sábado, 12 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23778: Os nossos seres, saberes e lazeres (538): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (76): Do Luso para o Bussaco (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Outubro de 2022:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a uma itinerância que teve o seu ponto alto na Mata do Bussaco e um regresso à Serra de Montejunto, uma das minhas más memórias dos tempos em que me preparava para ser atirador de Infantaria, no longínquo ano de 1967. Foram dias de regalo, e descubro agora que ainda não vos contei que andei pelos lados de Santiago do Cacém, quando levei a neta a férias na região de Sines. É um salto na cronologia, pois na verdade andei primeiro nas ruínas romanas e depois nestas deliciosas terras do Bussaco em que os frades transformaram um deserto no paraíso.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (76):
Regresso do Bussaco, viagem a Montejunto, os bons silêncios no Casal da Esperança


Mário Beja Santos

Chegou a hora do regresso, em jeito de despedida uma passagem pelo Museu Militar do Bussaco, fundado em 1910, na cerimónia esteve o rei D. Manuel II, teve aqui um dos seus últimos atos políticos. O edifício situa-se junto da capela de Nossa Senhora da Vitória e Almas, que durante o período da batalha foi aproveitado pelos frades carmelitas descalços, do convento próximo, para acolher um hospital de sangue onde foram assistidos os feridos da batalha de ambos os exércitos. Aqui se pode observar a estratégia utilizada por Wellington para derrotar Massena.
Interior do Museu Militar do Bussaco

A Mata do Bussaco ainda é motivo de conversa no grupo, há quem suspire por ter faltado um nevoeiro denso a encobrir a copa das árvores, há quem rejubile com o passeio dado às ermidas e há quem também ponha na conversa o muito que tem de intrigante o Convento de Santa Cruz, mostra-se mesmo um folheto onde se refere que os frades, ao verem pela primeira vez esta paisagem, terem enunciado: “Aqui é vontade de Deus que se funde; murem este sítio, que tem ele o melhor deserto da Ordem. Porque se agora em culto, rude e tosco, é o que admiramos. Cultivado, será um paraíso terreal”, e nós comprovámos que é de facto uma bênção da natureza.
Portas de Coimbra, Mata do Bussaco

Os azulejos do Palace Hotel primam pela altíssima qualidade e o modo como se inserem enquanto arte decorativa. Se o estilo é neomanuelino, o artífice embrechou temas como o Duque de Wellington, a Barca do Inferno de Gil Vicente ou temas d’Os Lusíadas, caso deste Mostrengo, que é um regalo para os olhos.
O Mostrengo, um dos espantosos azulejos que podemos ver no Palace Hotel do Bussaco

Regressa-se à Lourinhã de onde se partiu, alguém alvitra um passeio à Serra de Montejunto, é relativamente próximo, entre Cadaval e Alenquer, pode-se falar no sistema Montejunto-Estrela e como aquela paisagem protegida assenta perfeitamente no Maciço Calcário Estremenho, momentos há em que parece que estamos na Serra de Aire e Candeeiros. Confesso que vou para ali contrafeito, se há recordação que se tornou indelével foi a das duas últimas noites das marchas finais da especialidade de atirador da Infantaria, fomos para aqui largados em tempos gélidos, com a mesma farda com que recebíamos instrução em Mafra, largados num matagal qualquer, forjou-se um golpe de mão numa madrugada, andou por ali um pelotão a monte a cortar o nevoeiro, nada de inimigo, só o silêncio do escalvado do monte, a tiritar de frio lá se encontrou um abarracamento de animais, por ali se fingiu pernoitar, pelo amanhecer surgiu visibilidade, seguiu-se um dia inteiro a passear entre pedregulhos, do inimigo nada se sabia. A vista tem pormenores estarrecedores, e viemos aqui aos comes e bebes, trata-se de um cozido dentro do pão num local chamado O Curral do Burro, saímos deliciados, para esmoer as carnes e os legumes passeou-se a pé, aqui se deixa algum registo, vale a pena voltar e esquecer definitivamente (?) aquelas malfadadas marchas finais que me deram direito a ser aspirante a oficial miliciano.
Chegou a hora de regressar a casa, na Travessa do Casal da Esperança, freguesia de Reguengo Grande, concelho da Lourinhã, a escassos 2 quilómetros do concelho do Bombarral. É região de fruta, de vinho, alguns cereais e legumes, funciona como uma placa giratória entre locais como Óbidos, Lourinhã, Peniche, Caldas da Rainha, passeios não faltam. Mas não escondo que me sinto muito bem nestes casebres, gosto da natureza, do jardim que se construiu entre pedregulhos, tem pereira, loendreiro, ameixieira, laranjal, agora põem-se glicínias, buganvília, imensos catos. O trabalho é permanente, arrancar a erva daninha, a mexer nos interiores exíguos para os tornar mais confortáveis, ter espaços para cozinhar aceitáveis; e assim acrescentar o prazer de contemplar esta natureza em paisagem protegida. Vejam como estes casebres estão cheios de paz e garantem uma estadia cheia de amenidade.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23764: Os nossos seres, saberes e lazeres (537): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (75): Do Luso para o Bussaco (Mário Beja Santos)

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