sábado, 28 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P464: A Guiné para os bloguistas - I Parte (Conceição Salgado)


Guiné > Zona Leste > Bambadinca > Rio Undunduma > 1970 >

Uma produção pecuária dependente da prática da transumância... Ontem como hoje.
Mas actualmente enfenta crescentes problemas devido às divergências ao conflito entre entre as leis fundiárias tradicionais e os constrangimentos da poder político de Estado.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)

Caracterização Socio-Económica da República da Guiné-Bissau

Texto da Dra. Conceição Salgado, economista e cooperante, membro da nossa tertúlia

A sociedade guineense é constituída por cerca de 1,2 milhões de pessoas (1999) distribuída por cerca de trinta etnias diferentes, as quais têm sabido manter uma louvável relação especial de coabitação, que, de acordo com a lição de Amílcar Cabral, e os princípios que nortearam a luta armada, souberam desenvolver, “aglutinando homens e ideias cimentadas na e pela prática, pois nunca um movimento de libertação em África conseguiu unir tantas etnias numa mesma luta, eliminando, [então] clivagens regionais ou tribais” (Lopes, C., 1982), ainda que continuem a existir os designados “chãos” (1).

A população urbana constitui 24,5 % (PNUD, 2001).

Guiné-Bissau: Um dos países mais pobres do mundo, com um rendimento nacional bruto por habitante de 160 dólares (em 2001)
Fonte: © Conceição Salgado (2006)

Bissau, a capital, tem hoje uma população estimada em cerca de 400.000 habitantes, grande parte proveniente do interior (um fenómeno que não resultou do evento militar de 1998), o que provoca situações de alto risco em termos de fome, de saúde, de habitação e de empregabilidade, de educação, de estrutura social, mesmo da destruição da diversidade étnica e cultural.

A República da Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo, de acordo com os relatórios da ONU. A organização económica da República da Guiné-Bissau apresenta as seguintes características gerais:

Guiné-Bissau: Um país cada vez mais pobre... O Produto Interno Bruto (PIB) passou de 256 milhões de dólares em 1991 para menos 199 milhões, em 2001
© Conceição Salgado (2006)
 
(i) economia de subsistência, repousando, essencialmente na agricultura e na pesca, essencialmente comunitária, pois os meios de produção (a terra e os instrumentos de trabalho) são propriedade comum da comunidade de base (a família), representando cerca de 60% do PIB;
(ii) formações pré-capitalistas;

(iii) separação de classes entre os camponeses, pequenos comerciantes e classe dirigente;

(iv) existência de relações mercantis internas em esferas limitadas;

(v) inexistência de comércio com o exterior, aspecto que nos reconduz ao colonialismo, o qual fez concentrar na minoria dirigente as transacções comerciais com o exterior (reduzindo-se a venda, quase exclusivamente, de caju e óleo de palma – monoculturas).

Guiné-Bissau: A degradação das terras de cultivo...
© Conceição Salgado (2006)

Crê-se que existe uma diminuição de cerca de 30% de terras incultas em relação aos meados da década de oitenta (principalmente as bolanhas) (2).

Na Guiné-Bissau coexistem, hoje, formas de produção tributárias (assentes na terra e distribuição comunitária); mercantis a nível interno ou pouco significativo com países vizinhos - actividade realizada pelos djilas (3) - e um reduzido comércio externo de carácter monopolista.

Na realidade, as grandes tarefas económicas ligadas à agricultura (lavoura da terra, colheita, transportes, trabalhos hidráulicos, etc.) são realizadas pelo trabalho comunitário que permanece fiel a valores ancestrais.
A economia de subsistência prima sobre a economia de mercado, mas existem traços mercantis a despontaram, ao longo das décadas de independência; algumas estruturas débeis, de cariz capitalista, ligadas ao frágil sector de exportação / importação, dominadas por uma diminuta minoria local e por vagos interesses exteriores.

Guiné-Bissau: A economia de substência prima pela economia de mercado...
© Conceição Salgado (2006)

As explorações agrícolas são de cariz familiar e concentradas junto das tabancas (4).


Guiné-Bissau: Predominância das explorações agrícolas de cariz familiar e comunitário
© Conceição Salgado (2006)

A agricultura é, ainda hoje, o sector mais importante na economia guineense, caracterizando-se por:

(i) uso intensivo da mão de obra;

(ii) escasso uso de meios tecnológicos;

(iii) diminuta utilização da tracção animal;

(iv) a rotação de culturas é prática comum, contribuindo para a degradação geral do meio ambiente;

(v) as principais culturas são: caju, arroz (até aos anos 60 a Guiné-Bissau exportava arroz), milho miúdo, sorgo, amendoim, mandioca e frutos tropicais.

Os recursos básicos são, por força do mercado, o caju (que ocupa cerca de 70% da população activa, sendo uma actividade sazonal), o amendoim, o óleo de palma, o coco, e as pescas, para além da exportação de madeiras.

Mas continua a ser mais fácil importar o arroz da China ou de outros países, uma vez que existem dois factores negativos que impedem a normal produção deste cereal:
(i) difíceis transportes internos para escoamento do arroz produzido na região sul do País;
(ii) interesses comerciais isolados.

© Conceição Salgado (2006) (5)

À fraca estrutura económica acresce uma baixa produtividade agrícola, um isolamento dos mercados internacionais, a fragilidade dos solos e a fraca produção alimentar não facilita a diversidade económica dos produtos primários para exportação. O comércio tradicional vem dando progressivamente lugar ao comércio por bruto, em especial do caju.

Nas zonas rurais, empobrecidas pelas migrações para a capital, as relações de tipo tributário são de longe as mais importantes; nas cidades, sobretudo Bissau, a macrocéfala capital, predomina o “modo de produção capitalista”.

As florestas, grande riqueza deste País, têm vindo a ser objecto de grandes intervenções negativas: intensos abates de árvores de alto porte e de grande valor natural e ecológico, e que, por um lado, servem para produzir carvão para consumo doméstico e, por outro, para exportação em favor de interesses comerciais, provocando a “savanização” da paisagem.

A produção pecuária depende basicamente da prática de transumância, «que enfrenta problemas crescentes devido às divergências entre as leis fundiárias tradicionais e as estatais» (Dias, J. R., 1996).

O subsolo não está especialmente analisado sob o ponto de vista das riquezas minerais, sendo conhecida a existência de bauxite e fosfatos, e ainda, ao que parece, de petróleo.

Guiné-Bissau > Bafatá > 2001 > O cajueiro vernelho 
© David J. Guimarães (2005) ... 

Ou a praga da cultura do caju... Segundo o José Carlos Mussà Biai (que é engenheiro florestal, mandinga do Xime, guineense e cidadão português, e membro da nossa tertúlia), as autoridades de Bissau têm estado nos últimos anos a incentivar a monocultura do caju. Os resultados podem vir a ser catastróficos para a população: em troca do caju, os agricultores recebem arroz, em quantidades que lhe dão para o ano todo. Desincentiva-se assim a cultura do arroz, que é importado e custa divisas. No ano em que houver um desastre na cultura do caju, vai haver fome... Além disso, "o cajueiro é como o eucalipto", destrói os solos... Em contrapartida, os povos do sul que cultivam o arroz não o conseguem escoar para Bissau por que não há uma rede viária e nem transportes em condições... Resultado: ficam os velhos e as crianças no interior, enquanto os mais novos vai engrossar o lumpen-proletariado de Bissau, hoje com um terço da população do país... (LG)

(Continua)
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Notas da autora:

(1) Chão: território predominantemente dominado por uma etnia, ao qual pode corresponder um Regulado
(2) Terras alagadiças de cultivo
(3) Djilas: pequenos comerciantes muçulmanos
(4) Tabanca – aldeia guineense
(5) Índice de produção > Ano base: 1989-91

sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P463: Uma boleia na Daimler do Vacas de Carvalho (Xitole, David Guimarães)

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > "No Saltinho, as bajudas continuam lindas, ontem, como hoje", escreveu o José Teixeira, quando lá voltou em Abril de 2005. Mas esta é (ou era, no nosso tempo) também uma região palúdica, devido à existência de rios e charcos de água, acrescenta o nosso David Guimarães, vítima do paludismo, como quase todos nós...
© José Teixeira (2005)

Texto do David Guimarães:

Nós sabemos o que era uma coluna logística, uma operação de reabastecimento, mas outros nem calculam o que seja..... O vai haver coluna já era uma grande chatice... Andar até ao Jagarajá, à Ponte do Rio Jagarajá, a pé e a picar, não era pera doce... E depois? Se acaso acontecia mais algo a seguir?

Claro que não vou explicar o que é picar - não será necessário, antes fosse.... O picar na tabanca era bem melhor, maravilha mesmo... Agora picar aquela estrada toda até ao Jagarajá, porra, que grande merda!... Na tabanca sempre era melhor, era pelo menos algo bem diferente do que ir a servir de rebenta minas...

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > Recordações dos nossos camaradas da CCAÇ 2406 e do Pel Caç Nat 53 que lá ficaram .
© José Teixeira (2005)

Pois é, a grande operação, a saída da rotina. Depois havia que manter a guarda de amanhã até á noite... É que, quando a coluna vinha para o Xitole, então também se ia ao Saltinho. Ufa, que grande merda, mas tinha que ser....

O Quaresma, o Santos e eu vivíamos os três na altura no mesmo apartamento do Xitole - um à esquerda, outro à direita e eu ao centro... Sempre simples e amigo da brincadeira, eu via os dois desgraçados com uma camada de paludismo a vomitarem e eu lá no meio a acalmá-los:
- Vocês são uns merdas, não valem nada... Pois, não fazem o que eu digo!... Apanham isto por que não bebem. Quem bebe bem, safa-se!

E eles, coitados, riam e choravam ao memso tempo, e seguir lá vomitavam o que não tinham no estômago. O paludismo era assim... Bem lá me levantava eu de manhã e lá ficavam eles na cama.... Eles já tinham o cu como um crivo, só das injecções.
- Porra!, - dizia eu - quem dera nunca me dê esta merda...

Bem, mas eles melhoravam e eu estava bom - antes assim. São meus amigos, faço-lhes companhia e trago-lhes o correio... É verdade e lá parto de manhã, um belo dia, para a dita operação de segurança à coluna que vinha de Bambadinca...
- Ai, que bom não ser eu a picar, ainda bem! - Nos revezávamo-nos entre os três grupos de Combate em cada coluna: ia um até ao Jagarajá, outro ficava no ponto intermédio e o outro adiante da Ponte dos Fulas, aquela ponte a 3 Km do Xitole onde estava sempre um grupo de combate. Esse limitava-se a ver passar o comboio ... e a tomar conta da ponte, claro...

Bem, lá fomos nós por ali adiante, os três grupos, o meu no meio. Eu, como sempre levei duas Fantas - cerveja só no Xitole -, enfim uma ou outra coisita da ração de reserva e doces, nem vê-los..... É que aquelas geleias e coisas mais doces da ração atraía a nós uns mosquitos chatos e sobretudo umas formigas que ferravam e não nos largavam. Quantas vezes tivemos que as tirar das zonas púbicas - que bem que está a falar um ex-militar!.... Quantas vezes tivemos que arrear as calças, para essa aflitiva operação!... Mas essa era outra guerra, paralela à coluna...

Lá progredimos e começámos a instalarmo-nos, ao lado da estrada, metidos uns 20 a 30 metros dentro do mato.... Depois ali era esperar, esperar que os motores se começassem a ouvir e as viaturas a surgir, envoltas em núvens de poeira:
- Aí vem a coluna!...

Já tínhamos morto umas centenas de moscas pequeninas que vinham fazer cócegas onde havia mais suor. O pulso era um dos seus alvos prefeidos, mesmo na zona da correia do relógio...

Uma vez instalado, eis que me deu sede... Bebi uma Fanta, quase de um só gole. Aao mesmo tempo deu-me um frio danado, vomitei a bebida de imediato e tiveram que me cobrir com um camuflado. Comecei a tremer como varas verdes - não, dessa vez não era com medo, era com frio, arrepios de frio, no meio de um calor do caraças.... Tive ainda forças para dizer:
- Lopes (era um cabo da minha secção), comande esta merda e meta-me na primeira viatura que aparacer... Estou com paludismo... ´

Guiné > Xitole > 1970 > A coluna logística mensal de Bambadinca chega ao Xitole... Em cima da Daimler, ao centro o alferes miliciano de cavalaria Vacas de Carvalho, comandante do pelotão Daimler; à sua direita, o furrriel miliciano Reis, da CCAÇ 12, à sua esquerda o furriel miliciano enfermeiro Godinho, da CCS do BART 2917, mais o furriel miliciano Roda, da CCAÇ 12.
© Humberto Reis (2006)

Porra, que eu nem forças tinha para me pôr de pé. Lá vim para a estrada, apoiado no cabo, até que enfim se ouve o trabalhar dos motores, as viaturas das colunas...O cabo mete-me na primeira...
- Sobe, diz o oficial. - E lá fui eu a tremer até ao Xitole, a bordo o de uma viatura... de Cavalaria, a autometralhadora Daimler do Vacas de Carvalho, comandante do Pelotão Daimler... Esse mesmo, o da fotografia, espero que não tenha sido nesse dia mesmo que eu fiquei doente; julgo que na altura lhe agradeci a boleia, mase o não fiz, devido ao estado febril em que eu me encontrava, ainda vou a tempo, trinta e seis anos depois:
- Obrigado, meu alferes! Foi a melhor boleia, a mais oportuna, a mais rápida, que eu apanhei na puta da vida! Mesmo à justa!... (1)

Bom, o resto da estória é fácil de imaginar: enfermaria, uns comprimidos e cama - uma semana de baixa!... Ai que bom, nem precisei de injecções.... Aí naquele quarto de hotel de cinco esterleas, o que o Santos e o Quaresma - falecido pouco depois, uma história negra já aqui contada (2) - me disseram!
- Então, seu caralho, tu é que eras o bom!...
- Por favor, deixem-me em paz! - pedia-lhes eu....

A guerra naquela zona sempre foi tremendamente difícil. Sei que o Xitole era das zonas da Guiné que mais problemas tinha com o caraças do paludismo: tínhamos muito charcos de água e dois rios bem perto, o Corubal e o Poulom, aquele da ponte dos Fulas... Chegámos a ter muita gente acamada ao mesmo tempo e não dávamos descanso à enfermaria....

Como estão a ver na guerra apanhava-se de tudo: boleias de Daimler, picadas de formigas, moscas e mosquitos, paludismo, além da porrada... Em matéria de picadas, também as fiz, picadas à pista de aviação de Bambadinca... Mas isso é outra estória, que fica para uma próxima...

Abraço,
David
( ex-Furriel Miliciano Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970-1972)
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Notas de L.G.

(1) Em resposta a a este post, o J. Vacas de Carvalho mandou ao David, com conhecimento ao resto da tertúlia, a seguinte mensagem: "A próxima vez que vieres por Lisboa ou Montemor dou-te outra vez boleia até á tasca mais próxima. Podes continuar a beber Fanta. Eu vou numa imperial fresquinha. Um grande abraço. J.Vacas de Carvalho

(2) Vd. post do David Guimarães, de 10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez'

Guiné 63/74 - P462: As pontes sobre o Rio Corubal: rectificação (Mário Dias)

Caro Luis:

Depois de ter lido com mais atenção as intervenções do David Guimarães e do Humberto Reis sobre as pontes do Corubal, e tendo ido à carta do Xitole, verifiquei a existência de uma ponte em ruinas, assinalada nessa carta e que deve ser a tal Marechal Carmona da fotografia.

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > "Que saudade!", disse o José Teixeira, quando lá voltou... © José Teixeira (2005)

Confesso que desconhecia a sua existência pois, pelo menos desde 1950, que a travessia do rio se fazia pela tal passagem submersível de que falei. Ao ler, muito por alto,que a referida ponte M. Carmona estava interrompida e existia no meio do rio um "pegão", deduzi tratar-se da ponte submersível que, por não estar em uso desde a inauguração da nova Craveiro Lopes, estivesse já em ruína. Errei, e peço desculpa.

Nunca atravessei o Corubal na tal ponte M. Carmona. Sempre o fiz pela submersível e mais tarde pela nova que, penso eu, foi inaugurada em 1955, pois tem o nome de Craveiro Lopes que, nesse ano, visitou a Giuiné (1). É de supor, portanto, que a derrocada da antiga ponte M. Carmona deve ter acontecido antes dos anos 50, certamente por causas naturais.

Mais uma vez as minhas desculpas pelo meu involuntário erro.

Um abraço
Mário Dias
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Nota de L.G.

(1) Francisco Higino Craveiro Lopes (1894-1964). General e presidente da República (1951-1958).

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P461: Os rios (e os lugares) da nossa memória (2): Corubal (Saltinho e Contabane) (José Neto)


1. Luis:

Nessa de Saltinho também eu entro. Em 1967, quando estavamos (CART 1613) a encher chouriços em Colibuia e Cumbijã, organizámos várias excursões ao Saltinho.

Nas primeira fomos com quatro viaturas carregadinhas de pessoal. A maior parte do meu pessoal não perdeu o ensejo de admirar aquele rincão maravilhoso que nos pareceu deslocado na Guiné agreste que conheciamos. A prova de presença segue por e-mail. O artista do salto de costas é este teu (vosso) amigo. Um pouco desajeitado, mas algo temerário. Bons tempos!!!

Até brevee um abraço do
Zé Neto




Guiné > Saltinho > 1969> As férias do pessoal da CART 1613, enquanto aguardava, em Colibuia e Cumbijã, a indicação do sítio da porrada... © José Neto (2005)

2. Cá estou outra vez. Que chato!!!

Depois de mandar o meu salto no Saltinho, lembrei-me que o José Teixeira já aqui falou do senhor Sambel, homem grande de Contabane. E então aí vai a foto que fizemos com ele quando lá passamos a caminho do Saltinho. Da esquerda para a direita estão: Furriel Nelson Almeida, já falecido, Alferes Tavares Machado, morto em combate em Guileje, Furriel Arclides Mateus, 2º Sargento Neto, senhor Sambel e Capitão Eurico Corvacho. Os outros africanos não os conheço.

Bem. Agora prometo que fico no meu cantinho por uns tempos.
Um abração do
Zé Neto

Guiné 63/74 - P460: Os rios (e os lugares) da nossa memória (1): Corubal (Xitole, Saltinho, Cusselinta) (Luís Graça)

Guiné > Xitole > Ponta dos Fulas > 1969 > A famosa ponte, de madeira, sobre o rio Pulom, afluente do Corubal, defendida dia e noite pela companhia de quadrícula estaccionada no Xitole... © Humberto Reis (2006)


David, Humberto e demais tertulianos:

1. Tenho muitas fotos do Saltinho (do José Teixeira, do Albano, do Allen, do Guimarães, do Humberto ...) pelo que se justifica fazer uma página só para este lugar maravilhoso no Rio Corubal. Que acham ?

2. O David [Guimarães] vai ficar triste porque vou ter que desanexar o Saltinho da ZA [zona de acção] do Xitole... Em contrapartida, melhorei a página do Xitole... Vejam e comentem. A propósito, a foto aérea do Xitole pode ser melhorada, em termos de tamanho e resolução, vou fazer isso daqui a uns dias, com tempo e vagar... Mesmo sem o Saltinho e os rápidos de Cusselinta, o Xitole continua a ter o seu encanto...

3. Peço ao Albano e restantes tertulianos para terem santa paciência: ainda não tive tempo de mexer na nossa página do Guidaje... O Albano afogou-me com fotos fantásticas de Binta e de outros lugares maravilhosos... Binta vai ter direito a uma página específica, é isso. Prometo também criar uma página também sobre Buba, outra sobre Empada, outra sobre Canjadude... Mas preciso de tempo (e vagar). Tenho montes de mapas (do Humberto) para inserir: Bissau, Bigene, Binta, Bula, Farim, Jumbembem, Pirada, Teixeira Pinto...

4. Por sua vez, o Zé Neto mandou-me ontem, pelo correio, um CD com fotos digitalizadas dos seus velhos slides de Guileje e arredores. Foi uma prenda para a nossa tertúlia e para a AD do Pepito & Companhia...

Já lhe agradeci, nestes termos: Zé, acabo de receber, em boas condições, o teu CD-ROM… Já visionei as fotos: são um documento importante, tu fizeste uma reportagem fotojornalística completa do Guileje !… Nada te escapou, desde… as bajudas (lindas!) até à vida do dia a dia das duas comunidades (a civil e a militar). Uma coexistência nem sempre fácil, como se imagina… Bem hajas!... Ficamos com muito material interessante que eu irei seleccionar e pôr no blogue – bem como na nossa página sobre Guileje - à medida que vão saindo as tuas memórias do lugar… Para já vou publicar o teu pequeno texto, mais recente, sobre o Saltinho, que vem a propósito neste momento…

5. Guileje, Gandembel, Buba... manga de chocolate, como diz o outro Zé (Teixeira) cujo diário está a ter muito sucesso no nosso blogue... E ainda estamos longe de chegar ao fim da comissão: vocês vão ter que gramar o nosso enfermeiro por mais uns tempos (1)...

6. Amigos & Camaradas da Guiné: O(s) Rio(s) da Nossa Memória vai (vão) engrossando... até ao dilúvio final! Continuam, a aceitar-se comentários à foto aérea de Bambadinca... Obrigado pelos comentários do David...
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Nota de L.G.:

(1) Vd último post do José Teixeira, de 24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate'

Guiné 63/74 - P459: As pontes sobre o Rio Corubal (Mário Dias)

Caro Luis:

Ligando o computador para terminar o trabalho sobre o Domingos Ramos (segue em breve), visitei o blogue como sempre faço.

Deparei com algumas dúvidas suscitadas pelas pontes sobre o Corubal. Ambos, David Guimarães e Humberto Reis, têm razão. Antes da construção da ponte Craveiro Lopes, a tal que tem a sutentanção feita com arcos superiores, a travessia do rio era feita na outra ponte que - pasme-se, soube agora - se chamava Marechal Carmona. Essa fica próxima do Xitole, a jusante de Cussilinta.

Entre nós, os colonos, era conhecida por passagem submersível do Saltinho e foi mandada construir, se não me falha a memória, pelo governador almirante Sarmento Rodrigues (1). No meio do rio, no local de corrente mais forte, foi construido uma espécie de dique com várias aberturas na parte superior destinadas a dar passagem à água na altura de maiores caudais, o que acontecia durante grande parte do ano na época das chuvas. Por tal facto, nessa altura do ano a passagem era impossível por ficar submersa. Daí a designação de "submersível". Daí também a sensação, para quem não souber e nunca a utilizou, que o que se vê parece ruína, acidental ou propositada.

Alguns anos mais tarde, não me recordo já quando, foi construida a nova ponte (Craveiro Lopes) que, embora obrigando a um percurso mais longo, veio permitir a passagem durante todo o ano. A antiga passagem submersível deixou de ser utilizada e mais ninguém lhe "passou cartão".

Um abraço
Mário Dias (2)
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Nota de L.G.

(1)Manuel Maria Sarmento Rodrigues (1899-1979)> Foi Governador da Guiné entre 1946 e 1949. E em 1950 integrou o Governo de Salazar como Ministro das Colónias (a partir de 1951, MInistro do Ultramar). Era um prestigiado oficial da marinha e um homem com grande experiência de administração em África.

(2) Ex-sargento comando, Brá, 1963/66). Foi para a Guiné, aos 15 anos, em 1952. Regressei em 1966.

Guiné 63/74 - P458: Estórias do Xitole ao Saltinho: duas pontes, um fornilho e uma trovoada tropical (David Guimarães)

Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: A antiga Ponte Marechal Carmona, sobre o Rio Corubal, na estrada Bambadinca-Xitole-Aldeia Formosa. © David J. Guimarães (2005)


Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: O David J. Guimarães à entrada da antiga Ponte Marechal Carmona , sobre o Rio Corubal, do lado da estrada que conduzia ao aquartelamento do Xitole, a cerca de 3 km. © David J. Guimarães (2005)
1. Perguntava há dias o Humberto Reis (ex-CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) ao David Guimarães (ex-CART 2716, Xitole, 1970/72):

Tens que esclarecer uma coisa, s. f. f.: na nossa página sobre o Xitole/Saltinho, há uma fotografia tua, que tiraste em 2001, a atravessar a Ponte Marechal Carmona, em que tu dizes ser "sobre o rio Corubal, na estrada Bambadinca-Xitole-Aldeia Formosa".

Então para se ir do Xitole até à Aldeia Formosa não tinha de se passar no Saltinho e atravessar a Ponte Craveiro Lopes, a tal que tem vários arcos em betão armado?
Que estrada era essa, afinal ?


Guiné-Bissau > Zona Leste > Saltinho > 2001 >O David J. Guimarães junto à ponte do Saltinho, um dos sítios paradisíacos da Guiné onde havia, no tempo da guerra colonial, um aquartelamento que ficava a 20 Km de Xitole na estrada para Aldeia Formosa (hoje, Quebo). Esta ponte, nosso tempo, chamava-se Craveiro Lopes...
© David J. Guimarães (2005)


2. Comentário do L.G.:

Em 2001, o David revisitou com a esposa e com antigos camaradas os sítios por onde passou (Sector L1/Zona Leste). Escreveu ele: "É célebre o Saltinho pela sua localização junto ao Rio Corubal e pela sua linda ponte. Curiosamente como em Cussilinta o Rio aí também tem rápidos. A Guiné toda plana e com rápidos nos rios!... É estranho mesmo. Ao tempo estava lá uma Companhia que pertencia ao Batalhão com sede em Galomaro, e que eram portanto nossos vizinhos".

A importância estratégica desta ponte era óbvia: permitia a ligação rodoviária do resto da Guiné (norte, leste, oeste) com o sul...


3. Resposta do David Guimarães à pergunta do Humberto:

A ponte Marechal Carmona que vês na fotografia - possivelmente nunca lá foste - ficava a 3 Km do outro lado da pista dos aviões em Xitole e ficava na perpendicular desta e sobre o Rio Corubal...
Essa ponte tinha exactamente esse percurso, mas estava interrompida com um pegão no rio... Aí este já tinha um grande caudal e era depois um pedaço dos rápidos de Cussilinta, mais à frente, no sentido descendente, claro.
Já no nosso tempo se colocavam três hipóteses: (i) teria a nossa tropa feito isso?; (ii) teria sido o inimigo?; ou - a que me parece mais viável - (iii) teria sido mesmo colapso... De facto, ficou ali assim e continua (1) ...
Tenho a sensação de que digo ser a estrada antiga que fazia esse percurso e que era muito mais rápido por aí... Se reparares no mapa, verás que por aí havia uma estrada que ainda existe... Também por aí dava ligação para Fulacunda...
É uma ponte muito linda, com pegões direitos e um está no rio... As guardas de lado são de cimento. Muito linda mas interrompida. Eu tirei na altura [2001] a fotografia da ponte com a interrupção. O resultado fopi que não saiu nada, daí que não possa documentar este aspecto...
Um dia se voltares lá, não percas ir ver essa ponte. vale a pena...
Desse lado nunca tivemos guerra sendo que sabíamos que eles passavam por lá, à vontade...
Aí debaixo da ponte haviam crocodilos e foram vistos hipopótamos no meu tempo: pelo menos um, que tinha morrido...
Recapitulando: essa ponte fica(va) sobre o rio Corubal e para o outro lado da pista do Xitole (2)... Essa área era muito patrulhada por nós...

Um abraço


4. Resposta do David a um pedido do L.G. para mais comentários sobre a imagem com a vista aérea do Xitole:

Agora, Luís, olha bem para a fotografia do Xitole, vista aérea... Vês junto à pista um heliporto, em quadrado... Pela direita, repara, vês um caminho que atravessa a pista e segue mato dentro, não bem definido porque era muito pouco frequentado... Essa é a estrada que nos leva à Ponte Marechal Carmona...
Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: A antiga casa do chefe de potso, vista do lado da parada.
© David J. Guimarães (2005)

Diz-me se estás localizado... Portanto casa do Chefe de Posto, umas arvorezinhas junto ao posto de transmissões, depois a pista e então surge o caminho....

Tenho a noção exacta de que aquela zona era tão perigosa como as outras, contudo nós gostávamos de fazer para ali patrulhamentos. Como ninguém nos tinha incomodado dali, enfim....

Guiné > Xitole > 1970 > Vista aérea do Xitole (aquartelamento, posto administrativo e tabanca)© Humberto Reis (2006)

Uma curiosidade: para protecção dessa zona e do heliporto, eu tinha montado um fornilho mesmo junto ao arame farpado... Tem uma trilha ao longo da pista, era a zona do arame farpado...

Bem, esse fornilho seria para ser utilizado com um explosor que estava colocado dentro do abrigo onde estávamos instalados, eu e os demais furriéis. Bem, um belo dia há tremenda trovoada e, pum!, um grande rebentamento... Lá se foi o fornilho... Ena, que eu tinha cometido um erro: é que o fio condutor que ligava os detonadores ao explosor e que estava sob a pista atravessando-a, passava rentinho a um posto de iluminação que tínhamos junto ao nosso abrigo caserna. Uma atrevida faísca foi cair justamente no condutor e pronto...

Salvou-se uma coisa: ficou aberto um buraco enorme onde eu fui montar outro fornilho. Mas desta vez o fio foi desviado do poste... Enfim, coisas de guerra e do ofício de minas e armadilhas...

Vou através deste mapa tentar identificar os edifícios para que se recordem deles... Quanto à ponte, Luís, nunca lá foste, creio eu...

Um abraço,
David
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Nota de L.G.

(1) Vd. post anterior do David Guimarães, de 17 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XX: "Foi você que pediu uma kalash?". Eis o que ele nessa altura escrevue sobre a ponte:

"No Xitole, para lá da pista de aviões, a 5 Km há uma ponte que atravessa(ava) o Rio Corubal, ligando a estrada de Bambadinca-Xitole à Aldeia Formosa.... Essa ponte está interrompida com um pegão dentro da água... Essa ponte mantem-se lá, inoperante, e não foi reconstruída...

"A história é que essa ponte teria sido interrompida pela nossas tropas no início da guerra. Outra versão é que que tinham sido os naturais. Uma terceira versão é que tinha sido o Corubal e as chuvas que teriam causado o colapso da ponte... Fico à espera que alguém me conte a versão verdadeira. Alguém da Guiné saberá? Desconfio que não, pois dela resta a história somente.

"Seguem em anexo duas fotografias da tal ponte [a Ponte Marechal Carmona], pois ela é só meia ponte: a fotografia que mostra a interrupção, não saiu, que pena! Mas, enfim, é essa. Onde estou eu é exactamente na entrada do lado do caminho para o aquartelamento... Nota-se que ela está inclinada... Era importanete esta zona, pois que, como em todas as pontes, eram feitas operações de reconhecimento regulares"...

(2) No mapa do Xitole (Serviços Cartográficos do Exército, 1956), a "ponte em ruínas" vem devidamente sinalizada, no Rio Corubal, a cerca de 4,5 km, a sul do Xitole, entre os ilhéus saido (a oeste) e os rápidos de Cusselinta (a leste)...

Não sei a data da construção da Ponte Marechal Carmona, mas é capaz de ser dos anos 40. Essa ponte deveria permititir a ligação a uma picada (ou uma estrada projectada: está no mapaa a tracejado) que ia ter à estrada para Buba e Fulacunda (à direita) e Mampatá, Quebo (Aldeia Formosa) e Chamarra (à esquerda). Antes da guerra, podia-se depois regressar ao Xitole, através de Contabane (virando à esquerda) e Saltinho (Ponte Craveiro Lopes). No cruzamento de Contabane, à direita, apanhava-se a estrada para Guileje e Madina do Boé.

Vejam também o mapa geral da Província da Guiné (1961)

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P457: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate'

Guiné > Região de Quínara > Buba > Maio de 1969 > A povoação e o aquartelamento vistos de helicóptero... Buba, a sul do Rio Corubal, forma um triângulo com Xitole e Fulacunda, nos outros dois vértices. É banhada pelo Rio Grande de Buba.
© José Teixeira (2005)

Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):

Buba, 20 de Fevereiro de 1968

Estou em Buba desde 7 de Fevereiro e as perspectivas não são muito boas. Gandembel foi abandonada e o IN entretinha-se por lá. Agora, talvez porque se está a construir uma estrada nova para ligar Buba a Aldeia Formosa, esta linda terra está a ser a preferida pelo IN para as suas brincadeiras.

A estrada nova já causou um morto, o primeiro da minha Companhia quando eu ainda estava em Chamarra. O IN estava emboscado com dois fornilhos montados e, ao fazer rebentar a emboscada, provocou a explosão das armadilhas e um homem, o velho, foi pelos ares. Mais uma vida roubada...

Buba foi atacada no dia 9 às 22.15 h. Valeu-se como sempre da surpresa e causou-nos um bom susto. Feridos graves só houve um embora houvesse muitos feridos ligeiros, pés cortados, unhas arrancadas, cabeças partidas, tal foi a confusão que se instalou nas duas Companhias operacionais, nos Comandos e nos Fuzileiros que aqui estão aquartelados.

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > Zona habitacional, na antiga estrada da pista de aviação.

© José Teixeira (2005)

Voltaram novamente a 14 pelas 5 horas da matina. Desta vez era para arrasar Buba se quisessem, ou então foram nabos, o que não me parece.

Treze canhões sem recuo chineses, 4 morteiros, LGFog, armas pesadas e ligeiras e sobretudo a uma hora que ninguém contava. Meteram bastante chocolate cá dentro mas só feriram um soldado. A Tabanca foi bastante atingida. Nove casas foram destruídas pelo fogo e com a precipitação da fuga para os abrigos ficou abandonada na Tabanca uma criancinha que morreu queimada.

Uma granada
Vinda não sei de onde,
Lançada não sei por que,
Rebentou...
E aquela criança,
Que brincava além,
A morte, a levou...

Na areia brincava...
E sua mãe,
Que seus paninhos lavava,
Estremeceu.
Num triste pressentimento
Seu olhar volveu...

Um grito ! ( desmaiou)
No preciso momento
Que seu filho morreu...


Tive muito que fazer na Enfermaria. Um dos feridos da população mais graves foi a mãe da menina que morreu. Tinha o corpo cheio de estilhaços, felizmente não foi atingida nos orgãos vitais e deve recuperar.
Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > "A minha antiga caserna"...
© José Teixeira (2005)

O seu sofrimento interior impressionou-me. É seu hábito dormir com a criança amarrada às costas para poder levá-la para o abrigo subterrâneo quando o IN ataca. Como já era de manhã desamarrou-a pouco antes do ataque se dar. Quando ouviu o fogo correu para o abrigo e só nessa altura é que se apercebeu que a bebé estava a dormir na tabanca. Saíu a correr, mas foi atirada ao chão pelo rebentamento da granada de canhão que caiu em cima da sua casa e lhe matou a menina.


Samba Sabali, 9 de Março de 1968

Depois de uns dias em Buba, segui para Nhala onde estive quatro dias e fixei-me em Samba Sabali, em tendas de campanha.

Ontem saí para o mato a dar protecção ao pessoal de Engenharia que está a abrir uma passagem de ligação à estrada nova. Dentro de dias volto para Buba e espero que se acabe para mim a protecção aos homens de Engenharia que estão a construir a estrada.


Buba, 18 de Março de 1968

Segundo me informaram na Secretaria da Companhia, o Comandante não autorizou a minha ida de férias à Metrópole. A Companhia está com muitas baixas por feridos e doenças pelo que as licenças foram cortadas. Custa-me imenso esta situação. Depois de um ano de guerra estou saturado, os nervos não obedecem e o cansaço é grande, e que saudades ...

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > Festa na escola, no em que branco vem trazer caderno...

© José Teixeira (2005)

Como a minha Companhia está saturada e com muitas baixas, talvez mude para uma zona melhor a curto prazo. É esta a minha esperança.


Buba, 26 de Março de 1969

Mais uma grande aventura na Guiné. A maior até hoje. Integrei um Pelotão que partiu de manhã para um patrulhamento e emboscámos ao fim da tarde num sítio propício para descansar um pouco, longe do lugar onde devíamos estar emboscados, ou seja, perto da Bolanha dos Passarinhos, local de passagem do IN e por tal razão perigoso.

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > Tabanca Lisboa > 2005 > O José Teixeira com um antigo chefe de milícias e a sua lindíssima filha. Um feliz reencontro.
© José Teixeira (2005)

Anoitecia, quando o IN atacou a Companhia que nos foi substituir a Samba Sábali e com tal fúria que provocou nuns escassos minutos um morto e nove feridos graves. Como não havia condições para o héli aterrar, quer por o local não se propiciar, quer por ser noite e perigoso e porque o estado dos feridos era grave, foi necessário ir buscá-los para Buba.

A Bolanha dos Passarinhos, local onde devíamos estar emboscados, fica entre Buba e Samba Sabali e o Comandante, convencido que estávamos perto, solicitou via rádio que fossemos reconhecer o terreno e montar segurança às viaturas que iam recolher os feridos. Como estávamos longe e porque os camaradas precisavam de apoio partimos a correr pela estrada fora sem nos preocuparmos com a segurança.

Que medo, andar de noite pela mata cerrada, em zona de contacto com o IN, com este por perto, com colegas a pedir socorro. Emboscámos a montar segurança na Bolanha e as viaturas passaram, sem perigo. Sentimos movimentos atrás de nós, supomos que era o IN, a tentar ocupar o local para atacar a coluna no regresso, mas deve-nos ter pressentido e retirou. Ainda ouvimos alguns tiros perto, mas como não reagimos, tudo se manteve calmo e eu no regresso apanhei uma viatura que trazia três feridos a quem dei apoio.

Eu tinha abandonado Samba Sabali dois dias antes. O Enfermeiro que me substituiu foi ocupar o lugar que eu deveria ocupar na defesa do acampamento. Teve azar. Uma bala perfurou-lhe a cabeça e não resistiu aos ferimentos. Um outro foi para a Metrópole inutilizado.

No dia 14 houve um ataque a Buba. Um estilhaço de granada alojou-se no pericárdio de um colega meu, que também não resistiu aos ferimentos.
José Teixeira (2005)

Guiné 63/74 - P456: Mansambo e a árvore dos 17 passarinhos (Carlos Marques Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) (vd. a foto ampliada, na página Memória dos lugares > Mansambo)

© Humberto Reis (2006)


Luís:

Respondendo às tuas perguntas reafirmo o que consta na História da CART 2339:
Dias 25 e 26 de Março de 1968, Op Cabeça Rapada I. A 3 e 4 de Abril ocorreu a Op Espada Grande. De 5 a 8 de Abril, aperfeiçoamentos na desmatação iniciada na Op Cabeça Rapada I. A Op Cabeça Rapada II inicia-se a 9 de Abril, com duração de 3 dias. A Op Cabeça Rapada III inicia-se a 30 de Abril e prossegue a 1 e 2 de Maio de 1969.


Guiné > Zona leste > Sector L1 > Mansambo > 1969 > A célebre árvore dos 17 passarinhos que servia de mira para os ataques do IN

© Carlos Marques dos Santos (2006)

Quanto à foto de Mansambo, a vista aérea – que é espectacular e que pessoalmente agradeço - gostava de saber de que ano é, se o Humberto tiver esses dados.

A zona está totalmente nua, só com uma grande árvore ao fundo que se encontra à entrada do aquartelamento, pois vê-se a bifurcação para a estrada Bambadinca-Xitole (esquerda-direita).

Falta ali uma árvore, a tal de referência para o IN, e que os nossos soldados chamavam a árvore dos 17 passarinhos, tal era a quantidade deles, que se situava na parte mais afastada da entrada.

A mancha branca de maior dimensão seria o heliporto. Faltam os obuses, um de cada lado, à esquerda e à direita. Ao lado dessa árvore ficava o depósito, que era uma palhota, de géneros e munições, e que ardeu a 20 de Janeiro de 1969 (nesse dia chegaram os 2 Obuses 105 mm). Era véspera do aniversário da CART 2339. Ao fundo vê-se uma mancha, à esquerda do trilho de entrada que era a tabanca dos picadores. À direita, no triângulo de trilhos, ficava a nossa horta.

A fonte ficava à direita da foto onde se vêem 3 trilhos, na mancha mais negra em baixo. Se confrontares com um mapa da zona vê-se aí uma linha de água.

Guiné 63/74 - P455: Um mês a feijão frade... e desenfiado (Carlos Marques Santos, Mondajane, Dulombi, Galomaro, 1969)

Texto do Carlos Marques dos Santos (ex-furriel miliciano da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69):

Dei conta, nas minhas notas pessoais de que entre 27 de Agosto e 27 de Setembro de 1969, estive com o meu pelotão em reforço de do sector de Galomaro/Dulombi, mais própriamente em Mondajane, sem no entanto haver qualquer nota na História da Companhia.

Talvez na História do BCAÇ 2852 haja referência a esse tempo esquecido, mas vivido por nós, 3.º Grupo de Combate da CART 2339 (1).

A 27 de Agosto foi recebida a notícia de que iríamos para Galomaro.

A 28 saímos e chegámos cerca do meio dia com indicação de que irímos para Mondajane [a seguir a Dulombi], o que não aconteceu nesse dia mas sim no dia seguinte.

No cruzamento para Dulombi rebenta uma mina na GMC que segue à minha frente (nós íamos apeados, fazendo a segurança à coluna que integrava uma nova Companhia em treino operacional e que era de madeiraenses) a cerca de 15/20 metros, destruindo a sua frente. Resultado: um morto (desintegrado) e um ferido (condutor) que faleceu ainda nesse dia.

Impossibilitados de prosseguir fomos para Dulombi com os reabastecimentos. Aí fomos informados que deveríamos seguir a pé para Mondajane, que atingimos e onde nos instalámos.

Aí, e enquanto aguardávamos uma coluna com as nossas coisas, sem resultado, aparece-nos um pelotão vindo de Dulombi, carregando parte das nossas coisas, a pé e à cabeça, informando ser necessário termos que ir a Dulombi carregar, a pé e à cabeça, o que aconteceu no dia seguinte.

Dia 1 de Setembro de 1969, fui a Dulombi com 17 carregadores e 2 secções de milícias mais 10 homens do meu pelotão, a pé e por trilhos, buscar coisas que eram absolutamente necessárias, numa zona desconhecida e densamente arborizada, o que aconteceria de 2 em 2 dias.

A população recusa-se a ajudar (a zona era perigosa) e só com a intervenção pela força (ameaçámos queimar a tabanca), isso é conseguido. Note-se que nestas circunstâncias - falta de géneros e outros bens - repartimos com as populações.

A 5 de Setembro, um nativo mata um portentoso javali e houve carne fresca confeccionada.

A 7, chega um grupo de carregadores de Galomaro, carregando ainda parte das nossas coisas que estavam em Dulombi. Nesse dia o pelotão que aí estava foi rendido.
A 9, nova caminhada para Dulombi para carregar géneros.

Entretanto a 13 um nosso soldado é evacuado por doença e a 15, à tarde, recebemos a visita dos capitães das Companhias 2405 [Galomaro] e 2446 [ ou 2406, Saltinho?].

Dia 19 novamente ida a Dulombi para reabastecimento. A pé e pela densa mata.

Dia 23, notícia de que iríamos ser rendidos no dia seguinte. Nada.

Dia 24, rendidos finalmente e saída para Bambadinca [pela estrada Bafatá-Banbadinca], com chegada a Mansambo a 27 de Setembro de 1969. Sem incidentes.
Em suma, um mês a feijão frade, sem banho e sem mudar de roupa.

Carlos Marques dos Santos
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(1) Nota do CMS:

O alferes do Grupo de Combate da Companhia de Galomaro que nos apoiou é meu primo. Ainda bem. Para não variar, a 29, rebentamentos cerca das 07.00h e uma nossa coluna emboscada no sítio do costume. Um morto e um ferido das NT. Ainda faltavam cerca de 2 meses e meio para o regresso à Metrópole.

(2) Nota de LG:

Infelizmente a História do BCAÇ 2852 é omisso sobre este destacamento do Carlos Marques dos Santos e do seu Grupod e Combate. Oficial ou oficiosamente, o CMS andou um mês desenfiado, sem conhecimento das autoridades máximas do Sector L1 (Bambadina). De acordo com o registo que fica para a História, em Setembro de 1969, a CART 2339 limitava-se a ter um pelotão em Candamã (2 secções)e em Afiá (uma secção). Mas em Agosto, tinha apenas um pelotão em reforço ao COP-7 (Galomaro)...

A História da CCAÇ 12 confirma a existência, em Agosto, de tropas de Mansambo em Candamã e Afiá: vd post de 30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969) ... Em resumo, havia muito mais vida, na Guiné do nosso tempo, do que nas secretarias das nossas companhias...

Posteriormente à inserção deste post de hoje, o Marques dos Santos enviou-me a seguinte mensagem: "Grato pela publicação desta nota. Isto demonstra as incongruências das 'várias histórias oficiais escritas'. Não será caso único.
Que os nossos companheiros de tertúlia descubram pequenos pormenores vividos, mas não descritos. Ainda hoje, no meu dia a dia, dou extrema importância a um bem ao alcance de uma torneira – a água".

segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P454: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra... (Jorge Cabral)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano, a saída (norte) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá. Ao fundo, o Rio Geba Estreito. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservadps


1. Texto do Jorge Cabral:

Caro Companheiro,
Estamos quase a almoçar juntos para pôr a conversa em dia. Envio outra estória e um poema. Temo que não sejam publicáveis, mas tu é que mandas, farás como entenderes melhor.

Um Grande Abraço de Até Sempre,
Jorge


2. Estórias cabralians > Numa mão a espingarda, na outra…
por Jorge Cabral


Penso que, já em 1971, apareceu no Batalhão [de Bambadinca], um Alferes de secretariado, corrido de Bissau, por via de uns dinheiros. Chegou acompanhado de uma dama, sobre a qual corriam os mais variados boatos. Dizia-se, calculem, que ela tinha sido uma prenda de aniversário ao Alferes, enviada pelo pai, milionário do Porto.

Nunca a vi, até porque, estando em vigor a cínica moral fascista, à rapariga, não sendo esposa legítima, foi logo vedada a frequência da messe [de oficiais], e até do próprio quartel, tendo sido relegada para a Tabanca, na qual ocupava uma apresentável morança, de larga vidraça sempre aberta, mesmo em frente a um dos postos de sentinela.

Tal posto transformou-se no preferido de toda a soldadesca que, quando em serviço, observava, acompanhando in solo, a actividade sexual do casal, cujas práticas inusitadas passaram a inspirar os eróticos sonhos, mesmo dos mais púdicos.

E tudo continuaria assim, com o óbvio benefício das repetidas descargas de tensão acumulada, não fosse em duas noites seguidas um soldado, quando de sentinela no referido posto, ter disparado, alertando toda a tropa para eminente ataque.

Que havia sucedido? Substituíra o militar a velha divisa camoniana “numa mão a espada, na outra a pena” por outra, mais prosaica, mas que ocupava também ambas as mãos, e quando acabava a função com a direita, não é que com a esquerda accionava o gatilho da G-3...

Jorge Cabral


3. Poema

Em Bissau

Estou bêbado estou sensato estou feliz
Vem dos sovacos um cheiro de Africana
Nas furnas da cerveja desfalece o Sargento
Apalpa o Alferes a puta berdiana
E o cabo vomita mãozinhas de vitela

Será que naufragou esta Caravela?
Que Pátria ainda mora aqui?

Bissau, Janeiro 70
Jorge Cabral

(ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71)

Guiné 63/74 - P453: O nosso fotógrafo em Canjadude (CCAÇ 5, 1973/74) (João Carvalho)

Guiné > Canjadude > 1973 > Restos de uma autometralhadora Daimler no itinerário entre Canjadude e o Rio Corubal (Cheche) ...

Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006)

Guiné > Canjadude > 1974 > O PAIGC toma posse do antigo aquartelamento da CCAÇ 5 e hasteia a bandeira da nova República da Guiné-Bissau.
Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006)


Guiné > Canjadude > 1974 > O furriel miliciano enfermeiro Carvalho, da CCAÇ 5, com um guerrilheiro do PAIGC, equipado a rigor e empunhando um kalash...
© João Carvalho (2006)

Guiné > Canjadude > 1974 > Posto de controlo do PAIGC, vendo-se um grupo de guerrilheiros aramados de kalash e de RPG-7.
Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006)

1. No final do ano passado (26 de Dezembro último) fui contactado por um antigo camarada da Guiné que esteve em Canjadude (actual região do Gabu), de 1973 a 1974, na CCAÇ 5 . Convidou-me a ir ver uma foto de Canjadude na Wikipédia, a enciclopédia livre da Net, de que ele é colaborador, com um entrada sobre a Guerra do Ultramar.

2. Acabei , mais tarde (10 de Janeiro de 2006), por apresentá-lo a outro camarada, mais velho, que também esteve em Canjadude, na mesma companhia, a CCAÇ 5, mas uns anos antes (em 1968/69).

Tratava-se do José Martins, ex- furriel miliciano de transmissões, membro da nossa tertúlia, um estudioso da guerra da Guiné de quem já publicámos o relato dramático do desastre de Cheche, na sequência da retirada de Madina do Boé (1)...

Profissionalmente, o Martins é técnico de contabiliddae, trabalhando numa multinacional. Tinha-me telefonado, uns dias antes, do MARL (Mercado Abastecedor da Rgeião de Lisboa), em Loures, e tinha-se mostrado interessado em aderir à nossa tertúlia


3. Mandei a seguir a seguinte mensagem ao João Carvalho:

Vi as tuas fotos na Wikipédia e fiquei cheio de inveja... Tu és o que se pode dizer o homem certo no lugar certo.. Tu estavas lá no momento exacto (em 1974, em Canjadude) ... O sexto sentido do fotojornalista ? ... Autorizas que a gente publique algumas das tuas fotos dessa época ? Ou melhor: não queres ser tu apresentá-las, com uma legenda mais detalhada, no nosso blogue (que pode e deve também ser teu, no caso de entenderes fazer parte da nossa tertúlia)?

A propósito, já temos gente para formar um bigrupo (50/60)... Fico a aguardar uma resposta. É claro que na nossa caserna cabe sempre mais um camarada... Um abraço do Luís Graça


4. Resposta do João Caravalho, com data de 11 de Janeiro de 2006:

Olá, Luis:

Espero que não haja problema de te tratar desta forma mais que informal. Em Canjadude, fui furriel enfermeiro e neste momento sou farmacêutico.


2006 > O João Carvalho, ex-furriel miliciano enfermeiro da CCAÇ 5 (1973/74) e hoje farmacêutico

© João Carvalho (2006)

Em relação às fotos na Wikipedia, parece-me que pela legislação existente são consideradas de domínio público, ou seja, podem ser copiadas e mostradas por quem quiser e onde quiser. Portanto sintam-se à vontade para colocar no blogue as que quiserem.

Claro que quem tiver fotos que mereçam ser colocadas na Wikipedia também podem fazê-lo à vontade. Se houver alguma dificuldade ou alguma dúvida é só dizer, que eu ajudo no que me for possível.

Tenho sempre pouco tempo disponível (trabalho, trabalho...) e por isso é que ainda não entrei no blogue, mas podem contar comigo brevemente.

Este fim de semana estive a digitalizar mais 50 slides da Guiné e ainda me falta digitalizar mais algumas coisas. Tenciono colocar na Wikipedia ainda mais algumas fotos, quando conseguir arranjar tempo para isso.

(...) Permitem-me que retire informação do blogue, para a Wikipedia como por exemplo os efectivos do PAIGC ?

Até muito breve
Um abraço
João Carvalho


5. Nova mensagem do João Carvalho, aderindo à nossa tertúlia:

Como solicitado, segue em anexo uma fotografia minha tirada em 1974 na Guiné, acompanhado por um elemento do PAIGC. Será que esta foto serve como foto antiga ? Foto mais recente tenho que ir à procura. Envio logo que possível.

(...) Já acrescentei uma ligação externa (link) na Wikipedia para a página Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné (1963-1974) (em português).
Está na Wikipedia > Guerra Colonial Portuguesa (2).
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Notas de L.G.:

(1) Vd post de José Martins, de 24 de Outubro de 2005 > Guiné 63/64 - CCLVII: A contabilidade dos mortos na operação de retirada de Madina do Boé

Vd. também post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé

(2) A Wikipedia é um projecto de enciclopédia livre, a maior enciclopédia que está à disposição, sem encargos nem senhas de acesso, na Internet. Começada em 2001, a Wikipedia tem já, na sua versão inglesa, quase um milhão de artigos que são actualizados regularmente. Qualquer indivíduo pode editar esta enciclopédia, mandando artigos e documentos... É o caso do nosso camarada João Carvalho.

Guiné 63/74 - P452: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (4): os azares dos sargentos

Guiné > Guileje > 1967 > Pessoal da CART 1613 em confraternização com a população local. No período, de um ano, em que estiveram em Guilege houve duas baixas mortais entre os civis: (i) uma criança, atingida pelos estilhaços duma granada; e (ii) um adulto, por sinal irmão do régulo, muito provavelmente abatido pelas NT.

© José Neto (2005)


IV parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado) (1).

O abrigo subterrâneo que nós, os sargentos, mais utilizávamos situava-se a meia dúzia de passos do coberto da messe, dado que parecia que os turras esperavam que acabássemos de jantar para abrir fogo [vd. planta do quartel de Guileje, 1966].

O acesso ao amplo salão enterrado era feito através dum pequeno poço para onde saltavam os que não tinham posto de combate definido e dali para o dito salão. A abertura era estreita e, se havia muita afluência, tornava-se necessário esperar vez para entrar, o que não deixava de provocar alguma confusão. Foi numa dessas confusões que levei com um furriel em cima do meu pé esquerdo. Andei mais de um mês com a perna engessada.

Doutra vez, nós ouvimos a orquestra a fazer o seu barulho para os lados do Mejo [a noroeste de Guileje] e as nossas transmissões entraram em acção a fazer as perguntas habituais à companhia de lá. Ao mesmo tempo eles faziam o mesmo para nós.

No reconhecimento veio a verificar-se que o ataque foi para despachar e chefe ouvir, porque os impactos eram bem visíveis num descampado a meio caminho entre as duas localidades. Não havia possibilidades de engano porque os quartéis estavam toda a noite iluminados.

Um dos ataques deu-se quando já lá se encontrava a CCAÇ 2317 que, em princípio, nos ia substituir. Nós, como é natural, transmitimos aos novatos a experiência acumulada de como safar o pêlo quando havia festivais. Só que o manual não previa a situação caricata que se passou.

Desencadeou-se a saraivada de morteiros e quando já todos estávamos recolhidos no abrigo ouvimos alguém gritar:
-Acudam-me!!! Salvem-me!!!.

Um furriel que estava mais perto da entrada do abrigo conseguiu entabular conversa com o aflito e disse-nos que era o 1º sargento da companhia nova [CCAÇ 2317]que foi apanhado na retrete quando o ataque começou e que não conseguia sair de lá.

Convém esclarecer que a latrina era daquelas em que o utilizador se põe de cócoras e defeca a poucos centímetros dos calcanhares. Para o sossegar dissemos-lhe que o cubículo estava protegido por um tecto de cibos e paredes fortes e que portanto não tivesse receio.

O homem lá se aquietou, mas no nosso espírito subsistia a dúvida de qual seria o motivo que o impedia de dar uma pequena corrida e saltar para junto de nós. Quando a coisa acabou e as luzes se reacenderam fomos encontrar o 1º Sargento Martins preso por um pé no sifão da latrina.

Ao primeiro estrondo ergueu-se e, com a atrapalhação, escorregou no serviço que estava a fazer e calçou a cagadeira. Não pudemos conter as gargalhadas, pois o senhor continuava a tentar tirar o pé e não conseguia.

Com calma, acabou por ser fácil. Bastou flectir a perna, ajoelhar-se e o calcanhar escorregou no bem lubrificado tubo do sifão.

Um dos efeitos mais aborrecidos das flagelações, a partir da altura em que eles tinham a pontaria mais afinada, era a destruição do forno da padaria. Ficávamos a pão duro, ou sem ele, uns três ou quatro dias até que se reconstruísse. Nunca foi atingido directamente, mas qualquer granada que rebentasse nas redondezas provocava o efeito de sopro suficiente para mandar com a frágil abóbada abaixo.

Durante uma das reconstruções eu estava por ali a dar os meus palpites quando o Soldado Fernandes se aproximou e me disse:
-Estes gajos não percebem nada disto.
-Então percebe você?
-Eu já da primeira vez disse que punha isso em pé e só se lhe acertassem em cima é que desabava, mas eles é que acham que são os mestres -, respondeu o Fernandes, cujos registos indicavam a profissão de estucador.
-Ora bem, então você vai dizer o que entende que se deve fazer -, ripostei.
-Assim não. O meu sargento manda-os sair daqui, eu escolho um servente e enquanto eu estiver a trabalhar, esses (os pedreiros) não põem aqui o cu. Já tentei ensiná-los, mas correram comigo. Agora também não quero que eles aprendam a técnica, está bem?
-Vamos a isso. - Concordei.

Isto foi por volta das oito da manhã e à hora do almoço estava o forno erguido. O Fernandes pediu para que lhe levassem lá a refeição, pois queria guardar a obra dos olhares dos espiões, dado que só da parte da tarde é que rebocava com barro o exterior da cúpula.

Antes do jantar a lenha já ardia dentro do novo forno e nunca mais desabou… Segredos do ofício.

Para concluir a descrição desta faceta da luta, as flagelações, resta-me acrescentar que durante o ano que estivemos em Guilege tivemos duas baixas mortais: uma criança, atingida pelos estilhaços duma granada; e um adulto, irmão do Régulo que, possivelmente, foi atingido pelo nosso fogo.

Na investigação que foi feita, em que tomou parte o próprio irmão, conclui-se que ele, a vítima, devia estar no espigueiro, fora do perímetro fortificado, quando estalou o ataque e, ao querer saltar o talude, foi baleado por um dos elementos da Autometralhadora Fox que guarnecia aquele flanco.

Entre o pessoal militar e militarizado (os milícias) fui eu o mais castigado pelas flagelações, pois, como já referi, andei uns tempos com a perna engessada.

(Continua)
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Nota de L.G.

(1) Vd posts anteriores do Zé Neto, respeitantes às suas Memórias de Guileje:

21 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas

13 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (2): Ordem de marcha

10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (1): Prelúdio(s)

domingo, 22 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P451: Panghiau, iá´me pétchau ? ("amigo, vai uma cerveja ?", na patuá de Macau (Do Zé Neto para o Mário Dias)

Guiné > Guileje > O sargento José Neto (CART 1613, 1967/68)

© José Neto (2006)

Luis:

Cheguei há pouco de Leiria, onde recolhi as fotos digitalizadas a partir dos meus slides. Já tenho uma cópia do CD para te enviar pelo correio, como prometi. E lá encontrei a "carranca do Zé Neto" quando estava em Guileje que agora te envio para o ficheiro.

Permite que mande um aparte para o Mário Dias:

Meu valente, gostei de saber que partilhas comigo a "grata" memória de Macau. Tenho muitas crónicas sobre a minha vivência lá (1951/61), publicadas na página 3 (a minha página) do Boletim da Casa de Macau, de que sou sócio.

Misturaste o crioulo (em Macau é muito semelhante e chama-se patuá) com o cantonense e os nossos companheiros do blogue não entenderam o teu convite. Para conhecimento geral informo que iá'me petchau ? é um convite para "beber uma cerveja" e panguiau é uma aproximação fonética do termo cantonense que designa "amigo", maneira como tratávamos e éramos tratados pelos chineses. Mas isso são outras histórias.

Um abraço.
Outro para ti, Luis e até breve.
Zé Neto

Guiné 63/74 - P450: Quando até os picadores tinham medo (Mansambo, 1968) (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 >

Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste. Do lado esquerdo, para oeste, era a pista de aviação e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste).

De acordo com a fotografia, em frente, pode ver-se o conjunto de edifícios em U: constituía o complexo do comando do batalhão e as instalações de oficiais e sargentos.

Do lado direito, ao fundo, a menos de um quilómetro corria o Rio Geba, o chamado Geba Estreito, entre o Xime e Bafatá. O aquartelamento de Bamdainca situava-se numa pequena elevação de terreno, sobranceira a uma extensa bolanha (a leste). São visíveis as valas de protecção, abertas ao longo do perímetro do aquartelamento.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)


Texto de L.G.:

A Op Hálito (11 de Novembro de 1968) foi outra das operações dramáticas que aconteceram no Sector L1, no tempo do Carlos Marques dos Santos, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69).

Foi a última coluna logística de Bambadinca para o Xitole, entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969. A partir daí a estrada, no troço Mansambo-Xitole, ficou interdita. As NT sofreram duas emboscadas, tendo que recorrer a apoio aéreo para poder prosseguir. Os picadores foram obrigados, sob a força das armas, a continuar a picar o itinerário: "Cerca das 16.00h foi feita uma distribuição de munições e obrigaram-se coercivamente os picadores a continuarem a picagem"... Destas duas emboscadas resultaram 1 morto, 1 desaparecido e 12 feridos, além de danos materiais em viaturas e armas.

Eis um extracto da História do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70), Cap II, páginas 8-12.


Op Hálito:

Iniciada em 11 de Novembro de 1968, às 5.00h, com a duração de 2 dias, para coluna de reabastecimento Bambadinca-Xitole. Tomaram parte na Operação as seguintes forças:

Cmd – Cmdt BCAÇ 2852 (Tenente-coronel Pimentel Bastos)

Dest A – CART 2339 [Mansambo], a 3 Gr Comb; CART 1746 [Xime], a 2 Gr Comb:

Dest B – CART 2413 [Xitole], a 2 Gr Comb; Pel Caç Nat 53 [Bambadinca]; 1 Gr Comb Ref Cmd Agr 1980; Esq Pel AM Daimler 2046 [Bambadinca]; 1 Esq Pel Mort 1192 [Bambadinca]; 1 Secção de Milícia do Pel Mil nº 103 [Moricanhe].

Destacamento A

A coluna 1 do Dest A chegou a Mansambo às 18.00h do dia 10 de Novembro de 1968. A coluna 3 do Dest A saiu de Mansambo às 5.00h do dia 11 em direcção ao objectivo, picando a estrada e fazendo marcha apeada todo o pessoal.

Às 7.30h um dos grupos de combate da CART 2339 ficou emboscado no trilho dos turras (XIME 7B5).

Às 8.00h iniciou a desobstrução do itinerário retirando as abatizes situadas aproximadamente a 3Kms da Ponte dos Fulas.

Às 9.00h a coluna atingiu o objectivo montando a segurança para a cambança, ficando a aguardar a chegada da coluna 2.

Foi explorado um trilho, com vestígios da passagem frequentes e recorrentes (?) que atravessa a estrada e se situa na orla da mata que fica perto da Ponte dos Fulas.

Às 9.15h todo o dispositivo de segurança e preparativos para a cambança [do Rio Pulom] estavam montados.

A coluna nº 2 saiu de Bambadinca às 4.30h. Depois de picar a estrada até Mansambo, seguiu para o objectivo onde chegou às 9.30h.


Destacamento B

Entretanto comunicou da margem oposta [do Rio Pulom] que deviam aguardar até serem rebentadas algumas minas encontradas nos seus acessos.

A cambanca foi iniciada às 10.30h, tendo sido utilizados 4 barcos de borracha e uma jangada, estando a cambança terminada às 13.30h. Os rádios CHP-1 e THC - 736 deixaram de funcionar.

Às 14.00h a coluna iniciou a retirada, tendo a cerca de 2 Kms da Ponte dos Fulas (XIME 7C-2) sido emboscada do lado Oeste por grupo IN estimado em 40/50 elementos. Esta emboscada foi iniciada pelo accionamemto de uma mina A/C comandada e simultaneamente pelo lançamento de granadas de Mort e LGFog, tendo dois destes últimos atingido duas viaturas GMC, uma das quais ficando imobilizada.

A emboscada foi feita no princípio do regresso da coluna tendo a ela ficado sujeitos o Pel Caç Nat 53 e 2 Gr Comb da CART 2339, durante cerca da 30 minutos, tendo as NT reagido pelo fogo e manobra.

Tratados os feridos, apagado um foco de incêndio manifestado numa das viaturas atingidas, atrelada a que ficara imobilizada, [foi depois] procurado na ausência do PCV contacto com qualquer um dos postos fixos de Bambadinca, Mansambo e Xitole, [tendo-se] conseguido a ligação com este último, por onde foi feito o pedido de apoio de fogo da aviação de Bambadinca – Agrupamento.

Iniciada a marcha com todo o pessoal apeado, pouco tempo depois nova emboscada IN do mesmo lado da estrada e com os mesmos efectivos e armamento (Mort 60, Met Lig e Armas Aut).

Quando decorria a segunda emboscada, apareceram no local dois bombardeiros T-6 que acompanharam a progressão da coluna até ao pontão do Rio Jagarajá (XIME 7A7), foi estabelecido contacto com o PCV.

Cerca das 16.00h foi feita uma distribuição de munições e obrigaram-se coercivamente (sic) os picadores a continuarem a picagem. Prosseguiu-se a marcha recolhendo o Gr de Comb, que estava emboscada no trilho dos turras.

A coluna chegou a Mansambo cerca das 19.00h, tendo às 19.30h seguido para Bambadinca com todos os feridos.

Por falta de ligação meios-rádio não foi utilizado no patrulhamento da estrada o Pelotão do Comando do Agrupamento, o que motivou um esforço maior para as forças apeadas (1).
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Nota de L.G.:

(1) As NT sofreram 1 morto (soldado milícia do Pel Mil nº 103, Mamadu Silá, morto em combate; 1 desaparecido em combate (Sold Mil do Pel Mil nº 103, Togane Embaló; 12 feridos, sendo 5 da CART 2339, 4 do Pel CAÇ Nat 53, 2 da CCS do BCAÇ 2852 e 1 do Pel Mil nº 103).

Guiné 63/74 - P449: Mais de 7 mil nativos em trabalhos de desmatação (Mansambo, 1969) (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento. Ao fundo a estrada Bambadinca-Xitole. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)

Na sequência do texto do Carlos Marques dos Santos, publicado anteriormente, fui consultar a história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/69). Aí pode ler-se:

(i) a Op Cabeça Rapada I, iniciada em 26 de Março de 1969, com a duração de dois dias, destinou-se a "montar segurança aos trabalhos de desmatação numa área de 200 metros para cada lado do troço do itinerário Bambadinca-Mansambo, compreendido entre Samba Juli e Mansambo. Tomaram parte na desmatação mais de 7 mil nativos" (sic) (Cap. II, pag. 72).


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Mansambo-Xitole > 1970 > Coluna logística de Bambadinca ao Xitole, com a participação da CCAÇ 12. Alguns meses depois da grande desmatação das orlas da estrada, feitas por ocasião das Op Cabeça Rapada, o matagal continuava medonho, engolino a picada... Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)

Comentário meu: é um número impressionante de trabalhadores que, presumo, deveriam ser de etnia fula, naturais dos regulados de Badora (e eventualmente do Corubal). Desconheço se foram recrutados voluntariamente e devidamente pagos... A tradição da administração colonial, antes de Spínola, era a do trabalho forçado, puro e duro...

Recorde-se que, segundo a História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/69), "a população de um modo geral é-nos favorável [no sector L1], sendo de destacar o regulado de Badora que tem como Chefe/Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus (sic). Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido no meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população [balantas, beafadas e mandingas...] fortes dúvidas se tem especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (Cap. II, pag. 1).

Conheci o tenente de 2ª classe, régulo e chefe máximo das milícias de Badora, Mamadu, de quem se dizia ter cinquenta mulheres, uma em cada tabanca, e uma numerosa prole. Alguns dos seus filhos, dizia-se, eram meus/nossos soldados, da CCAÇ 12. Pessoalmente, nunca simpatisei com a personagem, que era um exemplo típico - segundo o meu ponto de vista da época - do colaboraccionismo dos velhos senhores feudais, fulas, com a potência colonial, vencedora, e que eu vi passar muitas vezes, em Bambadinca e nas tabancas em autodefesa de Badora, fardado, de camuflado, ou com a sua impecável túnica branca de homem grande, na motorizada japonesa de 50 centímetros cúbicos provavelmente oferecida pelo Govenador-Geral e Com-Chefe.

O apontamento do escriba castrense da BCCAÇ 2852 é manifestamente exagerado: acho que o Tenente Mamadu era respeitado e sobretudo temido pelos seus súbditos, mas é manifestamente grosseiro, etnocênctrico e até ofensivo dizer que a população, islamizada, o "considerava como um Deus"...

(ii) a Op Cabeça Rapada II, com início a 9 de Abril, às 00.00h, destinou-se a grantir a segurança e apoio logístico dos trabalhos de desmatação "a cargo da Administração do Concelho de Bafatá" (sic), no itinerário Mansambo-Ponte dos Fulas. Dessa vez o número de nativos foi de 2150 (Cap II, pag. 76);

(iii) certamente por lapso não há referência, na História do BCAÇ 2852, à Op Cabeça Rapada III;

(iv) a Op Cabeça Rapada IV, a 3 de Maio de 1969, destinou-se a garantir a segurança dos trabalhos de desmatação do itinerário Bambadinca-Xime (Cap. II, pag. 81).

Guiné 63/74 - P448: Estrada Mansambo-Bambadinca (Op Cabeças Rapadas, 1969) (Carlos Marques Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca - Mansambo > A espingarda, a enxada, a pá, a picareta, a maceta... © Carlos Marques dos Santos (2006)


Texto de Carlos Marques dos Santos (ex-furriel miliciano da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69)

Cabeças Rapadas

Prenúncio da abertura definitiva da estrada Bambadinca/ Xitole, intransitável desde Novembro de 1968 a 4 de Agosto de 1969 (Op Belo Dia) (1)

Haverá concerteza alguns dos tertulianos que estiveram envolvidos nesta série de operações (?). Então relembrem:

Nós, CART 2339, especialmente na segundo Operação [Op Cabeça Rapada II], vibrámos com o movimento. Espantoso. Caldeirões de arroz (meio bidão de gasóleo, em fogueiras espalhadas pelo aquartelamento, movimento de viaturas e homens, um barulho ensurdecedor, homens deitados por tudo o que era sítio, em suma uma anarquia bem controlada).

Passemos à exposição dos factos:

Op Cabeça Rapada I

Em 25 de Março de 1969, uma semana depois da Op Lança Afiada (2), inicia-se a primeira Op Cabeça Rapada, com a duração de 2 dias, no itinerário Bambadinca/Mansambo.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Mobilização de milhares de nativos para os trabalhos de desmatação das orlas da floresta na estrada Bambadinca-Xitole ... © Carlos Marques dos Santos (2006)

Picagens, seguranças de flanco, etc. Trabalhos de nativos em desmatação das bermas da estrada. Estava dado o pontapé de saída, para maior segurança nas deslocações na estrada Bambadinca/ Xitole. Mas, do nosso ponto de vista, maior exposição à observação IN.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca - Mansambo > As catanas a funcionar... © Carlos Marques dos Santos (2006)

Só o meu cão, Xime de nome, porque o herdei da anterior Companhia aí aquartelada, era capaz de fazer a segurança completa. À nossa frente na picada, farejando, entrando e saindo da mata, flanqueando em zig-zag, detectando minas, dormindo quando eu estava de olhos abertos, de olhos, nariz e orelhas atentas quando eu dormia. Um verdadeiro guerrilheiro responsável das suas missões. Não me lembro se ficou em Mansambo, se o levei de volta ao Xime, quando regressei. Dias sem incidentes.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca - Mansambo > Aspecto do trabalho de desmatação... © Carlos Marques dos Santos (2006)

Em 5 de Abril inicia-se o aperfeiçoamento na desmatação do itinerário Bambadinca/ Mansambo, o mesmo acontecendo nos dias seguintes, 6, 7 e 8 de Abril, sempre das 6.00h às 17.00h (nota jocosa: em horário de expediente).

Op Cabeça Rapada II

Em 9 de Abril, às 5.40h, inicia-se com a duração de 3 dias a Op Cabeça Rapada II, no itinerário Mansambo/ Ponte dos Fulas.

Efectivos:

CART 2339 [Mansambo], a 3 Gr Comb;
CART 2856 [ a 2 Gr Comb] (3)
CCAÇ 2405 [Galomaro], a 3 Gr Comb;
CART 1746 [ Xime], a 2 Gr Comb;
CART 2413 [Xitole], a 2 Gr Comb;
CCAÇ 2406 [Saltinho], , a 2 Gr Comb;
3.º e 4.º Pel CCAÇ 2314 [Bambadinca];
Pel AM Daimler 2046 [Bambadinca];
Pel Erec 2350 [Bafatá] (4);
Pel Caç Nat 63 [na altura, sediado em Bambadinca, mais tarde - Julho de 1969 - transferido para Fá Mandinga, sendo a partir de então comandado pleo nosso tertulaino Jorge Cabral]:
8.º Pel BAC [Mansambo] (5);
Esq Mort. 10,7 [Xitole],
Pel Sap BCAÇ 2852 [Bmabadinca].

Foi efectuada a picagem e estacionamentos laterais, para segurança, no sentido Mansambo/Ponte Fulas, antes e durante os trabalhos.

Foram detectadas 2 minas A/P e uma A/C, mas sem incidentes. Estas minas [fazim parte de um vcampo de minas] que não foram concerteza detectadas na passagem e regresso da Operação que feriu o Mamadu Indjai e foi capturado o Malan Mané e que foi efectuada com os Paras (6).

O trabalhos envolveram 2150 trabalhadores nativos, que dormiram e comeram em Mansambo, tendo a segurança ficado montada de noite no itinerário.

Em 10 de Abril de 1969 retomam a actividade, pela manhã, tendo os trabalhadores sido recolhidos em Mansambo ao final do dia, regressando ao seus destinos.

Às 18.00h, desse dia, os vários destacamentos militares regressam a Mansambo e aguardam a sua vez de regressar aos quartéis, sem incidentes, com muitos vestígios.


Op Cabeça Rapada III

Em 30 de Abril, inicia-se a Op Cabeça Rapada III com duração de 3 dias no itinerário Mansambo/Galomaro, com 2100 trabalhadores nativos.

Há picagens e segurança no sentido Candamã/ Mansambo/ Candamã. Em 1 de Maio reiniciam-se os trabalhos.

Em 2 de Maio, às 6.40h há uma emboscada IN no pontão do Rio Almani, iniciada com rebentamento de uma mina A/CC comandada. A emboscada, de cerca de 15 minutos, foi dirigida a uma secção da Milícia 145 (Moricanhe) que se dirigia a Mansambo e à frente de um Gr de Comb da CCAÇ 2405 que se dirigia para Bambadinca. As NT reagiram pelo fogo e foi batida a zona com Obus 10,5 e Mort 81 (a partir de Mansambo) causando 5 mortos e 3 feridos, confirmados, ao IN (7).

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca - Mansambo > Montando a segurança às brigadas de trabalhadores... © Carlos Marques dos Santos (2006)

A Secção de Milícia teve 2 mortos e 3 feridos. Foi a primeira acção deste género na estrada Mansambo/ Bambadinca

No dia seguinte, a 3 de Maio, a CART 2339 estava envolvida em nova operação, a Op Espada Grande, iniciada às 00.00h e terminada - para a CART 2339 - às 8.00h do dia 4 (Galo Corubal e Satecuta) (8).

Não havia tempo para descansar. As acções de segurança e combate iriam prosseguir.
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Notas de LG ou de CMS

(1) Vd. post de 20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho. Há um erro (factual) no primeiro parágrafo, que já não se pode corrigir, no roginal, mas que aqui fica:

"Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole [não era ainda CART 2413, mas sim a CART 2339]. A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

"Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A (...)" (LG).

(2) Vd posts de:

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

(3) Julgo que é lapso do CMS. Deve ser CCS do BCAÇ 2856, sediada em Bafatá, a companhia e o batalhão do nosso tertuliano Jorge Tavares: vd. post de 31 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVIII: A doce nostalgia de Bafatá (BCAÇ 2856, 1968/70) (LG).

(4) Esquadraão de Reconhecimento de Cavalaria, sediado em Bafatá: vd. post de 28 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXIX: Um ataque a Sare Ganá (1968) (LG)

(5) Pelotão Artilharia BAC 1, de Mansambo, obus 10.5. Em nota de rodapé deixo ficar aqui a informação de que em Mansambo, em Dezembro de 1969, quando regressámos à Metrópole, existiam 2 obuses 10.5 (105 mm), pelo que a informação de que haveria obuses 14 ou 10.7 (que já li algures no blogue), me parece errada (CMS).
(6) Vd. posts de:

6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXV: A Op Nada Consta vista pelo lado da CART 2339 (Mansambo)

30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969)

(7) Na História do BCAÇ 2852, esta emboscada é referida como tendo acontecido a 2 de Abril de 1969, às 6.30h, e não a 2 de Maio. Não há referência a baixas tanto das NT como do IN (Cap. II, pág. 74) (LG).
(8) Na História do BCAÇ 2852, a Op Espada Grande realizou-se a 3 de Abrild e 1969, e não a 3 de Maio. Com a duração de 2 dias, o seu objectivo era completar as destruições fdos meios de vida na área, executados aquando a Op Lança Afiada, na região de Galo Corunal. A CART 2339, a 3 Gr Comb, formava o Destacamento A (Cap II, pag. 76).