sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23776: Notas de leitura (1515): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Depois dos autores nos darem a contextualização do movimento da descolonização, entramos nos problemas portugueses, fica-nos um relato das missões que percorreram os territórios ultramarinos ainda nos anos 1950, desencadeia-se a insurgência, o regime do Estado Novo apercebe-se que não pode contar com a NATO, tomam-se decisões orçamentais de grande significado, em breve vamos saber o que vai acontecer à Força Aérea, e como é que ela vai poder atuar na Guiné, logo no aceso do conflito.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (3)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Os acontecimentos do Pidjiquiti foram determinantes para a estratégia do PAI (mais tarde PAIGC), Amílcar Cabral reuniu com elementos subversivos em Bissau e propôs uma estratégia assente numa direção sediada em Conacri, como veio a acontecer, ficando um grupo operante a trabalhar na subversão interna, fazia-se o reconhecimento de que não havia condições para agir nos centros urbanos, as perdas seriam sempre enormes, era a partir do interior da Guiné e com gente bem preparada que se devia montar a luta armada. A proposta foi aceite, era lançado um programa a longo prazo de infiltração rural, doutrinação política e uma exigente preparação militar. Pretendia-se explorar as vulnerabilidades portuguesas, a luta armada iria completamente surpreender os efetivos militares na Guiné pela intensidade e diversidade dos ataques e dos apoios populacionais. Amílcar Cabral iniciava assim um percurso em que viria a ser tratado na cena internacional como o mais original político revolucionário africano, igualmente considerado um inovador e importante pensador militar do terceiro mundo. Cabral previu cinco fases potenciais do desenvolvimento do conflito, com base no pensamento clássico da guerrilha: preparação, agitação, guerra de guerrilhas, subversão e guerra convencional. Estabeleceu-se uma “estratégia centrifuga” dependente de áreas de base relativamente seguras, tanto na Guiné rural como nos estados vizinhos, na fase de arranque na Guiné Conacri. A previsão era ir exercendo uma pressão que fizesse erodir gradualmente a presença e autoridade portuguesas, isolando centros urbanos e as guarnições, a que mais tarde Cabral designará por destacamentos fortificados.

Numa primeira fase subversiva, atendendo à escassez de quadros e às limitações do armamento, Cabral ordenou aos insurgentes que evitassem confrontos diretos ou assaltos aos seus oponentes portugueses possuidores de melhor armamento, assim começou a subversão em vários pontos do Sul no segundo semestre de 1962, com destruições de infraestruturas, tornando tudo muito difícil à atuação militar portuguesa.

No mesmo ano em que Cabral viajou para a China, país onde foram formados os primeiros contingentes de quadros revolucionários, Harold MacMillan proferiu em plena África, no parlamento sul-africano na Cidade do Cabo, o seu histórico “vento de mudança”: “O vento de mudança sopra nesse continente e, quer gostemos ou não, o crescimento da consciência nacional é uma questão política iniludível”. O discurso de MacMillan ia estabelecer a matriz da política britânica em relação à descolonização em África, a própria França preparava-se para sair da Argélia e de todo o seu império. Salazar estabeleceu uma linha ultramarina inflexível, estava lançado o mote de que Portugal ia do Minho a Timor.

A insurgência contra o império português inicia-se em Angola, logo em fevereiro de 1961, há os ataques de militantes da UPA que provocaram massacres, eventos que horrorizaram a comunidade internacional e Portugal em particular, motivando a resposta oficial, “para Angola, rapidamente e em força!”. Inicialmente, no topo da hierarquia militar, houve uma tentativa para derrubar Salazar, o golpe palaciano foi abortado e os oficiais demitidos dos seus postos de comando, tendo mesmo Salazar assumido as funções de Ministro da Defesa. Em agosto desse ano, tropas do Daomé, país recentemente independente (hoje Benim), entraram no forte de São João Baptista de Ajudá e os residentes portugueses foram levados para a Nigéria, desaparecia assim a primeira presença portuguesa em África. O golpe mais grave ocorreu no final desse ano, as forças indianas invadiram os enclaves de Goa, Damão e Diu, o “Estado da Índia”, caiu em 40 horas.

Caiu um manto de silêncio sob a capitulação da guarnição, a propaganda do regime fazia constar casos de resistência heroica, o assalto indiano saldou-se em 30 mortes, 57 feridos e mais de 3 mil prisioneiros. Houve processo quanto à decisão da rendição, vários oficiais foram demitidos, alguns expulsos. O regime endureceu, a defesa dos territórios africanos tornou-se primeira prioridade. O regime procurou alianças, sendo membro fundador da NATO fez questão de apregoar que a defesa dos seus territórios ultramarinos fazia parte da defesa do Ocidente contra o comunismo internacional. A NATO tinha outra estratégia, queria divisões do estilo norte-americano e esquadrões de caças prontos para uma hipotética guerra europeia. Portugal viu-se sozinho, mesmo reclamando que estava a defender o Ocidente.

Vindo um pouco atrás, há que referir algumas missões que se realizaram na década de 1950 por todo o império, mais tarde o Marechal Costa Gomes irá sublinhar o que constava desses relatórios. Por exemplo, aludia-se à calma que se desfrutava em África mas que iludia uma tempestade próxima; em maio de 1957, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica, Kaúlza de Arriaga, emitiu diretivas para a preparação da Força Aérea Portuguesa. O Conselho Superior de Defesa Nacional emitiu três recomendações que evitavam quaisquer novos compromissos com a NATO, por razões de financiamento, lançava-se o planeamento para recolocação do pessoal. Em 1960, o mesmo Conselho deu ênfase às prioridades de planeamento para os territórios ultramarino, reduzia os compromissos com a NATO e até com a Espanha na defesa ibero-atlântica. O orçamento com a defesa duplicou, passou de 859,1 milhões para 1.670,6 milhões de escudos, criava-se a rúbrica dedicada a “forças militares extraordinárias no Ultramar”. Na verdade, o financiamento para as Forças Armadas mais do que triplicou de 280 para 950 milhões de escudos. Portugal foi forçado a procurar créditos estrangeiros, pela primeira vez em décadas. E com o alargamento das frentes de combate, as despesas foram subindo em espiral.

Vamos seguidamente falar da Força Aérea.
Vista do porto de Bissau, um pouco mais à esquerda ocorreram os incidentes que levaram a massacre de trabalhadores, 3 de agosto de 1959
Amílcar Cabral intervindo no Congresso Nacional do Partido Democrático da Guiné Conacri em dezembro de 1962, ao fundo está Sékou Touré
Salazar com o Presidente da República e membros do Governo, em 1958. Ao seu lado esquerdo está Botelho Moniz, Ministro da Defesa, figura de proa da Abrilada, exautorado por Salazar

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23769: Notas de leitura (1514): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

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