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terça-feira, 5 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25238: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte VII: Um adeus a Fulacunda (texto e fotos de Jorge Pinto, alf mil, 3ª C/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)


Foto nº 2A


Fot0 nº 2


Foto nº 1A


Foto nº 1


Foto nº 3A


Foto nº 3

Guiné > Região de Quínara > Sector de Tite > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Visita doo governador-geral e com-chefe gen Bettencourt Rodrigues, c. jan / fev 1974

Fotos (e legendas): © Jorge Pinto  (2014) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. Fotos relacionadas com uma visita do general Bettencourt Rodrigues a Fulacunda, sector de Tite, em janeiro/fevereiro de 1974, enviadas em 28/1/2014 pelo nosso camarada e amigo Jorge Pinto (*):

[natural de Turquel, Alcobaça. é professor de história no ensino secundário, reformado, vive em Sintra; é membro da Tabanca Grande, desde 2012; tem 55 referências no blogue; foi alf mil, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; iremos falar mais vezes dele, proximamente, reeditando algumas das suas melhores fotos]


O adeus do general a Fulacunda,

por Jorge Pinto


(...) Lembro-me que esta visita foi curta e marcada por três pequenos discursos com conteúdo e tom adquados às características do grupo social a que o general se dirigia.

Num primeiro momento (Foto nº 1), logo à entrada, ainda junto à pista de aviação, dirigiu-se à população em geral, que se juntou para o saudar, com os mais novos à frente.

Lembro-me que, sem referir a palavra "Nação", salientou a necessidade de Portugal manter a unidade territorial e multirracial. Percebi nas suas palavras a intenção de que vinha a Fulacunda para transmitir aos guinéus ali residentes a confiança na sua capacidade de "autodefesa", em relação ao "inimigo", sem necessidade de haver uma permanente presença da tropa.

Lembro-me que alguns soldados ao ouvirem a palavra "autodefesa", algo confusos, me perguntaram o que queria dizer... Ficando incrédulos e com um sorriso cínico após a explicação.

No segundo discurso, em frente à casa do chefe de posto (foto nº 2 ), dirigiu-se exclusivamente à juventude masculina. Dirigiu-lhes, apenas algumas palavras em tom militarizado e paternal. Incentivou-os a unirem-se àqueles que combatem o "inimigo" e lutam por uma Guiné com um futuro melhor para todos.

Por fim o terceiro discurso (foto nº 3), teve lugar na parada do quartel e foi exclusivamente dirigido à 3ª Cart/Bart 6520/72. 

Neste discurso começou por referir o longo tempo de comissão que a companhia já tinha. Enalteceu o espirito de missão e sacrificio vivido durante esse tempo. Alertou para a necessidade de estarmos preparados para mais sacrificios.

Como foi o encerramento desta visita, sinceramente não me recordo... julgo que o nosso general e a sua pequena comitiva não chegaram a almoçar em Fulacunda.

Esta foi a última visita de um Governador Colonial da Guiné-Bissau a Fulacunda. O esperado "25 de Abril" ocorrerá dois ou três meses depois desta visita." (...)


(Revisão / fixação de texto, título, parênteses retos, negritos e itálicos,  reediçã
o das fotos: LG)


2. Nota do editor LG:

O gen Bettencourt Rodrigues deve ter feito escassas visitas a quartéis e destacamentos no mato (eram cerca de 225 as guarniçóes então). Até por falta de tempo. Mas o assunto não está devidamente documentado no nosso blogue. Daí a oportumidade da republicação destas fotos que, de facto, são raras. (**)

O BART 6520/72 cumpriu 26 meses de comissão (jun 72/ago74), o seu pessoal devia estar farto da Guiné até à ponta dos cabelos. Mas era preciso acalmar os ânimos e manter a um nível razoável o moral da tropa. 

Na longa entrevista que deu à investigadora Maria Manuela Cruzeiro, o Marechal Costa Gomes fala sempre com  rasgados elogios deste general, de quem era amigo pessoal. Diz dele: 

(...) "Foi o general que melhor serviu sob as minhas ordens ". (...) 

"Era meu amigo pessoal e também de Marcelo Caetano, aceitou o lugar de comandante e de governador da Guiné, mas sempre com a corda no pescoço. 

"Não concordava nada com Spínola e, como mo disse pessoalmente, considerava que a sua ação na Guiné, não tinha sido muito positiva".  

Além disso, era de lamentar  "o facto de Spínola ter montado uma impressionante máquina de propaganda. que dava uma ideia distorcida da nossa ação na Guiné,  do que lá se passava  realmente" (Fonte: "Costa Gomes, o último marechal entrevista de Maria Manuela Cruzeiro"- Lisboa, Editorial Notícias,  1998, pág. 151).
____________

Notas do editor:


(**)  Último poste da série > 7 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25220: 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte VI: Dois generais de escolas, perfis e personalidades muito diferentes

domingo, 29 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24804: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte IV - A lavadeira... lavada em lágrimas


Guiné > Região de Quínara >Fulacunda 1972/74 >  Lavadeiras na Fonte Velha

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné], com a devida vénia


1. Série com pequenos excertos dos melhores postes do António Eduardo Jerónimo Ferreira (1950-2023) (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493 / BART 3873, Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) (*). 

O nosso camarada era natural de Moleanos, Alcobaça. Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro.  Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, em data difícil de precisar (c. 2013/2014).


Parte IV - A lavadeira... lavada em lágrimas (**)

A primeira foi a Califa, uma menina ainda muito nova. A esta distância no tempo já não me lembro como foi que ela apareceu como minha lavadeira, talvez já desempenhasse esse serviço para os condutores que nós fomos substituir. Apesar da sua idade… era muito responsável. 

Passados alguns meses da nossa companhia estar naquele local, a Califa deixou Mansambo e foi casar com um homem bastante mais velho que ela. Foi mais um acontecimento que me causou algum espanto (...)  ver uma menina com tão pouca idade ir casar com um homem muito mais velho, que diziam… já ter mais algumas a quem ela se ia juntar!

Depois da partida da Califa… a minha lavadeira passou a ser outra de quem já não me recordo o nome, mas não esqueci que era alguém bela,  elegante e muito calma, sempre bem vestida mais parecia uma menina identificada com outro tempo!... 

Apesar de ainda nova já tinha um filho que trazia sempre consigo quando vinha buscar ou entregar a roupa. Pouco tempo antes da nossa saída de Mansambo para Cobumba, um dia estava eu sozinho no abrigo, como acontecia muitas vezes, quando ela lá apareceu levar-me a roupa com o seu menino ainda pequeno às costas, como era hábito das mães… andarem com os filhos. 

Sentou-se na minha cama com o semblante carregado próprio de quem estava a sentir-se perturbada e disse-me:

- António, estou grávida.

António Eduardo
Jerónimo Ferreira
(1950-2023)
Notava-se que tinha vontade de falar… não sei se seria com todas as pessoas… Estivemos 
algum tempo a conversar em que foi ela quem mais falou, entre outras coisas, disse-me que o pai do seu filho e daquele que vinha a caminho… também era tropa e naquela altura estava em Bambadinca. 

Depois de termos estado algum tempo a falar, quando abalou, as lágrimas bailavam-lhe nos olhos, o que me deixou por momentos algo perturbado. 

Das mulheres com quem tive oportunidade de falar e de ouvir durante o tempo que estive na Guiné (atendendo ao tempo que por lá andei não foram muitas… ), era aquela alguém diferente de todas as outras!...

Em Cobumba não tive lavadeira, nem ouvi falar que houvesse por lá alguém que tivesse. A roupa que eu lá trazia vestida também era pouca, apenas uns calções e nos pés uns chinelos de plástico sem peúgos. Só durante a noite quando estava de serviço, a fazer reforço, que fazia todas as noites, algumas vezes vestia o camuflado. 

A minha falta de jeito para lavar roupa, apesar de ser pouca a que tinha de lavar, ajudou a valorizar ainda mais o serviço das lavadeiras que tive em Mansambo. Espero que ainda por lá estejam… e que a vida lhe tenha corrido o melhor possível. (...)

(Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Parènetses retos: LG)



2. Na altura comentei: 

António, és um homem de grande sensibilidade e bem formado. O teu poste merece ser comentado. Dás-nos conta de dois dramas com que alguns de nós lidaram, sem meios para poder intervir ou ajudar: 

(i) o casamento precoce e forçado das jovens guineenses; 

(ii) a maternidade não desejada, a ausência de planeamento familiar, a poligamia, a separação do homem e da mulher devido à guerra...

É possível que o homem da tua segunda lavadeira, que chorou à tua beira, fosse da CCAÇ 12, aquartelada em Bambadinca e depois no Xime a partir de Março de 1973...

Lembro que Mansambo no meu tempo tinha escassa população. Fui lá diversas vezes. E, muito bem, recordas que em Cobumba, no Cantanhez, não havia lavadeiras...A guerra não foi igual para todos.

Saúde e um alfabravo. Luis | 31 de maio de 2021 às 12:51 

____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriortes da sér ie:


25 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24792: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte II: partida de avião para Bissau, em 24 de janeiro de 1972, deixando a mulher e um filho na maternidade 

23 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24785: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte I: A porta estreita da vida

domingo, 25 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24429: Convívios (967): 52º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Algés, 22 de junho de 2023, juntando 45 comensais

Foto nº 1 > O régulo Manuel Resende com a grarrafa de uísque The Monks, oferta do  António Brito Ribeiro... Tem sido ele o grande animador destes convívios da Tabanca da Linha, dando continuidade ao trabalho dos saudosos Jorge Rosales (1939-2019) e José Manuel Matos Dinis (1948-2021), dois "salesianos do Estoril". Esta tertúlia de antigos combatentes é das mais antigas, foi criada em 2010 e reune-se com grande regularidade: este foi o 52º almoço-convívio. O Manuel Resende, inicialmente, era apenas o fotógrafo de serviço. Sucedeu ao Jorge Morales e ao José Manuel Matos Dinis no "comandante das tropas". E com agrado geral. O seu álbum fotográfico deste encontros é já uma valiosíssima base de dados... ATabanca da Linha tem 150 amigos no Faceboo9k, ou seja, tem 150 membros registados, nem todos infelizmente já vivos... Tem-se reunido nos últimos anos em Algés, no Caravela d'Ouro, numa sala (a do último andar, com magnífica vista para o Tejo) com capacidade para 80 pessoas. Em geral, âs 5ªs feiras, de seis em seis semanas.


Foto nº 2 >  Humberto Reis (Alfragide ) e António F. Marques (Cascais), dois veteranos da CCaç 12 (1969/71), e da Tabanca da Linha

Foto nº 3 > Manuel Macias (Linda-a-Velha) e um camarada que não conseguimos identificar


Foto nº 4 > Armando Pires (Carnaxidce) e Miguel Rocha (Linda-a-Velha)

Foto nº 5 > As esposas, Helena, do Mário Fitas (Estoril), e a Ilda, do Zé Carioca (Cascais)


Foto nº 6 > António Maria Silva (Cacém / Sintra) e Jorge Pinto (Sintra)


Foto nº  7 > Adolfo Cruz (Algés) e  João Rosa  (Lisboa)


Foto nº 8 > Manuel Joaquim (Agualva-Cacém) e  José Ferreira da Costa (convidado do Zé Rodrigues, de Sintra,  e esteve em Angola)


Foto nº 9 > Artur Ferreira Teles (amigo do Fitas e da mesma Companhia), Mário Fitas e Helena


Foto nº 10 >   Daniel Gonçalves e seu amigo ten cor António Andrade


Foto nº 11 : > Ilda, Zé Carioca e António Varanda 


Foto nº 12 >  Grupo: em segundo plano, o Diniz Sousa e Faro (S. Domingos de Rana) e o Fernando J. Estrela Soares (Algés)


Foto nº 13 > O régulo e fotógrafo Manuel Resende


Foto nº 14 > O régulo... e tesoureiro, Manuel Resende


Foto nº 15 > Restaurante: Arranjo floral


Foto nº 16 > Decoração do restaurante


Foto nº 17 > Dois generais da Força Aérea, Rui Balacó e José Nico.


Foto nº 18 > O José de Jesus (da Companhia do Manuel Resende), Jorge Canhão e António Brito Ribeiro, o "dono do botelha de uísque"...


Foto  nº 19 > Um minuto de silèncio em memória de Carronda Rodrigues (1948-2013)

53º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > 22 de junho  de 2023 >   Seleção de fotos

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do administrador da página do Facebook da; Magnífica Tabanca da Linha, com data de de 22 do corrente, 23h42:

Caros Amigos e Camaradas, ou como dizia o Mexia Alves,  "Camarigos", hoje, apesar da data de luto pelo nosso Magnífico Sr. Coronel Carronda Rodrigues, Comando, tivemos mais um convívio da Magnífica Tabanca da Linha, o nº 52. Era de esperar que não houvesse muita aderência devido ao tempo de férias, mas apesar destas contingências tivemos 45 convivas.

Fizemos um minuto de silêncio pelo nosso Magnífico que estava naquele preciso momento em cerimónias para a sua cremação.
 
Nem tudo são tristezas e a vida continua, e assim o nosso Magnífico António Brito Ribeiro presenteou-nos com uma garrafa de Wisky Monks, que veio da Guiné há 51 anos. Deu para cheirar a quem quis, pois o conteúdo era pouco. Evaporou-se, entretanto, mas estava lacrada.
 
Neste convívio tivemos três "piras":



Segundo opinião geral (não de todos) o arroz de garoupa estava bom.

Lá para Setembro faremos outro. Deem sugestões para a ementa. Os lombinhos de pescada com arroz de marisco creio que escorregam bem pelas nossas goelas e creio que todos gostam, até os meus netos quando lá vamos.



Lista dos inscritos até à véspera. Os participantes efetivos foram 45

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Notas do editor:

Último poste da série > 20 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24417: Convívios (966): Aquele que foi, historicamente, o último encontro da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), realizado em 5/11/2022, em Alenquer: os versos de despedida do Francisco Santos (o "Xico" do Montijo)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23847: Casos: a verdade sobre... (32): o pós-25 de Abril no CTIG, as relações das NT com o PAIGC, a retração do dispositivo militar e a descolonização

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Julho de 1974 > Visita de Bunca Dabó e do seu bigrupo, fortemente armado... Ao centro, o nosso amigo e camarada Jorge Pinto, então alf mil, em farda nº 2, desarmado, descontraído, fazendo as "honras da casa". O aquartelamento e a povoação foram ocupados pelo PAIGC apenas em 2 de setembro de 1974. (Natural de Turquel, Alcobaça, o Jorge Pinto é professor do ensino secundário, reformado)

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCAÇ 13 (169/74) > Meados / finais de maio de  1974 > Imagens do "glorioso dia do primeiro encontro com as tropas do PAIGC em Bissorã e após 25 de Abril,  creio eu que foi em meados ou finais de maio de 1974" (...). Fotos do álbum do Henrique Cerqueira, que esteve, como fur mil at inf, no TO da Guiné, desde finais de novembro de 1972 até inícios de kulho de 1974, primeiro na 3ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72 e depois na CCAÇ 13.

Fotos ( legenda): © Henrique Cerqueira (2012)  Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região de Gabu < Paunca > CCAÇ 11 (1969/74) > 7 de junho de  1974 >  A paz, depois da guerra, ou guerra & paz, como faces da mesma moeda... >  O fur mil op esp J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael", no meio dos inimigos de ontem...  Fotos do seu álbum fotográfico, sem legendas... 

Este nosso camarada que vemos aqui a abraçar os inimigos de ontem, foi o mesmo que tinha escrito à mãe,na véspera,  em 6 de junho de 1974,  a seguinte missiva:

 "(...) Ficou, nesse encontro, determinado que amanhã o inimigo vinha a um quartel nosso visitar-nos, conhecer-nos, nós que nos matavámos [uns aos outros] sem nos vermos. Enfim, agora como está previsto, conhecer-nos-emos, se não houver imprevistos, e eu, que tanto os odiei, com o ódio que ganhei com a guerra, devido ao sangue que vi derramar, irei... talvez - quem sabe ? - abraçá-los. Sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós." (...).

É o mesmo J. Casimiro Carvalho que na batalha de Gadamael pôs a vida em risco para salvar outros camaradas (e nomeadamente o seu capitão) e que chegou a ser ferido.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Xitole >  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616/73 (Xitole, 1974) > Foto do álbum do José Zeferino, ex-alf mil at inf. "Primeiro encontro no Xitole: de costas um comandante do PAIGC – não me lembro do nome – , o nosso médico, Dr. Morgado, eu, o capitão Luís Viegas, o comissário politico Antero Alfama e o 1.º sargento páraquedista Vaz".  O comandante da 2ª CCAÇ / BCAC 416/73 era cap mil inf Luís Fernando de Andrade Viegas (com este mesmo nome, há um membro da Ordem dos Engenheiros da Região Sul, portado ca cédula profissional nº 12.037).

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Xitole >  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616/73, Xitole, 1974 > s/d    [c. jun/set 1974]>  Chegada ao Xitole de forças do PAIGC, em camiões russos.

Algumas apontamentos do diário de alf mil José Zeferino: 

(i) Xitole, 22 de abril de 1974 - Apresenta-se um guerrilheiro do PAIGC. Má altura, para ele, para desertar das suas fileiras; 

(ii) 25 de abril 1974 - madrugada, cerca das 6 horas: "Zefruíno, alferes Zefruíno"!!!... (...) Era o Jamil, comerciante libanês (...),  que estava a ouvir a BBC em árabe: "Zefruíno, o (...)  Spínola está a fazer uma revolta". (...) Foi assim que tive conhecimento do que se passava em Lisboa. Regressámos de imediato ao quartel. Ficámos na expectativa nos dias seguintes. Patrulhamentos, só o mínimo indispensável, até Endorna. Montagem de segurança nocturna: poucas. Estávamos literalmente presos pela avidez dos comunicados. Acreditámos que o fim da guerra era desejado pelas duas partes. Pelo menos para a população era-o. E muito. (...)

(iii) 15 de maio de 1974 – Violento combate – emboscada. Duas baixas do nosso lado: o alferes Aguiar e o soldado de transmissões Domingos. Cerca de uma dezena de feridos. Sinais de baixas IN;

(iv) 30 de maio de 1974 - São detectadas e levantadas várias minas reforçadas com granadas de RPG;

(vi) 6 de junho de 1974 - Pelas 6 horas, nova rajada. Desta vez de uma sentinela junto ao espaldão do morteiro 81, na zona dos quartos dos oficiais e do abrigo da Breda. Novamente nas valas avistámos, a umas dezenas de metros, uma coluna IN que se aproximava, vinda da tabanca, pela orla da pista de aviação. Sob o nosso fogo fugiram para o mato do outro lado da pista, deixando um deles ferido. Veio a falecer pouco depois na nossa enfermaria. Foi este, realmente, o ultimo acto de guerra na zona e ainda hoje não o entendo totalmente.

(vii) 15 de junho de 1974 - Na picada, para lá da Ponte dos Fulas, suspensa de uma árvore, é encontrada uma carta com um maço de tabaco Nô Pintcha, e um isqueiro. Convidava o capitão a fazer a paz. O que foi feito no mesmo dia, perto do pontão do Jagarajá.

(viii)  de 16 de junho a setembro de 1974 - Começaram então as visitas de comandantes e comissários políticos do PAIGC para combinar a cerimónia da entrega do quartel, com o arriar da nossa bandeira e o hastear da deles. Vinham das matas da margem direita do Corubal – Mina, Fiofioli, etc. (...)

Houve um jogo de futebol entre nós e os guerrilheiros. Gostavam imenso de falar com o nosso pessoal chegando a trocar impressões sobre o material que tínhamos usado na guerra. Creio que numa dessas conversas foi dito que quem preparou a tal emboscada de 15 de maio teria sido castigado. Não aprofundámos a questão (...).

Quase todos os dias apareciam guerrilheiros procurando refeições na nossa cantina geral. A única exigência nossa: tinham que deixar a arma à entrada do quartel, no posto de sentinelaFazendo-se transportar por camionetas civis paravam sempre na casa do Jamil para o cumprimentar. (...) Numa das colunas, e em viatura civil, chegaram também duas prostitutas. Alguns aproveitaram. (...)

O Saltinho já tinha sido entregueBastou um dia para ficarem sem gerador. Os novos ocupantes pedem ajuda ao Xitole para reparar o aparelho. Nesse dia à noite ficámos preocupados por a equipa que foi não ter chegado. Foram encontrados perto de Cambéssé com o Unimog espetado dentro do mato com vários guerrilheiros a tentar repô-lo na picada. O comandante deles, de nome Claude, ficou irritadíssimo quando nos viu. Já estava todo alterado. E foi a única expressão de ódio que registei em todos os contactos com elementos do PAIGC. Mas a nossa equipa foi muito bem tratada por eles.

Entretanto chegam-nos notícias de problemas em Bambadinca: Com as nossas milícias: queriam alimentos e com a CCAÇ 12 que não queria entregar as armas. Depois… o tempo passou-se… lentamente. E entregámos o Xitole  [em ].(...)

 (ix) Bissau, 12 de setembro de 1974 - Embarque no Uíge, para Lisboa. (...)

Foto (elegenda): © José Zeferino (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 > 14 de outubro de 1974 > O último arriar da bandeira no CTIG, mas já sem a presença de representantes do PAIGC. Foto do álbum  do José Lino [Padrão de] Oliveira [ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974]

Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 > Cemitério de viaturas e outros equipamentos militares (GMC, Daimlers,  Panhard, jipes, Obuses 14...) abandonados como sucata, no fim da guerra.

Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) >  9 de setembro de 1974 > Cerimónia da entrega (simbólica) do território aos novos senhores da Guiné, o PAIGC,  e  da retirada, ordeira, digna e segura, das últimas tropas portuguesas. Mansoa, em pleno coração do território, na região do Oio, serviu perfeitamente para esse duplo propósito... É uma fotos histórica, em que se vê o nosso coeditor, camarada e amigo Eduardo Magalhães Ribeiro, fur mil op esp / ranger, a arriar a bandeira verde-rubra. (O MR é membro da nossa Tabanca Grande, desde 1/11/2005...

Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 >  14 de outubro de 1974 > O último arriar da bandeira no CTIG, mas já sem a presença de representantes do PAIGC.  O último ato da soberania portuguesa não foi o arruiar da bandeira, em Mansoa, em 9 de setembro de 1974....O BCAÇ 4612/74 seria colocado depois de 9/9/1974, no BENG 447, em Brá, Bissau... a útima bandeira portuguesa a ser arriada, no CTIG, seria no próprio "dia do embarque", ou seja, mais de um mês depois, em 15/10/1974. Essa honra coube, de novo, ao Eduardo Magalhães Ribeiro, fur mil op esp / ranger, da CCS/BCAÇ 4612/73 (12 de julho de 1974 - 15 de outubro de 1974).

Fotos (e legenda): © José Lino Oliveira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné >s/l >  s/d > O último Governador Geral e Comandante-Chefe, Carlos Fabião (1974)... Era um dos militares com mais anos de serviço no TO (3 comissões ou mais). Aqui na foto ainda capitão e depois major, comandante do Comando Geral de Milícias (1971/73), ao tempo de Spínola... Foto de autor desconhecido, reproduzida aqui com a devida vénia. In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d., pp. 332 e 335. .


Guiné > Bissau > Cais da Marinha > Outubro de 1974 > Quatro Lanchas de Fiscalização Grandes (LFG), uma pequena, e uma LDM na Ponte Cais em Bissau, poucos dias antes da “retirada final” do dia 14 de outubro do mesmo ano. É visível o navio Uíge ao fundo, preparado para transportar os últimos militares portugueses da Guiné. Foto do álbum do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz.

Segundo o nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74),e basedado no depoimento do Manuel Beleza Frerraz,  "no dia 14 de outubro, decorreu a última cerimónia de 'Arriar da Bandeira Portuguesa', ao qual se seguiu o 'Hastear de Bandeira da República da Guiné-Bissau' (a última bandeira nacional em Bissau só foi retirada 4 ou 5 semanas depois de 14 de outubro de 1974, sem cerimónia oficial),  como tal, nesse mesmo momento, todo o que restava do contingente militar português (à excepção de dois pequenos destacamentos de tropa portuguesa, da Marinha e da Força Aérea, esta na já ex-BA 12,  em Bissalanca, mas ainda com helicópteros AL-III, e o destacamento da Marinha nas suas antigas instalações, para colaborarem na transição e transmissão de técnicas/procedimentos, conhecimentos e experiências de navegação aérea e marítima, com elementos do PAIGC), encontrava-se agora em território estrangeiro.

(...) "A comitiva constituída pelo Governador (brigadeiro Carlos Fabião), o Comandante Militar (brigadeiro Figueiredo), o Chefe do Estado-Maior do CTIG (coronel Henrique Gonçalves Vaz), bem como alguns outros oficiais do Estado-Maior, sargentos e praças, depois de assistirem ao embarque de todos os militares nos navios, que se encontravam ao largo do estuário do Rio Geba, e assegurando-se que tudo tinha corrido sem problemas e de acordo com o previsto nos 'Planos de Retirada', elaborados pelo CTIG / CCFAG que nesta altura se afirmava como o único Comando das Forças Armadas Portuguesas neste TO da Guiné, seguiram directamente para o Aeroporto de Bissalanca, onde mantínhamos ainda um dispositivo de segurança.

(...) "Mal acabou a cerimónia referida anteriormente, e segundo testemunho do ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Aurélio A. Beleza Ferraz, que se encontrava nesta altura na LFG Lira, todas as guarnições dos nossos navios que se encontravam na zona, estavam por ordens superiores, em posição de combate (para qualquer eventualidade), estando todos os operacionais equipados com coletes salva-vidas, capacetes metálicos e as Bofors (peças de artilharia antiaéreas de 40 mm) sem capa e municiadas, prontas a realizar fogo de protecção à retirada das nossas tropas, que ainda se encontravam em terra. Segundo o ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, os navios que se encontravam a realizar a 'segurança de rectaguarda'  mais próxima às tropas que iriam retirar-se para os navios ao largo no Rio Geba, eram a LFG Órion e a LFG Lira.

(...) "Às 2h30m do dia 14 de outubro de 1974, estes militares serão os últimos a retirar da Guiné. Nesse momento estiveram presentes alguns Comandantes do PAIGC, que quiseram despedir-se dos 'seus antigos inimigos', e assim foi o fim da colonização da Guiné com cerca de 500 anos." (...)

Foto (e legenda): ©  Manuel Beleza Ferraz / Luís Gonçalves Vaz (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No livro de João Céu e Silva,  "Uma longa viagem com Pulido Valente" (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp.), são atribuídas a Vasco Pulido Valente (VPV)  (1943-2021) as seguintes afirmações, a propósito da descolonização (*):

(...) Quando o Dr. Mário Soares chegou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros , já o coronel Fabião estava aos abraços ao PAIGC e o Otelo aos abraços à FRELIMO. Não havia negociação possível.

Quem fez a descolonização não foi o Dr. Mário Soares, mas o MFA. Ele não queria fazer aquela descolonização, e foi assim porque o Exército português se desfez em quarenta e oito horas em Angola, Moçambique e Guiné. Neste último caso, fomos mesmo ao encontro das tropas inimigas e confraternizámos poucos dias após o 25 de Abril. Como aconteceu no Norte de Moçambique e quase imediatamente me Angola (pp. 282/283).

(…) Lembro-me do abraço de Soares a Samora Machel, horrível! E Como aconteceu ? A comitiva entrou na sala de reuniões, Otelo olhou para o Machel e disse: “Ah grande Machel, deixe-me dar-lhe um abraço”, e Soares, que estava a chefiar a delegação, ficou sem saber o que iria fazer. Depois de Machel ter dado um abraço a Otelo, veio ter com Soares de braços abertos, “Meu caro Mário”, e deu-lhe um abraço. Isto só deveria ter acontecido com Moçambique independente” (p. 191).


2. Pergunta-se, aos camaradas da Tabanca Grande que estavam no TO  da Guiné no 25 de Abril de 1974: tem algum fundamento a declaração de VPV, segundo a qual as NT foram logo, "pouco dias após o 25 de Abril" (...)  "ao encontro das tropas inimigas " (leia-se, do PAIGC) e "confraternizaram" ?

Eu não estava lá, mas pelo que sei, e pelos depoimentos já aqui foram publicados ao longo de 18 anos de existência do blogue,  acho estranho que, ao fim destes anos todos (já lá vão 48, quase meio século!), já ninguém se indigne com estas, senão "bojardas", pelo menos "bocas foleiras", vindas para mais de um homem com formação académica, historiador encartado e, de resto,  um dos "cronistas-mor" do regime democrático,  o qual, todavia,  sempre esteve longe (fisicamemte falando) do teatro de operações da Guiné. 

No citado livro (que é um meritório trabalho do João Céu e Silva, como já aqui foi dito), há outras" leviandades" (não quero chamar-lhe outros nomes) que são ditas sobre a guerra da Guiné (como, por exemplo, sobre o acidente de helicóptero, caído no rio Mansoa, em que morreu o seu amigo, o deputado da Ala Liberal José Pedro Pinto Leite, e mais outros 3 deputados da Assembelia Nacional, além da tripulação, e que VPV atribui à pontaria dos artilheiros do  PAIGC) (**)...Para já não falar da infeliz expressão "capitães milicianos mercenários" (também não provocou, ao que parece, a indignação dos nossos leitores, na ausência de comentários ao poste) (***)...

No essencial, as declarações do VPV parecem-me injustas ou menos felizes, em relação aos "últimos soldados do Império" que arriaram a última bandeira verde-rubra na Guiné... No mínimo, não responderão à verdade dos factos... Em zonas como o Xitole, a guerra prolongou-se até quase a meados de junho e ainda houve mortos de parte a parte... Na generalidade dos casos,  a retração do nosso dispositivo militar (aquartelamentos, destacamentos, etc.)  fez-se com ordem e dignidade, de acordo com um plano de retirada superiormente aprovado... E, depois, se uma jogatana de futebol, entre inimigos de ontem, num processo de negocição de paz, ao fim de onde, doze, treze anos de guerra, é uma prova inequícova de "confraternização", então temos que tratar com pinças as palavras que usamos quando falamos da gestão dos conflitos entre os seres humanos...

Na primeira parte deste poste, selecionámos, ao "vol d'oiseau",  algumas fotos e legendas que fomos publicando, a este respeito, ao longo dos anos... Esperemos que estas possam suscitar mais depoimentos e reflexões sobre o tema, sem que a discussão acabe na "fulanização" e na "caça às  bruxas", na patológica tentação, tão portuguesa (e se calhar universal), de querer arranjar logo "bodes expiatórios" quando as coisas não nos correm com ventos de feição como foi o caso, por exemplo, da descolonização... 

Enfim, façamos votos, neste já final do ano de 2022,  para  que os nossos historiadores (militares ou outros, portugueses ou estrangeiros) possam, com mais investigação,  fazer mais luz, em 2023,  sobre este período e estes factos em que as narrativas ainda estão longe de serem consensuais, devido também ao enviesamento político-ideológico (****). LG
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23840: Notas de leitura (1527): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte VI: 25 de Abril ? 25 de Novembro ? E descolonização ? Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade" (VPV)

(**) Vd. poste de 18 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23793: Notas de leitura (1518): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte II: A guerra de África não foi nada parecido como o trauma da I Grande Guerra...


(****) Último poste da série > 25 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23736: Casos: a verdade sobre... (31): Pansau Na Isna, o "herói do Como" (1938 - 1970), entre o mito e a realidade - Parte II: Visto do lado de lá

quinta-feira, 10 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23065: (In)citações (196): Bissau, Safim e Nhacra: havia ir e voltar... (Victor Costa / Virgílio Teixeira /Carlos Pinheiro / José Colaço)


Guiné 61/74 > Região de Bissau > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 11 de março de 1968 > Safim > O alf mil SAM Virgílio Teixeira, na esplanada... da "Marisqueira de Safim". Em Safim, havia um cruzamento: para norte,   seguia-se para João Landim e Bula; para leste e nordeste, seguia-se para Nhacra e Mansoa. De Bissau a Nacra, eram pouco mais de 20 km, e daqui até Mansoa mais uns trinta... De Bissau a Safim, por Bissalanca, também seriam uns 20 km...


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Bissalanca > BA 12 >  c. 1973/74 > O Eduardo Jorge Ferreira, alf mil da Polícia Aérea, à porta dos seus aposentos, pronto para partir para Nhacra, para comer umas ostras, à civil, de sandálias, e com capacete de segurança, conduzindo a sua motorizada, de 50 cm3 (?), Yahama, matrícula G5907, e levando à boleia o seu amigo Jorge Pinto, alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)...

Pormenor digno de registo: o Jorge Pinto, também à civil, de sapatinho de vela, meiinha branca, leva um capacete de segurança pouco ortodoxo: um capacete, branco, da polícia aérea... A ideia só podia ser do nosso saudoso Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019), um homem prático e desenrascado...

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do Victor Costa ao poste P23058 (*)

(i) (...) Nunca deixei nenhuma missão a meio e não é agora que irei começar, isto para vos dizer que irei responder a todas as questões colocadas em todos os comentários e em particular ao Luís Graça ou a outros comentários que possam chegar. Eu só preciso de tempo para o fazer. Posso desde já responder ao camarada Valdemar Silva por ser aquele que coloca menos questões.

No tempo em que estive com a CCaç 4541/72 e até Agosto 74,  os autocarros da A. Brites Palma e os táxis que faziam serviço de Bissau para Safim e vice-versa nunca tiveram segurânça por não ser necessário. 

De vez em quando um táxi até trazia meninas de Bissau para satisfazer necessidades fisiológicas do pessoal. Isto quer dizer que nas operações que fazíamos não brincávamos. Serviço é serviço e conhaque é conhaque e isto foi uma das coisas que me orgulho ter aprendido com os "velhos", levávmos as coisas muito a sério.

Irei também enviar mais fotografias sobre Safim, João Landim Porto e outros locais acompanhadas de mensagens.


(ii) (...) Os camaradas Virgílio Teixeira e Carlos Pinheiro em conjunto não podiam ser mais precisos para caracterizar aquilo a que chamo a "marisqueira de Safim", o que demonstra que eram clientes assíduos, mas o primeiro não foi preciso na placa de informação rodoviária localizada 200 m mais a Norte. 

Trata-se das 3 placas,  cujas fotas foram publicadas em 6/3/2022 (**):  a do lado esquerdo João Landim 8 Km, com seta à esquerda e por baixo Porto e na parte central a placa Bula e uma seta à esquerda. Do lado direito da placa Ensalma 5 km com seta à direita. Se consultarem o Mapa no Google ainda existe no local a citada "marisqueira" mas não deve restar nada do edifício antigo.

No mês de Julho de 1974 iniciámos uma operação contínua de controlo e revista de todas as viaturas e civis que entravam e saiam de Bissau, em que todas as viaturas eram obrigadas a parar. Instalamos uma tenda de campanha junto à Base Aérea nº 12, em Bissalanca, precisamente ao lado dos caças Fiat G 91. 

Esta operação contava,  além da secção que eu comandava, também com a participação de dois elementos da Polícia de Segurança Pública de Bissau. Num desses dias um condutor civil cabo-verdiano que circulava na direcção Bissau-Safim,  não parou à nossa ordem e abalroou um elemento nativo da PSP. 

Imediatamente corremos para o condutor da viatura e dei-lhe ordem para sair com as mãos bem levantadas. Começou a gesticular, eu puxei a culatra atrás e dei-lhe ordem de prisão, entretanto o outro elemento da PSP  aproximou-se e meteu-lhe as algemas. 

Chamámos a ambulância e a ramona e lá seguiram os dois para Bissau. No dia seguinte comuniquei para à PSP  para saber do estado de saúde do agente, entretanto falecido de noite. Nunca mais soube o que aconteceu ao preso, nem se houve posterior investigação, eu limitei-me a fazer o relatório.

Entretanto a CCaç 4541/73 com o fim da comissão regressa à Metrópole e eu em Setembro sou colocado na CCS do QG em Bissau até ao meu regresso em Outubro de 1974. Bissau foi uma cidade segura durante o tempo que lá estive. Constava no entanto que haviam alguns problemas entre a nossa tropa pelo controle do Pilão, o Bairro das meninas, mas não era nada comigo.

Havia muito trânsito de viaturas militares em Safim, quer de Bissau para Nhacra ou Cumeré, quer de Bissau para Bula e vice-versa, era a artéria principal de ligação ao interior da Guiné e nunca senti insegurança até Safim e mesmo até João Landim Porto. 

Mas todos os dias em particular à noite eram realizadas patrulhas no mato e nas bolanhas circundantes desta estrada com objectivos definidos pelo Comando. Um Unimog 404 deixava a secção perto da estrada ou se a picada fosse minimamente segura deixava-nos mais no interior, a operação da noite durava em média 6 horas, a pé até ao objectivo e depois regressavámos ao ponto de partida e aqui não havia facilidades, porque era isto que nos dava segurança. 

Contactos com o PAIGC, zero!, apenas o grito das hienas. Do rio Mansoa para Norte as operações eram executadas pelo nosso Destacamento de João Landim Norte que se estendia até às imediações de Bula, onde também estive. Aqui a segurança das Jangadas na travessia do Rio era feita nós e uma LDM da Marinha. Ao fim de um mês com os "velhos", já me sentia seguro e as coisas tornavam-se mais fáceis.

Desloquei-me várias vezes a Bissau á livraria do Sr. Manuel Moreira em Benfica, penso que era perto do Palácio do Governador, para comprar livros e jornais, ia ao Café Ronda, onde gostava de apreciar o bater dos tacões das botas na marcha do render da Guarda para o palácio do Governador feita pela PM ao longo da avenida, tive conhecimento do rebentamento da granada que neste café provocou um morto e 63 feridos, mas não era coisa que nos tirasse o sono e fui ao café Pelicano perto do quartel da PM na Amura. 

Em Bissau, só senti alguma apreensão em meados de Março quando visitei com meu amigo fur mil  José Bilhau,  penso que dos Piratas do Guileje (CCAC 8350), amigos seus no hospital e vi pela primeira vez os seus camaradas a esfregar os dedos das mãos nos braços, pernas e tronco e ver o ferro a sair do corpo,mas isto era no Hospital e este à data estava bastante preenchido. 

Numa das minhas últimas deslocações a Bissau e de regresso a Safim apanhei um táxi um Peugeot 404, estabeleci conversa com o condutor um cabo-verdiano que me garantiu que os efectivos do PAIGC rondava os 7.500 homens, ouvi, calei, mas não acreditei. Em Safim os transportes A. Brites Palma funcionaram antes e depois do 25 de Abril. (...)


Guiné > Carta geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Bissau e povoaçõs a norte: Safim, Landinm, Bula; Nhacra, Mansoa, Mansabá...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)



 2. Outros comentários  ao poste P23058 (*)
 
(i) Virgílio Teixeira:

(...) Victor Costa, uma saudação especial pelo tema deste poste, pois sou um amante quer de Safim, Nhacra, João Landim, etc.

Nos anos de 67-68-69, fui lá muitas vezes, tantas quanto as minhas idas a Bissau, com a minha motorizada, não parava, por vezes acompanhado, a maioria sozinho. Ia à procura de mariscos em Safim, e à piscina do quartel de Nhacra. Depois era a aventura e conhecer novos sítios.

"Marisqueira de Safim", assim com este nome, não havia, era uma esplanada, café, cervejaria e servia uns petiscos para quem passava. Ficava perto do cruzamento e das marcas das estradas para João Landim e Mansoa / Nhacra. Tenho imensas saudades desses momentos, o pior era o regresso, na maioria das vezes já noite, e com uns copitos a mais.

Quanto ao assunto do Poste, e quanto à mensagem do amigo Lobo, não se preocupe pois não é só a idade e a memória. Na minha modesta opinião, e tanto quando me lembro, e somos dos mesmos anos, 68 e 69, nunca vi semelhantes viaturas tipo "ambulância", parecem-me da 2ª guerra mundial.

Por isso posso quase afirmar que não existiam no meu tempo estes autocarros. Podem ser posteriores, mas parece-me mais pós-independência.

Não reconheço nem as viaturas nem os lugares aqui ilustrados, lamento mas não é por falta de memória, se existiam passaram-me ao largo.

Quanto a segurança, nunca pensei no assunto, apesar de tantos quilómetros através do mato, em especial entre Bissalanca e Safim. Depois disso não sei nada.

Podem consultar as minhas fotos aqui publicadas nos meus postes. E quem puder acrescentar mais alguma coisa, que o faça, pois eram locais lendários. (...)

(ii) (...) Relembro aqui para quem já não se lembra ou não viu os postes, a minha narrativa do dia em que sonhei que tinha de ir de motorizada de Bissau até Mansabá, nem sabia onde ficava, era a seguir a Mansoa.

Depois de ir a uns banhos à piscina, encho o depósito da Peugeot, por vinte e cinco tostões, e vou para a estrada a caminho de Mansoa, mas a viagem foi curta, pois uma patrulha militar, teve de me identificar, pois eu ia à civil, eu não tinha documentos mas disse-lhes que era Alferes Mil do BCaç 1933, que estava nessa época em S. Domingos, e depois de pormenores que não me lembro, não me deixaram passar, e lá voltei desolado...

Com certeza se continuava a viagem nem chegava a Mansoa,  muito menos a Mansabá (**).  Era uma miragem, uma loucura, maluca da idade, e já tinha uns 25 ou 26 anos, que ficavam mais curtos com os copitos que nunca faltavam.

Um dia se melhorar da minha saúde, ainda me meto no jipe que tenho lá à minha disposição, com motorista privativo, e faço a vontade ao meu amigo do HOtel Coimbra, que teima em me ver lá... e vou até Mansab!... Até posso morrer por lá, é uma terra que ficou na alma, para sempre.

Perdoem estes comentários de quem já não bate bem... da mona!... São quase 80 anos!  (...)

Carlos Pinheiro:

(...) Estive 25 meses em Bissau e só me lembro das camionetas do Costa mas não sei para onde iam. Eram camionetas já com certa idade e algumas deviam ter o chassis empenado. A malta até dizia que camionetas do Costa "suma a cachorro de rabo de lado"...

Só fui uma vez a Safim. Tinha três dias de Guiné, tina ido em rendição individual para o BCAÇ 1911, mas nunca o cheguei a conhecer, era dia de Todos os Santos de 1968 e foi um camarada da Companhia de Transportes, que me arranjou cama lá na sua Companhia porque nos Adidos não havia nada, para além da confusão geral, e que me levou a Safim onde eu paguei o petisco, ainda com patacão da Metrópole, em agradecimento ao facto de ele me ter arranjado uma cama. 

Gostei do petisco, uns camarões, umas ostras, que eu nunca tinha comido e fiquei freguês sempre que podia e até um bocado de leitão aparaceu. A cerveja já não me lembro a marca mas estava fresca e escorregava bem. 

Foi nesse dia que houve um acidente grave com uma companhia que tinha ido comigo no Uíge, perto de Bula, por ter rebentado uma granada de bazuca em cima duma GMC da CT que já estava carregada de pessoal. Vi passar perto de uma dezena de helicópteros e com três dias de Guiné comecei logo a aperceber-me da situação. Nunca cheguei a saber se houve mortos, mas feridos foram imensos. 

Gostei do petisco mas nunca mais voltei a Safim. Para mim a fronteira era BA 12, em Bissalanca.  (...)


José Botelho Colaço:


(i) (...) Obrigado, Victor Costa, pelas fotos dos autocarros da empresa A. Brites Palma, é precisamente este modelo de autocarro que está gravado na minha mente de 1964/65. 

Quanto aos camaradas dizerem que a memória pifou,  talvez não... O que aconteceu foi que á medida que as malhas da guerra foram apertando,  os colonos deixaram de ter o seu papel activo e quase de certeza estes autocarros deixaram de circular,  por isso os camaradas não se lembram de os ver. 

Eu recordo de ver em Bafatá, ao lado do café do tio Bento, a carcaça de um autocarro abandonado, deste modelo. 

Resumindo, antes da Guerra, estes autocarros ciculavam em grande parte do território da Guiné, que se foram confinando com o rebentar e evoluir da guerra. 

A memória que eu tenho do dono da A. Brites Palma era um homem de baixa estatura,  já com os anos a pesarem sobre si mas um poligolota em vários dialetos na lingua nativa.

(ii) (...) Que a memória vai pifando não há dúvidas mas é devido á idade, é mais a doença da anosognosia do que a Alzheimer. Obrigado, 

Victor Costa,  por me avivares e confirmares tudo aquilo que guardo em memória e escritos pessoais.

O que me parece é que o sector de Bissau se manteve quase igual ou com pequeníssimas alterações pelo que nos contas durante o tempo que durou a guerra. Exemplo,  em 1964/65 até á jangada do João Landin ou via Nhacra era praticamente zona livre,  viajava-se sem qualquer problema, mas para Mansoaa também se ia mas já era uma pequena aventura e só durante o dia. No Pilão á noite só os mais aventureiros e alguma segurança. Quanto aos transportes em Bissau,  total acordo confirmas tudo o que guardo em memória.  (...) (***)

__________

Notas do editor:

(**) Vd. poste de 5 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18287: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIV: o dia em que eu queria ir de motorizada, de Bissau a Mansoa... e a Mansabá!