segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23769: Notas de leitura (1514): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2022:

Queridos amigos,
Aqui prossegue, em marcha um tanto lenta, a tentativa de sumarização do miolo da obra que o nosso confrade José Matos teve a gentileza de me enviar. Encetou-se este trabalho com o prólogo e estamos agora no contexto histórico da emergência do nacionalismo guineense, que conduzirá à luta armada iniciada em janeiro de 1963. Convém esclarecer que aqui e acolá introduzo um apontamento histórico da minha lavra, não para distorcer o que há de essencial no livro de Hurley e Matos mas para melhor contextualizar o leitor português. Dou simplesmente o exemplo de ter referido o nome de Fernão Gomes e o seu contrato com a Coroa para melhor se entender que era sua obrigação ir explorando para Sul, tudo fazia parte daquele desígnio a que se chama o Projeto Henriquino, ir descobrindo para Sul até encontrar caminho para o Oriente. Assim se perceberá, creio eu, como aquele ponto da costa ocidental africana tinha significado numa rede comercial, nem de longe nem de perto era uma colónia, a nossa presença estava marcada no litoral e na negociação com régulos com quem se fazia a compra e a venda. O texto parece-me rigoroso, é muito incisivo, trata-se de um volume que não chega a 100 páginas, os autores foram forçados a orientar-se pelo que lhe parece de mais essencial para mais adiante se compreender as atividades da Força Aérea Portuguesa na Guiné.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (2)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Na edição anterior procedeu-se a um sumário da introdução, vamos agora entrar no primeiro capítulo que se intitula “O Vento da Mudança”.

Recordam os autores a presença portuguesa nesta região da costa ocidental africana a partir de finais da primeira metade do século XV. Presença limitada a vários pontos de comércio; um rico comerciante, de nome Fernão Gomes, fez contrato com a Coroa, a sua principal obrigação era ir explorando para Sul, fê-lo com êxito; a rede comercial instituída atingia Cabo Verde, Arguim e São Jorge da Mina, prosperou o tráfico negreiro. O monarca português reivindicou a soberania e a exclusividade económica sobre a região, a partir de 1486 acrescentou ao seu título o de “Senhor da Guiné”. Prosseguiram as viagens no reinado do príncipe D. João (futuro D. João II), e depois de se ter chegado à zona do rio Congo, intensificaram-se as viagens até que Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança; preparou-se, então, uma grande expedição para a primeira viagem marítima até o Oriente, o comandante era Vasco da Gama, o ano 1498. Dois anos depois, Pedro Álvares Cabral descobria o Brasil. Iniciava-se um período prodigioso de viagens e comércio. A concorrência estrangeira na costa ocidental era praticamente incontrolável, com a expansão para o Brasil e para o vice-reinado da Índia o comércio africano foi ficando reduzido a uma escala diminuta, durante o período filipino a presença portuguesa ainda ficou mais seriamente afetada por se passar a ter os mesmos adversários que a Espanha.

Com a independência do Brasil, Portugal voltou-se declaradamente para uma presença mais efetiva em África. No caso da colónia da Guiné, a nossa presença era ténue, o clima altamente agressivo, a resistência dos autóctones era ferocíssima. Com as obrigações impostas pela Conferência de Berlim, tiveram início campanhas para subjugar a resistência dos povos locais, considera-se que o território da colónia ficou efetivamente ocupado/pacificado em 1936, depois de uma campanha numa ilha dos Bijagós, que acatou finalmente a soberania portuguesa. E, de facto, começou uma organização administrativa pautada pela criação de infraestruturas, estabelecimento de Circunscrições, uma maior presença de funcionários do quadro da Administração Colonial, criação de bairros para os funcionários, aparecimento de instalações de saúde e poderá considerar-se que com a governação do Comandante Sarmento Rodrigues, que deu largo impulso ao conhecimento da Guiné, e até mesmo trazendo ao território cientistas reputados, a Guiné passou a ter uma posição no mapa, ganhou identidade e chegou ao conhecimento dos portugueses.

Com o aparecimento do Estado Novo, o Império Colonial Português ganhou uma nova moldura jurídica, que vai desde o Acto Colonial até à Concordada com a Santa Sé. O Acto Colonial era bem claro ao definir a função histórica de Portugal em possuir e colonizar domínios ultramarinos e civilizar as respetivas populações indígenas. Realizaram-se exposições, a começar pela Exposição Colonial do Porto até, em plena Segunda Guerra Mundial, a Exposição do Mundo Português, exaltava-se o passado heroico de Portugal e o imutável caráter imperial da nação portuguesa. Em 1960, aproveitando as comemorações do centenário da morte do Infante D. Henrique, falecido cinco séculos antes, voltava-se a uma narrativa nacional, no caso vertente que ia do Minho a Timor, era uma narrativa construída em torno de um país pluricontinental e plurirracial, tudo numa unidade exemplar.

Apercebendo-se dos ventos da mudança, a descolonização estava em curso desde o fim da Segunda Guerra Mundial e Salazar apercebeu-se que a independência da Índia em 1949 iria trazer severas tensões para a sua política externa. Abandonou-se o conceito imperial, deixou-se de falar em colónias, alterou-se a Constituição e apresentou-se ao mundo o ultramar português, as províncias ultramarinas apareciam como politicamente integradas no Estado português. Tanto no interior do regime como nos areópagos internacionais sabia-se que a mudança era puramente cosmética. Salazar não deixava de dizer claramente que o regime não podia sobreviver sem o seu território ultramarino, assim se iniciou uma intensa doutrinação sociopolítica, procurando uma catequização de que este ultramar era um direito adquirido, fazia parte das realizações históricas da Nação. Mas os investimentos no ultramar mantiveram-se no nível baixo, e em 1960 o chamado Portugal europeu caracterizava-se pelo seu maior nível de analfabetismo e o menor rendimento per capita na Europa Ocidental, com níveis altamente preocupantes na mortalidade infantil e nas doenças infetocontagiosas, abaixo de Portugal só a Albânia.

Os autores relatam os acontecimentos da Abrilada, a atividade oposicionista ao regime, o esmagador apoio que a ideia de império/ultramar obtinha junto do Oficialato português. Tanto assim foi que se deu uma rápida mobilização para procurar asfixiar a sublevação em Angola. Houve quem tivesse preconizado que o descontentamento nacionalista africano se iria exprimir em primeiro lugar na Guiné, tal não aconteceu, mas em 1961 o ideal independentista já seguia o seu curso, com apoios firmes na Guiné Conacri e no Senegal. A Guiné atraía poucos capitais, tinha algumas empresas de dimensão média, as suas exportações eram interessantes para o fabrico das oleaginosas e a cultura do arroz permitia que este alimento básico chegasse a Portugal, a Guiné dava sinais de autoabastecimento muito satisfatório no caso do arroz.

Segundo o censo de 1960, a Guiné tinha um pouco mais de meio milhão de habitantes, esmagadoramente era constituída pela população indígena, havia pequenas parcelas de população branca e sírio-libaneses. Apesar da sua insignificância no contexto imperial, o Estado Novo não abdicou de tratar a Guiné como uma província ultramarina, os sinais da descolonização eram por demais evidentes, os franceses já tinham sido expulsos da Indochina, as sublevações na Malásia, Quénia e Argélia não podiam ser iludidas, a Guiné Conacri torna-se independente em 1958, no ano anterior o Gana proclamara a sua independência e a sua política externa era completamente hostil ao espírito colonial, logo na África Subsariana. A questão angolana era prioritária para o Estado Novo, só a partir de 1962, e a um ritmo muito fraco é que Lisboa foi enviando para a Guiné mais efetivos militares.

Os autores dão conta do que foram as tentativas independentistas na Guiné nos anos 1950, referindo a crescente presença do partido dirigido por Amílcar Cabral, nascido na Guiné em 1924, tendo depois vivido em Cabo Verde e tirado o curso de engenheiro agrónomo em Lisboa, seguindo depois como Diretor de Serviços Agrícolas para a Guiné, onde restruturou a Granja do Pessubé e na companhia da mulher procedeu ao recenseamento agrícola, nomeadamente no ano de 1953. Segue-se uma apreciação do contexto internacional que pesou a favor do espírito independentista, o mapa africano alterou-se profundamente e isso deu força a que Cabral propusesse a criação de um partido, ficaria um núcleo ativo no interior da Guiné a preparar a subversão e a canalização de gente para Conacri, ele ficaria na capital com um outro núcleo diretivo, à frente de uma Escola-piloto e conduzindo a sensibilização da opinião pública internacional. Cabral soubera tirar partido das lições dos acontecimentos do Pidjiquiti, em 3 de agosto de 1959, não havia condições para a subversão urbana, tinha que se ir por outro caminho.
O Governo de Salazar em 1930 junto dos próceres da ditadura nacional, Carmona é o Presidente da República, é o ano do Ato Colonial
Outra imagem do livro “O Santuário Perdido”, reproduz material propagandístico do PAI, a sigla antecessora do PAIGC
Amílcar Cabral a pousar com um grupo de guerrilheiros do PAIGC recentemente regressados de uma ação de formação na China. Nino Vieira está acocorado, é o segundo à esquerda.

(continua)

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Notas do editor:

Vd. poste de 28 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23745: Notas de leitura (1511): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 4 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23762: Notas de leitura (1513): "Fora de Jogo", com a participação de Amadu Dafé, Claudiany Pereira, Edson Incopté, Marinho de Pina e Valdyr Araújo; Ku Si Mon Editora, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

A foto de Cabral no meio dos seus soldados com boné à Mao Tse Tung, é muito eloquente do esforço que fez para vencer o inimigo.

Mas alguns desses soldados, se lutaram ao seu lado, foram eles que mataram o seu sonho, o da Unidade Guine Cabo verde.

No caso Nino Vieira directamente, em 1980-



Anónimo disse...

Pois é a ambição dos homens, leva a estes destinos, com todo o sofrimentro e carências para os respectivos povos.Não deixa de ser irónico ser o capitalismo de estado e o futuro colonialista
(de então) hoje está à vista, a prestar "ajuda" (des)interessada na libertação entre aspas, dos povos "irmãos" africanos.
Carlos Gaspar