Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)
1. Já aqui deixámos expresso por escrito, mais do que uma vez, a nossa admiração por (e prestámos a nossa homenagem a) os nossos cartógrafos militares a que devemos as extraordinárias cartas da Guiné Portuguesa dos anos 50.
Não brincavam em serviço, esses nosso cartógrafos, e é bom que se diga que prestaram um alto serviço científico e cultural ao povo da Guiné-Bissau, cartografando ao milímetro todas aquelas terras, ilhas, ilhotas, rios, mar, braços de mar, lalas, bolanhas, tabancas, savanas arbustivas, florestas-galeria, palmeirais..., do Cacheu ao Cacine, de Bolama a Buruntuma, de Varela ao Como... Ainda hoje estas cartas são uma preciosidade. E, para nós, amigos e camaradas da Guiné, foram e continuam a ser um extraordinário auxiliar de memória... Já há muito que nos teríamos perdido nos labirintos de memória sem estas cartas geográficas, disponíveis "on line", com grande resolução, no nosso blogue...
Agora o que os nossos cartógrafos, se ainda fossem vivos, nunca nos perdoariam é aquela calinada de dizer que na escala de 1 / 50.000 um centímetro na carta corresponde a um quilómetro (*)...
Felizmente, o meu amigo e camarada António Duarte, da CCAÇ 12, da "3ª geração" (Bambadinca e Xime, 1973/74) estava atento e topou o erro, ou não fosse ele bancário e economista: se um quilómetro corresponde a 1000 metros e cada metro tem 100 cm, 100 mil centimetros (ou seja, um quilómetro) a dividir por 50 mil são 2... centímetros!
Não é preciso um gajo ser licenciado, mestre ou doutor para saber (e poder) fazer estas contas de cabeça!
2. Fica aqui a emenda do erro que é de palmatória!... Dou, humildemente, a mão à menina dos cinco olhinhos... como no meu/nosso tempo da instrução primária (**).
Dito isto, não é demais realçar que as cartas da antiga Província Portuguesa da Guiné são de uma enorme riqueza documental, em termos geográficos, E cada centímetro de papel é um passeio de 500 metros por aquelas terras onde destilámos "sangue, suor e lágrimas"... de quem guardamos algumas boas recordações da sua sua boa gente.
Nunca é demais lembrar que, sessenta / setenta anos depois, estas cartas permitem-nos, por exemplo, saber hoje coisas espantosas como:
- quais as tabancas que existiam antes da guerra (e ver depois as que foram abandonadas ou destruídas);
- qual o número médio aproximado de moranças ou casas (cada ponto correspondendo em geral a uma morança);
- as tabancas temporárias e as abandonadas;
- as povoações "de tipo europeu" e as "indígenas" (e dentro destas, as "cerradas" e as com "arruamentos" definidos);
- conforme o tamanho maior ou menor da letra dos topónimos, distinguir as povoações "indígenas" com mais de 50 casas, as entre 50 e 10, e as menos de 10;
- o regulado a que pertenciam;
- as que eram sede de circunscrição (equivalente ao nosso concelho, caso de Bafatá) e as que eram sede de posto administrativo;
- as que, de categoria inferior a sede de circunscrição, tinham serviços de correio, telégrafo e telefone (caso de Bambadinca) e, nas fornteiras, serviços alfandegários;
- mas também localizar as bolanhas (arrozais de regadio), as lalas (capinzais) (de água doce e água salgada, com ou sem tufos de palmeiras), os mangais, as florestas-galeria, as savanas arbustivas, as terras incultas...
- os diferentes tipos de palmeiras e palmares: palmeira-de-tara (Phoenix reclinata); palmeira de dendém (ou azeite), conforme a sua densidade: massiços consideráveis ou não desbravados; palmares desbravados com culturas diversas;
- mas igualmente as "pontas" (ou hortas) (que em geral eram exploradas por cabo-verdianos e europeus, e que tinham o nome do dono ou fundador: Ponta do Inglês, Ponta João Dias)...
- e ainda calcular distâncias entre duas povoações, por estrada ou em linha recta; estimar a largura de um rio ou o comprimento de uma bolanha...
Tiro o quico, bato a pala, aos nossos valorosos e competentes cartógrafos militares. E peço, mais uma vez, desculpa pelo meu... dislate. (LG)
____________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de
4 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23761: Voltamos a recuperar as antigas cartas da província portuguesa da Guiné, um dos recursos mais preciosos do nosso blogue - Parte IV: De Quinhamel a Xitole
(**) Último poste da série > 10 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20546: Dando a mão a palmatória (33): Uma Daimler era uma Daimler e uma Fox era uma Fox... É preciso vir um artilheiro (António J. Pereira da Costa) corrigir os infantes...
3 comentários:
Um bojarda daquelas dá direito a 50 completas.
Um Ab. e bom domingo.
António J. P. Costa
Foi a corrida mais louca e mais longa que fiz na vida...entre Nhabijões e Bambadinc, às 13 e tal do dia 13 de janeiro de 1971, com um carregamento de feridos, num Unimog... Eram dois ou memos quilómetros até à pista de aviação de Bambadinca... Ver a carta, escala 1/50 mil...
(...) …À uma e meia da tarde
na estrada da morte,
com as palmeiras de Samba Silate
e o Geba ao fundo.
As duas secções
que seguiam atrás, na GMC,
tinham sido projectadas pela vulcão de trotil,
como se fossem cachos de bananas.
Caso se seguisse uma emboscada,
então seria um massacre.
Tu eras o único que tinha uma arma na mão,
mas inútil,
inoperacional,
encravada,
devido ao choque sofrido…
Não deixei de sentir um calafrio
ao imaginar-me sob a mira certeira dos RPG
e sob o matraquear das 'costureirinhas'
e das Kalash.
… Ali, à uma e meia da tarde,
em Nhabijões,
na Guiné,
far from the Vietnam.
Tinhas acabado de fazer o reconhecimento das imediações,
detectando o trilho dos guerrilheiros
que, durante a noite,
tinham vindo pôr as minas assassinas…
Eles faziam a guerra deles,
tão cruel e tão suja como a nossa.
Esse trilho, mais fresco,
acabava por confundir-se
com os usados pela população de Nhabijões
que a gente sabia
não morrer de amores por nós…
SOS, evacuação Ypsilon,
vou a correr para o heliporto,
sem soro,
sem garrotes,
sem pensos,
sem maqueiro,
sem mala de primeiros socorros!
...Numa luta desvairada contra o tempo,
na estrada Nhabijões-Bambadinca.
Era possível, entretanto,
que houvesse mais minas
pela estrada fora.
Ainda hesitaste
em mandar picar o terreno,
mais alguns metros em redor,
mas não podias perder nem mais um segundo,
para logo seguires de imediato
para os helis
que aguardavam os feridos mais graves.
Mais até do que a solidariedade
entre camaradas de guerra,
mais até que a minha amizade pelo Marques,
de repente o que me terá movido,
o que me deu força anímica,
foi o brutal sentimento do absurdo da morte,
do absurdo daquela guerra,
a raiva contra aquela guerra.
… À uma e meia da tarde
nessa maldita picada do inferno.
Foi uma corrida louca,
aquela,
na fronteira indefinida
que separava a vida da morte
na estrada de Nhabijões.
No primeiro Unimog que te apareceu à mão,
e que levava um carregamento letal de feridos.
Três deles estavam em estado de coma
e tinham como destino outro inferno:
o hospital de Bissau,
os Alouettes III roncando como o macaréu,
sobre o Geba, largo e medonho,
a incerteza do desfecho da luta entre a vida e a morte
aos vinte e poucos anos de idade.
... No dia 13 de Janeiro de 1971,
num dia que nem era sexta-feira,
mas que foi de terrível azar,
às treze e meia da tarde,
quando o teu relógio parou
à saída da grande tabanca balanta de Nhabijões,
finalmente reordenada
e controlada…
28 DE JANEIRO DE 2010
Guiné 63/74 - P5717: Blogpoesia (64): À uma e meia da tarde... Em homenagem ao António Marques, que sobreviveu, dois anos depois, à explosão de um vulcão (Luís Graça)
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2010/01/guine-6374-p5717-blogpoesia-64-uma-e.html
Meus caros
Como já anteriormente disse: utilizo estas cartas militares terrestres, com muita frequência, para encontrar as tabancas que necessito, a partir do nosso blog.
Posso afirmar que 90% dos nomes das tabancas ainda são os mesmos, de quando foram cartografadas.
Mas a qualidade das cartas marítimas, “penso que da mesma época” são uma ajuda extraordinária, para quem tem que navegar nos Bijagós e nos seus estuários e rios, de dia e de noite. Com esta carta num pequeno GPS de bolso, sabemos a profundidade dos canais, onde estão os bancos de areia, as pedras e pedregulhos extremamente perigosos, para as canoas e botes.
Esta cartografia não deve ter sido nada fácil; ter de marcar todas as pedras no fundo do mar, naquela época, é extraordinário…
A informática mundial digitaliza-as, faz cópias, agora já andam nos telemóveis.
Não sei é se as pagaram a quem lá andou anos ao sol a medir os fundos???
Já por muitas vezes o pequeno GPS, me indicou o caminho em situações por vezes difícil, como ir a caminho do Brasil, em vez de ir para a ilha de Orango, em dias de bruma, que não se vê mais que uma centena de metros.
Mas como eu costumo dizer, o povo Bijagó já tem esta carta marítima na cabeça, porque durante toda a sua vida, navegou neste canais marítimos, mas às vezes, também falha.
Abraço
P.R.
Enviar um comentário