1. Mais alguns elementos para a história do Pel Caç Nat 51 (*):
Em finais de março/princípios de abril de 1973, Jumbembém foi reforçado com o Pel Caç Nat 51. Vinha suprir a fala do 1.º pelotão da 2ª C/BCAÇ 4512 (Jumbembem e Farim, 1972/73), transferido para Canjambari, guarnição a sul de Jumbembém, a cerca de doze quilómetros, juntamente com outro pelotão de Cuntima, em substituição de uma companhia que dali foi retirada (CCAÇ 4143/72). Jumbembem, Canjambari e Cuntima pertenciam ao Sector O2 (Farim), junto à fronteira com o Senegal.
O cmdt do Pel Caç Nat 51, Nuno Gonçalves da Costa, será morto por um dos seus homens, cerca de 3 meses e meio depois. Eis aqui o relato do Manuel Luís R. Sousa (na altura soldado at inf, na 2ª C/BCAÇ 4512, hoje Saj Ref, GNR) (**):
"Perante esta recusa, o referido militar deslocou-se ao quarto do alferes, em fim de comissão e quase formado em medicina, com um futuro promissor pela frente, disparando contra ele dois ou três tiros de G3, atingindo-o na região do abdómen".
Prestada a assistência possível na enfermaria, e pedida uma evacuação urgente por meios aéreos, acabou por falecer, "passado pouco mais de uma hora". Recorde-se que havia na altura restrições ao uso de meios aéreos, na sequência do aparecimento dos mísseis Strela.
"A coluna fez-se sem fazer a habitual picagem, tal era a revolta, desagrado e excitação que grassava em todo o pessoal da Companhia. Um risco acrescido, mas justificado pela hora tardia para o fazer.
"Viam-se aqui e ali soldados e graduados com as lágrimas nos olhos, chocados com um desfecho fatídico que o alferes assassinado não merecia, porque todos eram conhecedores e concordantes de que ele era boa pessoa e bom para os nativos do Pel Caç Nat 51. Talvez bom demais, ainda hoje o penso e digo! Segundo ouvi dizer na altura, ele, quando isso lhe era solicitado, inclusive emprestava dinheiro aos militares do seu pelotão.
"A coluna chegou à entrada de Farim, abrandou mais um pouco e continuou a sua marcha, enquanto os militares que a compunham saltaram para o chão e acompanharam as viaturas a pé. Ao passar defronte ao edifício de comando, estava em posição de sentido e continência um graduado (ou era o comandante, ten cor Vaz Antunes, ou o 2º comandante, major Menezes, já não me lembro bem).
(...) "Também trouxemos o nativo assassino que, pelo caminho fora, na viatura onde seguia, alguns soldados, em certas alturas do percurso, continuaram a dar-lhe o 'tratamento especial', tendo o mesmo chegado a Farim num estado físico muito debilitado. Disseram-me posteriormente que ficou preso em Farim e depois seria enviado para a Ilha das Cobras". (...) (***)
3. O infortunado Nuno Gonçalves da Costa era natural de Campos de Sá, freguesia de São Jorge, Arcos de Valdevez. Infelizmente não temos qualquer foto dele.
Lisboa > Belém > Monumento aos Combatentes do Ultramar > XXV Encontro Nacional dos Antigos Combatentes > 10 de junho de 2019 > Sob o olhar atento do Carlos Silva, régulo da Tabanca dos Melros, o Francisco Justino Silva, hoje ortopedista (à esquerda, na foto), membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de abril de 2010, relembra os tempos em que foi substituir, em Jumbembem, em circunstâncias trágicas, o comandante do Pel Caç Nat 51: o seu interlocutor, um antigo milícia do seu tempo (à direita, na imagem), estava lá, nesse fatídico dia 16 de julho de 1973, em que foi cobardemente morto a tiro de G3 o alf mil op esp / ranger Nuno Gonçalves Costa.
Dois camaradas, pelo menos, da nossa Tabanca Grande conheceram e conviveram com o Nuno Gonçalves da Costa: (i) o Luís Mourato Oliveira conviveu com ele, na 1ª metade do ano de 1973, e com o seu Pel Caç Nat 51, em Cufar, ao tempo da CCAÇ 4740 (1972/74); e (ii) Fernando Costa Gomes de Araújo (ex-fur mil op esp / ranger, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74).
Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Poceirão > Palmela > 2017 > Mais um encontro dos Pelotões de Caçadores Nativos, formados pelo nosso camarada Jorge Rosales, do 51 ao 56 [no CIM de Bolama], e que serviram na Guiné entre 66 e 68. É já muito dificil encontrar estes nossos camaradas, mas ainda assim juntámos o 51, 52 e 54. Na casa do ex-fur mil João Vaz (ex-prisioneiro em Conacri, libertado em 22 de novembro de 1970, no decurso da Op Mar Verde; pertenceu ao Pel Caç Nat 52).
Acima, elementos do Pel Caç Nat 51 > Da esquerda para a direita: Furriel Castro, Furriel Azevedo, Alferes João Perneco, Furriel Carvalho e 1º Cabo Raul.
(*) Último poste da série > 11 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25630: Elementos para a história do Pel Caç Nat 51 - Parte IV: um 1º cabo trms, José Maria Martins da Costa (Guileje e Cufar, 1968/70), que sabia latim e grego
(***) Vd. poste de 5 de abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6249: Estórias avulsas (85): Como foi assassinado o Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves da Costa, do Pel Caç Nat 51 (Fernando C. G. Araújo)
(****) Vd. poste de 30 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24024: In Memoriam (468): Recordar Francisco Silva (1948-2023) - Viagem de saudade à Guiné-Bissau em 2008 (José Teixeira)
Dos graduados, apenas o alferes, Nuno Gonçalves da Costa, e um furriel, eram de origem metropolitana.
O cmdt do Pel Caç Nat 51, Nuno Gonçalves da Costa, será morto por um dos seus homens, cerca de 3 meses e meio depois. Eis aqui o relato do Manuel Luís R. Sousa (na altura soldado at inf, na 2ª C/BCAÇ 4512, hoje Saj Ref, GNR) (**):
"Num dia em que se realizava a habitual coluna de reabastecimentos a Jumbembém, Cuntima e Canjambari, a 16 de julho de 1973", um dos elementos do Pelotão pediu ao seu comandante, alferes Costa, para o deixar seguir na coluna de Jumbembém para Cuntima para "visitar familiares".
Por se tratar de "um militar rebelde e indisciplinado, como forma de o castigar, o alferes não autorizou a sua deslocação a Cuntima".
"Perante esta recusa, o referido militar deslocou-se ao quarto do alferes, em fim de comissão e quase formado em medicina, com um futuro promissor pela frente, disparando contra ele dois ou três tiros de G3, atingindo-o na região do abdómen".
Prestada a assistência possível na enfermaria, e pedida uma evacuação urgente por meios aéreos, acabou por falecer, "passado pouco mais de uma hora". Recorde-se que havia na altura restrições ao uso de meios aéreos, na sequência do aparecimento dos mísseis Strela.
2. Há uma outra versão das circunstâncias da morte do comandante do Pel Caç Nat 51. Vejamos um excerto do relato do Fernando Araújo (ex-fur mil op esp / ranger, 2ª C/BCAÇ 4512, Jumbembem e Farim, 1972/74) (**), que complementa a versão anterior do seu camarada Manuel Luís R. Sousa:
(...) "Presumo que o alferes devia estar deitado. Deve ter-se levantado e foi nessa altura que o homem pegou na G3 e, traiçoeiramente, disparou três tiros à queima-roupa sobre o oficial português.
"Este último ainda foi levado para a enfermaria, onde se prestaram os primeiros socorros, ao mesmo tempo que foi pedido, com a maior urgência, a sua evacuação aérea. Como estava a perder muito sangue, foi pedido sangue e, voltou a ser pedido insistentemente, o máximo de urgência na sua evacuação, que tardava em aparecer.
"E tanto tardou que o alferes não resistiu aos ferimentos e faleceu, sem que aparecesse qualquer meio aéreo para o socorrer. Esta situação indignou todo o pessoal da companhia, desde o soldado até ao comandante.
"O nativo foi preso com arames nos pulsos, atrás das costas, enquanto os próprios elementos do Pel Caç Nat 51, bem como a milícia queriam fazer justiça pelas próprias mãos (linchá-lo). Valeu-lhe o nosso comandante, que ordenou: 'Não lhe toquem!'
"Mas, mal ele virava as costas, alguns militares mais revoltados descarregavam a sua ira em cima do assassino, que foi depois colocado na casa do motor (gerador), que se situava ao lado do tanque da água. Ali permaneceu o prisioneiro até meio da tarde, altura em que o nosso comandante, penso que por causa da evacuação não se ter efectuado e achando que o comandante em Farim teve alguma culpa nesta falta, resolveu ir a Farim levar o corpo do alferes em sinal de protesto.
"Deslocamo-nos então numa coluna motorizada (...), com o corpo do defunto numa viatura “Berliet” e uma bandeira nacional a cobri-lo, até Farim (sede do BCAÇ 4512).
"E tanto tardou que o alferes não resistiu aos ferimentos e faleceu, sem que aparecesse qualquer meio aéreo para o socorrer. Esta situação indignou todo o pessoal da companhia, desde o soldado até ao comandante.
"O nativo foi preso com arames nos pulsos, atrás das costas, enquanto os próprios elementos do Pel Caç Nat 51, bem como a milícia queriam fazer justiça pelas próprias mãos (linchá-lo). Valeu-lhe o nosso comandante, que ordenou: 'Não lhe toquem!'
"Mas, mal ele virava as costas, alguns militares mais revoltados descarregavam a sua ira em cima do assassino, que foi depois colocado na casa do motor (gerador), que se situava ao lado do tanque da água. Ali permaneceu o prisioneiro até meio da tarde, altura em que o nosso comandante, penso que por causa da evacuação não se ter efectuado e achando que o comandante em Farim teve alguma culpa nesta falta, resolveu ir a Farim levar o corpo do alferes em sinal de protesto.
"Deslocamo-nos então numa coluna motorizada (...), com o corpo do defunto numa viatura “Berliet” e uma bandeira nacional a cobri-lo, até Farim (sede do BCAÇ 4512).
"A coluna fez-se sem fazer a habitual picagem, tal era a revolta, desagrado e excitação que grassava em todo o pessoal da Companhia. Um risco acrescido, mas justificado pela hora tardia para o fazer.
"Viam-se aqui e ali soldados e graduados com as lágrimas nos olhos, chocados com um desfecho fatídico que o alferes assassinado não merecia, porque todos eram conhecedores e concordantes de que ele era boa pessoa e bom para os nativos do Pel Caç Nat 51. Talvez bom demais, ainda hoje o penso e digo! Segundo ouvi dizer na altura, ele, quando isso lhe era solicitado, inclusive emprestava dinheiro aos militares do seu pelotão.
"A coluna chegou à entrada de Farim, abrandou mais um pouco e continuou a sua marcha, enquanto os militares que a compunham saltaram para o chão e acompanharam as viaturas a pé. Ao passar defronte ao edifício de comando, estava em posição de sentido e continência um graduado (ou era o comandante, ten cor Vaz Antunes, ou o 2º comandante, major Menezes, já não me lembro bem).
(...) "Também trouxemos o nativo assassino que, pelo caminho fora, na viatura onde seguia, alguns soldados, em certas alturas do percurso, continuaram a dar-lhe o 'tratamento especial', tendo o mesmo chegado a Farim num estado físico muito debilitado. Disseram-me posteriormente que ficou preso em Farim e depois seria enviado para a Ilha das Cobras". (...) (***)
Guiné-Bissau >Região de Bafatá > Xitole > 2013 > Dois inimigos de ontem: o Fancisco Silva e um antigo guerrilheiro (****) |
3. O infortunado Nuno Gonçalves da Costa era natural de Campos de Sá, freguesia de São Jorge, Arcos de Valdevez. Infelizmente não temos qualquer foto dele.
A sua morte foi atribuída a "acidente com arma de fogo" (sic), forma eufemística das Forças Armadas classificarem na época não só os casos de acidente devidos a arma de fogo, como os de homicídio, suicídio, automutilação, etc. no TO da Guiné (há diversos casos, já aqui relatados no blogue).
Após a sua morte, foi substituído pelo alf mil at inf op esp / ranger Francisco Silva, oriundo da CART 3492 / BART 3873 (Xitole, 1971/74).
O Francisco Silva foi cmdt do Pel Caç Nat 51, Jumbembem, desde meados de 1973 até possivelmente ao fim do 1º trimestre de 1973, altura em que a sua subunidade de origem terminou a comissão no Xitole, sector L1 (Bambadinca). Tudo indica, pois, que o Pel Caç Nat 51 esteve em Cufar, desde o início de 1970 até março de 1973.
Já identificámos, pois, quatro comandantes deste Pelotão:
- João Perneco (Guileje, 1966/68);
- Armindo Batata (Guileje e Cufar, 1968/70');
- Nuno Gonçalves da Costa (Cufar e Jumbembem, 1972/73);
- Francisco Silva (Jumbembem, 1973/74).
Lisboa > Belém > Monumento aos Combatentes do Ultramar > XXV Encontro Nacional dos Antigos Combatentes > 10 de junho de 2019 > Sob o olhar atento do Carlos Silva, régulo da Tabanca dos Melros, o Francisco Justino Silva, hoje ortopedista (à esquerda, na foto), membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de abril de 2010, relembra os tempos em que foi substituir, em Jumbembem, em circunstâncias trágicas, o comandante do Pel Caç Nat 51: o seu interlocutor, um antigo milícia do seu tempo (à direita, na imagem), estava lá, nesse fatídico dia 16 de julho de 1973, em que foi cobardemente morto a tiro de G3 o alf mil op esp / ranger Nuno Gonçalves Costa.
Dois camaradas, pelo menos, da nossa Tabanca Grande conheceram e conviveram com o Nuno Gonçalves da Costa: (i) o Luís Mourato Oliveira conviveu com ele, na 1ª metade do ano de 1973, e com o seu Pel Caç Nat 51, em Cufar, ao tempo da CCAÇ 4740 (1972/74); e (ii) Fernando Costa Gomes de Araújo (ex-fur mil op esp / ranger, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74).
Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto (e legenda): © José Manuel Viegas (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor
(*) Último poste da série > 11 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25630: Elementos para a história do Pel Caç Nat 51 - Parte IV: um 1º cabo trms, José Maria Martins da Costa (Guileje e Cufar, 1968/70), que sabia latim e grego
(**) Vd. poste de 1 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24027: (In)citações (228): Na morte do Francisco Silva (1948-2023), relembrando o cmdt do Pel Caç Nat 51, Nuno Gonçalves da Costa, assassinado por um dos seus homens, em Jumbembem, em 16/7/1973 (Manuel Luís R. Sousa, srgt ref, GNR)
(****) Vd. poste de 30 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24024: In Memoriam (468): Recordar Francisco Silva (1948-2023) - Viagem de saudade à Guiné-Bissau em 2008 (José Teixeira)
(*****) Vd. poste de 20 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17493: Convívios (814): os Pel Caç Nat 51, 52 e 54, em Poceirão, na casa do ex-fur mil João Vaz (ex-prisioneiro de guerra em Conacri) (José Manuel Viegas)