dos indivíduos com tendência para engordar. Comandava o pelotão de morteiros que ocupava Jabadá e que era na altura a única tropa ali presente.

Farto de ter de aturar  ataques sucessivos, um belo dia, este tranquilo goês, abdicando da sesta, que era prática e unanimemente por todos cumprida (guerrilheiros do IN idem idem, aspas aspas), disfarçou-se a si e a parte do seu grupo, com roupas e artefactos do IN, saiu rapidamente do aquartelamento, entrou por uma casa de mato dos guerrilheiros, eliminou uma série deles e voltou o mais rapidamente que conseguiu para Jabadá.

Continuou a ser atacado, mas agora já sabia a razão porque o faziam.

Fonte: Excertos de  Rui Alexandrino Ferreira, "Quebo: nos confins da Guiné", Coimbra: Palimage, 2014, pág. 346.


( Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos, título: LG)
 
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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26394: Humor de caserna (97): O anedotário da Spinolândia (XV): O comandante do destacamento de Cabedu... a quem Spínola perguntou pelo plano de defesa (Rui A. Ferreira, 1943-2022)



1. Mais uma história (daquelas "rocambolescas da guerra"...) contada pelo nosso saudoso camarada Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022), ten cor inf ref, que fez duas comissões no CTIG, a última como cmdt da CCAÇ 18 (Aldeia Formosa, jan 71 / set 72): além de ter sido um grande operacional, foi também um talentoso escritor, tendo-nos deixado três livros de memórias; natural de Angola (antiga Sá da Bandeira, hoje Lubango), viveu parte da sua vida em Viseu, cidade que muito amava, onde tinha muitos amigos  (como o protagonista desta história) e onde faleceu.


O comandante do destacamento de Cabedu... a quem Spínola perguntou pelo plano de defesa (*)

por Rui A. Ferreira (1943-2022)



O meu amigo Manuel Cerdeira (**), atualmente coronel reformado da administração militar, cumpriu uma comissão na Guiné, como alferes miliciano atirador de infantaria.

Tendo saído do barco que o transportou até Bissau, diretamente para uma lancha da marinha, que o foi depositar, a si e ao seu grupo de combate, no aquartelamento de Cabedu, cuja guarnição era então composta por dois pelotões de atiradores e, sendo que, como era o mais antigo, passou nestes termos a ser o comandante militar de Cabedu.

Passados uns tempos, recebeu a visita do próprio general Spínola, que a certa altura lhe perguntou:

− Então, e o plano de defesa ?

Ao que o bom do Cerdeira respondeu:

− Não sei o que é isso.

− Então, quando são atacados o que é que fazem ?

− Fazemos fogo.

− Para onde ?

− Para onde pensamos que eles estão.

− Então, e não veio cá ninguém ajudá-lo a fazer um plano de defesa ?

− Não, senhor, o meu general foi o único até agora.

Spínola voltou para o helicóptero, foi à sede do batalhão (***), fez subir para o mesmo o comandante e foi largá-lo em Cabedu  e deixou-lhe TPC (trabalho de casa):

− Daqui a 15 dias volto cá a buscá-lo,quando o plano de defesa estiver pronto.

Para concluir a história, foi o comandante punido com uns quantos dias de prisão e devolvido à metrópole.


Fonte: Excerto de Rui Alexandrino Ferreira - "Quebo: nos confins da Guiné". Coimbra: Palimage, 2014, pág. 348.

( Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos, título: LG)


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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 15 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26391: Humor de caserna (96): "O mê Zé disse isso ?!"... O epílogo engraçado da história do impaludado (Alberto Branquinho)

Vd. poste de 4 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26348: Humor de caserna (91): O anedotário da Spinolândia (XIV): "Vão-se todos vestir com a roupa que tinham quando viram o helicóptero!"... (Mário Gaspar, ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gandembel e Ganturé, 1967/69)


Cor SAM ref Manuel C. A. G. Cerdeira 
(1946-2023)

(**) Trata-se do cor SAM Manuel Carlos de Almeida Guerra Cerdeira, natural de Viseu (1946- 2023)(Curso de Saída da AM: 1974); foi alf mil at inf, OE, tendo cumprido uma comissão de serviço no CTIG, em Cabedu,  no subsetor de Catió (1969/70), comandando dois Gr Com da CART 2476  (Catió e Cabedu, 1969/70), setor S3 (Catió, BART 2865).

Ingressou depois  na Academia Militar em outubro de 1970 (Patrono do Curso: “Major Neutel Simões de Abreu”), concluindo a parte curricular do Curso de Administração Militar (AdMil) em 1973, sendo, após frequência do tirocínio na Escola Prática de Administração Militar (EPAM/Lisboa - 1973/1974), promovido a alferes.

Elemento da primeira hora do MFA, integrou o grupo de oficiais que assumiu o comando da Escola Prática de Administração Militar (EPAM/Lisboa) na madrugada de 25Abril74 bem como o grupo de comando que  garantiu a  ocupação e a defesa dos Estúdios da RTP no Lumiar, no âmbito na “Operação Fim de Regime”.

Fez depois a sua normal carreira militar: tenente (1974), capitão (1977), major (1986), tenente-coronel (1994) e coronel (1996). Destaque para uma Comissão de Serviço na Bósnia e Herzegovina, integrado no Destacamento de Apoio de Serviços (DAS) da Força Nacional Destacada “FND-IFOR/BÓSNIA” (1996).

(***) Catió, sector S3, englobando 3 subsetores, Catió, Cufar e Bedanda, e posteriormente (em out69) mais 3, Cacine, Gadamael e Guileje. Nesta altura, a responsabilidade do setor S3 era do BART 2865 (fev 69 / dez 70), que teve dois comandantes: TCor Art Mário Belo de Carvalho e TCor Art António José de Melo Machado.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26391: Humor de caserna (96): "O mê Zé disse isso ?!"... O epílogo engraçado da história do impaludado (Alberto Branquinho)


1. A história do impaludado da CART 1689 / BART 1913, contada pelo Alberto Branquinho no seu livro de 2013, "Cambança final", e reproduzida no poste P26377 (*), teve um "fim feliz". 

Os nossos leitores (os leitores do Branquinho) têm direito a saber qual foi então esse "desfecho".  É um outro microconto, este inédito. Chegou-nos no próprio dia 11, pelo correio eletrónico. Ficamos a saber que o alferes Abreu da história é um "alter ego" do autor. E que o impaludado que queria mandar a notícia da sua morte à mulher, aproveitando a ida de férias do alferes à metrópole, se chamava Zé P...na [ P...ena ?  P...estana ? P...atarrana ? ... Para o caso não interessa, o Alberto Branquinho quer protegê-lo, e o Zé tem direito ao anonimato].

Aproveitou o nosso escritor (e ilustre camarada) para esclarece que, desde 2005 saíram 11 títulos sus ( e não oito, como tinhamos  informado) (*), mais uma 2ª edição (do "Por Século e meio" - romance com acção principal entre Barca d'Alva e Porto/Foz). 

Desses onze, há três sobre a Guiné: 

  • "Cambança" (2005 e 2009), 
  • "Cambança Final" (2013) e 
  • "Deixem a guerra em paz" (2019).


"O mê Zé disse isso ?!"...  O epílogo engraçado da história do impaludado 

por Alberto Branquinho



A situação (*) teve um epílogo engraçado muitos anos depois.

O impaludado do texto que  o blogue publicou, e que, afinal, se chama Zé, apareceu pela primeira vez (e com a mulher) num encontro da Companhia.

Meio a choramingar, dirigiu-se-me de braços abertos:

− Ó meu alferes!

E abraçámo-nos.

A mulher dele observava-nos deliciada e sorridente. Então dirigi-me a ela:

− A senhora não esteja a rir. Olhe que aqui o seu marido estava muito doente quando eu vim cá de férias e pediu-me para lhe telefonar a dizer-lhe que morreu a pensar em si.

− O mê Zé disse isso?

Imediatamente, se agarrou a ele e a mim. E não parava de chorar:

− Ele disse isso? Disse?

Aí o Zé (também a choramingar), soltou-se do abraço e desatou a bater na mulher (controladamente...), que continuava abraçada a mim sem parar de chorar,,,  E ele repetia, repetia:

 − Ó mulher, pára lá com isso! Ora não querem lá ver esta!

Juntou-se à nossa volta um grupo dos que estavam a chegar, que olhavam espantados sem perceber porque o Zé batia na sua própria mulher (que continuava abraçar-me e a chorar).

Era assim o Zé P....na. (**)

Alberto Branquinho, Lisboa, 11 jan 2025 18:44
 
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26377: Humor de caserna (94): "Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!... (Alberto Branquinho, "Cambança Final", 2013)

(**) Último poste da série > 13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26386: Humor de caserna (95): Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau (António Reis)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26386: Humor de caserna (95): Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau (António Reis)


Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > Natal de 1967 > "Foto que me foi oferecida pelo grande amigo  António Malheiro (natural de Lamego, vive no Porto)."


Foto (e legenda): © António Reis (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1423 > Monumento funerário, à memória dos Fur Mil Condeço e Boneca, mortos na tarde de 24 de dezembro de 1966 (ainda evacuados para o HM 241). (****)

Foto (e legenda): © Ex-1º Cabo Gandra / Hugo Moura Ferreira (2006). 
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68; natural de Avintes, V. N. Gaia, é membro da nossa Tabanca Grande, nº 882; é autor de dois livrinhos de memórias da Guiné; tem página no Facebook... Vai fazer 81 anos no próximo dia 28 de fevereiro.

Gosto de reler o seu título "A minha jornada em África", com as as suas pequenas histórias do dia dia do HM 241 (Bissau), onde há uma sempre uma mistura de ternura, compaixão, humanidade, humildade, gratidão... e ironia". Tem uma boa memória.

Algumas delas tem perfeito cabimento na nossa série "Humor de caserna". Como esta que vamos aqui reproduzir, com a devida vénia, "Os Natais"...

Ele passou dois, no CTIG, o de 1966 e 1967. Um, o de 66, passado em família, a grande família do hospital, onde não faltaram oficiais e sargentos, médicos e enfermeiros, esposas que vieram da metrópole, etc., e onde não faltou nada do bom e do melhor... O de 67, bom... "também não foi mau", mesmo sem convidados... À boa melhor maneira portuguesa, ele justifica-se: havia quem estivesse pior, no mato...

Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau...

por António Reis


O de 66 foi um Natal passado em família, a família do hospital mais os convidados. 

As mesas forma postas cá fora; foram os oficiais médicos e os não médicos, os sargentos... Foram muitas esposas da metrópole para passarem o Natal.

Para quem estava habituado a pouco como eu, diria que nada faltou. Na nossa mesa andava, à vez, um de nós quase sempre de pé para desenrascar o que faltava.

Para quem estava em guerra foi um bom Natal, mas para que não esquecêssemos que estávamos em guerra, não faltaram  os helicópteros com mortos e feridos, por mais de uma vez, uma das quais com um capitão, já morto (**), e outra com dois furriéis gravemente feridos.

Um deles, se bem me lembro era uma figura do mundo do desporto, conhecido por "furriel boneco": ficaram ambos na minha enfermaria. Não me lembro se morreram os dois, mas pelo menos o "boneco" morreu. (***)

Assim se passou o Natal de 66, só que depois veio janeiro e passámo-lo, nós, as praças, a comer "bianda" (arroz) ao almoço e "bianda" ao jantar, para pagar a fatura do que foi gasto na noite de Natal.

No Natal de 67, como não foram  convidados nem médicos nem sargentos, nem ninguém estranho ao serviço, passámo-lo no nosso modesto refeitório, feito em hexágonos de cimento, tendo como telhado chapas de zinco, sem nada a lembar qiue era o Natal.

Não foi mau, porque outros o passaram metidos em abrigos que tinham furado, ou tinham sido feitos com camadas de troncos de árvores, e  a frazerem uma prece para chegarem ao dia seguinte.



Fonte: António Reis, "Os Natais". In: A minha jornada de África, 1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, pp. 75/76,

(Revisão/ fixação de texto, título: LG)

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Notas do editor:

(*) Ultimo poste da série > 11 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26377: Humor de caserna (94): "Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!... (Alberto Branquinho, "Cambança Final", 2013)

(**) Vd,. poste de 17 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4968: In Memoriam (32): Cap Mil Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, CART 1613, morto pelo Sold Cavaco, na véspera do Natal de 1966

(***) Não era alcunha mas apelido: "Boneca" e não "boneco": José Manuel Caracol Boneca, algarvio de Portimão...Vd. aqui os dois furriéis, gravemente feridos, que vão morrer no HM 241 na Consoada de 1966, ambos vítimas de rebentamento de uma armadilha, no Cachil:

Álvaro Nuno Florentino Condeço, fur mil at inf, CCAÇ 1423 / BCAÇ 1858, natural de Évora,

José Manuel Caracol Boneca,  fur mil sapador,  CCAÇ 1423 / BCAÇ 1858, natural de Portimão.


(****) Vd. poste de 18 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2361: O meu Natal no mato (4): Cachil, 1966: A morte do Condeço e do Boneca, CCAÇ 1423 (Hugo Moura Ferreira / Guimarães do Carmo )

sábado, 11 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26377: Humor de caserna (94): "Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!... (Alberto Branquinho, "Cambança Final", 2013)

Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa), advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970; ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), tem 140 referências no nosso blogue; é autor das notáveis séries "Contraponto" e "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".

Tem, pelo menos, 8 títulos publicados, desde 2005 a 2023.

Não foi apenas um grande operacional, como oficial miliciano, numa companhia como a CART 1689, a quem foi atribuída a Flâmula de Honra (ouro) do CTIG, em julho de 1967, como também é um dos melhores cronistas desta guerra, no género do humor picaresco.

 Para além do toque sempre subtil de humanidade, que ele sabe dar às suas histórias, é um mestre no uso da ironia fina. Numa escala de a 1 a 5, dou 4,5 pontos a este genial microconto: em escassa página e meia,  ele descreve magistralmente, numa só pincelada, o clássico quadro clínico das "sezões" (*) que nos apanharam a todos, no mato, e faz um retrato-robô, a corpo inteiro, do soldado português que tanto é bravo na guerra como é um pinga-amor, piegas, emocionalmemnte frágil, trágico-cómico, quando agarrado à cama de uma improvisada enfermaria do mato, chamando pela mãe ou pela mulher quando pensa que vai morrer... (LG)


"Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!

por Alberto Branquinho



− Ó meu alferes, o Angelino quer falar consigo.

O Angelino era um rapaz franzino, mediador de conflitos, sempre a tentar conciliar mesmo aquilo que parecia inconciliável. Mas, para tentar conciliar os desavindos,  não utlizava linguagem contida, cuidada. Pelo contrário, as suas tentativas  para conciliar as partes em confronto passavam por uma linguagem agressiva, insultando, até, os que estivessem a quezilar.

Estava, agora,  prostrado na cama, naquela espécie de enfermaria, que tinha uma porta de ligação para o quarto do furriel e do cabo, enfermeiros. Estava com paludismo. Era a sua primeira experiência.

Depois dos picos de febre, na área dos quarenta graus, vómitos, diarreia, tonturas, que o faziam gritar "Ai, que vou morrer!",  vinham os arrepios e estremeções que abanavam a cama como se estivesse a haver um terramoto.  A seguir, ficava de tal modo prostrado que parecia morto. Era aquela sensação de fim de mundo, apocalíptica, instalada na cabeça.

Quando recuperava da prostração e sentia que as tonturas iam regressar, agarrava-se aos ferros da cama para evitar ser arrastado, de novo, no rodopio infernal, que só existia dentro da sua cabeça. Regressavam, então, os vómitos.

Porque estava a demorar mais do que o habitual, o furriel enfermeiro estava preocupado e desejava, do fundo da alma, que houvesse um médico.

Depois de quatro (ou cinco?) dias de cama, começou, finalmente, a recuperar, a reter líquidos, a comer sopa. Parecia estar a estabilizar, mas sentia-se prostrado, sem forças. O furriel comunicou, então, ao capitão que o Angelino estava a melhorar e não seria necessário transportá-lo para a sede do Batalhão [BART 1913, Catió, S3]

Foi já nesse estado que o Angelino ouviu dizer que o alferes Abreu  iria nesse dia na Dornier [DO-27] para Bissau, para passar férias na Metrópole.

− Meu alferes, o Angelino quer falar consigo. 

O alferes mandou parar o Unimog à porta da "enfermaria". Saltou do carro, entrou e demorou uns segundos a adaptar-se à luz interior. Sentou-se na cama.

− Então, pá, isso está melhor ?!

As mãos do Angelino procuraram as do alferes, enquanto no rosto, macilento, barbudo, corriam duas lágrimas.

− Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela. Para este número.

O alferes não telefonou. O Angelino não morreu. Quando o alferes regressou, o Angelino, envergonhado, evitava encontrar-se com ele. 

In: Fonte: Excertos de Alberto Branquinho  - "Paludismo". In: Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos.  Lisboa,Vírgula,  2013, pp. 193/194.  (***)


(Título,  revisão / fixação de texto, itálicos: LG)  (Com a devida vénia ao autor e à  editora) 

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Notas do editor LG:

(*) A forma sezões é [feminino plural de sezão].

sezão (se·zão)
nome feminino

1. [Medicina] Acesso de febre, intermitente ou periódica, precedido de frio e de calafrios. (Mais usado no plural.)

2. [Medicina] Doença infecciosa causada por parasitas do sangue do género Plasmodium, transmitida ao homem pelo mosquito anófele. (Mais usado no plural.) = IMPALUDISMO, MALÁRIA, PALUDISMO

"sezões", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/sez%C3%B5es.

(**) Último poste da série > 10 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26369: Humor de caserna (93): o guardador das vacas do Enxalé que violou... a bezerrinha do furriel enfermeiro (João Crisóstomo, ex.afl mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)

(***) Alguns dos "microcontos" do autor, aqui publicados recentemente nesta série:

12 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25936: Humor de caserna (74): " O "Biró-lista", atirador de... morteiro (Alberto, Branquinho, "Cambança final", 2013, pp. 105-107)

22 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25866: Humor de caserna (70): um "tuga"... (de)composto, ou uma estória pícara num almoço fula (Alberto Branquinho, autor de "Cambança final", 2013)

27 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25689: Humor de caserna (68): Passa-palavra, furriel Canhão à frente! (Alberto Branquinho)

17 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25652: Humor de caserna (67): O Spínola teria-se-ia desmanchado a rir, se fosse vivo, e tivesse lido esta história do cabo Abel, contada aqui, em versão condensada, pelo nosso Alberto Branquinho

13 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25636: Humor de caserna (66): Fidju di bó... ou a língua afiada das mulheres guineenses (Alberto Branquinho)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26375: Pensamento do dia (28): "A gente, afinal, só se ri do mal que não faz mal a ninguém, nem a nós nem aos outros"... (Luís Graça)


1. Comentário ao poste P26369 (*):


Bom, João, não se pode dizer que é "humor... negro", porque a expressão (pelo menos, até há pouco tempo) é ou era "politicamente incorreta"... nem muito menos "humor... branco", para mais na tua "nova terra prometida", os "United States of America" (USA)... Seríamos logo apodados de racistas ou supremacistas...

Mas se a sentinela do Enxalé viu, é porque viu. É pressuposto a sentinela ver tudo, para lá e para cá do arame farpado... 

Portanto, a "tua" história só pode ser verdadeira e de resto tu estavas lá, entre as testemunhas (não por teres visto o "ato em si", mas por teres ouvido contar a cena e observado depois a reação do enfermeiro)...

Na época (c. 1965/67) não havia drones, por isso os nossos postes de vigia, no Enxalé,  estavam acima das nossas cabeças bem como do arame farpado. 

Algumas sentinelas tinham alucinações à noite (em Bambadinca um básico viu uma manada de elefantes ao pé do arame farpado, no meu tempo)...Não terá sido o caso do teu sentinela, que, pelo que contas,  era "de olho vivo", não lhe escapava nada ..
Mas essa "cena",  digamos,  de tipo "porno bizarro", e que ajudou a matar o tédio da tua sentinela,  não é coisa assim tão invulgar como isso, na vastidão dos nossos campos ou ou nos exíguos espaços dos nossos apartamentos... 

O comportamento sexual do "homo sapiens sapiens" (que é, antes de mais, um "bicho", um animal, primata, territorial, social e sexualmente promíscuo)...e qualquer que seja o seu fenótipo, tem uma amplitude maior que o espectro do arco-íris, as paleta do pintor, ou a imaginação do contador de "estórias"...

As parafilias, incluindo as zoofilias, são um catálogo quase infindável... E a internet está cheia de vídeos de zoofilias (pornográficas), em que os pobres  animais são vítimas de exploração sexual... (Mas, também é verdade, nunca vi os respeitáveis e púdicos partidos dos animais indignarem-se publicamente contra contra esta e outras violações dos direitos dos animais.)

Mas, abreviando... Esta "cena" diz muito sobre o "teatro do absurdo" que era aquela p*ta de guerra, bem como sobre a "miséria" do nosso quotidiano, nos Enxalés da Guiné... 

De facto, o que é que um gajo podia fazer entre duas "saídas para o mato" ou duas "colunas logísticas" até à vilória mais próxima (para se ir abastecer) ?... Nada, não havia programas de tempos livres, distrações, centros comerciais, restaurantes, cinemas, e coisas dessas... 

Então como se matava o tempo durante dois anos ? (Ainda por cima só havia duas estações, intermináveis, a da chuva e a do tempo seco, e a noite começava cedo como o caraças!)...

O leque de escolhas do combatente era muito limitado: dormir (mal), comer (porcamente), beber (muito, havendo cerveja e uisque), "jogar à lerpa", dar uns chutos na bola, escavar mais o buraco, ler e escrever aerogramas, contar anedotas (parvas), ir a Bissá comprar vacas, apanhar um "esquentamento"  (por causa de uma "cambalhota) ou uma "bilharziose" (por um simples mergulho  no rio ou travessia de uma bolanha),  e pouco mais... (E o pouco mais podia ser, por exemplo, uma minazinha A/P ou A/C, ou uma "bailarina" ou uma roquetada...).

Alguns de nós estavam à beira da loucura: a sorte da tropa é que não havia psiquiatras, e os loucos já viviam enterrados nos seus manicómios (do Enxalé a Missirá, de Mansambo a Guileje, de Jumbembém a Gadamael, do Xime a Canquelifa, etc., sem esquecer o manicómio maior que era Bissau, onde estavam os loucos mais famosos...).

João, no Enxalé, hoje estaríamos todos agarrados aos telemóveis (como estão, dizem os "mentideros" das redes sociais, os desgraçados dos soldados norte-coreanos arrebanhados para a guerra da Ucrânia, a devorar, pobres diabos, filmes pornográficos e a "tocar pívias" entre duas barragens de artilharia...).

Felizmente, João, que hoje aquele tipo de guerra, a do nosso tempo,  de guerrilha e contra-guerrilha ("subversiva e contrassubversiva", diziam os nossos "man...jores"), do toca-e -foge- senão - eu-mato-te, não mais é possível, de um lado e do outro... 

O pobre do Amílcar Cabral, se tivesse nascido setenta anos mais tarde, não ganharia coisa nenhuma, apenas a fama de ter chegado tarde demais à Guiné... Ou nem o Spínola, para se poder cobrir de "honra e glória"...

A Guiné está cada vez mais desflorestada... E com os satélites, os drones, os robôs, a inteligência artificial, o laser, etc., não há mais "heróis do ultramar" nem muito menos "combatentes da liberdade da Pátria"... 

Além disso, João, no nosso tempo havia a 5ª Rep, o Café Bento, onde, de um lado e do outro, se propalavam as pequenas grandes mentiras daquela guerra... Hoje tens uma gigantesca 5ª Rep, à escala mundial, globalizada, a trabalhar para os multimultimilionários que são os donos disto tudo...

João, começo a ter saudades das piedosas mentirolas do Café Bento... E até desses grandes dois grandes atores de opereta que eram o Cabral e o Spinola...

Mas valha-nos, ao menos, o humor de caserna!... Da "nossa caserna"....Saibamos cultivá-lo até ao fim dos nossos dias, sinal de que os nossos neurónios ainda não estão em curto-circuito...

Obrigado, mano, por este pequena preciosidade, que te ocorreu quando ias a caminho do teu ginásio, lá no teu "bairro" de Queens, em Nova Iorque... Não és só tu a rir-te sozinho com "cenas caricatas" (e afinal tão humanas) como estas, a do "dono" da bezerrinha atrás do patife do "djubi" violador... (Quiçá de bisturi em punho, já que o homem era o "barbeiro-sangrador" da companhia: eis um detalhe picaresco com que podes enriquecer a próxima versão desta "estória"...).

Às vezes também me apanho, a mim próprio, a rir sozinho de cenas destas (caricatas, estúpidas, humanas, inofensivas, inocentes, pícaras, deliciosas): a gente, afinal, só se ri do mal que não faz mal a ninguém, nem a nós nem aos outros)...

O nosso "humor de caserna baseia-se assim no velho princípio do "Primum non nocere" da medicina hipocrática (em primeir... Trocando por miúdos, pode- se dizer mal, mas não fazer mal... Nos tempos de correm, de atropelos á liberdade, há muita gente a confundir maledicência com maleficência ...

 (**)

Luís Graça
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Notas do editor: