quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23773: Historiografia da presença portuguesa em África (342): A União Nacional e um retrato da Guiné em 1942 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Fevereiro de 2022:

Queridos amigos,
A despeito de todos os encómios à Revolução Nacional, que aqui aparece como motor de progresso e vozes se levantam a dizer que até 1926 estava tudo uma pasmaceira (mentira rotunda), ficam aqui dados ilustrativos de que Ricardo Vaz Monteiro preparou muitíssimo bem o terreno para o safanão e o grande impulso organizativo que será o timbre da governação de Sarmento Rodrigues, será este o fecho de abóbada de um quadro de identidade que fará da colónia a base da Nação em que hoje se fundamenta a República da Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário



A União Nacional e um retrato da Guiné em 1942 (2)

Mário Beja Santos

Trata-se de uma descoberta de algum modo surpreendente, edição de 1943, bem ilustrado logo à entrada com as figuras proeminentes do Estado Novo, com o Governador Ricardo Vaz Monteiro todo medalhado, um prefácio de aplauso pelas coisas boas que a era de Salazar trouxe à Guiné e agradecimentos do Governador a Gaspar de Oliveira, o Vice-presidente em exercício da União Nacional da Guiné. A obra estrutura-se sob a forma de textos explicativos que procuram ressaltar o então recente desenvolvimento da colónia, vimos no texto anterior as intervenções de: Dr. António Francisco Borja Santos, Chefe dos Serviços da Administração Civil a pronunciar-se sobre a organização administrativa da Guiné; o Padre António Joaquim Dias Dinis, já nosso conhecido da história das missões católicas na Guiné, Pré-Perfeito Apostólico da Guiné, que aborda as missões católicas, uma vez mais; o Serviço Médico-Sanitário apresentado pelo Dr. Fernando de Montalvão e Silva, Chefe dos Serviços de Saúde; Armando de Morais e Castro, Inspetor dos Serviços da Fazenda, deixa um relance sobre a Guiné moderna; Ricardo Costa, Diretor dos Serviços de Alfândega, tece comentários sobre o Estado Novo na administração financeira; Caetano de Sá, Chefe de Repartição dos Serviços Aduaneiros, dá-nos o quadro da nacionalização do comércio na Guiné; e o Eng.º. José Pereira Zagallo, Diretor dos Serviços de Obras Públicas, deixa-nos uma sinopse do Serviço das Obras Pública. Abordam-se agora as outras intervenções, a saber: o Serviço dos Correios e Telégrafos, pelo seu Chefe de Serviços, Joaquim Alfama Godinho; os Serviços da Marinha, pelo Primeiro Tenente Francisco Marques dos Santos; as atividades industriais e transportes, pelo 2.º Tenente Viriato Augusto Tadeu; o aeroporto terrestre, pelo Capitão Pedro Pinto Cardoso.

Alfama Godinho faz o elogio da modernização dos Serviços Telégrafo-Postais, houvera notáveis progresso nas telecomunicações, estava tudo antiquado, fez-se uma substituição praticamente integral. Firmou-se com a Companhia Telefunken um contrato que assentava nas seguintes caraterísticas: estação de onda média e onda curta em Bissau, estação de onda média em Bolama, estação de onda curta em Bubaque. As estações de onda curta, as de Bissau e de Bubaque executavam o serviço costeiro e a de Bolama fazia o mesmo serviço e ainda os de navegação aérea e radiogoniométrico. Por via terrestre, estabelecera-se as comunicações telegráficas entre a Guiné e a colónia francesa do Senegal, montou-se a linha S. Domingos – Ziguinchor. Igualmente fora estabelecido o serviço telefónico urbano em Bissau e em Bolama. E registaram-se melhorias nas centrais telefónicas. Observa que uma das consequências imediatas das montagens das novas estações da TSF da Guiné fora a inauguração de carreiras aéreas para o transporte de correspondências postais, a que se seguiu a chegada da Pan-American Airways Company com transporte de passageiros e de malas de correio.

O Primeiro Tenente Marques dos Santos refere-se aos Serviços de Marinha informando que antes da Revolução Nacional a Capitania dos Portos vivia num abandono criminoso, era patente a organização deficiente dos serviços de pilotagem, confiados a indígenas analfabetos. A partir de 1929, os seis faróis a petróleo foram substituídos por faróis automáticos. Construíra-se recentemente uma rede de faróis, eram agora 20, alguns de três boias luminosas, duas boias de prismas e de um grande número de boias cegas. Fora importado da Holanda o rebocador Bissau e estavam definidas as competências da Capitania dos Portos: administração das pontes e cais acostáveis; fiscalização marítima, hidrografia e oceanografia; carreiras dos vapores do Estado; instrução profissional do pessoal indígena. Havia igualmente uma superintendência no porto de Bissau, nas delegações marítimas de Bolama, Cacheu e Bubaque e nas subdelegações de Farim e Bafatá.

Coube ao Segundo Tenente Viriato Tadeu apresentar as atividades industriais e os transportes. Referiu as oficinas navais, situadas em Bolama, datavam de 1905, toda a sua atividade estava ligada à história da Guiné durante o período da ocupação - assistência e reparação dos navios de guerra e outros. Desde de 1926 que estas oficinas também serviam a marinha privada da colónia. Agora as oficinas navais eram uma base de recursos para o aeroporto de Bolama e respetivas empresas aéreas. Em 1941 havia 462 viaturas ligeiras e pesadas em circulação. Estando-se no auge da guerra, o oficial exprime a opinião sobre o aproveitamento de todos os recursos, dizendo: “As possibilidades mecânicas de gasogénio, com produtos florestais, são já evidentes e os seus resultados práticos absolutamente confirmados, pelo que a possibilidade de aliviar a economia da Guiné e dos encargos de importação de combustível líquido será forçosamente de ser encarada”. Falando da preparação indígena, dirá: “De modo a resultarem frutos produtivos para o indígena e para a colónia prevê-se a organização de uma Escola de Artes e Ofícios, em Bolama, que terá por centros de aplicação prática as oficinas navais e a Imprensa Nacional”.

Competiu ao Capitão Pedro Pinto Cardoso exprimir-se sobre o aeroporto terrestre. Esclareceu que o aeroporto tem uma pista de 4 quilómetros, poderá ser utilizado para aviões comerciais, mesmo em voo noturno. Havia na Guiné um avião DH Leopard, tinha diferentes obrigações: correio, transporte urgente, incluindo socorros médicos; e treino de pessoal navegante. O aeroporto tem sido utilizado pelos hidroaviões da Pan American Airways, quadrimotores Boeing. Havia campos de aviação para avionetas em Bolama, Bissau, Bafatá, Gabu, Mansoa, Cacheu, Canchungo e ilha das Galinhas.

A última comunicação, dedicada à assistência agrícola e zootécnica, coube ao Regente Agrícola Joaquim Graça do Espírito Santo. Esta assistência surgiu em 1927, com a criação das Repartições Técnicas da Agricultura e da Veterinária, nesse mesmo ano surgiu a Estação Zootécnica João Belo, em Bissau. A sede da Repartição dos Serviços Agrícolas e Florestais estava no Campo Experimental de Bor. E mostrava-se muito confiante, como escreveu: “A criação de campos experimentais de culturas e a distribuição de plantas e alfaias agrícolas, conjugada com a ação dos técnicos como agentes difusores das moções racionais do amanho do solo e aliados à cooperação franca das autoridades administrativas têm contribuído de modo sensível para o progresso das produções indígenas”.

É este o quadro que nos fica da evolução da Guiné no início da década de 1940, a surpresa está em que o antecessor de Sarmento Rodrigues lançou vias de progresso que em muito contribuíram para a evolução fenomenal que ocorreu posteriormente, e aqui vemos como Sarmento Rodrigues inaugurou muita obra de Vaz Monteiro tal como Raimundo Serrão irá inaugurar muitíssima obra encetada por Sarmento Rodrigues. É uma das ironias da política.
Major Ricardo Vaz Monteiro (Governador da Guiné, 1941-1945)
Bissau em 1950, imagem da Agência-Geral das Colónias
Edifício dos Correios 1950, imagem de um trabalho sobre a Arquitetura da Guiné no período colonial
Estação meteorológica de Bissau em 1952, imagem retirada do trabalho anterior
O rebocador Bissau, anos 1940
Um Clipper da Pan American, igual aos que amaravam e partiam de Bolama
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23757: Historiografia da presença portuguesa em África (341): A União Nacional e um retrato da Guiné em 1942 (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Devagar e lentamente à maneira do Estado Novo, de tudo o que foi executado até 1942, e não se menciona aqui, foi ter sido dada uma verdadeira capital â Guiné, no ano anterior 1941.

Que foi a capital Bissau, porque até ali era uma cidade muito bonita BOLAMA, mas islada, que parecia mais uma capital dos Bijagós.