1. Em mensagem do dia 9 de Abril de 2020, o nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70), enviou-nos parte das suas memórias, que esperamos tenham seguimento. Publicamos agora a segunda parte.
TEIXEIRA PINTO
Não bastava o serviço que ia fazendo e isto ainda nos primeiros meses
de Guiné, quando numa formatura o Capitão Queiroz, Comandante da CCS, perguntou quem era pintor na vida civil mas, ninguém
respondeu. Assim deu meia volta, entrou na Secretaria e 5 minutos depois
voltou e chamou meu nome.
Como começou na letra A, foi fácil
saber que eu era pintor fora da guerra e então dispensou-me de
formaturas para eu ir pintar a Cantina da Companhia.~
Deu-me 4
latas de 5 litros de tinta com as cores vermelho, preto, branco e amarelo, e pôs o carpinteiro a fazer mesas e cadeiras dos barris do
vinho, a que eu tinha de queimar a cera para que a tinta agarrasse.
Pintei mesas e cadeiras, pintei paredes e emblemas, como o das Panhards, o da
CCS, Batalhão e mapa de Portugal. Uma das paredes era reservada a cada
um que quisesse escrever o nome de sua terra em troca de umas moedas
para umas "bazucas", cerveja. No Mapa de Portugal havia apenas cores das
Províncias e um pontinho em cada Cidade mas sem nome, que da mesma
forma só com uns Pesos na lata era escrito o nome da Cidade. Lembro que o primeiro a querer colocar o nome era um Major de seu nome Guilhermino
Nogueira Rocha, mas que aguardou que toda a malta de Lisboa lá
colocassem também os Pesos.
Assim nesse sistema o mapa foi cheio não só das Cidades mas também de Vilas.
Numa
das paredes e já depois de tropa estar a dormir, escrevi, Sala Tenente
Coronel Aristides Pinheiro, que com a Bandeira Portuguesa foi tapado para
o dia da inauguração da Cantina.
Chegou o dia e à noite, por volta
das 21h00, concentraram-se os Oficiais, Sargentos e a tropa da CCS e não
só, pois também alguns civis marcaram presença bem como o Major
Guilhermino Rocha, e então o Comandante, Aristides Pinheiro, fez a
inauguração da Cantina com o seu nome. Houve festa da boa pois tinham
vindo de Jolmete para o efeito alguns militares da companhia 2366 com
concertinas, viola e bombos, tornando a festa mais linda. O mal foi a
partir dali.
O Major, a quem chamávamos o V..., cheio de
inveja por não ser o seu nome na Cantina e ser do Comandante, começou a
passar por mim e ameaçar-me com uma porrada, até que um dia mandou o
seu condutor procurar-me no Quartel para ir ter com ele. Não fui, mas
no dia seguinte ameaçou o condutor com uma porrada se não me levasse.
Estava eu a sair da Casa do Médico , o “Dr. Maymone”, às nove da manhã quando
o condutor parou o Jeep e disse-me para eu entrar e que arranjasse
desculpa para o Major porque ele estava como uma fera e prometia
porrada. Então entrei no Jeep, e logo tirei a boina da cabeça,
desabotoei a camisa e pus a fralda de fora.
Ao chegar ao Comando, o homem em grande gritaria contra mim, perguntou-me se era forma de me
apresentar a um Comandante, e onde tinha estado no dia anterior que
ninguém me viu no Quartel. Respondi que tinha estado de Guarda ao
Fortim, o que era mentira. Então disse-me ele:
- Quero-te aqui à uma
hora para começares a pintar o Bar dos Senhores Oficiais.
Ao que eu
respondi que não era pintor mas sim do Serviço de Saúde. Resposta dele:
- Não quero saber, e à uma hora aqui, e não és dispensado de qualquer
serviço.
Chamou o rapaz que estava no Bar e disse-lhe que, enquanto eu
estivesse ali a pintar, para não me levar dinheiro daquilo que eu
quisesse do Bar.
Apareci para o trabalho às duas da tarde e não à
uma como ele tinha dito. Ele estava à minha espera e disse-me:
- Eu não
te mandei estar aqui à uma hora?
Minha resposta foi que tinha
estado à uma hora mas tinha o maçarico entupido e tive de ir à oficina auto desentupir, por isso cheguei mais tarde.
Então disse ele que
ia perguntar ao Sargento Mecânico se eu tinha ido lá com o maçarico e
também ia à Secretaria saber se eu tinha estado de serviço e foi mesmo
mas eu já tinha falado com o 1.º Sargento e com o Mecânico para eles confirmarem.
Normalmente
aquele trabalho era para uma semana, mas levou um mês, já que como não
pagava nada no Bar, era só desenfiar tabaco e cerveja para o pessoal do
Serviço de Saúde e para mim.
Num belo dia o tal Major foi
dar uma volta numa motorizada de um Fuza, e ao chegar ao fundo da Avenida
caiu e esfarrapou-se todo. Telefonou o médico para a Enfermaria e lá
tive eu de lhe ir fazer o curativo durante 5 dias.
Mais tarde apanhou o paludismo e eram 2 horas da noite, telefonou o médico para ir medicá-lo com urgência que estava com paludismo. Chamei o
Maqueiro de serviço e, como era urgente, o rapaz nem se fardou como
devia levando nos pés uns chinelos, sem boina. Foi, bateu à porta e o
Major manda entrar mas ao ver que ele não estava fardado em condições,
insultou-o de tudo e ameaçou-o com uma porrada. Isso de porrada era o
seu forte em oferecer. O Maqueiro chegou à Enfermaria todo furioso
porque o Major o insultou, sinal de que não estava assim tão mal como o médico tinha dito.
Peguei eu no estojo com seringa e agulha e lá
fui em tronco nu sem nada na cabeça. Bati à porta e logo me
mandou entrar. Ao olhar para mim, num forte grito disse:
- Ó pá, tu és
enfermeiro ou pintor? Entra.
Entrei e disse-lhe que era pintor na vida civil e Maqueiro na guerra. Então preparei uma injeção que tomou nas
veias e logo outra de Hidromicina Forte, intramuscular. Tinha dado as
injeções e diz ele:
- Então não me dás mais a injeção?
Respondi dizendo
que a próxima seria no dia seguinte. Então diz ele:
- Ó pá tanta vez te
ofereci porradas e tu ias apanhá-las e não dizias nada.
Eu respondi:
- Meu
Major eu conhecia bem seu feitio e sabia que nunca me ia castigar
porque nunca fiz mal a ninguém e cumpria tudo direitinho como na Recruta
me haviam ensinado. Por outro lado, saiba o meu Major que sou voluntário aqui na Guerra.
Diz ele:
- Voluntário?
- Sim
meu Major. Eu tinha estado em Angola e quando começaram os massacres
perto de mim, lá no Norte, concretamente no Quitexe, eu tive de vir
embora, mandado pelo Administrador, pela idade que eu tinha, 14 anos. Depois,
cá, para não ir para a tropa porque iria parar ao Ultramar, fugi para
França de assalto. Ao fim de um ano tive de ir ao Consolado de Portugal
em Lyon e perguntei ao Cônsul até que idade tinha de estar em França
para não ir para a tropa, ao que ele respondeu que só a partir dos 40
anos podia regressar a Portugal. Não esperei mais e fiz o passaporte de
regresso a Portugal e vim para a tropa. Por isso considero-me
voluntário.
Então o Major bateu-me nas costas e disse:
- Fizeste bem, rapaz. Daqui a pouco tempo vamos embora e és um homem
livre. Não conhecia tua história e coragem. Agora quero que sejas tu a
vir dar-me as injeções que faltam porque não quero outro.
A partir
dali era dos melhores amigos que eu tinha, e tanto assim que todos os
meses mandava o impedido dele vir entregar-me um envelope com 100 Pesos
dentro. Eu dizia cá para mim, que pena não ter sido mais cedo…
Em
Teixeira Pinto e arredores não havia ninguém que gostasse dele e até
chegou o General Spínola a ir a Teixeira Pinto falar-lhe e ameaçá-lo
com um castigo, o que veio mesmo a acontecer, pois mandou-o para o Cacheu.
Foi
numa das escoltas, e para nosso espanto, num belo dia, ao inicio da
tarde, apareceu de Jeep sozinho em Teixeira Pinto, regressando na
mesma sozinho até ao Cacheu. Ficávamos espantados porque não fossem os bombardeiros ou o heli canhão levávamos porrada. Como era possível ele
fazer aquilo sozinho?
Estas são memorias minhas mas que há muito mais para contar.
Albino Silva,
Sol. Maq. 011004/67
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Nota do editor
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Guiné 61/74 - P20856: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (1): Mobilizado para a Guiné, destino: Teixeira Pinto