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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10371: (Ex)citações (194): O então cap mil Jorge Saraiva Parracho foi o meu primeiro comandante de companhia, a CCAÇ 462, em Chaves e em Ingoré, 1963/64 (José Marques Ferreira)

1. Comentário, de hoje,  do nosso camarada José Marques Ferreira, ex-sold ap armas pesadas inf, Ingoré (1963/65)  ao poste P10370:

Caro camarada Luís Graça:

Visitador habitual e colaborador de ocasião [, foto a seguir, à direita,], foi para mim motivo de algum júbilo e de saudade, ao verificar o conteúdo deste post.

Gostaria que me dessem licença para um pequeno atrevimento em deixar duas notas sobre a figura principal deste. Essa figura está centrada no cor inf  ref Jorge Saraiva Parracho.

Claro que, certamente, não está na intenção do Luís fazer a biografia completa daquele Homem e Militar.
Isto para dizer que Jorge Saraiva Parracho (de seu nome completo) foi, em 1963, «buscar-nos» a Chaves e «levar-nos» para a Guiné, onde já estava com cerca de 12 meses de permanência.

Foi, por isso, o primeiro comandante de Companhia Independente, com a patente de capitão miliciano, da CCaç 462 de que fiz parte. Terminou a comissão dos 24 meses e regressou a Portugal, quando a companhia tinha cerca de 12 meses de Guiné. Foi substituído pelo tenente Luís Manuel das Neves e Silva, pouco depois promovido a capitão

Do então capitão miliciano Jorge Saraiva Parracho, posso afirmar que fui colaborador próximo, apesar das diferenças de patentes que nos diferenciavam. E foi ele que, a certa altura, me convidou a substituir o 1º sargento, que tinha sido evacuado para Lisboa, por acidente de viação, que aqui já historiei, passando eu a «responder» - era este o termo militar que se usava, quando nos queríamos referir os aspectos administrativos e de organização paralela ao serviços que desempenhávamos - no que se refere à escrituração contabilística, mapas, mapinhas e outras coisas que tais, até ao processamento (manual) dos ordenados (pré) e prestar contas ao Batalhão de quem dependíamos administrativa e operacionalmente.

Por força deste convite feito pelo próprio, então capitão.miliciano, Jorge Saraiva Parracho, para assegurar a boa continuidade administrativa e organizativa da companhia, tive a oportunidade de «conviver» e tratar com este militar.

Isto não pretende ser um apontamento de lapso do conteúdo aqui expresso, mas um complemento, que, entendo, devia ser feito.

É claro que tenho visto aqui, por outras circunstâncias e factos, referências ao nome do meu primeiro comandante de companhia. Mas não desta forma tão completa como o Luís sabe fazer

Portanto, o cor inf ref Jorge Saraiva Parracho não andou, na Guiné, só pelos locais apontados (*). Mas também por aqueles que acima indico, principalmente, além de Ingoré, onde se situava o comando da companhia, tínhamos o sector acrescido de Sedengal, S. Domingos, Suzana e Varela (que bela praia esta), para além daqueles locais que abaixo menciono. Mas o nosso comandante só esteve nestes que antes se descrevem.
Um abraço aos tabanqueiros.

JM Ferreira
CCaç 462-Ingoré-Bula-Có-Ponate-Jolmete-Pelundo-Mansoa-Bissau-Niassa-Lisboa (1963/65) [, foto de então, à esquerda]
___________________


(*) Ver também o blogue O Mascote da CCAÇ 462 > 18 de abril de 2011

Foi pelas mãos do Alferes Geraldes que entrei p'ra história da CCaç 462 e pela benção de todos os soldados daquela companhia me fiz mascote.

Lembro-me do Capitão Parracho, comandante da companhia...  Lembro-me do incêndio enorme que houve no edifício que servia de messse dos oficiais... da minha cama na caserna a meio dos demais ... Lembro-me  da cidade de Ingoré na Guiné, anos 1963/1965... Tudo isto há cerca de 50 anos atrás.

A todos os da CCaç 462, eis o Domingos,  o vosso MASCOTE!

[Domingos vive em Portugal, em Castanheira do Castanheira do Ribatejo, Vila Franca de Xira, onde é operador de combustíevis GALP]

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8674: Os nossos regressos (26): O dia mais ansiado na Guiné. Um regresso atribulado (José Marques Ferreira)


1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462,Ingoré (1963/65), enviou-nos hoje a seguinte mensagem:
Camaradas,
Lembrei-me da “escrita” que versa na minha velha caderneta militar e passar a escrito este apontamento.
Aproveito para vos dizer que ainda ando por cá, na vertical, e pedir desculpa pela minha última ausência na colaboração na Tabanca.


Este local ficava frente ao Hospital Militar 241-Bissau
O dia mais ansiado na Guiné
Um regresso atribulado

Eu bem tinha colocado no calendário do Outlook, deste dia do mês de Agosto, um lembrete, para ver se não me esquecia! E que chatice, ia-me mesmo passando... eu vou contar o que é:
Esqueci-me por já foi há muitos anos... desculpa esfarrapada...
Porque estas coisas nunca esquecem.
A minha juventude, como a de tantos outros, foi «atirada» para África, concretamente para a Guiné. Os documentos daquele tempo que nos ofereciam na tropa não mentem, porque escriturados minuciosamente, onde nada faltava.
Então li e reli e a coisa foi assim, segundo o documento:
«1963. Embarcou em Lisboa, em 14 de Julho, com destino ao CTI da Guiné, fazendo parte da CCaç 462. Desembarcou em Bissau em 21 de Julho, desde quando conta 100% de aumento no tempo de serviço.
1965. Embarcou em Bissau de regresso à Metrópole em 7 de Agosto, desde quando deixa de contar 100% de aumento no tempo de serviço. Desembarcou em Lisboa em 14 do mesmo mês».
Aqui fica a efeméride, triste efeméride (enquanto obrigado a ir e a permanecer na Guiné), alegre efeméride, porque iria, finalmente, ser livre (em parte). E lá tive de ir de comboio, um dia inteiro, em 1965, de Lisboa a Campanhã, depois daqui à Régua e para finalizar naquele comboio «horrível», da linha do Tua, mas agora saudoso, da Régua até Chaves.
Ali chegámos ao fim da tarde. Tivemos de desfilar, como era da praxe, pelas ruas da cidade. Mas até tinham refeição preparada para a malta comer e local para dormir. Mas qual quê, ninguém ou poucos comeram (eu um deles) e quase ninguém, ou mesmo ninguém lá ficou. O que eu e outros queríamos era chegar a casa. E metemo-nos numa aventura.
Fomos direitos a um táxi, discutidos preços, lá vem um homem trazer-nos ao Porto. Lembro-me de ter chegado, com mais outros, salvo erro, 5 camaradas, às cinco da manhã a S. Bento.
Aí mesmo, logo que as horas se tornassem convenientes, toca a requisitar bilhete e vajar até Aveiro.
Interessante recordar agora, tinha dito à minha mãe e ao meu pai, que chegaria cerca das 17 horas ao apeadeiro de Aguieira, o mais próximo da minha residência, no comboio (o saudoso Vouguinha) que ali passava mais ou menos àquela hora. Isto seria já no dia 16 de Agosto, porque entretanto ficámos uma noite em Lisboa no Regimento de Engenharia, de 14 para 15 de Agosto. Já nem sei, tal era a ansiedade, porque pouco tempo lá estive. Penso que apareci, como outros, no quartel, de manhã cedo, para o pequeno-almoço e para o transporte até Santa Apolónia.
O que é certo é que ainda durante a manhã do dia 16 já estava em Aveiro. O dia 15 foi passado na viagem de comboio até Chaves...
Mas como tinha informado que a minha chegada era àquela hora (17h), fui passear e rever esta bela cidade capital do meu distrito, tão diferente em dois anos de ausência, almocei já não sei onde, e, chegada a hora, lá apanhei o comboio de regresso a casa.
Ia, finalmente, acabar de vez com as preocupações principalmente da minha mãe (e de tantas outras, ao tempo), pois meu pai tinha ido a Lisboa ao Cais de Alcântara, se não estou em erro.
E assim foi aquele dia 14 de Agosto de 1965, que terminou no dia 16 por volta das 17 horas.
Que deixou dois anos de marcas psicológicas profundas, mas, pelo que constato diariamente pela minha leitura e análise de vários depoimentos, menos incisivas que as de muitos outros camaradas...
Um abraço para todos os que por aqui vão passando, enquanto o tempo e as condições o permitirem.
J. M. Ferreira
Sold Apt Armas Pesadas da CCAÇ 462
____________

Nota MR:

Vd. último poste da série de 4 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8503: Os nossos regressos (25): Tempo de partida, há tanto tempo... tanto (Torcato Mendonça)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8174: Em busca de... (159): Onde é que pára o pessoal da CCAÇ 462? (José Marques Ferreira)




1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré (1963/65), enviou-nos hoje a seguinte mensagem:

Olá camaradas,
O Domingos, cuja história já aqui contei em postes anteriores, contactou-me pelo Facebook.

Por intermédio desta mesma rede social, respondi-lhe e pedi-lhe algumas indicações mais, pois já há muita gente interessada em saber algo sobre ele.

ATÉ AO MOMENTO AINDA NÃO RESPONDEU… Porra!

Passando a outro assunto:

Como já afirmei por meia dúzia de vezes, não tenho grandes histórias para contar da nossa guerra na Guiné, mas lá vou encontrando algum material que penso ter interesse e, assim, aqui estou a enviar mais um texto, com três anexos, sobre o pessoal da minha CCAÇ, que embarcou no «Niassa» e depois de desembarcar nunca mais se juntou.

A LISTA DO PESSOAL DA CCAÇ 462 QUE EMBARCOU EM BISSAU, NO NAVIO «NIASSA», EM 7 DE AGOSTO DE 1965, E CHEGOU A LISBOA NO DIA 14 DAQUELE MÊS

Caros Camaradas, Amigos, Editores e Trabalhadores desta Tabanca Grande, como há muito não deambulava nestas paragens, trago hoje à colação um factor muito usual e frequente nos militares da guerra colonial. Os encontros e convívios que ainda se vão fazendo.

Precisamente para dizer que a subunidade de que fiz parte nunca aderiu, organizou, emparelhou pelo mesmo diapasão. Por outras palavras, nunca ninguém teve a ousadia de tomar a iniciativa para juntar meia dúzia de companheiros (alguns que cimentaram/construíram grande amizades), para realizarmos um encontro/confraternização.

Contra mim próprio viro a arma do comodismo, da indiferença, do deixa andar, do desinteresse…

Como já repeti aqui uma dúzia de vezes, em 1963 as zonas que calcorreámos, registavam grande actividade guerrilheira, atroz e de regulares «estragos» nas nossas tropas.

A esta minha subunidade, não sei porquê, nunca tiveram a ousadia de «chatear», fosse em ataques organizados, emboscadas, assaltos, ou sei lá que mais. Foi uma guerra santa a nossa…

Mas remexendo nos papéis (poucos) que trouxe comigo, encontrei a lista do pessoal que embarcou no navio «Niassa», que apresento em anexo.

Esta lista foi elaborada por mim, logo que nos chegou a informação de que iríamos embarcar, de regresso, no dia 7 de Agosto de 1965.

Neste navio – e sem sabermos um do outro –, vinha como é natural além de muitos outros, um militar que mais tarde se tornou um grande amigo meu – o Armor Pires Mota.

Com esta minha iniciativa, a publicação da lista, espero despertar as saudades em alguns ‘adormecidos’ e fico a aguardar, ansiosamente, que alguns deles me contactem.

Um outro pormenor é que quase toda esta malta é do Norte (carago…) e só meia dúzia é da zona sul (Lisboa a Setúbal).

Com alguns, poucos de Avanca, Cesar, Aveiro e não sei mais onde, já tive contactos. Outros perdi-lhes completamente o rasto… não sei onde param.

Como já disse em outras ocasiões, tivemos duas baixas: uma por acidente ao montar uma armadilha e outra por doença.

Alô! Há por aí alguém à escuta?

Se sim, comentem e informem aqui em baixo, no local reservado a comentários, ou escrevam-me para o e-mail: jmferreira@kanguru.pt

Para todos, nomeadamente os que entretanto ficaram “surdos” e “mudos” até hoje,
Um abraço,
J. M. Ferreira
Sold Apt Armas Pesadas da CCAÇ 462
____________
Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:

terça-feira, 12 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8086: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (40): O Domingos encontrou-me!.. Ele era a mascote da CCAÇ 462, Ingoré (1963/65) (J. Marques Ferreira)

1. O nosso camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré (1963/65), autor também do blogue Terras do Marnel e Vouga, enviou-nos em 9 de Abril uma mensagem de felicidade e alegria por voltar a ter notícias de um Amigo de quem não sabia nada acerca de 46 anos.



Camaradas,

Todos aqueles que se habituam a ver o nosso nome por aqui na rotina do blogue e que de repente o vê desaparecer, sem qualquer explicação como é o meu caso, fica admirado. Pelo facto quero pedir as minhas desculpas.

Andava a ruminar alguma coisa para ser postada neste nosso blogue, quando me surgiu um acontecimento que me surpreendeu muito agradavelmente, quando menos eu esperava. Já não sei há quanto tempo - e a emoção leva-me a «despejar» estas palavras -, foi publicada num poste uma estória minha – dos anos 1963/1965 -, sobre uma mascote que foi adoptada na nossa CCAÇ 462, em Ingoré (*). Chamava-se Domingos e tinha na altura uns 4 ou 5 anos de idade, ou talvez um pouco mais.

Pois agora, dia 7 de Abril, fui surpreendido com um e-mail seu, que abaixo anexo e só me ocorreu, rápida e ansiosamente, vir dar aqui dar-vos esta notícia, que considero ao mesmo tempo ser uma óptima publicidade para este nosso blogue, que é: “O Domingos encontrou-me!”

O texto que ele apresenta é verídico, e é mais um caso a juntar a muitos outros que o nosso blogue tem vindo a proporcionar. Reparem na linguagem que o Domingos utiliza. Toda ela é sinceridade, simplicidade e honestidade. Que felicidade, minha e dele claro.

Ainda por cima ele mora em Portugal, embora eu não saiba onde. Já lhe respondi e pedi-lhe a sua morada.

Não me preocupei muito com este texto, pois o objectivo é apenas dar-vos conhecimento deste facto, quase inédito, mas que como se vê não há impossíveis.

O nosso blogue vai a todos os lados e a todas as pessoas que o queiram visitar.

Este acontecimento é mais uma prova do poder e da força deste maravilhoso meio de comunicação. Creio sinceramente que ainda o podemos melhorar em alguns aspectos, Amigos e Camaradas da Guiné. Nunca esqueçamos também os «milagres» que muitos de nós têm vindo a fazer, uns no terreno e outros contribuindo com o que podem, para ajudar aquele pobre povo.

Não tenho mais palavras…

J. M. Ferreira
Sold Apt de Armas Pesadas da CCAÇ 462

2. Em 7 de Abril de 2011, enviou então o Domingos a seguinte mensagem ao nosso surpreendido e alegre Camarada Ferreira:


Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > CCAÇ 462 (1963/65) > Na foto podemos ver o Domingos sentado no chão, entretido a colcocar um capacete na cabeça. [É pena que a imagem não tenha maior resolução pra poder ser ampliada]

Foto: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.

O MASCOTE DOMINGOS

Nem sei por onde começar por tamanha ser a minha emoção! 1963/1965... INGORÉ... a criança que ia ao quartel mais a irmã pedir comida, e que por lá ficou e se tornou MASCOTE da Companhia de Caçadores 462 (***)... o DOMINGOS... é vivo e está aqui em Portugal!

Vi a minha foto na Net, não aguentei e chorei! Chamei meus filhos, minha mulher e mostrei-lhes as maravilhas que Deus faz!

Sr. Ferreira, estou-lhe mais que grato por ter sabido preservar e eternizar a minha pessoa.

Eu era criança e do pessoal da companhia 462 só me lembro do capitão Parracho que era o comandante da companhia e do Alferes Geraldo (ou era Geraldes?), que foi pela mão de quem fiquei no quartel.

Lembro-me até que o Alferes Geraldes era da Póvoa de Varzim. É que já lá vão quase 50 anos!!!

Eu vivo aqui em Portugal há mais de 20 anos, meus três filhos todos são cá nascidos e minha vida quase toda aqui feita.

Estou muito contente, mas muito contente mesmo!!!!!!!!!!!!

Domingos “O MASCOTE” (**)
_________

Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:


(...) O DOMINGOS – UMA CRIANÇA SOLDADO

O Domingos era uma criança, em 1964, de estatura normal para os seus cinco, seis anos (talvez nem tantos na altura), os olhitos pareciam estar em permanente melancolia (como os de muitos putos guineenses), mas já o seu porte e presença eram um tanto diferentes.
O Domingos, fazendo fé nas recordações um tanto esfumadas, porque o tempo não perdoa e não é eterna a sua permanência nas minhas memórias cerebrais, começou a aparecer com a mãe, que lavava a roupa de alguns camaradas nossos, o que, como sabemos, constituía mais alguma fonte de sobrevivência para a família.
Tantas vezes lá foi que começou a ter contacto mais directo com os militares que, pelo seu feitio e postura simpáticas, eram afáveis para aquela criança de tenra idade. Ficou lá connosco um dia, depois outro e outro...
Todos o acarinhavam e brincavam com ele, e o Domingos ia demonstrando alguma sociabilidade, retribuindo simpaticamente com as peripécias próprias das crianças, o trato que lhe ia sendo dispensado.
Até que, para não alongar mais esta “lengalenga”, o Domingos foi adoptado, oficialmente, como mascote da CCAÇ 462. Passou a ter uma farda verde igual à nossa, com excepção do camuflado e do vestuário de trabalho.
Comia connosco, e durante muito tempo, chegou a dormir na nossa caserna, tal como todos nós. Os pais sabiam desta situação, o comandante da Companhia também. Já fazia parte da nossa "família".
(...)
Ao fim de dezasseis meses, a minha companhia foi “embalada” e enviada para Bula, pelo que perdemos o rasto do Domingos.
Continuamos sem o ver quando fomos ocupar, pela primeira vez, o território de Có, Ponate, Jolmete e Pelundo.
E perdemos-lhe completamente o rasto, quando destas localidades seguimos para Mansoa. Nunca mais soube nada do Domingos, aquele puto simpático e meigo, de olhar melancólico, que viveu connosco durante vários e saudosos meses. Um dia, a Guiné tal como a conhecemos então, acabou para a nossa companhia, pois regressamos a casa no paquete Niassa…
Do Domingos ficou-me as naturais saudades do seu sorriso e traquinices, e a única foto que tenho dele (...). (**) CCAÇ 462: Compannhia independente, foi mobilizada pelo BCAÇ 10, partiu para o TO da Guiné em 14/7/1963 e regressou à Metrópole em 7/8/1965.
Esteve em Ingoré, Bula, Có e Mansoa. Comandantes: Cap Mil Inf Jorge Saraiva Parracho; Cap Inf Joaquim Jesus das Neves.
(***) A mascote e não "o"... Não corrigimos intencionalmente o português: o substantivo "mascote" é feminino, vem do francês (c. 1870), mascotte > pessoa ou animal de estimação, fétiche, talismã, algo que dá boa sorte...

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7191: In Memoriam (58): Faleceu o Dr. Rogério da Silva Leitão (José Marques Ferreira)



1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré (1963/65), enviou-nos hoje a seguinte mensagem:
Camaradas,
Cheguei há pouco de Aveiro. Lá contactei uma pessoa das minhas relações e, por ela, soube que hoje mesmo de tarde se realizou o funeral do médico que prestou serviço militar na Guiné, o cardiologista Dr. Rogério Leitão e naquela cidade residente.
Várias vezes falei com ele, nomeadamente da Guiné, e ele, uma vez, perguntou-me se eu também tinha estado em Catió. Eu sabia que foi aqui um dos locais onde «estacionou». Expliquei-lhe por onde andei, que agora não vem ao caso.
Fiquei de o visitar, até por sugestão do Luís Graça, mas «encolhi-me» porque não sabia como ia ser a visita e falarmos um pouco de tudo isto que nos une: a Guiné. Já ele estava muito doente.
A vida inexoravelmente não dispensa estas situações e por isso o comunico, porque se a Tertúlia ainda não sabe, penso que tenho a obrigação de o dar conhecer.
Com a devida vénia e agradecimento, retirei do site da Câmara Municipal de Aveiro, cujo link é: http://www.cm-aveiro.pt/www/Templates/GenericDetails.aspx?id_object=34200&divName=2&id_class=2, a seguinte notícia e foto:

FALECIMENTO DE DR. ROGÉRIO DA SILVA LEITÃO
Faleceu ontem, dia 28 de Outubro, com 75 anos de idade, Rogério da Silva Leitão, ilustre aveirense, antigo Presidente da Assembleia Municipal entre 1994 e 1997 e vogal deste Órgão de 1986-1993, e reconhecido cardiologista.
Trata-se de uma enorme perda para o Município de Aveiro, para a sua história social e política, que muito se lamenta. O funeral terá lugar hoje, dia 29 de Outubro, pelas 15.00 horas, na Igreja da Misericórdia.
Élio Maia, Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, manifesta o seu pesar, considerando que “o município perdeu um distinto aveirense, uma personalidade que pautou a sua acção com reconhecido zelo no campo da cardiologia, e na noção da importância do poder local para o desenvolvimento de Aveiro” e deixa “a sua mais profunda mágoa pela perda de um médico e aveirense de reconhecida distinção, que soube marcar estes tempos com incontestável e irrepreensível intervenção social, médica e política”. A 12 de Maio de 2005 a Câmara Municipal de Aveiro atribuiu a Rogério da Silva Leitão a Medalha de Mérito Municipal em Prata.
A Autarquia Aveirense, através do seu Presidente, devido às circunstâncias excepcionais e urgentes, determinou como expressão de uma justa homenagem, declarar luto municipal por três dias.
Nesta hora de luto, todo o Executivo Aveirense deseja apresentar as mais sentidas condolências e a sua forte solidariedade à família de Rogério Leitão.
28-10-2010"


Um Abraço,
José Marques Ferreira
Sold Ap Armas Pes da CCaç 462


3. Comentário (posterior) de L.G.:


Em tempos o José Colaço fez uma bela homenagem a este nosso camarada, que foi seu médico, tenente miliciano, na CCAÇ 557 (Cachil e Como, 1963/65). Não o não conheci pessoalmente, mas sei que era também um ilustre e dedicado aveirense, conterrâneo portanto de alguns camaradas nossos. Ainda pedi ao José Marques Ferreira para o contactar, visitar e convidar para o nosso blogue. A sua doença já não iria, porém, permitir que esse nosso desejo se concretizasse. Estou grato ao José Marques Ferreira pelo seu cuidado e dedicação. Foi o José que serviu de elo de ligação a este nosso camarada, em vida e em morte. Nesta hora de pesar para todos nós, seus camaradas, seus amigos e sua família, fica aqui registada a nossa admiração por um dos oficiais médicos que esteve connosco na guerra da Guiné, e para mais logo nos seus primórdios.  O mínimo que podemos fazer para manter viva a sua memória, é juntar o seu nome à lista dos camaradas da Tabanca Grande que "da lei da morte se foram libertando"... Que descanse em paz. As nossas condolências à família.

Vd. poste de 13 de Novembro de 2009> Guiné 63/74 - P5264: Os nossos médicos (8): O Dr. Rogério da Silva Leitão, aveirense, cardiologista, CÇAÇ 557, Cachil, Como, 1963/65 (José Colaço)

_________
Nota de MR:

terça-feira, 27 de julho de 2010

Guiné 63/74 – P6792: Histórias de José Marques Ferreira (18): Recordações


1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos em 26 de Julho de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,

Com as minhas desculpas por tão prolongada ausência, quero transmitir a todos que ainda tenho alguma coisa que contar, como este pequeno texto sobre a foto que junto e me avivou algumas recordações guineenses.

É, como habitualmente, uma história simples fruto de algumas recordações, que ainda se mantêm nas minhas vivências de um tempo ido, que, felizmente, não volta.

Recordações
Quando se olha para esta foto, com mais de quarenta anos de existência (são pouco menos que aqueles que ainda tenho!), parece que estes três “malucos” estariam, de certa forma, fora de si e aos murros uns nos outros.

Também parece que a fotografia mostra que o terceiro elemento estaria em atitude de apaziguamento.

Mas não é nada disso.

São três militares, na localidade de Ingoré que, ao que consta, hoje é um centro que evoluiu bastante, e considerado importante no comércio e turismo fronteiriço com o Senegal.

Desses três homens (um deles sou eu mesmo) e os outros são da cidade do Porto.

O mais magrinho (um autêntico “trinca-espinhas”) de seu nome completo Alfredo Mateus Freitas Martins, chegou à Guiné alguns meses depois dos restantes. Era escriturário, mas como a companhia não tinha levado nenhum, foi este que nos calhou.

O outro chegou a ser funcionário do extinto Banco Borges & Irmão, cujo nome completo é António Marcel Nunes Rema.

A imagem refere-se, certamente, a um dos intervalos em que a «guerra estava parada para descanso» e havia lugar para agradáveis momentos de cavaqueira e divertimento.

Do António Rema, que chegou a acumular funções com as de gerente do bar (que não existia), mas que nós construímos e colocamos a funcionar, tinha uma namorada que lhe chegou a enviar uma montagem fotográfica, ou então tirada mesmo de lado da ponte de D. Luís, lembrando-me eu ainda que a fotografia estava efectivamente uma maravilha... A PRETO E BRANCO (porque não havia outra maneira de a “pintar”, na altura).
O que retenho em memória é que parece que a tal dita namorada, com a ausência do António Rema, não terá esperado mais tempo por ele e deu de «frosques», isto é, debandou e deixou o meu amigo num tormento inimaginável de sentimentos de desgosto e angústia.

O rapaz andou muito tempo em baixo... deprimido!

O Alfredo chegou a fazer parte dos redactores do «Jornal da Caserna», assim como o Rema, e como era habitual nos jornais, também nós seguíamos as normas de, no cabeçalho, colocar o nome do Director (que era ele), mas com o pseudónimo de Hércules (por ser muito magrinho, como se diz na minha terra: «um pau de virar tripas»).

Eu era o Editor e, nessa qualidade, só servia para «enterrar» a todos e por isso o pseudónimo foi o de Zé Cangalheiro.

Havia ainda um tesoureiro (só de nome), porque aquilo não funcionava, como agora, com financiamentos ou receitas de assinaturas e publicidade, que não fossem apenas o “lucro” do tempo que aplicávamos na elaboração de cada número e, também, o “ganho” das inúmeras horas que nos mantinha, utilmente, ocupados.

Esse tesoureiro - José de Sousa Piloto -, era um habilidoso em desenho livre e foi o autor do primeiro emblema que foi usado e distinguia a CCaç 462. O seu pseudónimo era o «Massinhas».

Recordo ainda que, um dia, o comandante de Batalhão Caçadores 507, Tenente Coronel Hélio Felgas, quando nos visitou naquela localidade, achou muita piada aos pseudónimos e fez uma observação, procurando saber quem era o «Massinhas», ou se tinha muito prejuízo, ou coisa do género...

Memórias... quase afagadas!

Um abraço para todos,
J. M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes da CCAÇ 462
____________
Nota de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:

domingo, 6 de junho de 2010

Guiné 63/74 – P6544: Histórias de José Marques Ferreira (17): História do estandarte da CCAÇ 462




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1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos em 22 de Maio de 2010, a seguinte mensagem:



História do estandarte da CCAÇ 462

Camaradas,

Quando em 14 de Julho de 1963 tive de embarcar para a Guiné, num navio de carga conhecido pelo nome de «SOFALA», ao qual já aqui me referi há uns tempos atrás, não existia nos militares, salvo uma ou outra excepção, como por exemplo, a Marinha, os Comandos, a Força Aérea, etc., já estava determinado superiormente, usarem-se distintivos, guiões e coisas semelhantes que lhe emprestassem identidade e particularidade.
É claro que as Unidades Mobilizadoras onde se organizavam as Companhias, entregavam ao respectivo comandante, antes de sair do quartel, em cerimónia própria, o estandarte que não era mais que uma cópia do estandarte utilizado, oficializado e adoptado por essa Unidade Mobilizadora.
No caso que quero mostrar e contar, deixo aqui uma amostra do estandarte da Unidade Mobilizadora. Mas quanto a crachás ou outras insígnias, para serem usadas pelos seus elementos, não era lá muito habitual existirem, principalmente no Exército.
Já depois de estar na Guiné, passou-me pela cabeça propor a quem de direito mandar confeccionar tais distintivos. Mas como? Eu não tinha jeito para desenho, não tinha mais nada que não fosse o estandarte que regressou depois com a Companhia.
E foi baseado nestes pressupostos que dei a ideia a um camarada de armas, que tinha um dom para o desenho e para a caricatura fora do comum, e foi com base nessa ideia que saiu o distintivo, que está aqui exposto.
Seria uma falta indesculpável que não se identificasse o autor desse desenho, o 1º Cabo 408/63 (identificação numérica usada ao tempo, completamente diferente da que se passou a usar - o número mecanográfico). Nunca mais tive contactos com o José de Sousa Piloto, nem sei onde reside, nem nada mais acerca dele.
O desenho foi enviado para Lisboa, para uma casa da especialidade e passados uns tempos lá apareceu a encomenda com os crachás ou distintivos, que diferenciavam a Companhia de Caçadores 462 das demais, durante todo o tempo que nos faltava para o regresso e que era ainda bastante para atingir os 24 meses!

Creio que, se não foi a primeira, terá sido uma das primeiras Companhias do Exército a usar, na Guiné, estes distintivos, em plástico, que eram presos por molas no vestuário do braço esquerdo, mas apenas com a farda número um, ou seja, a farda “domingueira”... pelo menos o calção (ou calça) e camisa, ambas do velho caqui amarelo.
Mais tarde já era vulgar o seu uso em todos os militares estes distintivos, que lhe davam a sua particularidade, evidência e até a identificação.
Reminiscências de 1963, que ainda guardo por cá.
Um abraço para todos,
J. M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes da CCAÇ 462
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6482: (Ex)citações (76): Há mais de quarenta anos, ainda falamos dos nossos mortos! (José Marques Ferreira)


1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos em 22 de Maio de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,

Tenho andado muito ocupado (?!). Melhor dizendo sem muita vontade e motivação para enviar «estórias».

Esta penso que vai originar algumas reacções, já que falo dos meus sentimentos em relação à forma como os nosso mortos foram tratados. (*)



HÁ MAIS DE QUARENTA ANOS, AINDA FALAMOS DOS NOSSOS MORTOS!
ESTA É UMA INDIGNIDADE QUE SÓ VAI DESAPARECER COM A ELIMINAÇÃO NATURAL DESTA GERAÇÃO!

As minhas desculpas pela ausência a que tenho votado o que devia ser uma presença «obrigatória» nesta Tabanca, grande de mais, mas demasiadamente respeitada e saudosa, para que a possamos «esquecer» durante tanto tempo.
E eu, ao que se confirma, tenho esquecido. Mas parece que não andava bem da minha consciência se não viesse aqui desabafar e confessar os meus sentimentos, neste caso de revolta. Tinha de me manifestar. E qual o melhor local, se não aqui?
Confesso ainda que andei largas dezenas de anos completamente enganado (sem aspas para amenizar a interpretação da palavra, nem nada, é a realidade), porque em 1963 e nos anos seguintes, pensava eu que os nossos camaradas falecidos, pelas causas mais inverosímeis, fossem trasladados para as suas terras sob a responsabilidade e custos do Estado Português.
Puro engano. Se houver pachorra para ler o resto da história, aí vai o meu raciocínio daquele tempo de 1963/1965.
E era assim: Íamos prestar serviço militar obrigatório. Já naquela altura, até as empresas privadas tinham, para os seus trabalhadores, a transferência de responsabilidade para Companhias de Seguros, dos riscos a que estavam sujeitos os seus colaboradores a eventuais acidentes de trabalho. E em caso de acidente, era a Companhia de Seguros chamada a responder pela responsabilidade que o caso a obrigava.
No nosso caso, não era privado. Mas era um serviço, visto aos olhos de alguns (muitos) de bastantes riscos, mas também que colocavam os militares em certa posição de prestígio (para o regime), mas isso não pagava as situações de deficiência e de morte. E o nosso patrão era o Estado.
O que é certo é que éramos «despachados» para as diferentes frentes de batalha, sem saber as condições em que o fazíamos.
Isto vem a propósito dos mortos em combate, por doença, em acidentes vários e na evacuação de feridos graves, que se verificava, quando a mesma resultava da necessidade de assistência médica, quer por doença, e, principalmente, em combate.
Já o disse que a minha campanha na Guiné,  sendo de algum turismo, teve também alguns momentos menos bons. Mas não maus de todo. E, no meio de toda esta sorte, apenas houve duas baixas, num caso por acidente na montagem de uma armadilha e outra por doença.
Mesmo antes de ter sido admitido na Tabanca Grande, e foi por isso que aqui vim parar, andei a vasculhar a Internet, à procura dos dois camaradas falecidos. E a minha surpresa foi grande, do tamanho da minha revolta.
Encontrei os seus nomes identificados em duas campas, com os respectivos números, no cemitério de Bissau. E eu, até ali e durante tanto tempo (repito) a pensar que o Estado Português os tinha trasladado para as suas terras natal.
Confesso que fiquei revoltado, indignado, por admitir que todo aquele que tombava na guerra, o Estado colocava os seus restos mortais cá, ao menos por uma questão de justiça, de memória, de respeito pelos próprios, pelos seus familiares, esposas, filhos e outros.
De modo que, os mesmos, pudessem sufragar com a dignidade que a morte merece. Embora a morte seja uma passagem, pelo menos para mim, para a minha consciência e fé. Mas os que os amavam é que sofriam! Neste caso, é de censurar o comportamento e postura das autoridades a quem tínhamos de obedecer (contrariados em muitos casos) e que é ponto para afirmar, ainda debaixo da emoção e da irracionalidade em que nos colocavam involuntariamente, que, ao fim e ao cabo, não cabiam na hipocrisia de quem tinha que tomar decisões.
Falta-me, neste longo desabafo, dizer que aqueles que conheci e com quem convivi, e que encontrei identificados num blogue qualquer (de que já nem sei o endereço), mas que também parece que estão aqui mencionados no nosso blogue, foram o 1º Cabo de minas e armadilhas, José Gonçalves Rua, de Penude - Lamego, na fatídica data de 27 de Agosto de 1964, quando a armadilha que montava rebentou, sendo sepultado na campa do cemitério central de Bissau com o número 1020.
E o 1º Cabo Artur Branco Gonçalves (um rapaz alto e esguio), falecido em 13 de Outubro de 1964, no Hospital Militar 241, por doença, salvo erro de origem gástrica (úlcera?), e que ainda me lembro ele andar a queixar-se ao médico. Quando foi evacuado de helicóptero para ser operado, não terá havido tempo. Era de Vilarelho da Raia, concelho de Chaves, ali perto da fronteira com Espanha, onde muitos portugueses iam, normalmente, comprar caramelos espanhois.
Por outro lado, tudo vem a propósito não só pelo facto de há muitos meses (ou já anos) ter descoberto isso, como ainda pelo facto hediondo de agora descobrirem que, muitas vezes, nas urnas vinham sacos de areia e pedras. Já li casos idênticos noutros locais.
Num caso de que não me lembro a origem, dentro da urna foram detectados os rolos dos cibes que usávamos para diversos fins, desde fazer pontões, a meios de defesa, como eram o caso dos abrigos e das torres de vigia, que depois se começou a dispensar pelo perigo que originavam, neste último caso.
Então o Estado não tinha dinheiro (nem se gastava nada, pois as urnas eram metidas nos navios e vinham com todos os militares regressados) e andava a gastá-lo com uma urna a «esconder», a camuflar, um corpo que apenas era do interesse (humanamente falando e que devia ser respeitado) da família?
Há outros relatos e factos verídicos perfeitamente inadmissíveis, mas que as circunstâncias em que se encontravam não permitiam outra solução que não fosse o seu sepultamento mesmo ali. Mas, primeiro, os nossos soldados…
Quanto não terá custado aos seus camaradas tomar atitudes destas!
Ah! Como o tempo é o grande responsável pelas límpidas respostas que nos apresenta em todas as vertentes da vida…
Revoltado, revolto-me (passe o pleonasmo) e odeio estes comportamentos inaceitáveis da falta de ética, de sentimentos e de respeito para com todos aqueles que «batiam por lá o costado», frase vulgar utilizada naqueles recuados tempos.
Desculpem, porque se continuo ainda serei incomodado…
Para aqueles que ainda têm a dita de ler isto, vai o meu profundo reconhecimento de respeito, consideração e amizade.

Um abraço para todos,
J. M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes da CCAÇ 462
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Nota de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
27 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6481: (Ex)citações (60): Urnas com pedras e areia (Eduardo Ferreira Campos & Manuel José Ribeiro Agostinho)


sábado, 13 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5988: Histórias de José Marques Ferreira (16): O parto nos Bijagós


1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos em 9 de março de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,

Como diz o Torcato, que tive oportunidade de ler: «Há tanto tempo que não envio nada, que já nem sei… ».

Mas é uma questão de compromisso e, comigo, os compromissos assumidos cumprem-se. A menos que deixem de existir possibilidades. Enfim, penso que ainda tenho os «cinco» bem aferidos.

Então, como costumo dizer, aqui vai uma «estória inocentinha» apenas para relembrar coisas de longe e de saudade.

É que, vocês são capazes de pensar, e talvez tenham razão, que nem a copiar o que outros fizeram sou mais «trabalhador».

Assim, brevemente, irei enviar alguma coisa da minha autoria, para constituir o «livro das minhas recordações», que o é na totalidade este grande blogue (ou blogue grande?!).


Hospital Militar em Bissau. Aqui não se faziam partos, porque todos os que, infelizmente, lá davam entrada eram militares. Só muitos anos depois é que passaram a existir mulheres nas Forças Armadas da Guiné, especialmente na Força Aérea. Dois dos Camaradas que estão na foto, são da freguesia de Valongo e o terceiro é da freguesia de Espinhel, no concelho de Águeda. Um deles é natural de Arrancada e o outro do lugar do Casaínho (eram ambos “funcionários” do Hospital).

A inocente estória que segue é sobre os Bijagós, de quem andei bastante longe…
O PARTO NOS BIJAGÓS
Como sabemos, existem diversas raças de indígenas na Guiné. Cada qual tem os seus costumes próprios e também alguns que sendo comuns a várias outras raças, não deixam por isso de ter certas características que lhe dão individualidade. Muito resumidamente, vamos ver algumas noções curiosas acerca do parto na raça Bijagó.

A parturiente tanto pode ser uma rapariga solteira (campune) como uma mulher casada (ocanto), como é óbvio.

Tratando-se da primeira, quando está nas proximidades do parto recolhe a casa e manda chamar algumas "mulheres grandes" que possam servir de parteiras.

Uma dessas mulheres, e enquanto a parturiente vai enumerando o nome dos indivíduos com quem manteve relações sexuais até à altura do parto, conserva-se ao lado da cama, tendo na mão um molho de palha a arder, na ânsia de afastar os maus espíritos.

Se a parturiente é uma mulher casada, tal enumeração não se dá, pois se parte do princípio que a mulher é fiel ao marido (?!).

A seguir ao parto o recém-nascido é lavado com água do mar, limpo de todas as sujidades e esfregado com óleo de palma. Cerca de três dias depois a mãe é levada a uma praia e lavada com água do mar.

No entanto, o mais vulgar entre as raparigas solteiras (campunes) é a provocação do aborto. Como o nascimento dum filho a coloca numa posição social diferente, embora continue campune, ela prefere resolver o problema da forma mais simples: elimina-o.

Esta resolução, ao mesmo tempo que tira a preocupação à rapariga, evita também problemas ao rapaz se acaso ainda não foi ao fanado.

É que está decidido que os rapazes antes de irem ao fanado não podem ter relações sexuais e admitir a existência de um filho antes da época própria, é admitir uma fraude àquele princípio.
Além disso, todo o filho que nasça antes do fanado deixa de pertencer ao pai, e até à mãe, e passa a pertencer aos pais desta.

Cremos que é apenas nos Bijagós que este costume se segue como o descrevemos.

DOC
(Dr. Ramiro Fernandes de Figueiredo)
(Ex.alf.mil. médico da CCaç. 462-Guiné 1963/1965)

Nota: Esta curiosidade foi extraída do «Jornal da Caserna», periódico da CCaç. 462, com data de Outubro de 1964.

Um abraço,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

16 de Fevereiro de 2010 >
Guiné 63/74 - P5822: Estórias avulsas (75): Do Cumeré a Canquelifá (João Adelino Aves Miranda, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/73)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5768: Efemérides (43): 4 de Fevereiro de 1961, O princípio da Guerra Colonial (José Marques Ferreira)




1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 4 de Fevereiro de 2010:

Camaradas,

Estava eu de volta do teclado, quando me apercebi que hoje, dia 4 de Fevereiro, é uma data que se salienta, por estar conotada com o início dos movimentos de libertação (assim designados), pela autodeterminação e independência africanos, nos quais se incluíam os territórios sob administração portuguesa.

Sendo assim, envio este meu modesto contributo de forma a que ainda vá a tempo de se incluir no «blogueforanadaevaotres».

Melhor dizendo, vão mais que três. Muitos...

E assinalo a data com as estórias dos infelizes falecimentos de dois camaradas da CCaç 462.

4 de Fevereiro de 1961
O princípio da Guerra Colonial

O dia 4 de Fevereiro de 1961, é a data em que se assinala de «forma oficial», o início da Guerra Colonial, em Angola, em que Portugal se viu envolvido durante 13 anos. Pouco tempo depois foi a vez do início das hostilidades na Guiné e em Moçambique.
Foram anos duros, que marcaram pela negativa toda uma geração de jovens, com repercussões que ainda hoje influenciam muitas das suas vidas e dos seus estados de saúde.

Eu entrei nessas fileiras, donde muitos viriam a desertar, em Janeiro de 1963 (já expliquei tudo em anteriores postes no blogue).

O que é certo, é que em Julho de 1963, desembarquei na Guiné, e, durante dois anos, não sofri muito, mais pela sorte que me tocou, que por muitos outros factores. Regressei em Agosto de 1965, tendo chegado a Lisboa em 14 do mesmo mês, num navio que passou sob a recém acabada de construir ponte, a que chamaram Salazar, e, que em 1974, foi rebaptizada para ponte de 25 de Abril, que se mantém ainda hoje.

A minha unidade militar (uma companhia), dormiu nesse dia da chegada em Lisboa e, ao outro dia por volta das sete da manhã, embarcou de comboio em direcção a Chaves, onde tinha decorrido a sua instrução e formação.

O BC 10 (Batalhão de Caçadores 10, agora denominado Regimento de Infantaria de Chaves), foi uma das unidades militares que preparou e «forneceu» muito pessoal para a dita Guerra Colonial.

Percebe-se hoje porquê. Como outras Unidades Militares ainda existentes pelo país, a sua geografia local, a flora, os trilhos, os caminhos, etc. eram perfeitamente propícios ao treino de ambientação militar para a guerra de guerrilha em África.

Chaves, tinha tudo para a preparação de militares deste conflito. Aliás, as especificidades da guerra de guerrilha africana, era novidade então surgida no mundo (tal como é agora o terrorismo).

Fenómeno que surgiu, logo a seguir ao término da II Grande Guerra e cujo objectivo era a emancipação e autodeterminação dos povos de vários países.

Os tipos de acções, armadas e violentas, a que raros exércitos estavam preparados para enfrentar, de manifesta revolta contra o dominador, quando o dominado era pobre e tinha poucas possibilidades de reacção, permitia e estes últimos, mesmo com escassos recursos, a recorrer a esta via guerreira, com o intuito de provocar o desgaste físico e psíquico contínuo aos adversários e a consumir energias políticas e económicas do país dominador.

A aposta era que, mais tarde ou mais cedo, o colonizador cedesse às pressões de todo o tipo e restituísse os poderes administrativos, económicos e políticos.

Foi quase o que aconteceu com Portugal, porquanto alguns historiadores e políticos, já antes de Abril de 1974 diziam e escreviam, que as coisas, tal como estavam nas Províncias Ultramarinas, não poderiam durar muito mais. Não fosse a «revolução dos cravos», como ficou conhecido o 25 de Abril de 1974, e, na Guiné, a guerra com o PAIGC estava, no mínimo, muito complicada, havendo alguns episódios que confirmavam, no terreno, isso mesmo.

Conflitos em que morreu muito português e muitos africanos. Da minha freguesia apenas um homem faleceu (natural da Aguieira), e, pelo que julgamos saber aqui, a sua morte foi motivada por doença.

Muitas pessoas ficaram deficientes fisicamente e psiquicamente, para as suas vidas inteiras.

Da minha companhia, entre cerca de 130 militares, apenas dois faleceram.

Um foi o José Gonçalves Ruas, 1º cabo de Minas e Armadilhas, de Penude - Lamego, que faleceu em 27 de Agosto de 1964, próximo de uma localidade junto à fronteira com o Senegal (chamada Sedengal), ao ser atingido pelos efeitos de uma armadilha que estava a montar e que explodiu, atingindo-o mortalmente.

Nesse dia eu não estava em Ingoré, tinha ido ao comando de Batalhão, a Bula, e foi lá que eu soube pelos camaradas de transmissões, o que se tinha passado naquele local. Nesse mesmo dia e ao princípio da tarde, os meus camaradas da companhia, passaram em Bula a toda a velocidade em direcção a Bissau, levando o corpo do infeliz Ruas, como todos lhe chamávamos. Está sepultado ainda, segundo creio, no cemitério de Bissau, na campa 1020.

O segundo falecimento, foi o do 1º cabo atirador, Artur Branco Gonçalves, de Vilarelho da Raia - Chaves, no dia 13 de Outubro de 1964, no Hospital Militar 241, em Bissau, para onde fora evacuado de helicóptero, por motivo de doença. Está também sepultado em Bissau na campa 1108, admito. A doença que o vitimou, embora eu não tenha a certeza, terá sido uma úlcera gástrica, que, certamente, pelo seu estado, já não foi a tempo de qualquer intervenção cirúrgica.

Esta e outras efemérides, estou certo, não se apagarão, mesmo depois de desaparecerem todos os protagonistas que nela participaram, durante aqueles treze anos.

A este assunto voltarei mais tarde.

Os meus cumprimentos para toda a tertúlia desta Grande Tabanca,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em: