© José Teixeira (2005)
Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):
Buba, 20 de Fevereiro de 1968
Estou em Buba desde 7 de Fevereiro e as perspectivas não são muito boas. Gandembel foi abandonada e o IN entretinha-se por lá. Agora, talvez porque se está a construir uma estrada nova para ligar Buba a Aldeia Formosa, esta linda terra está a ser a preferida pelo IN para as suas brincadeiras.
A estrada nova já causou um morto, o primeiro da minha Companhia quando eu ainda estava em Chamarra. O IN estava emboscado com dois fornilhos montados e, ao fazer rebentar a emboscada, provocou a explosão das armadilhas e um homem, o velho, foi pelos ares. Mais uma vida roubada...
Buba foi atacada no dia 9 às 22.15 h. Valeu-se como sempre da surpresa e causou-nos um bom susto. Feridos graves só houve um embora houvesse muitos feridos ligeiros, pés cortados, unhas arrancadas, cabeças partidas, tal foi a confusão que se instalou nas duas Companhias operacionais, nos Comandos e nos Fuzileiros que aqui estão aquartelados.
Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > Zona habitacional, na antiga estrada da pista de aviação.
© José Teixeira (2005)
Voltaram novamente a 14 pelas 5 horas da matina. Desta vez era para arrasar Buba se quisessem, ou então foram nabos, o que não me parece.
Treze canhões sem recuo chineses, 4 morteiros, LGFog, armas pesadas e ligeiras e sobretudo a uma hora que ninguém contava. Meteram bastante chocolate cá dentro mas só feriram um soldado. A Tabanca foi bastante atingida. Nove casas foram destruídas pelo fogo e com a precipitação da fuga para os abrigos ficou abandonada na Tabanca uma criancinha que morreu queimada.
Uma granada
Vinda não sei de onde,
Lançada não sei por que,
Rebentou...
E aquela criança,
Que brincava além,
A morte, a levou...
Na areia brincava...
E sua mãe,
Que seus paninhos lavava,
Estremeceu.
Num triste pressentimento
Seu olhar volveu...
Um grito ! ( desmaiou)
No preciso momento
Que seu filho morreu...
Tive muito que fazer na Enfermaria. Um dos feridos da população mais graves foi a mãe da menina que morreu. Tinha o corpo cheio de estilhaços, felizmente não foi atingida nos orgãos vitais e deve recuperar.
© José Teixeira (2005)
O seu sofrimento interior impressionou-me. É seu hábito dormir com a criança amarrada às costas para poder levá-la para o abrigo subterrâneo quando o IN ataca. Como já era de manhã desamarrou-a pouco antes do ataque se dar. Quando ouviu o fogo correu para o abrigo e só nessa altura é que se apercebeu que a bebé estava a dormir na tabanca. Saíu a correr, mas foi atirada ao chão pelo rebentamento da granada de canhão que caiu em cima da sua casa e lhe matou a menina.
Samba Sabali, 9 de Março de 1968
Depois de uns dias em Buba, segui para Nhala onde estive quatro dias e fixei-me em Samba Sabali, em tendas de campanha.
Ontem saí para o mato a dar protecção ao pessoal de Engenharia que está a abrir uma passagem de ligação à estrada nova. Dentro de dias volto para Buba e espero que se acabe para mim a protecção aos homens de Engenharia que estão a construir a estrada.
Buba, 18 de Março de 1968
Segundo me informaram na Secretaria da Companhia, o Comandante não autorizou a minha ida de férias à Metrópole. A Companhia está com muitas baixas por feridos e doenças pelo que as licenças foram cortadas. Custa-me imenso esta situação. Depois de um ano de guerra estou saturado, os nervos não obedecem e o cansaço é grande, e que saudades ...
Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > Festa na escola, no em que branco vem trazer caderno...
© José Teixeira (2005)
Como a minha Companhia está saturada e com muitas baixas, talvez mude para uma zona melhor a curto prazo. É esta a minha esperança.
Buba, 26 de Março de 1969
Mais uma grande aventura na Guiné. A maior até hoje. Integrei um Pelotão que partiu de manhã para um patrulhamento e emboscámos ao fim da tarde num sítio propício para descansar um pouco, longe do lugar onde devíamos estar emboscados, ou seja, perto da Bolanha dos Passarinhos, local de passagem do IN e por tal razão perigoso.
Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > Tabanca Lisboa > 2005 > O José Teixeira com um antigo chefe de milícias e a sua lindíssima filha. Um feliz reencontro.
© José Teixeira (2005)
Anoitecia, quando o IN atacou a Companhia que nos foi substituir a Samba Sábali e com tal fúria que provocou nuns escassos minutos um morto e nove feridos graves. Como não havia condições para o héli aterrar, quer por o local não se propiciar, quer por ser noite e perigoso e porque o estado dos feridos era grave, foi necessário ir buscá-los para Buba.
A Bolanha dos Passarinhos, local onde devíamos estar emboscados, fica entre Buba e Samba Sabali e o Comandante, convencido que estávamos perto, solicitou via rádio que fossemos reconhecer o terreno e montar segurança às viaturas que iam recolher os feridos. Como estávamos longe e porque os camaradas precisavam de apoio partimos a correr pela estrada fora sem nos preocuparmos com a segurança.
Que medo, andar de noite pela mata cerrada, em zona de contacto com o IN, com este por perto, com colegas a pedir socorro. Emboscámos a montar segurança na Bolanha e as viaturas passaram, sem perigo. Sentimos movimentos atrás de nós, supomos que era o IN, a tentar ocupar o local para atacar a coluna no regresso, mas deve-nos ter pressentido e retirou. Ainda ouvimos alguns tiros perto, mas como não reagimos, tudo se manteve calmo e eu no regresso apanhei uma viatura que trazia três feridos a quem dei apoio.
Eu tinha abandonado Samba Sabali dois dias antes. O Enfermeiro que me substituiu foi ocupar o lugar que eu deveria ocupar na defesa do acampamento. Teve azar. Uma bala perfurou-lhe a cabeça e não resistiu aos ferimentos. Um outro foi para a Metrópole inutilizado.
No dia 14 houve um ataque a Buba. Um estilhaço de granada alojou-se no pericárdio de um colega meu, que também não resistiu aos ferimentos.
José Teixeira (2005)
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