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sábado, 23 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26185: Os nossos seres, saberes e lazeres (655): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (180): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Graças à amizade com mais de meio século, pude cirandar pelo essencial da ilha de Sta. Maria, tirar partido dos pontos altos que propiciam panoramas em escadaria, ver os terraços dos vinhedos, as baías lá ao fundo, sentir a heterogeneidade dos lugares saindo de Vila do Porto, passando por Almagreira, ver o encanto da baía da Praia Formosa, e tudo mais que Sta. Maria oferece, ilha com uma coreografia que a orografia oferece e nos assombra; porque há uma ilha relevada e depois um espaço que lembra uma planície, um tanto estéril, aqui se construiu um aeroporto que foi militar e depois civil, aqui termina o prazer de uma viagem decorrente de um prémio imprevisto ganho no início de março, era um domingo soturno, na Bolsa de Turismo de Lisboa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (180):
Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental – 9


Mário Beja Santos

O dia de hoje promete, o meu querido amigo José Braga Chaves leva-me até ao aeroporto de Santa Maria, quero saber um pouco mais sobre essa pista que foi uma das maiores do seu tempo, por aqui foram evacuados os contingentes que regressaram do Japão, finda a guerra desmantelaram-se velhos barracões e ergueram-se edifícios novos, o aeroporto tornou-se português, e durante anos foi de grande importância. Na véspera adormeci a acabar a leitura do livro Ilha de Gonçalo Velho, de Jaime de Figueiredo, é uma 2.ª edição de 1990. Pergunto-me de quando terá sido a primeira, tem para aqui parágrafos de indiscutível potência crítica:
“A vida na pequena ilha açoriana era difícil e custosa até meados do século passado. Não havia empregos e, portanto, as soldadas não chegavam para o sustento mais elementar. Meia dúzia de ricaços possuía as terras de pão e de mato, as vinhas e as quintas, os gados e as alfaias: arados, carros, moinhos e lagares. Um deles punha dez carros de boi ao caminho e vinte trilhos na eira da debulha.
Os trigos, moios e moios, iam por sua conta, em navios próprios, vender-se no mercado de Lisboa.
O pobre, sem eira nem beira, vivia no seu casebre, mal vestido a alimentado. Em anos ruins comia bolos de fetos e papas de carrilhos, vestindo um longo saio de estopa. Como refrigério, só tinha a missa do domingo; no mais, era lidar do berço à cova, em terras foreiras, para entregar o fruto do seu trabalho, no fim da colheita, aos donos dos campos lavradios – a enfiteuse tornou-se quase uma escravidão!
Por essa altura começou a corrente de emigração para os Estados Unidos. Os poucos dos rapazes, na viagem de regresso vinham recheados de pesos e de águias, metidos em grandes cinturões. Daqui nasceu um vaivém de gente moça, por fim o êxodo de famílias inteiras, quando se acharam as minhas de ouro do Pacífico. Quase todos os que voltaram, enriquecidos e opulentos, remiram as terras foreiras, embora à custa de onerosos laudémios, acabando por emprestar o seu dinheiro aos velhos morgados, cheios de dívidas e hipotecas. Então, deu-se a inversão na riqueza: a grande lavora, o latifúndio, começou a dividir-se, a retalhar-se, a entrar na posse do emigrante – o ‘calafona’. Este, poupado e industrioso, de braço afeito ao trabalho, lavou as courelas, tratou dos pomares, virou as fajãs, criou gados e plantou vinhas.”
Resta saber a sequência deste ciclo histórico.
Lá vamos para o aeroporto, não se ouvem nos ares os quadrimotores Skymasters, nem os bimotores Dakota nem os aviões de caça Aircobras, o movimento na área do aeroporto é dado pela movimentação dos carros e algumas pessoas pelas ruas, o Zé vai-me mostrando sinais do passado, vejo um daqueles armazéns que ainda se podem encontrar nos campos de Inglaterra, também construídos durante a Segunda Guerra, e gostei muito daquela quase instalação de peças que vieram dos EUA para acelerar a construção do aeroporto. Aqui houve um quartel-general. Jaime Figueiredo escreve:
“A parte central do campo de aviação ocupa uma área de cerca de 6 km2, sendo 2 de largura e 3 de comprimento. Nem sempre todo o perímetro estava defendido por alta vedação de arame farpado, o que obrigava a ser vigiado, nas proximidades, por polícia norte-americana e portuguesa, servindo-se de velozes motocicletas.”

O Zé faz questão de me levar a um conjunto de pequenas empresas, o pretexto fora dado por mim, quero comprar biscoitos de orelha, ele leva-me então a uma pequena fábrica, quem ali trabalha acedeu alegremente como se põem as mãos à obra.

Almoçamos num espaço em Vila do Porto, logo a seguir vou cumprimentar a presidente da edilidade, Bárbara Chaves, trocamos lembranças, agradeço-lhe as gentilezas. E haverá novo périplo, paragens em miradouros inesquecíveis, já começou a larvar a nostalgia da partida, foi uma viagem singular, um encontro irrepetível, não me passara pela cabeça tão graciosos panoramas.

Parto no dia seguinte. Antes, porém, o Zé faz-se uma surpresa de trazer um outro recruta dos Arrifes, volto a outubro de 1967, um abraço mais do que amistoso, temos aquela tendência um pouco lúgubre de começar a conversa pelos muitos que já partiram, seja para as estrelinhas ou para a emigração, é inevitável a promessa de voltar. Por mim estou pronto, fixei os nomes de Santo Espírito, Santa Bárbara, a Baía dos Anjos, S. Pedro, as Baías da Maia e de S. Lourenço. E aqui termina o resultado de um prémio que ocorreu na Bolsa de Turismo de Lisboa e que me levou à Ribeira Grande e Vila Franca do Campo, em S. Miguel, e a conhecer tão bem a ilha de Sta. Maria, é sempre bom aterrar em terras arquipelágicas, está imensamente justificado como guardo os Açores no meu coração.

Recordação de uma infraestrutura do tempo da guerra, junto do aeroporto de Santa Maria
Quatro imagens que recordam a chegada de maquinaria vinda dos EUA, contribuíram para construir o aeroporto em tempo recorde
A preparar biscoitos de orelha, uma das especialidades genuínas de Santa Maria
Claustro do Convento de S. Francisco, instalações que pertencem à Câmara Municipal de Vila do Porto
Uma escultura no pátio do claustro
Uma janela antiquíssima que nos faz pensar nos primeiros povoadores, capitães donatários, janela Quinhentista num prédio da Rua Gonçalo Velho
Um pormenor do Forte de S. Brás
O Forte de S. Brás, uma outra perspetiva, a da sua Porta de Armas
Padrão de cantaria em homenagem aos tripulantes do Caça-Minas Augusto de Castilho, obra de Raul Lino, Forte de S. Brás, Vila do Porto acolheu-os depois de terem feito uma longa viagem, destruído o caça-minas pelos alemães
Uma imagem de rua de Vila do Porto antes da obra de Real Bordalo, naquela parede ao fundo
Um dos mais belos ilhéus de Santa Maria, o do Romeiro
Imagem tirada do miradouro do Pico Alto
Miradouro dos Picos
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Nota do editor

Último post da série de 16 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26160: Os nossos seres, saberes e lazeres (654): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (179): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (8) (Mário Beja Santos)

Guiné61/74 - P26184: Notas de leitura (1748): "A pesca à baleia na ilha de Santa Maria e Açores", do nosso camarada e amigo Arsénio Puim: "rendido e comovido" (Luís Graça) - Parte II

 



Capa do livro de Arsénio Chaves Puim, "A Pesca â Baleia na Ilha de Santa Maria e Açores" (Ponta Delgada: Letras Lavadas Edições, 2024, il., 160 pp. (Fotografia da capa_ Porto do Castelo e Encosta do Farol Gonçalo Velho, Arquivo Fotográfico de Max Frix Elisabeth)


1. Estamos a publicar algumas notas leitura do último livro do nosso amigo e camarada Arsénio Puim (*), que, "noutra incarnação", foi alferes graduado capelão, na antiga Guiné Portuguesa, na CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)... Não chegou a acabar a comissão porque os senhores da guerra consideraram-no "persona non grata" no território, sendo expulso em meados de 1971. (**)

Voltou aos Açores. Continuou a exercer o múnus espiritual durante mais uns anos, fez enfermagem, casou, foi pai, é agora avô, continua igual a ele próprio, um grande açoriano e ainda um melhor ser humano.

A "nota introdutória" que ele escreveu para este seu último livro (edição revista, aumentada e melhorada do livro de 2001, "A pesca da baleia na ilha de Santa Maria"), diz muito sobre o amor a sua terra e às suas gentes. 

Nós que, quando putos e continentais, nunca conhecemos o alvoroço e a excitação da baleação no arquipélapo dos Açores (nem vimos baleias ao vivo), somos agora remetidos, ao ler o Puim, para esses tempos da sua infància, adolescència e juventude quando o seu "chão", a freguesia, Santo Espírito, e a sua terra natal, Calheta, eram o centro da atividade desta atividade (que, no séc. XX durou ainda cerca de 4 dezenas de anos, até 1985). 

Puim fala da sua gente, pobre e insular, e da sua luta pelo "pão nosso de cada dia".  Ele fala-nos de algumas centenas de marienses baleeiros (e conta-nos histórias de um punhado deles), a maioria dos  quais do seu sítio,  Santo Espírito... Ilhéus (a que há de acrescentar mais alguns, de Cabo Verde, Graciosa, São Miguel ,Pico, Faial...), "homens humildes e afoitos que, numa luta dura e perigosa, quase corpo a corpo, com o maior mamífero da Terra, ganhavam dignamente o pão de cada dia para e para os seus" (pág. 27)... E " dois deles tombaram no exercício desta atividade, ainda primeira fase da baleação " (o remador mareensee António Puim,  e o mestre cabo-verdiano Henrique  da Veiga, em 1897 e em 1901, respetivamente).

Lembra ainda o autor, neste prólogo (que a seguir se transcreve na íntegra, com a devida vénia), que "a pesca à baleia em Santa Maria, como nas restantes ilhas açorians, nunca enverdou por processos intensivos e exterminadores deste cetáceo, adotados noutros pontos do globo" (pág.23)... Pelo contrário, era um atividade de economia de subsistência, sazonal, costeira e artesanal, "em pequenos barcos de propulsão a remos e à vela, por regra com o arpão e a lança de arremesso manual, o que, necessariamente, manteve as capturas em níveis moderados e o equilíbrio biológico desta espécie" (pág. 24).

A baleação teve, naturalmente,  impacto económico e social na ilha (como no resto dos Açores),  criando riqueza e emprego, direta e indiretamente (vd. cap. 4, pp. 99-120). 

De 1937 a 1966, foram capturados, na ilha de Santa Maria, 841 cachalotes, ou sejam, 5,6% do total das capturas no arquipélago (=14929), produzindo um pouco mais de 1,9 milhões de quilos de óleo, ou seja, 3,7%  do total dos Açores (=51,2 milhões de quilos).
O valor do õleo, em escudos,  na ilha de Santa,  totalizou 7 milhões , ou seja, 3,2% de um total de c.  219,3 mil contos (sem atualizaçáo dos valores com base nas taxas de variação do IPC - Índice de Preços no Consumidor). (Fonte: Puim, 2024, pág. 109; em relação à produção de óleo e ao seu valor monetário, os dados são omissos ou incompletos para os anos de 1938, 1939, 1945 e 1946).

Mas há outros aspetos, para além dos socioeconómicos, que devem merecer a atenção do leitor, e que abordaremos em próxima nota. Por exemplo:

"Ainda hoje lembro a angústia,  silenciosa, da minha Mãe (igual à de outras mães e esposas) sempre que os botes largavam do  porto do Castelo  para o alto mar à caça da baleia, até que entrassem  novamente em casa - às vezes a altas horas  da noite -  os seus dois filhos baleeiros" (pág. 103).

 

















Fonte:  Excertos de  Arsénio Chaves Puim, "A Pesca â Baleia na Ilha de Santa Maria e Açores" (Ponta Delgada: Letras Lavadas Edições, 20123, il., 160 pp., preço de capa: c. 18 euros), pp. 21-26.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 22 de novembro de 2024> Guiné 61/74 - P26180: Notas de leitura (1746): "A pesca à baleia na ilha de Santa Maria e Açores", do nosso camarada e amigo Arsénio Puim: "rendido e comovido" (Luís Graça) - Parte I

(**) Vd. poste de 8 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22181: Os nossos capelães (16): Arsénio Puim, vítima da ira de César por mor de Deus e da sua consciência de cristão e português (Luís Graça, "O Baluarte de Santa Maria", maio de 2021)

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26180: Notas de leitura (1746): "A pesca à baleia na ilha de Santa Maria e Açores", do nosso camarada e amigo Arsénio Puim: "rendido e comovido" (Luís Graça) - Parte I

 


Capa do mais recente livro do nosso camarada Arsénio Chaves Puim, "A Pesca â Baleia na Ilha de Santa Maria e Açores" (Ponta Delgada: Letras Lavadas Edições, 2024, il., 160 pp., preço de capa: c. 18 euros)

Dedicatória ao nosso editor Luís Graça e esposa Maria Alice Carneiro: 

"Ao meu querido grande amigo Luís Graça e sua esposa, com muita estima e consideração e os melhores votos. Vila Franca do Campo, 27 de outubro 2024. Arsénio Chaves Puim".


Sinopse > A Pesca à Baleia na Ilha de Santa Maria e Açores


«Com o livro '
A Pesca à Baleia na Ilha de Santa Maria', o investigador / escritor Arsénio Puim vem tirar a sua ilha do obscurantismo nesta saga, dando-lhe (também) a relevância merecida, assim como dar precioso contributo para a história mais alargada e profunda da Baleação nos Açores, agora mais enriquecida com a presente obra.

"O livro 'A Pesca à Baleia na Ilha de Santa Maria', para além de compulsar o enquadramento histórico da saga, nesta ilha, desde a influência à implantação local; a destrinça das duas épocas da baleação ocorridas; registos de vivências bem-sucedidas ou fatídicas e o relevante impacto socio-económico da atividade, incorpora também um importante 'Glossário Baleeiro', de base fortemente oral e com formas aportuguesadas de empréstimos do Inglês (influência americana)".


José de Andrade Melo (autor do prefácio, op cit, 
pp. 17-20).

Sobre o autor: Arsénio Chaves Puim

(i) Nasceu em 1936 na ilha de Santa Maria, no lugar da Calheta,, freguesia de Santo Espírito, onde se situa o porto baleeiro do Castelo;

(ii) Fez os estudos primários na sua freguesia natal e completou, no Seminário de Angra do Heroísmo, o Curso de Teologia, tendo exercido o ministério sacerdotal até 1976;

(ii) No mesmo ano, concluiu o curso de enfermagem na Escola Superior de Enfermagem de Ponta Delgada e exerceu esta profissão até 1995;

(iv) Em Santa Maria, foi também professor de Português e História no Externato, exerceu os cargos de Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Vila do Porto, e foi co-fundador do Museu Etnográfico de Santa Maria e do jornal “O Baluarte de Santa Maria”, do qual foi o primeiro diretor;

(v) Vive desde 1982 em Vila Franca do Campo, onde desenvolveu uma ampla participação cívica, designadamente como membro de diversos órgãos autárquicos, Mesário da Santa Casa e, ainda, como redactor principal do jornal “A Crença”;

(vi) Arsénio Puim publicou, desde 2001, quatro livros no domínio da história e etnografia açorianas, particularmente da ilha de Santa Maria;

(vii) Em 2009, foi agraciado com a Medalha de Cidadão Honorário e de Mérito Municipal, atribuída pela Câmara Municipal de Vila Franca do Campo.

Fonte: Letras Lavadas Ediçóes, Ponta Delgada

... (vii) "last but not the least", foi nosso camarada no TO da Guiné, como alf mil graduado capelão, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72); é membro da nossa Tabanca Grande, autor da série "Memórias de um alferes capelão"; tem 76 referências no nosso blogue.

1. Quando um autor escreve isto:

(...) "Nasci, criei-me e vivi num meio baleeiro. Assisti às arriadas e às varadas dos botes, vi muitas baleias e o seu processamemnto, quer de cardume quer bules (...) grados (um deles tinha o excecional comprimento de 21,80 metros), comi pão frito no azeite a ferver dos caldeiros, fui alumiado, em criança, pela luz do óleo de baleia, convivi dia a dia com baleeiros e aprendi a linguagem e cultura baleeiras desde os primeiros anos de vida" (...)

... Um leitor como eu fica logo rendido (e comovido), lendo o resto do livro de um fôlego (160 pp., ilustradas com 29 figuras, 6 mapas e 6 quadros, incluindo mais de 60 referências bibliográficas, 180 notas de rodapé, e mais de 4 dezenas de termos do "glossário baleeiro açoriano".

De repente, descobres que estamos a falar de um experiência humana do passado, única, irrepetível, fortemenete ligada à identidade e à sobrevivência de um punhado de homens e suas famílias, numa ilha (e num arquipélago) perdida no Atlàntico.... 

Felizmente que hoje já não se caçam cachalotes e outras espécies de baleias em águas territoriais portuguesas,  mas tu não podes ficar indiferente à saga baleeira nem à gesta dos nossos pescadores do bacalhau, e dos demais homens ( e mulheres) do mar. De resto, tens uma costela de toda essa brava gente que de há séculos afronta mas respeita o mar e todos os seres que nele habitam.

Arsénio, não é apenas por cortesia e por camaradagem que estou a fazer esta e outras notas de leitura do teu livro.  Obrigados, eu e a Alice,  pelo teu livro com dedicatória. Foi uma bela prenda de Natal. Vamos falando.

(Continua)

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sábado, 16 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26160: Os nossos seres, saberes e lazeres (654): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (179): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Com uma certa inquietação quanto ao rigor dos itinerários que acompanham a sucessão das imagens, negligenciado o uso de anotações do caderninho do viajante, sinto que é um certo destempero entre o que se passou neste segundo dia e a fixação das imagens, paciência. Olhando para o mapa, sei que andei pela costa sul, que estive no Farol da Maia, que passei pelo Santo Espírito, ali funciona a outra parte do Museu Municipal, estava encerrado, o passeio progrediu por Sta. Bárbara e S Pedro, com regresso a Vila do Porto. À tarde, o meu querido amigo José Braga Chaves levou-me à baía de S. Lourenço, estivémos no miradouro dos Picos, mas sei também que estive no Pico Alto, não me aparece no encadeamento das imagens, logo se verá, e depois fomos aos Anjos, costa norte, um mar soberbo, conheci uma parte da sua família, jantei em sua casa, um dia e tanto, deve ser da idade, emociono-me muito, parece que foi há bem pouco que lhe dei a recruta no quartel a 7 km de Ponta Delgada.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (179):
Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental – 8


Mário Beja Santos

No fim do primeiro dia tão emocionante em Sta. Maria, procurei pôr as leituras em dia, o mesmo é dizer que dei toda a atenção ao livro Ilha de Gonçalo Velho, de Jaime de Figueiredo, teve a sua 1.ª edição em 1954, esta 2.ª edição que manuseio é de 1990. Registo alguns aspetos que me chamaram à atenção: que nos anos em chove a tempo, caindo boas aguinhas, poderá haver bom trigo de caldeação, nas terras de sequeiro, milhos nas leiras do interior, cevadas para torrefação, batatas, nabiças, inhames, vários legumes, e entre eles a lentilha chamada bonita ou veniaga; fruta, pouca, mas nas fajãs da beira-mar apanham-se uvas excelentes: isabela, verdelho, diagalves, bastardo, sabrainho, mourisco, alicante e moscatel.

Dirá o leitor que isto são insignificâncias para o roteiro da viagem, faço o possível para entender a natureza do meio, é esta que dinamiza a pessoa de quem procura entender-me. Continuando, fico a saber que se explora a pedra de cal e o almagre, para tingir as louças grosseiras (deve ser coisa do passado); as madeiras são a acácia e o viático, para a marcenaria; a giesteira e o eucalipto, para a tanoaria; o pinheiro e a criptoméria para as construções; a pescaria é rica, tem bonitos e cavalas, badejos e garoupas, abróteas, chernes, polvos, lapas e búzios e muito mais. Talvez influenciado pelo que vi na rota das olarias, vejo que os marienses exportavam barro em bolas, possuíam a melhor argila. Seguramente que aquilo que o autor escreveu em 1954 já foi eliminado pela sociedade de consumo:
“A indústria fazia-se por processos rotineiros: nas tendas de oleiros e telheiros, e nos fornos primitivos; ao ar livre, batem-se as bolas de argila, que se contam nas medidas de talhas e caminhos; nos teares rústicos, tecem-se as mantas e colchas, quando há sombra, a dona da casa leva a cardar, a fiar e a fazer obra de lã – meiotes e camisolas para os embarcadiços; no zagões, em dias de chuva, com a trança de palha e vimes, armam-se chapéus e maletas, cestas e baleios, açafates e canastras; e mói-se o cereal, em farinha ou em carolo, nas azenhas, ao longo das ribeiras; nas atafonas, puxadas por jumentos; e nos moinhos, bracejando os velames enfunados…”

Gosto destas imagens do passado, as festas em Espírito Santo, o casario em Valverde, uma imagem de O Figueiral, o Farol de Gonçalo Velho que alguém me disse que é o Farol da Maia, ali perto está o ilhéu do Romeiro, as fotografias do aeroporto, o bairro residencial, que irei visitar mais tarde, o Forte de S. Brás. O dia começa com nova emoção, desta feita enquanto tomo o pequeno-almoço aproxima-se um homem da minha idade, quase ciciando, pedindo licença pela intrusão, pergunta-me se eu conheço um blogue chamado Luís Graça, que ele acompanha religiosamente lá nas Américas onde vive. O episódio já está contado no blogue, irei acompanhar a mulher que me quer mostrar a casa onde viveu na infância.

E vai começar a minha manhã de viajante.

A propensão habitual é de captar imagens de cima para baixo, o desfrute da amplidão da panorâmica, onde não falta aquele azul-marinho que me recorda a Grécia. Pedi licença para sair da viatura e fixar esta imagem, sempre me impressionou o céu nublado, esta preocupação de plantar nas bermas, fixo-me no céu e à minha maneira sai-me uma reza de gratidão por estes privilégios de que sou cumulado.
Poderá ser uma banalidade, nas ilhas, é do senso comum, há estes rochedos abruptos, parece que toda esta costa alinhada se agiganta como uma fortaleza inexpugnável, mas o que verdadeiramente me sensibiliza é o contraste da massa rochosa a abraçar este oceano que nesta costa tem ondulação serena.
No livro de Jaime de Figueiredo ele fala no Farol de Gonçalo Velho, quem me acompanha chamou-lhe Farol da Maia, a perspetiva é impressionante, mas um pouco mais adiante pedi para voltar a sair do carro, maravilha-me o trabalho do homem a esquadrinhar, uma terra que se pensava ser estéril, é uma encosta vinhateira que nos encanta.
O Barreiro da Faneca, conhecido por “deserto vermelho”, enfeitiça o visitante com a sua superfície ondulante e suave, com tonalidades várias consoante a hora do dia. Em toda a região açoriana não há um deserto como este.

Eu quero confessar ao leitor que saboreio estas impressionantes paisagens, ando um tanto à deriva, confiando numa memória que já não funciona como dantes, já não sei se estou em Santo Espírito, em Santa Bárbara ou S. Pedro, não para de farejar com este fenómeno para mim insólito desta ilha que tem 17 km de maior extensão e uma superfície de 97 km2 ter tal e tanta profusão de paisagem, é claro que no primeiro e neste segundo dia ando por lugares acidentados, a planura ficará para quando visitar toda a região do aeroporto, não foi por acaso que o ali o instalaram e fizeram em tempo prodigioso aquela pista que tanto serviu no fim da guerra como depois importante aeródromo civil.

Uma vista do miradouro dos Picos
Baía de S. Lourenço

Em outubro de 1967, o navio Carvalho Araújo aqui aportou para largar mercadoria, ainda fomos a terra, tudo me encantou, disse para mim que um dia havia de voltar e pela gravura junta se pode perceber como este panorama está na lista dos mais famosos que a ilha de Sta. Maria oferece, as diferenças em mais de meio século são enormes. Não retive a informação da infraestrutura portuária, agora é estância turística e não me posso esquecer que havia ali uma caixinha com oferta de livros e encontrei um livro de Georges Simenon que não conhecia, um policial imaginativo que devorei até Lisboa.
Aeroporto de Sta. Maria, a torre de controlo moderna e a do antigamente. Volto à leitura de Jaime Figueiredo, ele fala do movimento ininterrupto nas pistas dos quadrimotores, bimotores e aviões de caça. “Quando da evacuação dos exércitos até do Extremo Oriente, ali vinha pousar todos os dias, num meio de barulho ensurdecedor, mais de uma centena de aparelhos, de regresso aos EUA. A parte central do campo de aviação ocupa uma área de cerca de 6 km2, sendo 2 de largura e 3 de comprimento.” E o publicista recordará que finda a guerra a ilha era a placa giratória entre a América, África e Europa, aviões que ligavam as maiores capitais: Nova Iorque, México, Havana, Caracas, Lisboa, Madrid, Paris, Roma e Londres. “Em 1948, no pleno auge do aeroporto, era espantoso e esmagador o novo tráfego comercial, que chegava a parecer inverosímil! Alguns números bastam para o afirmar de modo eloquente: 330 embarcações, 2168 aeronaves; 61.958 passageiros.”
Uma recordatória da ANA alusiva aos 65 anos do aeroporto. Em 1968, quando convidei a minha mãe a visitar S. Miguel, com o apoio de amigas que a acolheram, ela viajou de Lisboa para Sta. Maria e daqui para o chamado Aerovacas, não sei precisar o local, talvez na freguesia da Maia, era uma boa planura, dado o sinal da hora de chegada, as vacas eram meticulosamente afastadas para que o bimotor aterrasse em segurança.
Pormenor das pistas do aeroporto de Santa Maria
Ermida de Nossa Senhora dos Anjos, na freguesia do mesmo nome

A Ermida de Nossa Senhora dos Anjos está localizada à entrada da povoação de Anjos, na paroquia de São Pedro da Ilha de Santa Maria, Açores, Portugal. Esta modesta ermida do século XIX está carregada de história, pois junto a ela permanece em pé um arco da primitiva capela em que Cristóvão Colombo rezou, após largar âncoras na baía do Cré, no ano 1493 no seu regresso da sua viagem de descoberta da América. A igreja original foi construída em madeira e com teto de palha, e reconstruída em alvenaria de pedra entre 1460 e 1474. Em finais do século XIX sofreu obras de restauração que resultaram na sua imagem atual.
Imagem tirada perto da Praia Formosa

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 9 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26131: Os nossos seres, saberes e lazeres (653): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (178): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (7) (Mário Beja Santos)

sábado, 9 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26131: Os nossos seres, saberes e lazeres (653): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (178): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Foi uma chegada a Vila do Porto, com pompa e circunstância. Faz-se uma boa caminhada entre casario e lavoura, segue-se uma longa descida até dar com um largo e um belo convento, na Rua do Cotovelo, pergunta-se pela biblioteca, sugere-se que vá à Casa dos Fósseis, é aí que se dá o milagre da ressurreição dos vivos, quando me sentar no Museu Municipal, umas centenas de metros mais abaixo, a começar e ler um livro ali comprado A Ilha de Gonçalo Velho há uma chamada telefónica do sr. João a dizer que o pai descobriu o sr. José Braga Chaves, este pede contacto imediato, do imediato se chega à fala, e estes dois amigos, um que foi aspirante oficial miliciano e o outro seu soldado recruta, se vão abraçar e encontrar frequentemente durante aquela curta estadia, cada um tem uma história para contar, mas o mais importante foi o que se passou nos Arrifes e em Ponta Delgada, onde firmaram amizade, onde este mariense, conhecido como o mestre do karaté consertou um dedo repuxado na clínica do dr. Furtado Lima, intervenção cirúrgica que paguei em prestações suaves, e onde amigos queridos acolheram o convalescente, todos já partiram para as estrelinhas, nós ainda cá ficámos a luzir. E a viagem por Sta. Maria continua.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (178):
Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental – 7


Mário Beja Santos

Recordo que durante a viagem até ao aeroporto de Sta. Maria me senti enfurecido por não ter devidamente tratado a questão do ciclo da laranja, uma riqueza que brindou ilhas açorianas particularmente nos séculos XVIII e XIX, e que uma sucessão de pragas extinguiu. No ponto mais alto do Museu Municipal de Vila Franca do Campo falou-se exatamente da laranja, que se deu muito bem nestes solos de origem vulcânica, formados por basaltos, tufos, traquites, lavas e pedra pomes. A chamada laranja doce foi cultivada especialmente em S. Miguel, mas também na Terceira, Faial e Pico. Gaspar Frutuoso fala deste citrino em quase todas as ilhas do arquipélago, com exceção da Graciosa, Flores e Corvo, o principal mercado para onde se exportava laranja era o Reino Unido. Paciência, voltarei à questão quando aqui voltar, juro a mim próprio.
Busco alguma documentação para me orientar, é uma brochura intitulada Sta. Maria para pessoas curiosas: nesta ilha encontram-se fósseis marinhos raros com milhões de anos e as suas jazidas fossilíferas, com relevância internacional, são um verdadeiro laboratório ao ar livre; a extração do barro foi durante muitos anos uma atividade económica de relevo na ilha e a intensidade das trocas comerciais entre Vila do Porto e Vila Franca do Campo levou a que fossem geminadas; Sta. Maria serve de habitat à ave mais pequena da Europa: a Estrelinha de Sta. Maria. Arrumados os tarecos no hotel, faz-se uma longa caminhada até se chegar a Vila do Porto, pergunta-se onde é o Museu Municipal, uma solicita senhora manda seguir em frente, olhe, depois daquela igreja, siga pelo passeio da direita, passa pelo convento e a Câmara, mais adiante tem a Casa dos Fósseis, aí lhe dizem como vai chegar rapidamente ao museu.
E assim foi, dá-se com o largo, ainda todo engalanado, uma ermida aberta com a imagem do Senhor Santo Cristo, uma bela talha, uma réplica da imagem guardada no Convento de S. Francisco em Ponta Delgada.

Senhor Santo Cristo dos Milagres, da capelinha junto ao Convento de S. Francisco
Convento de S. Francisco e a entrada para a Câmara da Vila do Porto à esquerda
A Estrelinha de Sta. Maria, obra de Bordalo II, no largo do Convento de S. Francisco
Casa dos Fósseis ou Centro de Interpretação Ambiental Dalberto Pombo, Vila do Porto

O sr. João é um jovem muito amável, vejo-o empolgado em mostrar-me o acervo legado de Dalberto Pombo, é nos explicada a riqueza dos fósseis e aquela particularidade que distingue Sta. Maria das demais ilhas, submergiu alguns milhões de anos, veio depois à superfície, assim se explica como uma parte da ilha é bastante plena (foi aí que se construiu o aeroporto de Sta. Maria, durante a Segunda Guerra Mundial) outra parte com bastante relevo e muito declivosa. Perguntou ao sr. João onde é a conservatória, ele questiona se venho comprar, não venho comprar nem vender, meu caro senhor, pretendo saber se está vivo e aqui reside José Braga Chaves, dei-lhe a recruta nos Arrifes, em S. Miguel, ficámos grandes amigos, por vicissitudes da vida há muitas décadas que não sabemos um do outro, tenho por ele uma profunda estima. O sr. João responde que ele deve ser parente do pai, o pai tem apelido Braga, dê-me o seu telemóvel, vou conversar com o meu pai, a ver se lhe vou dar uma boa resposta. Quanto ao Museu Municipal é só descer esta rua, do lado esquerdo.
Aqui arribei, tenho os pés moídos, a curiosidade pelos livros está sempre desperta, compro Ilha de Gonçalo Velho, por Jaime Figueiredo, instalo-me num cadeirão estofado, fico a saber que a ilha mede cerca de 17 km e tem uma superfície de 97 km2, dista 780 milhas de Lisboa e 2285 de Nova Iorque. Há as costas de arribas e alcantis, furnas e grutas, cheias de sedução e mistério, é o caso da furna de Santana e a do Romeiro. Estou nesta leitura da origem vulcânica, nos filões sedimentares de calcário miocénico quando toca o telefone, o senhor está cheio de sorte, o meu pai sabe muito bem de quem o senhor está a falar, esse senhor é o mestre do karaté, telefonou-lhe logo, o senhor Chaves está em pulgas, pediu para lhe dar o número de telefone, agradeço-lhe tudo sr. João, não agradeça, volte sempre, já que gostou do museu, ligo para o Zé Braga Chaves, são duas vozes exaltadas, taramelas, soluços, estou no Museu Municipal, pois eu dentro de minutos vou aí, tal como aconteceu, os dois velhos correm um para o outro, o rececionista do museu, sabiamente, mesmo cheiinho de curiosidade, afasta-se de uma cena íntima, temos a sábia prudência de voltar a 1967, aos marienses que não puderam passar o Natal na sua terra, a festa que se pôde organizar, as prendas para os soldados do pelotão, as senhoras de Ponta Delgada até foram buscar o comandante militar e a mulher para a festa que decorreu numa garagem toda forrada de criptomérias, o Botas a fazer de Pai Natal e a dar embrulhinhos às crianças, até houve missa cantada e depois um repasto especial. Fomos a um café onde pedi uma Kimba de maracujá, falámos depois das nossas guerras e é nisto que o Zé me pergunta por quanto tempo venho, qual o meu programa, só tenho programa amanhã de manhã, então vamos já buscar o carro e começar a conhecer a ilha, assentámos que eu sou o Mário e ele o Zé, então fica assim, a emoção é de tal ordem que me escusam de perguntar qual foi exatamente o itinerário percorrido, o que recordo é que saímos de Vila do Porto por uma estrada que levava a Praia Formosa, casario aqui, casario acolá, muito oceano à vista, na minha inocência perguntei-lhe se aquela enseada de Praia Formosa tinha a ver com São Lourenço, naquele outubro de 1967 o Carvalho Araújo aportou em frente a São Lourenço, ali se descarregou mercadoria, tivemos oportunidade de vir a terra num barquinho, ficara agradado. O Zé respondeu-me que amanhã o passeio seria até à baía de São Lourenço, mas olhe que há grandes diferenças, pronto lhe respondi que ainda bem, a minha grande alegria é ver como toda esta região medra e se dignifica. É pá, explica-me lá porque te chamam mestre do karaté. E ele explicou.

Museu Municipal de Vila do Porto, no centro da vila
Pormenor das janelas do Museu Municipal
Vista panorâmica da Praia Formosa
Ocasião acertada para fotografar o José Braga Chaves
Outro pormenor da Praia Formosa
Acertei com o Zé programa para a tarde de amanhã, ele insiste que quer fazer em sua casa um jantar para mim, agradeço-lhe muito. A manhã do dia seguinte, tanto quanto em recordo, já que atingiu o cúmulo do desleixo e nem me lembro de meter no bolso o caderninho viajante, é um itinerário que passa por Praia Formosa, segue para a Maia, estamos na Costa Norte, fico maravilhado com os vinhedos em terreno tão penhascoso, mal comparado lembra a organização do terreno na ilha do Pico, onde se produz o seu vinho, mas a imaginação puxou mais longe, até parecia uma construção maia, que beleza de terraços, ver a vida a nascer entre aquelas barreiras de pedra. O pessoal da Câmara de Vila do Porto é atencioso e gentil, o senhor esteja à vontade, pergunte o que quiser, como eu já conhecia a brochura, perguntei se já era tempo da meloa de Sta. Maria, onde seria possível comer uma sopa de Espírito Santo ou caldo de nabos, como eram os vinhos, e vieram explicações de quem gosta de satisfazer o perguntador.
Pormenor da vinha de Sta. Maria
A cascata do Aveiro, uma das atrações turísticas a que ninguém se quer furtar, tivesse eu vindo pela invernia que a água seguramente escorripichava em cachão, agora são aqueles fiozinhos de água, mas não deixa de ser impressionante.
Um belo pormenor da Costa Norte, o casario lá no sopé do rochedo. Pouco dei pelas ribeiras, parece que no verão desaparecem, pelo que li há duas em direção a Vila do Porto; a ribeira de Aveiro despenha-se sob a forma de cascata, há uma outra, a do Salto que lança as suas águas por detrás da Ponta Negra, e também Sta. Bárbara que desemboca nas Lagoinhas. Há também ilhéus, irei ver o do Romeiro, a tal baía gigante na entrada de São Lourenço.
Fica-me a impressão que não longe do Farol da Maia se desce até esta vista impressionante do que foi uma fábrica de aproveitamento do óleo do cachalote, o que mais me impressionou foram os tons da cor da água, aquele impressionante enrugado da corrente e contracorrente, olha-se de cima para baixo e até dá para imaginar um mundo desaparecido mergulhado em águas tão cristalinas.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 2 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26107: Os nossos seres, saberes e lazeres (652): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (177): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (6) (Mário Beja Santos)