TEIXEIRA PINTO
Não bastava o serviço que ia fazendo e isto ainda nos primeiros meses de Guiné, quando numa formatura o Capitão Queiroz, Comandante da CCS, perguntou quem era pintor na vida civil mas, ninguém respondeu. Assim deu meia volta, entrou na Secretaria e 5 minutos depois voltou e chamou meu nome.
Como começou na letra A, foi fácil saber que eu era pintor fora da guerra e então dispensou-me de formaturas para eu ir pintar a Cantina da Companhia.~
Deu-me 4 latas de 5 litros de tinta com as cores vermelho, preto, branco e amarelo, e pôs o carpinteiro a fazer mesas e cadeiras dos barris do vinho, a que eu tinha de queimar a cera para que a tinta agarrasse.
Pintei mesas e cadeiras, pintei paredes e emblemas, como o das Panhards, o da CCS, Batalhão e mapa de Portugal. Uma das paredes era reservada a cada um que quisesse escrever o nome de sua terra em troca de umas moedas para umas "bazucas", cerveja. No Mapa de Portugal havia apenas cores das Províncias e um pontinho em cada Cidade mas sem nome, que da mesma forma só com uns Pesos na lata era escrito o nome da Cidade. Lembro que o primeiro a querer colocar o nome era um Major de seu nome Guilhermino Nogueira Rocha, mas que aguardou que toda a malta de Lisboa lá colocassem também os Pesos.
Assim nesse sistema o mapa foi cheio não só das Cidades mas também de Vilas.
Numa das paredes e já depois de tropa estar a dormir, escrevi, Sala Tenente Coronel Aristides Pinheiro, que com a Bandeira Portuguesa foi tapado para o dia da inauguração da Cantina.
Chegou o dia e à noite, por volta das 21h00, concentraram-se os Oficiais, Sargentos e a tropa da CCS e não só, pois também alguns civis marcaram presença bem como o Major Guilhermino Rocha, e então o Comandante, Aristides Pinheiro, fez a inauguração da Cantina com o seu nome. Houve festa da boa pois tinham vindo de Jolmete para o efeito alguns militares da companhia 2366 com concertinas, viola e bombos, tornando a festa mais linda. O mal foi a partir dali.
O Major, a quem chamávamos o V..., cheio de inveja por não ser o seu nome na Cantina e ser do Comandante, começou a passar por mim e ameaçar-me com uma porrada, até que um dia mandou o seu condutor procurar-me no Quartel para ir ter com ele. Não fui, mas no dia seguinte ameaçou o condutor com uma porrada se não me levasse. Estava eu a sair da Casa do Médico , o “Dr. Maymone”, às nove da manhã quando o condutor parou o Jeep e disse-me para eu entrar e que arranjasse desculpa para o Major porque ele estava como uma fera e prometia porrada. Então entrei no Jeep, e logo tirei a boina da cabeça, desabotoei a camisa e pus a fralda de fora.
Ao chegar ao Comando, o homem em grande gritaria contra mim, perguntou-me se era forma de me apresentar a um Comandante, e onde tinha estado no dia anterior que ninguém me viu no Quartel. Respondi que tinha estado de Guarda ao Fortim, o que era mentira. Então disse-me ele:
- Quero-te aqui à uma hora para começares a pintar o Bar dos Senhores Oficiais.
Ao que eu respondi que não era pintor mas sim do Serviço de Saúde. Resposta dele:
- Não quero saber, e à uma hora aqui, e não és dispensado de qualquer serviço.
Chamou o rapaz que estava no Bar e disse-lhe que, enquanto eu estivesse ali a pintar, para não me levar dinheiro daquilo que eu quisesse do Bar.
Apareci para o trabalho às duas da tarde e não à uma como ele tinha dito. Ele estava à minha espera e disse-me:
- Eu não te mandei estar aqui à uma hora?
Minha resposta foi que tinha estado à uma hora mas tinha o maçarico entupido e tive de ir à oficina auto desentupir, por isso cheguei mais tarde.
Então disse ele que ia perguntar ao Sargento Mecânico se eu tinha ido lá com o maçarico e também ia à Secretaria saber se eu tinha estado de serviço e foi mesmo mas eu já tinha falado com o 1.º Sargento e com o Mecânico para eles confirmarem.
Normalmente aquele trabalho era para uma semana, mas levou um mês, já que como não pagava nada no Bar, era só desenfiar tabaco e cerveja para o pessoal do Serviço de Saúde e para mim.
Num belo dia o tal Major foi dar uma volta numa motorizada de um Fuza, e ao chegar ao fundo da Avenida caiu e esfarrapou-se todo. Telefonou o médico para a Enfermaria e lá tive eu de lhe ir fazer o curativo durante 5 dias.
Mais tarde apanhou o paludismo e eram 2 horas da noite, telefonou o médico para ir medicá-lo com urgência que estava com paludismo. Chamei o Maqueiro de serviço e, como era urgente, o rapaz nem se fardou como devia levando nos pés uns chinelos, sem boina. Foi, bateu à porta e o Major manda entrar mas ao ver que ele não estava fardado em condições, insultou-o de tudo e ameaçou-o com uma porrada. Isso de porrada era o seu forte em oferecer. O Maqueiro chegou à Enfermaria todo furioso porque o Major o insultou, sinal de que não estava assim tão mal como o médico tinha dito.
Peguei eu no estojo com seringa e agulha e lá fui em tronco nu sem nada na cabeça. Bati à porta e logo me mandou entrar. Ao olhar para mim, num forte grito disse:
- Ó pá, tu és enfermeiro ou pintor? Entra.
Entrei e disse-lhe que era pintor na vida civil e Maqueiro na guerra. Então preparei uma injeção que tomou nas veias e logo outra de Hidromicina Forte, intramuscular. Tinha dado as injeções e diz ele:
- Então não me dás mais a injeção?
Respondi dizendo que a próxima seria no dia seguinte. Então diz ele:
- Ó pá tanta vez te ofereci porradas e tu ias apanhá-las e não dizias nada.
Eu respondi:
- Meu Major eu conhecia bem seu feitio e sabia que nunca me ia castigar porque nunca fiz mal a ninguém e cumpria tudo direitinho como na Recruta me haviam ensinado. Por outro lado, saiba o meu Major que sou voluntário aqui na Guerra.
Diz ele:
- Voluntário?
- Sim meu Major. Eu tinha estado em Angola e quando começaram os massacres perto de mim, lá no Norte, concretamente no Quitexe, eu tive de vir embora, mandado pelo Administrador, pela idade que eu tinha, 14 anos. Depois, cá, para não ir para a tropa porque iria parar ao Ultramar, fugi para França de assalto. Ao fim de um ano tive de ir ao Consolado de Portugal em Lyon e perguntei ao Cônsul até que idade tinha de estar em França para não ir para a tropa, ao que ele respondeu que só a partir dos 40 anos podia regressar a Portugal. Não esperei mais e fiz o passaporte de regresso a Portugal e vim para a tropa. Por isso considero-me voluntário.
Então o Major bateu-me nas costas e disse:
- Fizeste bem, rapaz. Daqui a pouco tempo vamos embora e és um homem livre. Não conhecia tua história e coragem. Agora quero que sejas tu a vir dar-me as injeções que faltam porque não quero outro.
A partir dali era dos melhores amigos que eu tinha, e tanto assim que todos os meses mandava o impedido dele vir entregar-me um envelope com 100 Pesos dentro. Eu dizia cá para mim, que pena não ter sido mais cedo…
Em Teixeira Pinto e arredores não havia ninguém que gostasse dele e até chegou o General Spínola a ir a Teixeira Pinto falar-lhe e ameaçá-lo com um castigo, o que veio mesmo a acontecer, pois mandou-o para o Cacheu.
Foi numa das escoltas, e para nosso espanto, num belo dia, ao inicio da tarde, apareceu de Jeep sozinho em Teixeira Pinto, regressando na mesma sozinho até ao Cacheu. Ficávamos espantados porque não fossem os bombardeiros ou o heli canhão levávamos porrada. Como era possível ele fazer aquilo sozinho?
Estas são memorias minhas mas que há muito mais para contar.
Albino Silva,
Sol. Maq. 011004/67
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Nota do editor
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4 comentários:
Sobre a experência de Angola, vd. aqui:
17 DE MARÇO DE 2011
Guin+e 63/74 - P7958: O 15 de Março de 1961 (Norte de Angola) foi há precisamente 50 anos (Albino Silva)
Vd- também os postes sobre Camabatela:
18 DE MARÇO DE 2011
63/74 - P7964: Blogpoesia (117): Aromas de Camabatela, Quando cheguei a Luanda (2) (Albino Silva)
Caro camarada Albino Silva
Parabéns pela tua história e, sobretudo, pela tua sinceridade.
Um abraço
carvalho de Mampatá.
Estas criaturas acima de capitão eram perfeitamente dispensáveis pela sua inutilidade.Havia exceções.Por isso iam oferecendo porradas á falta de outras funções
G.Tavares
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