Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 30 de julho de 2016
Guiné 63/74 - P16347: Parabéns a você (1112): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930 (Guiné, 1970/72); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, ex-1.º Cabo Caç Paraquedista da CCP 121 (Guiné, 1972/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16316: Parabéns a você (1111): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf das CCAÇ 2616 e CART 2732 (Guiné, 1970/72) e João Santos, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70)
sexta-feira, 29 de julho de 2016
Guiné 63/74 - P16346: Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73) - Parte VII: No dia em que as motos correram na avenida
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Foto nº 31 > Novembro de 1972 > Corrida de motos na avenida (1)
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Foto nº 31 > > Novembro de 1972 > Corrida de motos na avenida (2)
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Foto nº 33 > Novembro de 1972 > Corrida de motos na avenida (3)
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Foto nº 32A > Novembro de 1972 > Corrida de motos na avenida (4)
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Foto nº 32 > Novembro de 1972 > Corrida de motos na avenida (5) [Como se depreende da foto nº 31, trata-se de veículos motorizados de 50 cm3]
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > CAOP1, 35ª CCmds, Pel Rec Daimler 3089, CCS/BCAÇ 3863 (1971/73) (Teixeira Pinto, 1971/73)
Fotos (e legendas): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73) (*).
Francisco Gamelas, que é engenheiro eletrotécnico de formação, quadro superior da PT Inovação reformado, vive em Aveiro, e publicou recentemente "Outro olhar - Guiné 1971-1973" (Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp. + ilust; preço de capa 12,50 €). Os interessados podem encomendá-lo ao autor através do seu email pessoalfranciscogamelas@sapo.pt. O design é da arquiteta Beatriz Ribau Pimenta, a partir da foto. nº 29. Tiragem: 150 exemplares. Impressão e acabamento: Grafigamelas, Lda, Esgueira, Aveiro.
No dia em que as motos correram na avenida
por Francisco Gamelas
E a gente foi cheganda vestida a rigor,
espalhando-se ordeiramente pela avenida
que ficou cheia antes do sinal da partida.
Já na presença das autoridades militares
o povo aplaudiu, com os seus cantares,
a chegada dos concorrentes. O calor
e a humidade fazia-nos a todos transpirar.
Motas alinhadas e o tiro da partida soou.
Largam a derrapar, mas ninguém capotou.
Trinta voltas à avenida é o total a percorrer.
Num turbilhão, ei-las que passam, a correr.
Cresce, num repente, o teor da poeira no ar.
Quando o trinta se destaca, o povo vibra.
Derrapa o vinte e oito e só pára no chão,
mas logo se levanta sangrando de uma mão.
Ataca o vinte e nove e a mota quase voa.
A do trinta desiste de roncar e já não soa.
Na frente, a do vinte e nove. Mota de fibra.
Ataca o vinte e sete na volta final, decidido,
e, a grande velocidade, emerge da poeira
deitado na mota e ultrapassa, de bandeira,
o vinte e nove, que ensaia o contra-ataque.
Parece resultar, mas, num grande baque,
parte o motor e o vinte e nove é vencido.
Merecido, ganhou o vinte e sete no final.
Feliz, o povo pula e grita entusiasmado,
permanecendo fora da pista, ordenado.
Ordem é ordem e lá estão os comandos,
arma em punho, para evitar desmandos.
A pide vigia, dissimulada. Tudo normal.
De taça na mão surge o corronel [#], sorridente.
Entrega-a ao ufano concorrente vencedor,
para os vencidos, medalhas cunhadas a rigor.
Pela segunda vez, no Canchungo, presenciei
uma tão vasta concentração de nativos, e dei
em pensar como este povo parece obediente.
Maio de 2015
In: Francisco Gamelas - Outro olhar: Guiné, 1971-1973. Aveiro, 2016, ed. de autor, pp. 111-113 (Com a devida vénia...)
[#] Referência ao comandante do CAOP1. o cor pqdt Rafael Durão
_____________
Nota do editor
(*) Último poste da série > 20 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16319: Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73) - Parte VI: Em louvor dos camaradas da 35ª CCmds e das nossas velhas e gloriosas Daimlers
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Foto nº 31 > > Novembro de 1972 > Corrida de motos na avenida (2)
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Foto nº 33 > Novembro de 1972 > Corrida de motos na avenida (3)
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Foto nº 32A > Novembro de 1972 > Corrida de motos na avenida (4)
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Foto nº 32 > Novembro de 1972 > Corrida de motos na avenida (5) [Como se depreende da foto nº 31, trata-se de veículos motorizados de 50 cm3]
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > CAOP1, 35ª CCmds, Pel Rec Daimler 3089, CCS/BCAÇ 3863 (1971/73) (Teixeira Pinto, 1971/73)
Fotos (e legendas): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73) (*).
Francisco Gamelas, que é engenheiro eletrotécnico de formação, quadro superior da PT Inovação reformado, vive em Aveiro, e publicou recentemente "Outro olhar - Guiné 1971-1973" (Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp. + ilust; preço de capa 12,50 €). Os interessados podem encomendá-lo ao autor através do seu email pessoalfranciscogamelas@sapo.pt. O design é da arquiteta Beatriz Ribau Pimenta, a partir da foto. nº 29. Tiragem: 150 exemplares. Impressão e acabamento: Grafigamelas, Lda, Esgueira, Aveiro.
No dia em que as motos correram na avenida
por Francisco Gamelas
E a gente foi cheganda vestida a rigor,
espalhando-se ordeiramente pela avenida
que ficou cheia antes do sinal da partida.
Já na presença das autoridades militares
o povo aplaudiu, com os seus cantares,
a chegada dos concorrentes. O calor
e a humidade fazia-nos a todos transpirar.
Motas alinhadas e o tiro da partida soou.
Largam a derrapar, mas ninguém capotou.
Trinta voltas à avenida é o total a percorrer.
Num turbilhão, ei-las que passam, a correr.
Cresce, num repente, o teor da poeira no ar.
Quando o trinta se destaca, o povo vibra.
Derrapa o vinte e oito e só pára no chão,
mas logo se levanta sangrando de uma mão.
Ataca o vinte e nove e a mota quase voa.
A do trinta desiste de roncar e já não soa.
Na frente, a do vinte e nove. Mota de fibra.
Ataca o vinte e sete na volta final, decidido,
e, a grande velocidade, emerge da poeira
deitado na mota e ultrapassa, de bandeira,
o vinte e nove, que ensaia o contra-ataque.
Parece resultar, mas, num grande baque,
parte o motor e o vinte e nove é vencido.
Merecido, ganhou o vinte e sete no final.
Feliz, o povo pula e grita entusiasmado,
permanecendo fora da pista, ordenado.
Ordem é ordem e lá estão os comandos,
arma em punho, para evitar desmandos.
A pide vigia, dissimulada. Tudo normal.
De taça na mão surge o corronel [#], sorridente.
Entrega-a ao ufano concorrente vencedor,
para os vencidos, medalhas cunhadas a rigor.
Pela segunda vez, no Canchungo, presenciei
uma tão vasta concentração de nativos, e dei
em pensar como este povo parece obediente.
Maio de 2015
In: Francisco Gamelas - Outro olhar: Guiné, 1971-1973. Aveiro, 2016, ed. de autor, pp. 111-113 (Com a devida vénia...)
[#] Referência ao comandante do CAOP1. o cor pqdt Rafael Durão
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Nota do editor
(*) Último poste da série > 20 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16319: Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73) - Parte VI: Em louvor dos camaradas da 35ª CCmds e das nossas velhas e gloriosas Daimlers
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Guiné 63/74 - P16345: Notas de leitura (863): Os Vampiros, BD de Filipe de Melo e Juan Cavia, Tinta-da-China, 2016 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Julho de 2016:
Queridos amigos,
Têm sido generosas as críticas a este álbum, a todos os títulos original, não hesito em considerá-lo uma obra de referência. Passa-se em Dezembro de 1972, no Norte da Guiné forma-se uma patrulha que tem como objetivo encontrar uma base do PAIGC dentro do Senegal, saber o que se passa. É uma viagem de horror, andam à solta espíritos malignos, sugadores de sangue, e os militares vão-se transformando, ameaçam-se, uns são devorados, outros interiorizam o Maligno.
É imprescindível olharmos para esta BD com espírito ortodoxo sob pena de categorizarmos o argumento como uma acusação a combatentes. Recomendo vivamente a leitura desta obra superior da banda desenhada.
Um abraço do
Mário
Os Vampiros: um luxo de BD sobre a guerra da Guiné
Beja Santos
Os vampiros nunca saíram de moda, antes de serem personificados pelo Conde Drácula já faziam parte de diferentes mitologias do mal onde pululam hidras, górgonas, lobisomens e figuras fantasmáticas do mundo das trevas. A sua presença na contemporaneidade, com expressão na literatura e no cinema, decorrem naturalmente da atração pelas situações-limite entre o homem e a fera, o belo demoníaco, o sugador que depreda até à queda final. Há, evidentemente, outras dimensões que se podem explorar na procura de uma explicação sobre a moda dos vampiros: há quem diga que esta sociedade competitiva, sem escrúpulos, de triunfadores e predadores excita o imaginário dos vampiros. E o vampiro como homem condenado é a maldade sem perdão.
"Os Vampiros", Tinta-da-China, 2016, é um acontecimento de BD pelo nome do argumentista e do desenhador. Filipe Melo é polifacetado, na música e na BD, Juan Cavia é diretor de arte para cinema e publicidade, é nome sonante do audiovisual. Meteram ombros a um projeto temerário: guerra da Guiné, uma estranha patrulha dentro do Senegal, uma viagem com monstros (na consciência e à solta), uma missão aparentemente formal é dada a um grupo de homens. Metem-se à mata, a viagem marcha de assombro em assombro, o terror é imparável, até ao deslindamento final.
O álbum abre com uma citação do Padre António Vieira, vem mesmo a propósito: “É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta”. Quem viaja a caminho daquela missão leva imensas dores, estamos em Dezembro de 1972, os militares da missão saem de uma LDP, encontram-se com outros militares que saem do helicóptero, sabemos que o manda-chuva é o Sargento Emanuel Ferreira dos Santos, é um grupo pequeno e tem um guia africano. Em pleno mato sabemos que a missão é atravessar a fronteira para o Senegal e fazer um reconhecimento, confirmar onde é que fica uma base do PAIGC junto à fronteira, enviar as coordenadas por rádio e voltar ao ponto de recolha. Internam-se mato adentro. Surgem as primeiras imagens de atrocidades, há miragens que o leitor ainda não está em condições de descodificar, um atirador furtivo faz a primeira baixa na patrulha, é depois liquidado, reacendem-se imagens de barbárie (corte de orelha); as tropas fazem um alto, há trocas de confidências, alguém se refere ao sargento como o maior carniceiro da Guiné, há pesadelos, e recomeça a viagem, o soldado de nome Totobola gaba-se da sorte que tem tido, pisa uma mina, temos a segunda vítima, os ânimos aquecem, o Sargento Santos manda prosseguir, aparece uma nativa com um filho, repete-se a violência, mãe e filho são abatidos, os militares começam a descontrolar-se e a apontar as armas uns aos outros, há quem tenha pesadelos num períodos de descanso, a marcha prossegue debaixo de chuva diluviana, a patrulha dá com o corpo do guia Sanhá mutilado, a face com uma expressão de horror total, os olhos ensanguentados.
Estamos agora no segundo capítulo, a citação é tirado do livro Moby Dick de Herman Melville: “A loucura humana é a coisa mais matreira e felina que existe. Quando pensamos que desapareceu, pode apenas ter-se transfigurado numa forma ainda mais subtil”. A patrulha aproxima-se da base rebelde, depara-se-lhes uma autêntica carnificina. Atónitos com este banho de sangue, procuram vivos, na escuridão sobressaem olhos sanguinolentos, aparece alguém aterrorizado, é abatido, um dos elementos da patrulha aparece ferido e delirante, o contingente militar percebe que estão cercados por um inimigo invisível, barricam-se nas instalações. Mais pesquisas e encontra-se um outro elemento que teria pertencido ao grupo abatido, encontrara um esconderijo, mais cenas de violência, novamente há camaradas a apontar armas aos seus camaradas. O sobrevivente, que não fala português, consegue uma ligação rádio, o comandante da patrulha dá as coordenadas. A espera continua, o rádio emudecido. Temos agora o terceiro e último capítulo, Zeca Afonso é a citação com os seus Vampiros: “No céu cinzento, sob o astro mudo,/batendo as asas, pela noite calada,/vêm em bandos, com pés de veludo,/chupar o sangue fresco da manada./Eles comem tudo, eles comem tudo,/eles comem tudo e não deixam nada”. Há, durante esta longa espera, diálogos confusos, cortaram a luz do exterior, a força sitiada abre a porta, chegou um jipe com gente armada, tudo vai correr mal. O Sargento Santos desabafa acerca da família que o espera: “O homem de quem elas estão à espera já não existe. Morreu pouco depois de chegar à Guiné”. Amanhece, vem um avião e bombardeia a posição com Napalm. A força militar está praticamente extinta, e aparece um jipe, e no uso da metáfora os autores dão-nos conta de quem sobrevive fica sujeita à condição de vampiro.
Nada ao nível das artes da banda desenhada tinha acontecido entre nós com um traço tão plausível, um estudo tão apurado do mundo tropical, do horror da guerra, dos transportes militares, do caminhar dentro da mata, podendo-se discutir se os ambientes de floresta podem ser totalmente identificados com as lalas e matas guineenses. Há o jargão intenso da caserna, a despeito de alguém dizer “tudo bem”, expressão que ninguém usava naqueles tempos. A arte, convém esclarecer os mais céticos e exigentes no tratamento do que foi aquela guerra, tem liberdades, metáforas e bizarrias que não devem ser encaradas como ofensas a quem combateu. Ninguém imagina um grupo tão pequeno a fazer aquela incursão no Senegal; não se pode fazer uma leitura literal daqueles vampiros e aos exageros da barbárie. Tomando como referência as citações dos três capítulos, a guerra foi aquele monstro que quanto mais comia menos se fartava, põe todos os homens contra todos os homens, e em que a loucura se transfigura porque há patrulhas, flagelações, inimigos imprevisíveis, minas, muitas minas, é um terreno de eleição para que o homem se sinta moldado no papel de sugador, de besta insaciável. A propósito de uma história que nesta banda desenhada ocorre em Dezembro de 1972, no Norte da Guiné, até parece ajustado lembrar aquele coronel do filme Apocalypse Now que vive empolgado com o horror e no horror é justiçado por ter quebrado todas as normas por que se rege a instituição militar.
“Os Vampiros”, de Filipe Melo e Juan Cavia são um marco miliário na BD portuguesa. Aquela guerra da Guiné atingira a monstruosidade de que quanto mais consumia tanto menos se fartava.
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Nota do editor
Último poste da série de 25 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16329: Notas de leitura (861): “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016 - Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (3) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Têm sido generosas as críticas a este álbum, a todos os títulos original, não hesito em considerá-lo uma obra de referência. Passa-se em Dezembro de 1972, no Norte da Guiné forma-se uma patrulha que tem como objetivo encontrar uma base do PAIGC dentro do Senegal, saber o que se passa. É uma viagem de horror, andam à solta espíritos malignos, sugadores de sangue, e os militares vão-se transformando, ameaçam-se, uns são devorados, outros interiorizam o Maligno.
É imprescindível olharmos para esta BD com espírito ortodoxo sob pena de categorizarmos o argumento como uma acusação a combatentes. Recomendo vivamente a leitura desta obra superior da banda desenhada.
Um abraço do
Mário
Os Vampiros: um luxo de BD sobre a guerra da Guiné
Beja Santos
Os vampiros nunca saíram de moda, antes de serem personificados pelo Conde Drácula já faziam parte de diferentes mitologias do mal onde pululam hidras, górgonas, lobisomens e figuras fantasmáticas do mundo das trevas. A sua presença na contemporaneidade, com expressão na literatura e no cinema, decorrem naturalmente da atração pelas situações-limite entre o homem e a fera, o belo demoníaco, o sugador que depreda até à queda final. Há, evidentemente, outras dimensões que se podem explorar na procura de uma explicação sobre a moda dos vampiros: há quem diga que esta sociedade competitiva, sem escrúpulos, de triunfadores e predadores excita o imaginário dos vampiros. E o vampiro como homem condenado é a maldade sem perdão.
"Os Vampiros", Tinta-da-China, 2016, é um acontecimento de BD pelo nome do argumentista e do desenhador. Filipe Melo é polifacetado, na música e na BD, Juan Cavia é diretor de arte para cinema e publicidade, é nome sonante do audiovisual. Meteram ombros a um projeto temerário: guerra da Guiné, uma estranha patrulha dentro do Senegal, uma viagem com monstros (na consciência e à solta), uma missão aparentemente formal é dada a um grupo de homens. Metem-se à mata, a viagem marcha de assombro em assombro, o terror é imparável, até ao deslindamento final.
O álbum abre com uma citação do Padre António Vieira, vem mesmo a propósito: “É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta”. Quem viaja a caminho daquela missão leva imensas dores, estamos em Dezembro de 1972, os militares da missão saem de uma LDP, encontram-se com outros militares que saem do helicóptero, sabemos que o manda-chuva é o Sargento Emanuel Ferreira dos Santos, é um grupo pequeno e tem um guia africano. Em pleno mato sabemos que a missão é atravessar a fronteira para o Senegal e fazer um reconhecimento, confirmar onde é que fica uma base do PAIGC junto à fronteira, enviar as coordenadas por rádio e voltar ao ponto de recolha. Internam-se mato adentro. Surgem as primeiras imagens de atrocidades, há miragens que o leitor ainda não está em condições de descodificar, um atirador furtivo faz a primeira baixa na patrulha, é depois liquidado, reacendem-se imagens de barbárie (corte de orelha); as tropas fazem um alto, há trocas de confidências, alguém se refere ao sargento como o maior carniceiro da Guiné, há pesadelos, e recomeça a viagem, o soldado de nome Totobola gaba-se da sorte que tem tido, pisa uma mina, temos a segunda vítima, os ânimos aquecem, o Sargento Santos manda prosseguir, aparece uma nativa com um filho, repete-se a violência, mãe e filho são abatidos, os militares começam a descontrolar-se e a apontar as armas uns aos outros, há quem tenha pesadelos num períodos de descanso, a marcha prossegue debaixo de chuva diluviana, a patrulha dá com o corpo do guia Sanhá mutilado, a face com uma expressão de horror total, os olhos ensanguentados.
Estamos agora no segundo capítulo, a citação é tirado do livro Moby Dick de Herman Melville: “A loucura humana é a coisa mais matreira e felina que existe. Quando pensamos que desapareceu, pode apenas ter-se transfigurado numa forma ainda mais subtil”. A patrulha aproxima-se da base rebelde, depara-se-lhes uma autêntica carnificina. Atónitos com este banho de sangue, procuram vivos, na escuridão sobressaem olhos sanguinolentos, aparece alguém aterrorizado, é abatido, um dos elementos da patrulha aparece ferido e delirante, o contingente militar percebe que estão cercados por um inimigo invisível, barricam-se nas instalações. Mais pesquisas e encontra-se um outro elemento que teria pertencido ao grupo abatido, encontrara um esconderijo, mais cenas de violência, novamente há camaradas a apontar armas aos seus camaradas. O sobrevivente, que não fala português, consegue uma ligação rádio, o comandante da patrulha dá as coordenadas. A espera continua, o rádio emudecido. Temos agora o terceiro e último capítulo, Zeca Afonso é a citação com os seus Vampiros: “No céu cinzento, sob o astro mudo,/batendo as asas, pela noite calada,/vêm em bandos, com pés de veludo,/chupar o sangue fresco da manada./Eles comem tudo, eles comem tudo,/eles comem tudo e não deixam nada”. Há, durante esta longa espera, diálogos confusos, cortaram a luz do exterior, a força sitiada abre a porta, chegou um jipe com gente armada, tudo vai correr mal. O Sargento Santos desabafa acerca da família que o espera: “O homem de quem elas estão à espera já não existe. Morreu pouco depois de chegar à Guiné”. Amanhece, vem um avião e bombardeia a posição com Napalm. A força militar está praticamente extinta, e aparece um jipe, e no uso da metáfora os autores dão-nos conta de quem sobrevive fica sujeita à condição de vampiro.
Nada ao nível das artes da banda desenhada tinha acontecido entre nós com um traço tão plausível, um estudo tão apurado do mundo tropical, do horror da guerra, dos transportes militares, do caminhar dentro da mata, podendo-se discutir se os ambientes de floresta podem ser totalmente identificados com as lalas e matas guineenses. Há o jargão intenso da caserna, a despeito de alguém dizer “tudo bem”, expressão que ninguém usava naqueles tempos. A arte, convém esclarecer os mais céticos e exigentes no tratamento do que foi aquela guerra, tem liberdades, metáforas e bizarrias que não devem ser encaradas como ofensas a quem combateu. Ninguém imagina um grupo tão pequeno a fazer aquela incursão no Senegal; não se pode fazer uma leitura literal daqueles vampiros e aos exageros da barbárie. Tomando como referência as citações dos três capítulos, a guerra foi aquele monstro que quanto mais comia menos se fartava, põe todos os homens contra todos os homens, e em que a loucura se transfigura porque há patrulhas, flagelações, inimigos imprevisíveis, minas, muitas minas, é um terreno de eleição para que o homem se sinta moldado no papel de sugador, de besta insaciável. A propósito de uma história que nesta banda desenhada ocorre em Dezembro de 1972, no Norte da Guiné, até parece ajustado lembrar aquele coronel do filme Apocalypse Now que vive empolgado com o horror e no horror é justiçado por ter quebrado todas as normas por que se rege a instituição militar.
“Os Vampiros”, de Filipe Melo e Juan Cavia são um marco miliário na BD portuguesa. Aquela guerra da Guiné atingira a monstruosidade de que quanto mais consumia tanto menos se fartava.
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Nota do editor
Último poste da série de 25 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16329: Notas de leitura (861): “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016 - Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (3) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P16344: Inquérito 'on line' (64): Para que servia a faca de mato ? Num total de 90 respostas, 32 % diz que nunca teve nenhuma; para 41% era o nosso "canivete suiço"; para 31%, um abre-latas; e para 23%, uma preciosa ferramenta de sapador... Também era "arma de defesa" (17%), "ronco" (13%) e "amiga inseparável" (10%)
Guiné > Zona leste > Setor L5 > Contuboel > CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (1969/71) > Centro de Instrução Militar de Contuboel > Junho de 1969 > Os instrutores Luís Graça e Tony Levezinho num exercício (lúdico...) com armas brancas (o primeiro armado de catana, o segundo, de faca de mato).
Foto: © Tony Levezinho (1969). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
INQUÉRITO DE OPINIÃO:
"PARA QUE SERVIA A FACA DE MATO ?"
(RESPOSTA MÚLTIPLA)
Total de respostas=90
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Nota do editor:
Último poste da série > 28 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16341: Inquérito 'on line' (63): Para que servia a faca de mato ?... Resposta de Jorge Araújo (ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74)
Total de respostas=90
7. Outros usos (mato/quartel) > 37 (41.1%)
10. Nunca tive faca de mato > 29 (32.2%)
3. Abre-latas > 28 (31.1%)
5. Ferramenta de sapador (MA) > 21 (23.3%)
4. Talher 3 em 1 (faca. garfo, colher) > 16 (17.8%)
1. Arma de defesa > 15 (16.7%)
6. Adereço / ronco > 12 (13.3%)
8. "A minha amiga inseparável" > 9 (10.0%)
2. Limpar o sebo ao IN > 2 (2.2%)
9. Objeto completamente inútil > 0 (0.0%)
11. Não sei / não me lembro > 0 (0.0%)
Votos apurados: 90
Sondagem fechada em 28/7/2016, às 20h38
Nota do editor:
Último poste da série > 28 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16341: Inquérito 'on line' (63): Para que servia a faca de mato ?... Resposta de Jorge Araújo (ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74)
quinta-feira, 28 de julho de 2016
Guiné 63/74 - P16343: Convívios (764): Moledo, Lourinhã, 14 de agosto de 2016: encontro de combatentes, 5º aniversário da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste... Estamos todos convidados!
Cartaz pormocional do convívio da AVECO - Associação dos Veteranos do Oeste, da autoria do nosso amigo e camarada António Basto. Moledo da Lourinhã é uma terra fascinante, a 70 km de Lisboa que merece uma visita. (*)
Foi aqui, em Moledo [, do baixo latim "Moletu(m)", rochedo], que Pedro e Inês fizerem o seu ninho de amor. Inês teve aqui um palácio, entretanto demolido no séc. XVI. Tem igreja renascentista e é a povoação do país com mais esculturas por metro quadrado (**), Os seus moinhos de vento, de oprigem árabe, também são um motivo de atração. Tem igualmente monumento aos combatentes do Ultramar. Fica situado no planalto das Cesaredas.
Lourinhã > Moledo > Arte Pública > 25 de agosto dfe 2015 > Inês, peça de Joana Alves, em pedra da região... E o nosso editor com a mãosinha... "na mama firme da bajuda".
Foto (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados
1. A AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, com o NIPC 510 083 617, tem sede na Rua dos Bombeiros Voluntários, Edificio do Centro Coordenador de Transportes, Piso 1, Sala 2, Lourinhã, e é uma Instituição Particular de Caracter Cultural e Social.
Foi constituida por escritura pública de 16 de dezembro de 2011.
É uma Associação que agrega antigos combatentes (Veteranos) da Guerra Colonial e das Missões de Paz, de todos os Ramos das Forças Armadas.
(i) o apoio social, médico e jurídico, a defesa de direitos e das justas reivindicações de todos os associados, e a obtenção de assistência específica aos ex-combatentes e seus familiares, portadores de deficiência por perturbação pós-stress traumática de guerra (PTSD);
(ii) promoção de actividades lúdicas e culturais para os seus associados e familiares.
(iii) não tem fins lucrativos e é independente de ideologias políticas, étnicas, religiosas e económicas.
3. Contactos:
AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste [brazão à direita]
Rua dos Bombeiros Voluntários - Centro Coordenador dos Transportes - Piso 1 – Sala 2
2530-147 LOURINHÃ
Telefone: + 351 261 46 9457
2530-147 LOURINHÃ
Telefone: + 351 261 46 9457
Correio electrónico: avecombatentes@gmail.com
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 28 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16340: Convívios (763): Tabanca da Linha, 21 de julho de 2016: Parte II - (E)ternos namorados (fotos de Manuel Resende)
(**) Vd. poste de 27 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15046: Memória dos lugares (316): Moledo, Lourinhã: a capital do amor, o palco dos amores de Pedro e Inês, ardentes, altamente explosivos, perigosos, clandestinos, subversivos, e de lesa-pátria... Também local (fabuloso, de visita obrigatória) de arte pública, para ver com os olhos... e mexer com mãos (, que nos perdoem a Inês e o Pedro lá no céu dos eternos amantes!) - fotos de Luís Graça
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 28 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16340: Convívios (763): Tabanca da Linha, 21 de julho de 2016: Parte II - (E)ternos namorados (fotos de Manuel Resende)
(**) Vd. poste de 27 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15046: Memória dos lugares (316): Moledo, Lourinhã: a capital do amor, o palco dos amores de Pedro e Inês, ardentes, altamente explosivos, perigosos, clandestinos, subversivos, e de lesa-pátria... Também local (fabuloso, de visita obrigatória) de arte pública, para ver com os olhos... e mexer com mãos (, que nos perdoem a Inês e o Pedro lá no céu dos eternos amantes!) - fotos de Luís Graça
Guiné 63/74 - P16342: (Ex)citações (314): A faca de mato, original, que usávamos no CTIG... Um ícone que "passeou" comigo, de Guileje e Gadamael a Nhacra e Paunca, entre 1972 e 1974... (J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op esp / ranger, CCAV 8350 e CCAÇ 11)
Foto: © J. Casimiro Carvalho (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
"Material icónico, por demais conhecido no Blogue (em fotos desses tempos), são os originais", garante ele... O camuflado, as divisas de furriel, o cinturão, a faca de mato...
Estamos a falar do J. Casimiro Carvalho [ex-fur mil op esp/ranger, CCAV 8350 e CCAÇ 11, Gadamael, Guileje, Nhacra e Paúnca, 1972/74; membro da nossa Tabanca Grande, tem cerca de 70 referências no blogue; vive na Maia; é um bom amigo e melhor camarada, além de pai e avô babado...
É pena não se ver a faca de mato inteira, com a lâmina inox... Muito menos o nome do fabricante. Há aqui um tira-teimas: era alemão ou português do Minho ?...
Mas esta era a nossa verdadeira faca de mato (a avaliar pelo cabo em osso e pela baínha em cabedal) que o exército disponibilizava, pelo menos aos graduados... Vamos pedir ao dono para nos mandar uma foto da faca, desembainhada, de corpo inteiro, nuínha em folha, da ponta ao cabo... Há um inquérito a decorrer sobre a "faca de mato" e os usos e costumes dos seus donos... Ver blogue, ao canto superior esquerdo. É só clicar nas respostas (uma ou mais apropriadas)... Até por volta das 20h30 do dia de hoje, hora a que fecha a urna eletrónica...
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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de julho de 2016 Guiné 63/74 - P16336: (Ex)citaçõe (313): A minha faca de mato, de aço temperado mas não de inox, "made in Portugal", velhinha de 45 anos, amiga inseparável, ainda hoje nas jornadas de caça... (Augusto Silva Santos, ex-fur mil, CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)
Último poste da série > 27 de julho de 2016 Guiné 63/74 - P16336: (Ex)citaçõe (313): A minha faca de mato, de aço temperado mas não de inox, "made in Portugal", velhinha de 45 anos, amiga inseparável, ainda hoje nas jornadas de caça... (Augusto Silva Santos, ex-fur mil, CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)
Guiné 63/74 - P16341: Inquérito 'on line' (63): Para que servia a faca de mato ?... Resposta de Jorge Araújo (ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74)
Guiné > Zona leste > Setor L1 > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) > Subsetor do Xime (1972) > Foto nº 1
Guiné > Zona leste > Setor L1 > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) > Subsetor do Xime (1972) > Foto nº 2
PARA QUE SERVIA A FACA DE MATO?
27 de julho de 2016 | Jorge Araújo [ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974)];
Na sequência do conteúdo publicado no P16337 (*), eis um pequeno contributo factual sobre o uso da nossa companheira (mais uma: a faca de mato) no quotidiano das aventuras e imponderáveis no CTIG.
A faca de mato da imagem supra [, foto nº 1] foi utilizada na sequência do episódio ocorrido em 10 de agosto de 1972 [vai fazer quarenta e quatro anos] com o meu grupo de combate [o 1.º da CART 3494] no rio Geba, e que foi baptizado como «o naufrágio no Rio Geba».
Citação extraída do P10246.
[…] “Fazendo uso da faca de mato, que usávamos presa ao cinturão, procedemos ao corte de alguns troncos dos arbustos existentes na zona, arremessando-os na sua direcção, visando facilitar a mobilidade nos últimos metros da tortura. Os pequenos troncos, porque foram colocados entre os corpos e o tarrafo, funcionando como estrado, acabariam por provocar ligeiros ferimentos, particularmente no peito e zona abdominal, devido às suas saliências”. […]
A faca de mato servia, ainda, para gravar a nossa assinatura [ideogramas] em locais por onde passámos, nomeadamente árvores, como é o exemplo acima.[, foto nº 2]
Boa semana.
Um abraço. Jorge Araújo.
Na sequência do conteúdo publicado no P16337 (*), eis um pequeno contributo factual sobre o uso da nossa companheira (mais uma: a faca de mato) no quotidiano das aventuras e imponderáveis no CTIG.
A faca de mato da imagem supra [, foto nº 1] foi utilizada na sequência do episódio ocorrido em 10 de agosto de 1972 [vai fazer quarenta e quatro anos] com o meu grupo de combate [o 1.º da CART 3494] no rio Geba, e que foi baptizado como «o naufrágio no Rio Geba».
Citação extraída do P10246.
[…] “Fazendo uso da faca de mato, que usávamos presa ao cinturão, procedemos ao corte de alguns troncos dos arbustos existentes na zona, arremessando-os na sua direcção, visando facilitar a mobilidade nos últimos metros da tortura. Os pequenos troncos, porque foram colocados entre os corpos e o tarrafo, funcionando como estrado, acabariam por provocar ligeiros ferimentos, particularmente no peito e zona abdominal, devido às suas saliências”. […]
A faca de mato servia, ainda, para gravar a nossa assinatura [ideogramas] em locais por onde passámos, nomeadamente árvores, como é o exemplo acima.[, foto nº 2]
Boa semana.
Um abraço. Jorge Araújo.
Nota do editor:
(*) Vd. poste de 27 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16337: Inquérito 'on line' (62): Para que servia a faca de mato ? Em 80 respostas (provisórias), 31% diz que nunca teve faca de mato; para 41% era um objeto multiuso, para 33% um abre-latas e para 25% uma ferramenta de sapador... O prazo de resposta termina amanhã, 28, às 20h38... Mesmo em férias, esperamos chegar às 100 respostas
Guiné 63/74 - P16340: Convívios (763): Tabanca da Linha, 21 de julho de 2016: Parte II - (E)ternos namorados (fotos de Manuel Resende)
Foto nº 16 > O sapador Luis R, Moreira e companheira Irene
Foto nº 17 > O António Fernando Marques e a Gina, as pessoas mais encantadores da Torre da Marinha
Foto nº 18 > O casal mais "strelado" do mundo: Miguel e Giselda Pessoa
Foto nº 19 > Os inseparáveis Jorge Canhão e Maria de Lurdes, que vivem em Oeiras
Foto nº 20 > Zé Carioca e esposa Ilda
Foto nº 21 > Os já fregueses da Tabanca da Linha, Manuel Lema Santos e esposa Maria João
Oeiras > Algés > 21 de julho de 2016 > Restaurante Caravela de Ouro, Alameda Hermano Patrone, 1495 ALGÉS (Jardim de Algés) > 26º convívio da Magnífica Tabanca da Linha (*)Foto nº 21 > Os já fregueses da Tabanca da Linha, Manuel Lema Santos e esposa Maria João
Foto nº 22 > Arlindo Clérigo, pára ferido no inferno de Gadamael e evacuado para a Metrópole, e a sua companheira Ermelinda
Foto nº 23 > Caras conhecidas... Carlos Carronda Rodrigues, cor ref (Algueirão) e esposa Manuela.
Fotos: © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Como escreveu no poste anterior o cronista-mor da Tabanca da Linha, o Zé Manel (Matos Dinis) no seu estilo irreverente e bem disposto (*):
"(...) Importante, importante, é a possibilidade para confraternizarmos, para nos expressarmos com alegrias e risadas, e gritos, se alguém, algum dia, alguém se lembrar disso".
E lembra que "foram várias as caras novas, malta que pareceu integrar-se com facilidade, o que vem provar que há coisas importantes que nos unem" (*)...
Como sempre não faltaram os casais... Aqui vai uma seleção, a partir das fotos do Manuel Resende, dos (e)ternos namorados da Tabanca da Linha. Até à rentrée!...
PS - Pedimos desculpa por não saber identificar todos os participantes que aparecem nas fotos (Partes I e II)...
_________________
Nota do editor:
(*) Vdf. poste de 28 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16339: Convívios (762): Tabanca da Linha, 21 de julho de 2016: Parte I - Grandes corredores d'Algés & Dafundo e d'Além-Mar em Àfrica (Texto de José Manuel Matos Dinis; fotos de Manuel Resende)
(*) Vdf. poste de 28 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16339: Convívios (762): Tabanca da Linha, 21 de julho de 2016: Parte I - Grandes corredores d'Algés & Dafundo e d'Além-Mar em Àfrica (Texto de José Manuel Matos Dinis; fotos de Manuel Resende)
Guiné 63/74 - P16339: Convívios (762): Tabanca da Linha, 21 de julho de 2016: Parte I - Grandes corredores d'Algés & Dafundo e d'Além-Mar em África (Texto de José Manuel Matos Dinis; fotos de Manuel Resende)
Foto nº 1 > A nova "sala de pasto", agora em Algés, o restaurante Caravela de Ouro
Foto nº 2 > O "camisola amarela" é um português da Linha, pois claro, ex-Diamang... Nem tudo se perdeu no retorno ao "Puto"... A pele e a alma e o resto do corpinho vieram com o nosso Zé (Manel Matos Dinis), aqui no exercício das suas funções de (e)terno adjunto do Comandante Rosales. Ainda na foto: António Castanheira e Carlos Santa.
Foto nº 4 > O veteraníssimo Rui Santos, o "camisola azul"... Outro grande corredor de fundo... Com António Alves Alves.
Foto nº 5 > Um "bedandense" entre as gentes da Linha: o Hugo Moura Ferreira, ex-camisola amarela... Com José de Jesus da CCAÇ 2585 (Jolmete)
Foto nº 6 > O fadista de Bissorã, o rapaz da "camisola verde às riscas"... Está nostálgico, o nosso Armando Pires, why? why?...
Foto nº 7 > O Zé Dinis de Souza Faro, numa pose luminosa...
Foto nº 8 > "Manuel Joaquim, à minha direita, um grande senhor", diz o Souza Faro... Ainda na foto, António Gil das Caldas da Rainha.
Foto nº 9 > Do outro lado a Linha... do Estoril, em Algés... Manuel Joaquim, Diniz Souza E Faro, António Gil, José António Chaves, Joaquim Nunes Sequeira (o Sintra), e António Souto Mouro (de costas).
Foto nº 10 > Um ribatejano, régulo da Tabanca de Setúbal, em visita de cortesia à Tabanca da Linha onde se come sempre bem e se recebe melhor...
Foto nº 11 > Manuel Resende, o fotógrafo de serviço que tem fixado, para a eternidade, os melhores momentos conviviais da Magnífica Tabanca da Linha
Foto nº 12 > Da esquerda para a direita: Manuel Lema Santos, lídimo representante da Reserva Naval (e Moral da Nação) mais o Zé Rodrigues, que vive em Belas (que a nossa base de dados não mente)
Foto nº 13 > Fernando Sousa, "outro bedandense", escritor, autor de "Quatro Rios e um Destino", que se prepara no final do ano para lançar o seu primeiro livro de poesia...
Foto nº 14 > Por fim, mas não menos importante, o comandante Jorge Rosales, tendo a seu lado o José Colaço, dois dos nossos grã-tabanqueiros sempre nobres e leais... 14 fotos de uma difícil seleção num lote de 60, enviadas pelo Manuel Resende... Mas há mais, na parte II...
Oeiras > Algés > 21 de julho de 2016 > Restaurante Caravela de Ouro, Alameda Hermano Patrone, 1495 ALGÉS (Jardim de Algés) > 26º convívio da Magnífica Tabanca da Linha (*)
Fotos: © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Bloghue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem do José Manuel Matos Dinis, com data de 21 do corrente:
Assunto - O Último encontro da Magnífica Tabanca da Linha
Foi hoje.
Conforme ampla divulgação feita pelos instrumentos do costume, foi hoje o último encontro da Magnífica Tabanca da Linha.
Foi o último realizado, mas vão continuar. Que ninguém se assuste, que o génio desta tabanca está para durar. A realização começou no final do mês passado. Alguns dos magníficos da região de Algés, há muito tempo que propunham a realização de um encontro lá para aquelas bandas.
Nesse pressuposto, S. Exa., acompanhado do ministro privado das tecnologias, Manuel Resende; do impoluto repórter reformado, Armando Pires, e de alguns dos elementos daquela região, marcaram almoço no previsto local do acontecimento. Parece que S. Exa. ficou estragado de mimos, bebeu uns copos, e deu luz verde à realização. Fixou-se a ementa e o preço, mostraram-se retratos do edifício, e vai de anunciar às gentes interessadas a próxima realização do evento. Que foi hoje. Colocaram-se as moedas nos parquímetros, e ala, que tocou a reunir.
Compareceu um bom número de tertulianos, animados de boa disposição, e do bom apetite que a escada até ao segundo andar proporciona. Calma, deixem-me contar: claro que não morreu ninguém com o esforço, ou insuficiências potenciadas pela contagem dos degraus. Nada disso. Para esses, a organização dispõe de um elevador. E foi o que aconteceu, a malta atafulhou o cubículo elevatório de cada vez que se passava da rua para a sala sacrificial.
Compareceu um bom número de tertulianos, animados de boa disposição, e do bom apetite que a escada até ao segundo andar proporciona. Calma, deixem-me contar: claro que não morreu ninguém com o esforço, ou insuficiências potenciadas pela contagem dos degraus. Nada disso. Para esses, a organização dispõe de um elevador. E foi o que aconteceu, a malta atafulhou o cubículo elevatório de cada vez que se passava da rua para a sala sacrificial.
E logo à entrada, emboscados, mas suficientemente à vista para não falharem pontarias, dois elementos procediam à recolha do dinheiro: um estendia a mão onde se colocavam os valiosos euros, enquanto o outro rabiscava num papel marcado com manchas de azeite, ou manteiga, mas ainda com aromas de outros temperos, os nomes dos pagantes. Nesta parte a coisa correu bem, pois não se registaram desacatos como vinha sendo costume, quando havia o hábito de pagar no fim. Parabéns à organização que acabou com as confianças malévolas.
A localização permite uma vista para a Marginal, depois para a linha, onde passa o comboio sem custos acrescidos, a seguir pode ver-se o bocado de terra destinado aos concertos barulhentos, e, finalmente, lobriga-se o rio, que dali parece ribeiro. O pessoal já não via nada, e alguns tiveram a sorte de descobrir uns fritos e rodelas de paio que não saciaram as fomes. Provaram-se vinhos, da terra do senhor doutor, e ouvi alguém soletrar Esteva, que logo percebi, não havia Esteva. Isto, na parte dos tintos, porque os brancos eram da mesma proveniência e não havia da D. Ermelinda. Ninguém morreu de sede. Aliás, havia água com excessiva fartura, e uma espécie de laranjada, certamente da mais qualificada indústria sumarenta. Nem lhe toquei, livra!
Aproximou-se a hora de refeiçoar, e o pessoal compôs-se nas mesas para o diligente serviço de caldos, um elaborado a partir das melhores espécies vegetais, outro com um acentuado palato a marisco, com escassas farripas de camarão a comprovar a sapidez, ambos com dotações suficientes de Maggi, que lhes davam carácter e autenticidade. Bebe mais um copo, Zé! Era a voz da consciência a apaziguar o estômago.
E logo veio a grande atraqueção culinária, o prato de bianda com garoupa, a que se acrescentaram gambas. Nada a dizer, pois o cozinheiro, à semelhança do defesa da selecção de futebol que ganhou o europeu, não inventou nada, e o conduto correu previsivelmente bem. Óspois, como seria escrito pelo camarada Veríssimo, podíamos escolher entre salada de frutas e pudim. A salada estava boa, e do pudim ouvi rumores de que não ia além da mediania.
Mas foi bom. No final correram umas garrafas de magníficos alcoóis que fizeram acentuar a necessidade de frescura para enfrentar a digestão, e que facilitaram a algazarra seguinte, que hoje ganhou méritos de amplificação, ou por causa da concentração do pessoal, ou por causa do tamanho da sala que não permitiu mais largueza na distribuição.
Conforme é do conhecimento geral, importante, importante, é a possibilidade para confraternizarmos, para nos expressarmos com alegrias e risadas, e gritos, se alguém, algum dia, alguém se lembrar disso. Foram várias as caras novas, malta que pareceu integrar-se com facilidade, o que vem provar que há coisas importantes que nos unem. Por mim, regressei a casa com a noção do dever cumprido. Para todos vai o meu abraço fraterno. Isto, se S. Exa. o Senhor Comandante, não achar necessário exercer o seu exclusivo direito de censura. (**)
Inté! JD
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A localização permite uma vista para a Marginal, depois para a linha, onde passa o comboio sem custos acrescidos, a seguir pode ver-se o bocado de terra destinado aos concertos barulhentos, e, finalmente, lobriga-se o rio, que dali parece ribeiro. O pessoal já não via nada, e alguns tiveram a sorte de descobrir uns fritos e rodelas de paio que não saciaram as fomes. Provaram-se vinhos, da terra do senhor doutor, e ouvi alguém soletrar Esteva, que logo percebi, não havia Esteva. Isto, na parte dos tintos, porque os brancos eram da mesma proveniência e não havia da D. Ermelinda. Ninguém morreu de sede. Aliás, havia água com excessiva fartura, e uma espécie de laranjada, certamente da mais qualificada indústria sumarenta. Nem lhe toquei, livra!
Aproximou-se a hora de refeiçoar, e o pessoal compôs-se nas mesas para o diligente serviço de caldos, um elaborado a partir das melhores espécies vegetais, outro com um acentuado palato a marisco, com escassas farripas de camarão a comprovar a sapidez, ambos com dotações suficientes de Maggi, que lhes davam carácter e autenticidade. Bebe mais um copo, Zé! Era a voz da consciência a apaziguar o estômago.
E logo veio a grande atraqueção culinária, o prato de bianda com garoupa, a que se acrescentaram gambas. Nada a dizer, pois o cozinheiro, à semelhança do defesa da selecção de futebol que ganhou o europeu, não inventou nada, e o conduto correu previsivelmente bem. Óspois, como seria escrito pelo camarada Veríssimo, podíamos escolher entre salada de frutas e pudim. A salada estava boa, e do pudim ouvi rumores de que não ia além da mediania.
Mas foi bom. No final correram umas garrafas de magníficos alcoóis que fizeram acentuar a necessidade de frescura para enfrentar a digestão, e que facilitaram a algazarra seguinte, que hoje ganhou méritos de amplificação, ou por causa da concentração do pessoal, ou por causa do tamanho da sala que não permitiu mais largueza na distribuição.
Conforme é do conhecimento geral, importante, importante, é a possibilidade para confraternizarmos, para nos expressarmos com alegrias e risadas, e gritos, se alguém, algum dia, alguém se lembrar disso. Foram várias as caras novas, malta que pareceu integrar-se com facilidade, o que vem provar que há coisas importantes que nos unem. Por mim, regressei a casa com a noção do dever cumprido. Para todos vai o meu abraço fraterno. Isto, se S. Exa. o Senhor Comandante, não achar necessário exercer o seu exclusivo direito de censura. (**)
Inté! JD
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Notas do editor:
(**) Último poste da série > 15 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16307: Convívios (761): Convívio do pessoal das CCAÇs 3327 e 3328, a levar a efeito no próximo dia 23 de Julho de 2016, na Batalha (José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327)
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quarta-feira, 27 de julho de 2016
Guiné 63/74 - P16338: Os nossos seres, saberes e lazeres (165): Ai, se Bocage soubesse ou visse… (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Fevereiro de 2016:
Queridos amigos,
Asseguro-vos que estes setubalenses são afáveis, e quem veio de outras procedências e aqui assentou praça está contente e promete ficar.
É um espaço amplamente voltado para o rio e ensimesmado em ruas, ruelas e pracetas. Assomam monumentos que evocam tempos faustos, havia uma rica lavoura, os medievos fizeram do sal uma das suas principais riquezas; e há o entorno da Arrábida, as praias paradisíacas e a gastronomia tem os seus pergaminhos.
O pretexto era uma exposição de Júlio Pomar, com derriço fiquei mais tempo e não me arrependi.
Um abraço do
Mário
Ai, se Bocage soubesse ou visse… (2)
Beja Santos
Pois bem, atraído pelas entranhas de Setúbal, trajetos que escapam ao turista que vem à procura de praias, petiscos ou os monumentos consagrados, aproveitei a deixa de passear pelo mais vetusto, a Setúbal que teve muralhas, palácios e sede de bispado, aqui começou a cidade virada para o mar.
Já se falou de que Setúbal teve muralhas, hoje derruídas, praticamente esquecidas. O que aqui vemos, manifestamente desprezado, é uma entrada à volta de um pano de muralha, e lá ao fundo houve quartel de infantaria, o 11, hoje escola de hotelaria, dispõe de uma galeria municipal e consta que para breve ali aparecerá hotel onde no passado se erguiam as casernas dos soldados.
E não digam que não somos um povo divertido, estamos no Beco dos Proletários, em palácio da velha fidalguia, mas a desgraça maior são aqueles cabos que desfeiam o que nos devia merecer muito respeito. O que pensaria o senhor conde se por aqui passasse e visse o desaforo destes proletários na vizinhança?
Disse para comigo: olha, entraste a preceito na Idade Média, ou tempo muito parecido. A rua é elegante no seu enviesamento, prédios restaurados olham para prédios decrépitos, mas a inversa é verdadeira. E há estes arcos, felizmente bem integrados e condizentes do respeito pelo património histórico. O viajante mete conversa, há gente que veio do Norte e que arrumou a sua vida em Setúbal, andam contentes com a afabilidade setubalense; há mesmo quem tenha dito que nas últimas décadas o que era ruína pura se transformou em edifício com enlevo, há quem diga com o peito cheio de orgulho que Setúbal vai ser, nas próximas décadas, uma das cidades mais lindas do mundo. E di-lo com convicção, com a mesma convicção se regista tão bons sentimentos.
A época do Entrudo presta-se a atividades económicas muito dignas, este senhor está à espera da clientela, ainda lhe perguntei se era um negócio de aluguer, foi perentório – aqui é só para vender. Já me cruzei com espadachins, gatos e gatas, super-homens e rapaziada tirada da guerra das estrelas, acreditem que a curiosidade foi acicatada pelo turbilhão da cor, com esta garridice ninguém se irá disfarçar de Conde Drácula.
Há sempre um refrescamento de olhar quando se vem ao Museu do Trabalho, aproveitou-se lindamente uma fábrica ao abandono, o visitante tem ao seu dispor manifestações laborais da mais diversa índole. Desta vez, quedei-me frente à mercearia de outras eras, há mais de 60 anos frequentei uma parecida, no termo da Rua de Entrecampos, numa altura em que ainda não sonhávamos que ia aparecer a Avenida dos Estados Unidos da América, vendia-se arroz em cartuchos, azeite a granel, uma quarta de banha em papel manteiga, o milho tinha as suas medidas e havia a rasoira, móveis imponentes, o livro para registar as vendas a fiado. Tenho quase a certeza que todos vós têm lembranças deste mundo passado, agora peça de museu.
Um dos propósitos que me trouxe a Setúbal foi ver estes desenhos de Pomar, a exposição terminava nesse dia, sempre tinha perdido a ocasião de conhecer tão belas obras. Estava interdito tirar imagens, limitei-me ao que reza na brochura. Convidado pelo Metropolitano de Lisboa, nos anos 80, a desenvolver um projeto plástico para o revestimento azulejar das paredes da estação do Alto dos Moinhos, Pomar tomou como tema quatro grandes poetas – Camões, Pessoa, Bocage e Almada. Sensível à especificidade do espaço da estação de metropolitano, o artista inspirou-se na técnica cursiva e caligráfica dos grafitis e nas pinturas parietais das grutas de Altamira e de Lascaux, como ponto de partida para um intenso olhar pessoal. Esses desenhos foram depois expostos na Gulbenkian, mais tarde em Setúbal, no que toca a Bocage. E o poeta regressou 30 anos mais tarde, nas comemorações que a autarquia lhe preparou.
Aqui houve quartel, mesmo em frente ao Sado. Daqui saíram infantes para a guerra, veio a paz e foi reciclado, deu em galeria municipal, escola de hotelaria e turismo, e vai ter hotel, aqui ficam as imagens para desfazer equívocos, tudo quanto é quartel pode ser convertível.
(Continua)
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Nota do editor
Poste anterior de 20 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16320: Os nossos seres, saberes e lazeres (164): Ai, se Bocage soubesse ou visse… (1) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Asseguro-vos que estes setubalenses são afáveis, e quem veio de outras procedências e aqui assentou praça está contente e promete ficar.
É um espaço amplamente voltado para o rio e ensimesmado em ruas, ruelas e pracetas. Assomam monumentos que evocam tempos faustos, havia uma rica lavoura, os medievos fizeram do sal uma das suas principais riquezas; e há o entorno da Arrábida, as praias paradisíacas e a gastronomia tem os seus pergaminhos.
O pretexto era uma exposição de Júlio Pomar, com derriço fiquei mais tempo e não me arrependi.
Um abraço do
Mário
Ai, se Bocage soubesse ou visse… (2)
Beja Santos
Pois bem, atraído pelas entranhas de Setúbal, trajetos que escapam ao turista que vem à procura de praias, petiscos ou os monumentos consagrados, aproveitei a deixa de passear pelo mais vetusto, a Setúbal que teve muralhas, palácios e sede de bispado, aqui começou a cidade virada para o mar.
Já se falou de que Setúbal teve muralhas, hoje derruídas, praticamente esquecidas. O que aqui vemos, manifestamente desprezado, é uma entrada à volta de um pano de muralha, e lá ao fundo houve quartel de infantaria, o 11, hoje escola de hotelaria, dispõe de uma galeria municipal e consta que para breve ali aparecerá hotel onde no passado se erguiam as casernas dos soldados.
E não digam que não somos um povo divertido, estamos no Beco dos Proletários, em palácio da velha fidalguia, mas a desgraça maior são aqueles cabos que desfeiam o que nos devia merecer muito respeito. O que pensaria o senhor conde se por aqui passasse e visse o desaforo destes proletários na vizinhança?
Disse para comigo: olha, entraste a preceito na Idade Média, ou tempo muito parecido. A rua é elegante no seu enviesamento, prédios restaurados olham para prédios decrépitos, mas a inversa é verdadeira. E há estes arcos, felizmente bem integrados e condizentes do respeito pelo património histórico. O viajante mete conversa, há gente que veio do Norte e que arrumou a sua vida em Setúbal, andam contentes com a afabilidade setubalense; há mesmo quem tenha dito que nas últimas décadas o que era ruína pura se transformou em edifício com enlevo, há quem diga com o peito cheio de orgulho que Setúbal vai ser, nas próximas décadas, uma das cidades mais lindas do mundo. E di-lo com convicção, com a mesma convicção se regista tão bons sentimentos.
A época do Entrudo presta-se a atividades económicas muito dignas, este senhor está à espera da clientela, ainda lhe perguntei se era um negócio de aluguer, foi perentório – aqui é só para vender. Já me cruzei com espadachins, gatos e gatas, super-homens e rapaziada tirada da guerra das estrelas, acreditem que a curiosidade foi acicatada pelo turbilhão da cor, com esta garridice ninguém se irá disfarçar de Conde Drácula.
Há sempre um refrescamento de olhar quando se vem ao Museu do Trabalho, aproveitou-se lindamente uma fábrica ao abandono, o visitante tem ao seu dispor manifestações laborais da mais diversa índole. Desta vez, quedei-me frente à mercearia de outras eras, há mais de 60 anos frequentei uma parecida, no termo da Rua de Entrecampos, numa altura em que ainda não sonhávamos que ia aparecer a Avenida dos Estados Unidos da América, vendia-se arroz em cartuchos, azeite a granel, uma quarta de banha em papel manteiga, o milho tinha as suas medidas e havia a rasoira, móveis imponentes, o livro para registar as vendas a fiado. Tenho quase a certeza que todos vós têm lembranças deste mundo passado, agora peça de museu.
Um dos propósitos que me trouxe a Setúbal foi ver estes desenhos de Pomar, a exposição terminava nesse dia, sempre tinha perdido a ocasião de conhecer tão belas obras. Estava interdito tirar imagens, limitei-me ao que reza na brochura. Convidado pelo Metropolitano de Lisboa, nos anos 80, a desenvolver um projeto plástico para o revestimento azulejar das paredes da estação do Alto dos Moinhos, Pomar tomou como tema quatro grandes poetas – Camões, Pessoa, Bocage e Almada. Sensível à especificidade do espaço da estação de metropolitano, o artista inspirou-se na técnica cursiva e caligráfica dos grafitis e nas pinturas parietais das grutas de Altamira e de Lascaux, como ponto de partida para um intenso olhar pessoal. Esses desenhos foram depois expostos na Gulbenkian, mais tarde em Setúbal, no que toca a Bocage. E o poeta regressou 30 anos mais tarde, nas comemorações que a autarquia lhe preparou.
Aqui houve quartel, mesmo em frente ao Sado. Daqui saíram infantes para a guerra, veio a paz e foi reciclado, deu em galeria municipal, escola de hotelaria e turismo, e vai ter hotel, aqui ficam as imagens para desfazer equívocos, tudo quanto é quartel pode ser convertível.
(Continua)
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Nota do editor
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