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quinta-feira, 18 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24325: História do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) (5): Op Triângulo Vermelho, a três agrupamentos (CART 2715, CCAÇ 12 e CCP 123 / BCP 12), em 4 e 5 de maio de 1971: a captura de população civil que depois é levada para Bambadinca e cujo tratamento causa a piedade e provoca a indignação do alf grad capelão Arsénio Puim


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) / Escala 1/50 mil  > Posição relativa de Bambadinca  bem como do complexo de tabancas de Nhabijões, maioritariamente balantas, na margem esquerda do rio Geba, bem como o temivel Mato Cão (na margem direita) e, mais a norte, no regulado do Cuor, o destacamento de Missirá.... No princípio da década de 1970, para Norte Cuor) e Oeste (Enxalé)  não havia mais tropa (a não ser o destacamento do Enxalé, frente ao Xime, do outro lado do rio Geba). O PAIGC tinha aqui uma "base" (ou "barraca"), a "base do Enxalé", e este era um corredor fundamental para as colunas logísticas que vinham do sul... na altura em que o Senegal não permitia o trânsito de armas e munições no seu território. (Em linha reta devem ser mais de 25 km, de Bambadinca até à península de Madina / Belel.)


Guiné > Carta geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Excerto: posição relativa de Bambadinca e Xime (na margem esquerda do rio Geba), Enxalé (na margem direita do rio Geba) e Madina, Belel e Sará, a norte do Enxalé (que era território  dos regulados do Enxalé, Cuor e Oio, onde não havia tropa e que o PAIGC considerava "área libertada", controlando na península de Madina /Belel, a sudeste da base de  Sará (onde havia cubanos), uma população dispersa de cerca de duas mil almas, segundo estimativa do comando do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)


Guiné > Região do Oio > Carta de Mamboncó (1954) / Escala 1/50 mil > "Terra de ninguém"... Ou melhor: tradicionalmente o PAIGC andava por aqui com relativa à vontade, duarnte a guerra... Posição relativa do destacamennto de Cutia, na estrada Mansoa-Mansabá, tabancas (abandonadas) de Mambono, Belel e Sarauol.. E ainda o rio Malafo.

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


Sector L1 / Região de Bafatá > BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > CART 2715, CCAÇ 12, Pel Caç Nat 54, e CCP 123 / BCP > 4 e 5 de Maio de 1971 > Operação "Triângulo Vermelho": a captura de população civil que depois é levada para Bambadinca e cujo tratamento causa a piedade cristã e provoca a indignação humana do alf grad capelão Arsénio Puim (*).

1. Vale a pena transcrever este excerto da História da Unidade, o BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), para se perceber melhor a situação dos prisioneiros que foram levados da península de Madina / Belel, para Bambadinca, e  ali permaneceram uns dias, em condições indignas e desumanas (recorde-se que estamos já em pleno consulado spinolista,     está em vigor a política "Por uma Guiné Melhor" que nem toda a hierarquia militar, no CTIG,  compreendia e sobretudo apreciava e  aceitava, continuando a praticar a politica da "terra queimada",.  "aniquilar o IN e destruir todos os seus meios de vida"):

Desenrolar da ação:

- Em 04.Maio, pelas 17,00 horas e durante cerca de 50 minutos o “Agrupamento  Verde ” [CART 2715] cambou o Rio Geba no Xime, utilizando um sintex que, em diversas viagens transportou o material e o pessoal, continuando em seguida em marcha apeada para o Enxalé onde chegou pelas 18,45 horas.

- Às 22,30 horas o 
“Agrupamento  Verde ” iniciou a progressão para Bissilão de onde seguiu para a estrada Enxalé - Porto Gole, seguindo por esta atingiu a margem direita da bolanha do Rio Malafo pela 1,30 horas do dia 05 de Maio.

- Pelas 2,00 horas foi atingida pelo 
“Agrupamento  Verde " o ponto de coordenadas (Mamboncó 7E6-21) de onde seguiu para Norte em direcção ao ponto de coordenadas (Mamboncó 7E3-66) que atingiu pelas 4,30 horas, montando em seguida uma linha de emboscadas no trilho que de Sinchã Madina se dirige para o ponto de coordenadas (Mamboncó 7G1-56), a fim de recolher o “Agrupamento Laranja" [CCP 123 / BCP 12].

- Entretanto o
“Agrupamento  Negro” [CCAÇ 12] que saiu de Bambadinca pelas 18,00 horas cambou o Rio Geba junto ao porto de Bambadinca por haver apenas um sintex no Xime, prosseguiu por Finete – Malandin  Mato Cão  Saliquinhé tendo atingido o ponto de coordenadas (Bambadinca 1F3-43) pelas 22,30 horas onde fez um pequeno alto para descanso do pessoal.

- Pelas 24,00 horas este Agrupamento continuou a progressão para o ponto de coordenadas (Bambadibnca 1E4-35) que foi atingido pelas 0,30 horas do dia 05 de onde prosseguiu para Norte ao longo do trilho que contorna a margem direita da bolanha do Rio Ganturandim, passando por Iaricunda.

- Pelas 04,30 horas foi atingido Madina (Bambadinca 1B2-87) de onde continuou para Norte até ao ponto de coordenadas (Bambadinca 1A9-93) alcançada pelas 5,00 horas onde foram montadas emboscadas em vários trilhos, que se reuniam num só que se dirigia para a zona onde iria decorrer a operação.

- Foi verificado nesta altura que este trilho era a única via, relativamente fácil, de passar a linha de água, pois a tentativa de o fazer noutro local seria infrutífera dado que toda a linha de água é rodeada de espessa vegetação e grandes canaviais.

- Entretanto o “Agrupamento Laranja” [CCP 123 / BCP 12], pelas 14,00 horas do dia 04, deslocou-se em meios auto de Nova Lamego para Bafatá onde chegou cerca das 15,30 horas sendo em seguida heli-transportada para Missirá.

- Pelas 17,30 horas do dia 04, já com todo o pessoal em Missirá iniciou-se a progressão apeada em direcção a Sancorlã de onde, seguindo o rumo 260 graus e a corta mato, continuou a progressão.

- Pelas 5,50 horas do dia 05 foi atingido o ponto de coordenadas (Bambadinca 2A2-30) onde o Agrupamento emboscou aguardando os bombardeamentos da FAP.

- Pelas 6,30 horas o “Agrupamento Laranja” progrediu para a margem direita da bolanha do Rio Malafo seguindo depois para Sul em direcção ao ponto de coordenadas (Mambo0mcó 7G1-56) onde o “Agrupamento Verde” emboscado, o havia de recolher.

- Durante este trajecto destruiu 12 tabancas, de 2 a 8 moranças cada, uma escola, um celeiro e outros meios de vida. Capturou um elemento armado de Mauser, 7 mulheres, 6 crianças e documentos diversos.

- Pelas 11,30 horas atingiu o ponto de coordenadas Mamboncó 7G1-56) onde foi recolhido pelo “Agrupamenmto Verde”, continuando a progressão, protegido por este o Agrupamento, para sul em direcção a estrada de Porto Gole - Enxalé.

- Entretanto o “Agrupamento Negro”, após o bombardeamento da FAP, continuou a progressão para (Bambadinca 1A4-94).

- Logo após os bombardeamentos foram ouvidos gritos humanos e ruídos de animais domésticos, assustados e em fuga.

- Pelas 6,20 horas, após passagem da linha de água, foram detectados 4 elementos IN desarmados, vestindo de calções e blusa azuis progredindo na mesma direcção mas em sentido contrário. Eram seguidos a cerca de 50 metros por mais 2 elementos IN, vestindo do mesmo modo e armados de PPSH. Estes elementos IN imediatamente retiraram para Norte fazendo fogo, tendo as NT abatido 2 elementos desarmados mais próximos.

- Continuou-se a progressão para Oeste seguindo depois par Sul, tendo-se encontrado várias moranças, bem construídas, com cerca de 3 e 4 divisões, cobertas a colmo e a ripado de bambu, muito bem camuflado sob grandes maciços de vegetação e com trilhos de acesso às mesmas.

- Foram destruídas 20 moranças, 2 celeiros com um total de 500 kg de arroz e outros meios de vida.

- Não foram detectados nem elementos da população nem elementos armados.

- Às 7,20 horas foi atingido o ponto de coordenadas de (Mamboncó 7I8-73), onde o Comandante do “Agrupamento Negro” [CCAÇ 12] decidiu atravessar a bolanha para (Bambadinca 1A2-68) e não regressar pela passagem utilizada à entrada, pois aquela era a única na linha de água, facilmente referenciável e difícil de utilizar nessa altura sem segurança.

- Pelas 7,30 horas quando os últimos elementos se encontravam a cerca de 30 / 40 metros da orla da mata, um pequeno grupo IN estimado em cerca de 10 elementos desencadeou uma pequena e rápida flagelação,  utilizando armas automáticas e LGFog, ao mesmo tempo a área de (Mamboncó 7I7-78) era batida com 3 tiros de Mort 82.

- A reacção das NT pelo fogo e movimento obrigou o grupo IN a retirar da área, fortemente batida pelas NT com armas automáticas, LGFog e, principalmente dilagramas, sofrendo 2 mortos confirmados e feridos prováveis.

- Como consequência desta flagelação as NT sofreram 11 feridos, dos quais 2 morreram antes de serem evacuados e um morreu a caminho do Hospital Militar 2
41.

[Nota do editor LG: Um dos militares que morreu, nesse dia, 5 de maio de 1971, no decurso desta operação, foi o sold at inf, da CCAÇ 12, Ussumane Sissé, nº mec. 82107669; os outros dois eram do Pel Caç Nat 54, sold at  inf Suntum Camará, nº mec. 82047766, e Adi Jop, nº mec. 821 30863; os três foram sepultados em Bambadinca.]

- Foi pedido apoio aéreo, tendo comparecido rapidamente o PCV e cerca de 5 minutos depois compareceu o Helicanhão, mas o IN já havia retirado.

- Como havia feridos no meio da bolanha, o PCV e o Helicanhão, alternando-se, fizeram a segurança das NT até final das evacuações.

- Pelas 11,00 horas terminadas as evacuações, continuou-se a progressão para Sul em direcção à estrada Porto Gole – Enxalé.

- Pelas 13,00 horas foi atingido o ponto de coordenadas (Mamboncó 7I7-31) onde o “Agrupamento Negro” [CCAÇ 12] emboscou,  a fim de fazer a segurança da travessia da bolanha do Rio Malafo, pelo “Agrupamento Verde” [CART 2715] e “Agrupamento Laranja” [CCP 123].

- Entretanto os Agrupamentos Verde  e Laranja, progredindo ao longo da margem direita do Rio Malafo, atingiram a estrada Porto Gole - Enxalé pelas 13,30 horas, de onde continuando por esta, atravessaram a bolanha do Rio Malafo, protegidos pelo PCV e recolhidas pelo “Agrupamento Negro” emboscado na margem oposta (Mamboncó 7I7-31, continuando a progressão para o Enxalé, atingido pelas 15,30 horas, seguidos pelo “Agrupamento Negro”.

- Às 18,00 horas os Agrupamentos cambaram o Rio Geba para o Xime onde ficou “Agrupamento Verde” continuando os outros dois, em meio auto, para Bambadinca onde chegaram pelas 19,30 horas.

- O “Agrupamento Laranja” imediatamente continuou para Nova Lamego, atingida pelas 21,30 horas.

Fonte: Excertos de: História do Batalhão de Artilharia nº 2917  - De 15 de novembro de 1969 a 27 de março de 1972: Capítulo II - Atividade no Terreno Operacional da Guiné (...): Atividade do Inimigo (IN) em 1971: 04 e 05.Maio.71: Operação "Triângulo Vermelho", pp. 73/74.

(Revisão / fixação de texto / negritos: LG)

(Dispomos de uma versão, em pdf,  policopiada, gentilmente cedida ao nosso blogue pelo ex-fur mil trms inf  José Armando Ferreira de Almeida, CCS/ BART 2917, Bambadinca, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande; o excerto que hoje se publica consta da versão, em suporte digital, corrigida, aumentada e melhorada pelo Benjamim Durães, igualmente membro da nossa Tabanca Grande.(***)

Provavelmente é da responsabilidade do Benjamim Durães a seguinte informação relativa ao "alferes Mil  Capelão Arsénio Chaves Puim, nº mec. 48092867" : (...) "Apresentação compulsiva no Quartel-General em Bissau em 13/05/71 para ser interrogado pela PIDE/DGS."...

Temos dúvidas sobre a data... o que próprio vai averiguar melhor no seus "papéis"... Ao telefone, o Puim disse-me que o assunto dos prisioneiros, capturados numa quarta-feira, dia 5 de maio de 1971, foi tema da sua homilia de domingo, dia 9... Desmentiu, por outro lado, que tenha sido interrogado pela PIDE (rebatizada DGS, a partir de 24/11/1969), tanto em Bissau, como depois em Lisboa e nos Açores (para onde voltou como padre). (LG)

2. Eu fui lá em 30 de março / 1 de abril de 1970 (Op Tigre Vadio)... No sector L1,  as NT iam uma vez por ano à península de Madina/ Belel,... Já agora transcreve-se alguns excertos do poste P8388 (***):

(9) Março de 1970: Op Tigre Vadio, 300 homens na península de Madina/Belel, no regulado do Cuor

(...) Esta foi seguramente a mais dramática (e talvez a mais temerária) operação conjunta que a CCAÇ 12 efectuou enquanto esteve de intervenção ao Sector L1, às ordens do Comando do BCAÇ 2852. Podia ter dado para o torto...

A missão confiada às NT era bater a  chamada península de Madina/Belel, no limite do regulado do Cuor / princípio do regulado. do Oio, a fim de aniquilar as posições IN referenciadas do antecedente e eventualmente capturar a população que nela vivesse (espalhada por locais como Madina, Quebá Jilã, Belel e Banir, esta localização já no Oio).

Em Madina, localizada em MAMBONCÓ 8G-1, havia uma população sob controlo do IN, estimada em 1500 habitantes. Mais 400, em Banir, cuja localização era em MAMBONCÓ 8H-9 (...).

Segundo as informações de que se dispunha, existiria 1 bigrupo nesta região, pertencente à base do Enxalé e dispondo de 2 Morteiros 60, 1 Metralhadora Pesada Goryonov, além de armas ligeiras (Metr Degtyarev, Esp Kalashnikov, Pist Metr PPSH, etc).

Admitia-se também que este bigrupo estivesse reforçado com 1 grupo de Mort 82, pertencente ao Grupo de Artilharia de Sara-Sarauol [a noroeste de Madina/Belel, vd. carta de Mamboncó].

A última operação com forças terrestres realizara-se em Fevereiro de 1969, não tendo as NT atingido o objectivo devido à fuga do prisioneiro-guia e ao accionamento dum engenho explosivo que alertou o IN. Verificaram-se ainda vários casos de insolação (Op Anda Cá) [Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desastrosa operação a Madina/Belel ]. (...)
___________

Notas do editor:

(*) Vd,. poste de 15 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24317: Recortes de imprensa (126): O caso do capelão militar Arsénio Puim, expulso do CTIG em 1971 (tal como o Mário de Oliveira em 1968) não foi excecional: o jornalista António Marujo descobriu mais 11 padres "contestatários" (10 da diocese do Porto e 1 de Viseu)... Destaque para o trabalho de investigação publicado na Revista do Expresso, de 12/5/2023

sexta-feira, 31 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24179: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte VIII: Tabanca e destacamento de Cutia, na estrada Mansoa-Mansabá


Foto nº 1 >  
Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Cutia, que ficava do lado esquerdo da estrada Mansoa-Mansabá


 Foto nº 1A >  Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Cutia (detalhe: o fortim)


 Foto nº 2 >  Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Cutia: vista geral


Foto nº 2 >  Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Cutia: em primeiro plano, o espaldã0 do morteiro 81
 

Foto nº 3 >  Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Cutia: o espaldã0 do morteiro 81

Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Padre José Torres  Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71). Desta vez tendo por tema o destacamento de Cutia, que ficava a meio caminho entre Mansoa e Mansabá.

A oganização e a seleção das fotos são feitas pelo seu amigo e nosso camarada Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa), tendo passado depoos pela Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, (Bissau) (Fev 1970/Dez 1971). (É médico, foi diretor do Hospital de Tomar, 6 anos, de 1990 a 1996, e diretor clínico cumulativamente 3 anos, de 1994 a 1996; viveu em Abrantes; hoje vive em Tomar.)

O José Torres Neves é missionário da Consolata, ainda no ativo. Julgamos que já fez, em 2022, os 86 anos. Vive num país africano de língua oficial portuguesa. Esteve no CTIG, como capelão de 7/5/1969 a 3/3/1971. Os capelães eram, em geral, graduados em alferes, não eram portanto oficiais milicianos. Um ou outro podia do quadro.

As fotos (de um álbum com cerca de 200 imagens) estão a ser enviadas, não por ordem cronológica, mas por localidade, aquartelamentos ou destacamentos do sector de Mansoa.

Estas são as primeiras de um lote sobre o destacamento (e a tabanca) de Cutia. Temos 35 referências a Cutia.

Há uma história passada com outro capelão, o saudoso padre Mário da Lixa (1937-2022), que merece ser recordada: é do tempo de outro batalhão, o BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68). O Mário de Oliveira, capelão por escassos 4 meses, veio dizer missa a Cutia e no regresso uma das viaturas da esc0lta teve um acidente... Leiam depois o resto no poste P1946 (**).


Guiné  > Carta geral da província (1961)  Escala 1/500 mil  > Posição relativa de Cutia a meia distância entre Mansoa e Mansabá


Guiné > Região do Oio > Carta de Mambonco (1954) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Cutia (a nordeste de Mansoa), na estrada para Manboncó e Mansabá,

Infografia: Blogue Luís Grça & Camaradas da Guiné (2023)
__________

Notas do editor:

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19907: Notas de leitura (1189): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (11) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Março de 2019:

Queridos amigos,
Estamos ainda nos primeiros meses da Comissão do BCAV 490, agosto e setembro de 1963. A batalha do Como ainda vem longe, será em fevereiro do ano seguinte. Aí teremos documentação suficiente, basta pensar nesse arauto que é o Armor Pires Mota e o seu magnífico "Tarrafo". Mas não só. Na biografia de Alpoim Calvão, intitulada "Honra e Dever", os três autores descrevem minuciosamente a Operação Tridente, a participação da Marinha e as belas páginas escritas pelo mais condecorado Oficial da Marinha Portuguesa.
António Santos Andrade repertoria os primeiros acidentes graves, recorda os jogos de futebol, fala em guerrilheiros capturados e no muito terror que por ali se espalhou, o muito sofrimento de vítimas inocentes, como é uso e costume em todas as guerras.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (11)

Beja Santos

“O Alferes Brasil foi ferido.
Que triste coisa passaram,
o Teodomiro e o Peixeiro
nessa rodada calharam!

Saindo para a missão
que tinha a desempenhar,
teve grande azar
o Alferes do 1.º Pelotão.
No lado oposto ao coração
um tiro lhe foi metido.
O homem deu um gemido
não há ninguém que se esqueça
e com estilhaços na cabeça,
o Alferes Brasil foi ferido.

Apanhámos muitos prisioneiros:
um deles, sapador,
fez umas coisas de terror.
Ele e os seus companheiros
malvados e traiçoeiros,
duma infeliz preta abusaram,
e uma pobre rapariga cegaram.
Aquilo metia dó,
a seguir a Mamboncó
que triste coisa passaram.

Um dia de manhã cedo,
nesse dia eu não fui lá,
entre Bissorã e Mansabá,
os rebentamentos metiam medo.
No meio daquele arvoredo,
feriu-se o Cassifre, bom companheiro,
o Gaimota do morteiro
foi ferido noutra altura;
e sofrendo grande amargura,
o Teodomiro e o Peixeiro.

Agora vou-lhes contar
qual era a minha distracção.
Quando havia ocasião
a bola ia jogar.
Também gostava de conversar
com os bandoleiros que se aprisionaram.
Um dia uma mina armaram
dando-se um rebentamento que estremecia
e três rapazes da Companhia
calharam nessa rodada.”

********************

Bissorã e Mansabá são sinónimos, logo em 1963, de que a região do Morés dinamizava a guerrilha, espalhava-se o terror, raptava-se, destruíam-se tabancas, executavam-se os recalcitrantes, são regras de ouro do caos, as populações abandonam haveres, os seus lugares, recolhem-se aos destacamentos militares ou atravessam as fronteiras. O bardo dá notícias de gente ferida, temos aqui nova oportunidade para voltar à companhia de “As Ausências de Deus”, de António Loja:
“Depois de uma emboscada sofrida na estrada Mejo-Guileje fiz seguir de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau, gravemente ferido, o Cabo Calçada, um dos mais genuínos cavalheiros que encontrei na guerra. Apanhara uma rajada de metralhadora no tórax e olhei apreensivo para a ferida. O furriel-enfermeiro não me encorajou:
- É muito grave, disse.

Há homens que morrem antes da morte chegar, outros que a recusam com convicção, mesmo quando ela se agarra vorazmente ao corpo da sua vítima, dedos enclavinhados e dentes afiados de vampiro. Calçada era um desses homens. Na estrada, quando lhe dirigi uma palavra de encorajamento, ao ajudar a içá-lo para o helicóptero, ele olhou-me bem a direito, olhos nos olhos, tentou fazer um sorriso que pareceu um esgar e (cúmulo da malícia para espantar a morte) piscou-me o olho. Não conseguia falar mas o gesto expressivo não poderei jamais esquecê-lo.
O contacto com o hospital, que fiz posteriormente através de um alferes que se deslocou a Bissau, foi optimista mas ainda problemático: tinham-lhe extraído um pulmão e ele estava por um fio. Mas o alferes referiu a imensa vontade de viver que transbordava da sua atitude, posto que não das suas palavras. É que a falta do pulmão o impedia ainda de falar e só a sua atitude de desafio face à morte convencia quem o encontrava que o homem era invencível.

Dois meses depois fui chamado ao Quartel-General em Bissau e inclui no meu itinerário uma passagem pelo hospital para visitar os meus soldados lá internados, entre eles o Calçada. Na recepção identifiquei-me, colhi informação do quarto onde ele se encontrava e para lá me dirigi. A cama onde ele deveria estar, impecavelmente arrumada, fez-me pensar no pior. Teria morrido e nada me teria sido comunicado? Saí para o corredor em direcção à recepção, para uma informação precisa. De repente, vejo avançar em sentido oposto um homem magro, em pijama, agarrado a um suporte metálico com rodízios onde se suspendia um invólucro transparente com soro. O homem olhava fixamente para mim, que de tão perturbado, mal via o que se passava à minha volta. Mas, quando levantei para ele o meu olhar descobri a cara risonha do Calçada, que de novo me piscava o olho e me dizia, arfando:
- Ainda cá estou, meu capitão.
E estava. Para ficar. Porque era mesmo invencível. Dera um pontapé na morte. Dispensado da guerra veio lutar por uma causa mais digna: o dia-a-dia de um ser humano com vontade de viver.” 

A guerra é farto pasto para desentendimentos entre armas, hierarquias, desenvolve contenciosos que têm na raiz a petulância do estatuto, vaidade das vaidades. E António Loja conta um episódio quase parente de uma ópera-bufa vivido entre um alferes de infantaria e um tenente dos helicópteros:
“O dia seguinte, em Mejo, iniciou-se sem novidades. Como previsto, o helicóptero de apoio à nossa operação veio pousar no campo de futebol anexo ao quartel e, montada a segurança àquele, o piloto veio confraternizar com o Alferes Ávila, que o tratou com a maior urbanidade possível no cu de Judas que era Mejo. Em chegando a hora de almoçar, o Ávila, que não escondia as dificuldades de providenciar uma hospitalidade mais generosa, convidou o piloto para uma ração de combate. O que obviamente desagradou ao tenente, habituado às mordomias da messe da Força Aérea em Bissau. E disse, com o ar superior de quem fez exame de condução de helicópteros e tem por isso o rei na barriga, que ia almoçar a Bissau. Aí as coisas aqueceram. O Alferes Ávila, Comandante interino do quartel de Mejo, olhou de frente o tenente, que apenas comandava o helicóptero e disse-lhe, nariz no ar:
- O meu tenente veio a Mejo para dar apoio à operação e está às ordens do meu capitão, que o chamará, se for preciso. E só sai daqui quando eu receber instruções dele e para o local que ele indicar. 
O aviador achou que chegava ostentar os galões e voar para a capital:
- Vou até Bissau e volto quando acabar de almoçar.
Mas estava enganado. Ávila respirou fundo e deu um berro:
- Não vai, não! O meu tenente sabe onde tenho montada a doze sete? Na casamata que fica sobre o campo de futebol. Mesmo em frente do seu ‘brinquedo’.
Parou para tomar fôlego e deu outro berro, já noutra direcção:
- Cabo Chico, vai para a metralhadora e, se o helicóptero levantar, dá-lhe uma rajada das grossas.
Chico era a obediência em pessoa. Levava à risca o princípio de que ordens são para obedecer. E ninguém se lembrava de desobedecer ao Ávila.
O cabo correu para a casamata e preparou-se para actuar. O tenente-aviador viu as coisas mal paradas. Voltou cabisbaixo para a messe onde o Ávila, generosamente, lhe ofereceu um uísque. E com este abriu o apetite para a ração de combate que era ainda pior do que dobrada desidratada”.

O nosso bardo fala em jogos de futebol, há muita literatura avulsa sobre lazeres desta natureza, era uma belíssima forma de descarregar a tensão. Não havia destacamento sem campo de futebol, as unidades, grandes e pequenas, formavam equipas, combinavam-se encontros para o tempo de folga. Recordo da minha vida em Missirá (no Cuor) que se incentivava jogos entre caçadores nativos e milícias, a pequenada tinha todos os apoios possíveis, os candidatos a guarda-redes até se podiam ufanar de ter luvas e joelheiras e bonés, indumentária a preceito para aqueles tempos. Deverá ter ficado memória entre gerações, dos jogos e respetivos equipamentos, pois quando ali regressei, em janeiro de 1990, um dos bilhetinhos trazia o pedido de equipamentos, bola, redes, como no passado. E comovi-me muito, mesmo sabendo como pesa a narrativa oral e o desfiar da memória africana. Em Bambadinca, houve jogo entre oficiais e sargentos, guarda-se fotografia no blogue, fui para guarda-redes e comportei-me como um bom frangueiro. A equipa incluía o 2.º Comandante do BCAÇ 2852, Major Ângelo da Cunha Ribeiro, o nosso médico, David Payne Pereira, o Ismael Augusto, o Fernando Calado, o Abel Rodrigues e o Carlão, da CCAÇ 12, entre muitos outros. E foi num jogo de futebol que o nosso oficial de transmissões, o Fernando Calado, se acidentou com gravidade, ele aparece numa fotografia com um braço engessado, numa parede bem estilhaçada durante a flagelação de 28 de maio de 1969.
A guerra também passava pelo campo de futebol…

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 14 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19890: Notas de leitura (1186): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (10) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19900: Notas de leitura (1188): Uma história antiga, do livro "Brunhoso, Era o Tempo das Segadas - Na Guiné, o Capim Ardia", da autoria de Francisco Baptista, com lançamento no próximo dia 24 de Agosto de 2019, pelas 15 horas, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Mogadouro

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15363: Estórias avulsas (84): Até ao baptismo nas colunas em picadas de terra vermelha ainda fiz de mestre de obras (António Santos Dias, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada António Santos Dias (ex-Fur Mil da CTransp 9040/72, Bissau, 1974), com data de 2 de Agosto de 2015:

Camarada Vinhal:
Saúde para todos os TABANQUEIROS, é o meu desejo.

Dando continuação ao meu modesto contributo para a nossa Tabanca:
Fui, como já escrevi na minha apresentação, em rendição individual para a Companhia de Transportes 9040/72, substituindo o camarada Furriel Miliciano José Manuel Tojo, ferido mortalmente no dia 10/12/1973 numa emboscada a uma coluna de Comandos Africanos na zona de Mamboncó1.

Embarquei no voo da FAP na madrugada do dia 16/3/1974, horas antes da revolta das Caldas, em que foi interveniente activo o Tenente Varela, meu Comandante de Companhia na minha estreia na tropa em Abril de1973 no RI 5.

Chegado a Bissalanca e depois das praxes habituais, sou transportado até Brá, onde passei uns dias até ser colocado perto do QG na minha Companhia.

Até ao baptismo nas colunas em picadas de terra vermelha ainda fiz de mestre de obras e também responsável por fazer as escalas das carrinhas militares que circulavam entre a cidade e a Base Aérea/Aeroporto. Dava também ajuda nas inquirições em autos da PJM e com isso a possibilidade de ter acesso a documentos que normalmente estavam em arquivo, e foi aí que li o relatório e soube o destino trágico do meu antecessor.

E chegou o dia do baptismo com toda a trabalheira que a preparação de uma coluna a isso obrigava que começava com a ida ao QG, à Chefia do Serviço de Transportes, receber a guia de marcha em envelope fechado com o destino OLOSSATO que a mim nada dizia mas aos condutores era zona que não agradava.

 
O itinerário a partir de Bissau até ao Olossato cumpria-se por Safim, Nhacra, Mansoa, Bissorã e finalmente Olossato.

Precisando de 10 viaturas e tendo só 8 Berliets disponíveis, lá vou a primeira vez ao cais para requisitar 2 viaturas civis, o que me fazia lembrar o rio Mondego ao lado da estação da CP em Coimbra onde se alugavam viaturas para transporte de mercadorias, etc.

Viaturas alinhadas e em marcha em direcção aos diferentes locais de carregamento, Casa Gouveia, ou paiol ou cais nos Serviços de Intendência, carregando na viatura G 4567 do Sr. Sané, que estou a reler, 67 sacos de arroz de importação e 4 sacos de açúcar branco e, na G 4343 do Sr. José Sambu, Água Luso - 4 cx, rações combate - 10 cx, vinho - 3 bidons, aguardente - 5 garrafões, tabaco SG - 3 cx, sabonetes Rexina - 1 cx, leite em pó 2,5 - 6 cx, bacalhau liofax - 4cx... e por aí continuava.

Isto é um exemplo real que guardo há 41 anos e que de vez em quando gosto de folhear.
Brevemente enviarei exemplares de papéis/docs que guardo

António Santos Dias
Mealhada
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Nota do editor

1 - De acordo com a Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume, Mortos em Campanha, Tomo II, Guiné - Livro 2,  no dia 10 de Dezembro de 1973, morreram numa emboscada a uma coluna, na zona de Mamboncó, os seguintes militares:

- 1.º Cabo Atirados António Gonçalves Amaral da CART 3567
- Fur Grad Comando Bacar Sissé da 1.ª CComandos
- Soldado Cond Auto Rodas Carlos Manuel Matos Faustino da CTransp 9040/72
- Fur Mil José Fernando de Jesus Costa da CART 3567
- Fur Mil STR José Manuel Neves Tojo da CTransp 9040/72
- Soldado Comando Sabana Fonhá da 1.ª CComandos
- Soldado Comando Sori Baldé da 1.ª CComandos

De notar que no mesmo local, 2 anos e 4 dias antes, também numa emboscada a uma coluna auto, a CART 2732 viu morrer dois dos seus valorosos militares, tendo ainda ficado feridos, com mais ou menos gravidade, outros 28.

OBS: - As minhas desculpas ao camarada Dias por ter atrasado tanto a publicação desta sua mensagem, sem justificação plausível. Esperamos continuar a merecer a sua atenção como leitor e colaborador.

CV
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Nota do editor 18 de setembro de 2015 Guiné 63/74 - P15126: Estórias avulsas (83): Um velório no início da Comissão (José Vargues, ex-1.º Cabo escriturário)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8859: Notas de leitura (283): Tarrafo, de Armor Pires Mota: censura e autocensura, em tempo de guerra. Cotejando as edições de 1965 e 1970 (Parte II) (Luís Graça)




 Excerto de Tarrafo, de Armor Pires Mota (1ª edição, Aveiro,  1965), p. 127. Este título foi substituído por "É com ferro estrangeiro", na 2ª edição (Braga, 1970), p. 192.


Continuação do poste P8830 (*):

1. Do livro de crónicas sobre a guerra colonial na Guiné,  Tarrafo, da autoria de Armor Pires Mota, há duas edições: a primeira, de 1965, logo de imediato posta fora do mercado, pela polícia política de então; e uma “2ª edição, autorizada” (sic), de 1970.

Possuímos, da 1ª edição, um exemplar fotocopiado, provável cópia de um exemplar autografado, pertencente à Biblioteca do Seminário de Aveiro (de que o autor foi aluno) . 

Tem, além disso, diversas páginas com o carimbo “Confidencial” , além de cerca de um centena de parágrafos e frases sublinhados, possivelmente com ordem de eliminação ou sugestão de correção.  

Segundo o próprio autor, são marcas da PIDE, como ele próprio escreveu ao Beja Santos:

" (...) Finalmente, fiz seguir os livros, entre os quais o Tarrafo. Esgotado que está, envio-lho fotocopiado, um dos exemplares 'vistos' pela PIDE. É o único que tenho e que me veio às mãos quase por milagre. APM"

Possuímos, por outro lado, na biblioteca da Tabanca Grande,  um exemplar da 2ª edição (1970). Cotejando as duas versões, verifica-se que o autor eliminou todas as referências ao nosso armamento e equipamento, por razões supostamente  de “segurança militar",  impostas pelos "censores" (por exemplo, caça-bombardeiro T-6, espingarda automática G-3, rádio transmissor AN/PRC 10)… 

O mesmo se passa com alguns topónimos e datas, referentes à atividade operacional da CCAV 488, a que pertencia o Alf Mil Cav Pires Mota… E muitos dos parágrafos e frases assinalados com marcas dos "censores", no exemplar da 1ª edição, foram eliminados ou, no mínimo, revistos na versão de 1970 (publicada pela Pax Editora, de Braga).

Na I parte deste nosso texto de "notas de leitura" (*), vimos, a título de amostragem, e num primeiro resumo, que os censores em tempo de guerra fazem questão de esconder, escamotear ou ignorar, por exemplo, certas situações sociais de miséria que eventualmente poderão ser exploradas pela propaganda inimiga, tanto no plano interno como a nível internacional (por ex., as crianças de Bissau, a prostituição no Pilão, a fome de mulheres, crianças e velhos no mato)…

Estupidamente ou não, os censores querem por outro lado suavizar a própria violência da guerra (e o realismo dos combates), incluindo o comportamento dos combatentes debaixo de fogo… Sem que se saiba exatamente o que vai nas suas cabeças, preocupam-se aparentemente com o moral da retaguarda, procurando de algum modo subestimar ou sub-valorizar a força do inimigo...Aconteceu historicamente em todas as épocas e em quase todas as sociedades...

Referências à atividade operacional e a agressividade do IN, são eliminadas ou suavizadas na 2ª edição deste "livro de crónicas". Por exemplo, títulos como aquele que se reproduz acima ("Cem casas de mato", p. 127, 1ª edição) são inadmissíveis aos olhos dos "censores"... E na edição de 1970, o autor é obrigado encontrar um título mais neutro: "É com ferro estrangeiro" (referência à origem do material de guerra apreendido pelas NT, de diversa proveniência: 1 metralhadora Bren BK1, 1 pistola metralhadora Thompson, 2 carabinas Mosin Nagan)...

O autor relata, neste episódio, o assalto a (e a destruição de) um acampamento IN, em Fambantã, no setor de Farim (se não me engano), a 6 de Março de 1965. As fotos da pág. 129, mostrando a destruição do acampamento, foram retiradas. Também se explora, por outro lado,  os pontos fracos do IN, mas isso não levanta obviamente qualquer objeção por parte dos "censores", bem pelo contrário (mesmo mantendo a menção às tais cem casas de mato): 

(...)"Tão grande acampamento [, cem casas de mato,]  causou-se admiração, de certo modo, porque de facto, eles não se moviam muito há uns meses para cá. Apenas nos roubaram algumas vacas que andavam na pastagem e tentaram atacar o quartel à bazookada, mas falharam os intentos, porque caíram numa emboscada montada pelos fulas, Além disso, estão com os azeites: uns querem como chefe de zona Mamadú Indjai [, mandinga, que será gravemente ferido na Op Anda Cá, no Sector L1, Bambadinca, em Agosto de 1969]; outros não. Que deem com a cabeça nas árvores, que se esfolem e se matem. Trará vantagens. Outra causa, que os leva a não se mexer muito, é a fome. Só têm uma refeição por dia, às 9.30. Depois cada um que se oriente com as raízes e frutos selvagens" (edição de 1965, pp. 128 e 130).

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Tarrafo (2ª edição, 1970): o dia a dia da guerra de contra-guerrilha, no T0 da Guiné, entre Junho de 1963 e Junho de 1965, contado pela primeira vez na primeira pessoa do singular, por um comandante operacional, alferes miliciano, da CCAV 488, natural de Oliveira do Bairro, região da Bairrada,  onde nasceu em 1939. Reprodução das palavras do autor na contracapa. Tarrafo (1ª edição, 1965) é já a promessa do grande escritor que depois se veio a revelar Armor Pires Mota.
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Veja-se também, na 1ª edição, o parágrafo, a páginas 21/22, sobre o que se passava em Mansabá, em Outubro de 1963, com a guerra do gato e do rato: os “bandidos” punham abatises na picada, durante a noite, as NT removiam as árvores cortadas durante o dia…

(…) “ Depois, as coisas continuaram na mesma com poucas variantes. Eles punham de novo, noite dentro, as árvores que nós tirávamos até ao meio dia e derrubavam ainda mais. O estendal começou a tornar-se verde e seco. E assim andámos a fazer este jogo, até que resolvemos nós derrubar todas as árvores à beira do caminho. Mas nem assim nos deixaram em paz muito tempo, fazendo rebentar debaixo das viaturas dois fornilhos e, emboscados, carregaram” (…) . 

A referência aos "fornilhos" também desaparece subtilmente na edição de 1970 (pp. 38-43). Em boa verdade, os "fornilhos" sempre foram,  no TO da Guiné, talvez até mais do que as minas, o tipo de engenhos explosivos que mais terror nos causavam...

A descrição de ferimentos nas NT, o sofrimento dos feridos,  e a imediata prestação de socorros, pelos enfermeiros, também eram situações a eliminar ou a suavizar… (p. 22). 

Por outro lado, nessa época, ainda a G3 tinha coronha de madeira e os nossos camaradas usavam capacete (p. 24).

São anos de brasa, esses, em que mudou profundamente a geodemografia da Guiné, posta a ferro e fogo: aldeias inteiras foram destruídas, Mombocó, Cai, Flora,. etc.; populações inteiras são deslocadas...  E em que não se perdoava, de um lado e do outro,  a traição ou não colaboração (pp. 32/33). A história do “agente duplo” Malan (, antigo guerrilheiro, feito prisioneiro, depois reabilitado e posto ao serviço das NT como guia) fica a meio caminho, ou seja, fica  por contar o seu desfecho, na 2ª edição (1970)…

(…) Malan enganou. Ninguém sabia até esse dia que ele era engajador. Levava bajudas às casa de mato para noites de orgia. Nem ninguém sabia que ele era informador também do outro lado e tinha um rádio escondido numa mala.
- Mim bandido… Tropa amigo. Perdão!
Mas ninguém lhe perdoou.” (p. 33).


2. Notável, entretanto, é a descrição da travessia da bolanha, a caminho de Flora, em Novembro de 1963 (pp. 35-36). O autor vai buscar memórias da sua infância, os sargaços da Ria de Aveiro, mas também as suas leituras de guerra, a Indochina, o “Amanhecer no Pântano” (p.36), do “grande [Jean] Lartéguy”, acrescenta ele, na 2ª edição (p. 62).

Outra referência literária é o Platero, da obra homónima (Platero y yo, 1927) do poeta  espanhol Juan Ramón Jiménez (1881-1958),  no episódio “Um burro com sorte, Bissorã, 24 de Novembro de 1963” (p. 37/38).  Platero é a alcunha do burro, aprisionado em Fajonquito…

(…) “Gosto do meu Platero e, ao cair da tarde, de armas a tiracolo, vou dar-lhe de beber ao rio.
- Arre, bandido! Goss, goss… (p. 38)…

3. A terminar esta 2ª parte das minhas "notas de leitura" do Tarrafo, escritas em plenas férias de verão, convirá fazer o seguinte aviso:  não há aqui, da minha  parte, nenhuma crítica subjacente ao autor no subtítulo: "censura e autocensura em tempo de guerra"... Sou um simples leitor, apaixonado, complacente, atento, crítico, curioso...

Não escrevi crónicas de guerra nos jornais da época, como Armor Pires Mota... Podia tê-lo feito, embora me faltasse a motivação. E também não o fiz pela simples razão de levar a sério a existência e a omnipresença da censura, no meu país...  Escrevi cartas a amigos, a partir do TO da Guiné, que nunca cheguei a pôr na caixa do correio... Queria entregá-las pessoalmente, na altura das férias... Acabei por nunca o fazer... Também nunca escrevi aerogramas, porque achava que eram ou podiam ser facilmente censurados... E as relativamente poucas cartas, tranquilizadoras,  que mandava para a família, com fotos minhas, nunca falavam da guerra... Eu também fiz autocensura. L.G.



 Tarrafo, 1ª edição,. 1965. Indice da obra, pp. 157-158. Comparando com a edição de1970, há títulos que foram retirados ou substituídos. Outros foram acrescentados (em 197'0)


(Continua)

Lourinhã, Agosto de 2011

[ Texto redigido em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico: L.G.]

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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 3 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8850: Notas de leitura (282): Do Cacine ao Cumbijã, 67 Guiné 69, de Guilherme da Costa Ganança (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 14 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7940: Tabanca Grande (270): José Ferreira de Barros, ex-Fur Mil da CCAV 1617/BCAV 1897, Mansoa, Mansabá e Olossato (1966/68)

1. No dia 10 de Março recebi esta mensagem do nosso camarada José Barros, ex-Fur Mil da CCAV 1617/BCAV 1897:

Sou um ex-Fur Mil da CCav 1617 do BCav 1897. Gostava de fazer parte desta grande família. O que devo fazer?
Um abraço amigo.

Junto uma foto da construção da estrada Cutia-Mansabá.

Frente de trabalho da construção da estrada Cutia/Mansabá
Foto: © José Barros (2011). Direitos reservados

Localização (aproximada) do destacamento de Cutia na estrada Mansoa/Mansabá


2. No dia 11 de Março enviei ao nosso novo camarada esta mensagem:

Caro camarada e amigo José Barros
Muito obrigado pelo teu contacto.
Começo por justificar a palavra amigo, já que camaradas somos de certeza.
Pela foto que envias, deduzo que fizeste parte das forças de protecção aos trabalhos de construção da estrada entre Cutia e Mansabá.
Eu fui um dos passantes nessa estrada nos anos de 1970 a 1972, com algum conforto e segurança, graças ao teu esforço e ao dos teus camaradas. Estive em quadrícula em Mansabá durante 22 dos 23 meses de comissão na Guiné. És meu amigo, desde já por isso.

Para fazeres parte da nossa tertúlia, envia-nos por favor uma foto actual e outra do tempo de tropa, em formato JPEG, tipo passe, se possível.

Queremos que nos digas quando embarcaram e quando regressaram, qual a vossa Unidade, por onde andaram na Guiné, o teu posto, Especialidade e tudo o mais que nos possas contar. Poderás fazer um pequeno resumo da tua actividade que servirá como apresentação à tertúlia. Nada de muito elaborado porque somos pessoas simples como verás.

Fico a aguardar o teu novo contacto.

Recebe um abraço do camarada e amigo
Carlos Vinhal


3. No dia 13 de Março tivemos novo contacto do nosso camarada:

Caro camarada e amigo Carlos Vinhal:
Obrigado pela amabilidade das tuas palavras.

Sou:
José Ferreira de Barros, casado, natural de Godim – Peso da Régua.
Vivo em Vila Real há já 41 anos.
Tenho 68 anos e sou pai de três filhas.
Actor reformado.

Fui:
Fur Mil Atirador de Cavalaria. (carne para canhão)
Pertenci à CCav 1617/BCav 1897 que esteve em Mansoa, Mansabá e Olossato de Novembro de 1966 a Agosto de 1968.

A CCav 1617 saiu de Alcântara no “Ana Mafalda” em 30 de Outubro de 1966, tendo chegado ao porto de Bissau em 4 de Novembro, seguindo nesse mesmo dia em coluna militar para Mansoa, onde ficou aquartelada até à chegada do restante Batalhão que terá acontecido duas ou três semanas depois.

Depois dos periquitos terem recebido algum treino operacional dado pelos “velhinhos” foram assim distribuídas as companhias:

CCAV 1615, CCS e comando – Mansoa
CCAV 1616 – Olossato
CCAV 1617 – Cutia, onde ficou aquartelada até a construção da estrada Mansoa - Mansabá.

Quando a construção da estrada chegou mais ou menos ao pontão de Macombo “se a memória me não falha”, esta Companhia passou para Mansabá onde se encontrava há já algum tempo a CCS e o Comando.

O Batalhão regressou à Metrópole em 2 de Agosto de 1968.

Obrigado a vós editores e a todos os que não deixam apagar da memória o que a nossa geração sofreu e continua a sofrer.

Um grande abraço para todos.

Aqui vão as fotos de um menino e moço e as de um “Velho” alegre e dinâmico com muita vontade de viver sempre com um sorriso nos lábios mesmo nos momentos difíceis.


4. Comentário de CV:

Caro José Barros
É um bom tema para o blogue o testemunho dos camaradas da década de 60, principalmente daqueles que participaram na protecção aos trabalhos de construção de estradas alcatroadas, que tiveram um incremento nessa altura. Era notória a dificuldade na deslocação da tropa, assim como os reabastecimentos, ao longo de todo o TO mais ainda porque era fácil a instalação de minas anticarro nas estreitas picadas existentes, que ceifavam diariamente vidas e causavam muitos feridos graves.

Julgo que a tua Companhia levou a estrada até Mansabá, se não mesmo até ao Bironque. A minha Companhia participou, com outras forças, na protecção aos trabalhos de prolongamento e conclusão da estrada até à margem esquerda do Rio Cacheu, em frente a Farim. Esta importante localidade da Guiné ficou assim ligada por uma boa estrada até Bissau, numa distância superior a 100Km, em alternativa à perigosa ligação fluvial.

Na tua mensagem dizes que quando a estrada chegou ao pontão de Macombo a CCAV 1617 passou para Mansabá. Não quererias dizer Mamboncó?

Se clicares no nome das localidades sublinhadas, abrirás os respectivos mapas e poderás relembrar nomes de sítios por onde andaste.

Se quiseres colaborar na feitura das nossas memórias, particularmente no que respeita à zona por onde andámos, o Óio, manda as tuas fotos e textos com aquilo que ainda lembras para que possamos dar a conhecer à tertúlia e aos nossos leitores, que são muitos.

Antes de terminar, mando-te o abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores, e já agora, vê se te lembras do memorial que se vê nas duas fotos abaixo.

Recebe um abraço do camarada mansabense
Carlos Vinhal


Mansabá, 11OUT70 > Fur Mil Carlos Vinhal, Sold Avelino Gonçalves Pinto e Fur Mil Fernando Nunes no memorial do BCAV 1897 que assinala a sua passagem naquela localidade.
Foto: © Carlos Vinhal (2011). Direitos reservados



Mansabá, 10 de Março de 2008 > O mesmo memorial do BCAV 1897 fotografado pelo nosso camarada Carlos Silva
Foto: © Carlos Silva (2011). Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7932: Tabanca Grande (269): Manuel Alberto Cunha Bento, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do CAOP Teixeira Pinto (1969/71)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7760: Memórias de Mansabá (13): A bajuda e as colunas para Manhau (Ernesto Duarte)

1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (13) 

A NOSSA "BAJUDA"

Falar de colunas, é falar de ir a Cutia, passando por Mamboncó, a Mansoa, a Manhau, a Banjara e a Farim, tendo a particularidade que fomos nós que reabrimos os itinerários Mansabá a Farim e Mansabá a Banjara.


Na estrada nós tínhamos uma viatura com o nome de Bajuda deixada pelos Águias Negras, que eu suponho que não tenha chegado até vocês, era uma longa vida para aquele clima.

Era uma GMC com uma casa feita em madeira, pranchas grossíssimas, blindadas com chapa de ferro, não consigo lembrar-me se tinha tecto e se se disparava pelas viseiras, mas sei que tinha sacos de terra por tudo quanto era sitio, e assente na caixa da camioneta também cheia de terra, protegida pela blindagem tipo Mansabá, tinha uma metralhadora pesada, com um poder de fogo impressionante, impunha respeito.

Picar a estrada era uma coisa fora do normal, não falando do andar a pé em África o tempo que se levava, andávamos muitos a pé à frente ainda dos picadores, praticando o desporto, possível naqueles sítios, tiro ao alvo, a tudo o que mexia, macacos, mas do que a malta gostava menos era dos abutres. Esses tiros, algumas vezes, detectaram emboscadas, com a nossa bajuda e as armas pesadas, não causavam muitos embaraços mas há excepções.

Uma delas foi no regresso de uma coluna para Mansabá que foi emboscada, em Mamboncó, com uma violência tremenda, saindo os que tinham ficado em Mansabá em socorro, e logo na subida começaram a levar a sério, tendo sido dada ordem à Artilharia para disparar. Aí calaram-se, mas como estavam muito próximo da estrada não foi logo, logo, mas a retirada deve-lhe ter sido muito difícil.

Tinha sido uma fase nova, os primeiros dias foram de alguma expectativa, voltando ao normal, tendo-nos lixado com mais duas minas anticarro, a primeira no mesmo sitio, onde já tínhamos apanhado com uma, junto à velha serração, e outra mesmo quase a entrar em Cutia.

A segunda junto à velha serração, foi rebentada por uma auto metralhadora, o rapaz ia para Mansoa para ser rendido e afastou-se o mais que pode para a direita da árvore para não passar minimamente na zona dos rodados, ela estava fora, se calhar até já há muito tempo. E acrescento, é de enlouquecer, já tinha tido a visão de uma queimada na estrada de Bissorã, mas ali ver aquela malvada estrutura a arder, e como é blindada não podermos fazer nada, nasce dentro de nós um ódio sem limites, uma vontade de vingança de destruir, as batidas do coração sobem para as 200.


Nós tínhamos o destacamento em Manhau onde um Pelotão com um grupo de Milícia, passava 15 dias. O Pelotão que ia, tinha que levar tudo, incluindo a água. Havia uma camioneta com um depósito de 10.000 litros, e como aquilo era muito perto, fazia-se a rendição, uma parte que trazia o carro da água depois quando o carro da água chegasse, eram os últimos rendidos. O carro da água andava muito devagar e às vezes até ficava para trás em demasia. Não sei a data, só sei que era o dia do Portugal Coreia, em 1966, estavam todos com muita pressa para irem ouvir o relato, não sei se fui eu, lembro-me de falar nisso com alguém, alterar a ordem das viaturas, não sei se com o Comandante de Companhia se com um Alferes. Eu tinha um rádio novo e não queria parti-lo, andando a tratar das coisas com ele na mão, e eles todos a gozar comigo, mas lá fiz ou fez-se a alteração da ordem das viaturas, passando o carro da água para os carros da frente.

Com a criação das caveiras, na prática só tínhamos dois pelotões, havia férias e a esta distancia não me lembro quem era o comandante de pelotão. Um pouco chateados mas lá fomos, eu dentro da bajuda segurando o rádio, quando atingimos a descida para a bolanha de Manhau foi a loucura, vieram granadas de mão, não sei de onde, lá tive que deixar o rádio que não se partiu. Mas com a bajuda, os moços das armas pesadas aguentámo-nos bem, até que parece que eles queriam era o carro da água e quando o viram atacaram sem perceberem que ele não estava no sitio que era hábito, mas eram sempre e sempre mais violentos, o estrondo das G3 levava sempre mais tempo a se impor, aquilo à direita tinha uma zona com muitas árvores, levou o seu tempo até se impor o silencio.

Havia uns rapazes que quando estavam em Manhau iam às laranjas a Mantida e foram... e foram, claro que eles, o IN, pensaram em apanhá-los mais a viatura, só que Deus é grande, eles não foram com a frequência que iam e entretanto, vieram uma quantidade de auto metralhadoras para Bafatá, que ao passarem por Mantida, tinham uma emboscada, pelo que ficou no terreno fizeram estragos enormes, foi feita guerra da mais violenta.
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 12 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7602: Memórias de Mansabá (1): No coração do Óio, bem perto do Morés (Ernesto Duarte / Carlos Vinhal)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7668: O Alenquer retoma o contacto (2): Os primeiros grandes sustos (Armando Fonseca)

1. Mensagem de Armando Fonseca (ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64), com data de 22 de Janeiro de 2011:

Caros camarigos,
Aqui vão mais umas narrativas para que, se bem entenderem, publiquem algumas fases da guerra passadas em 1964.

Armando Fonseca


O Alenquer retoma o contacto (2)

Os primeiros grandes sustos

Regressados a Mansoa, recomeçaram as escoltas diárias a caminho de Mansabá, Bissorã e Porto Gole, até que no dia 17 de Outubro de 1963 ao dirigir-me para Mansabá, próximo de uma tabanca denominada Mamboncó foram encontrados na estrada dois buracos provocados pelo rebentamento de fornilhos dois dias antes.

Foi o primeiro grande sinal de perigo, porque até aí ainda não tinham aparecido minas por aqueles lados.

No dia dezanove ao fazer outra escolta a Mansabá e depois de ter percorrido mais ao menos metade do percurso, rebentou uma mina mesmo na minha cara, mas por sorte minha e dos camaradas que seguiam no carro, foi comandada uns décimos de segundo antes do carro estar em cima dela, não provocando estragos.

Foram feitas umas rajadas para reconhecimento em todas as direcções pelas borzings, e entretanto um dos soldados da CCAÇ 413, que seguia na coluna e que se tinha apeado, viu um fio que vinha do mato para dentro da estrada e alertou o Furriel de minas e armadilhas que seguia na coluna, tendo este verificado que havia outra mina montada e sobre a qual eu já tinha passado.

Essa mina, que pesava quatro quilos cento e cinquenta, foi levantada com as devidas precauções e a viagem foi recomeçada e seguiu até ao destino.

Como a reacção do apontador das metralhadoras foi imediata não houve tempo para o IN despoletar a outra mina, caso contrário tinha sido uma chacina, haveria decerto mortes e muitos feridos. Esta foi a primeira de muitas das intervenções do meu bom anjo da guarda.

Em vinte, pelas cinco da manhã, lá ia a caminho de Enxalé e uns quilómetros depois de Porto Gole, perto da tabanca de Flora, estava a estrada cortada não permitindo a passagem dos carros. Depois da intervenção dos sapadores lá fomos passando mas passadas umas dezenas de metros começaram a rebentar sobre nós várias granadas e de seguida várias rajadas a baterem no carro. Agimos de imediato e a situação pareceu acalmar-se. Entretanto foram avistados vários elementos IN a fugir. Alguns camaradas foram em sua perseguição, mas como havia outra auto-metralhadora do outro lado do morro, era uma ação arriscada porque podiam ser confundidos com o IN e haver acidentes, como veio a acontecer.

Convencido de que o perigo tinha passado, avancei, e quando cheguei ao cimo do morro para me juntar ao restante grupo que se encontrava do outro lado, senti o rebentamento de outra granada mesmo em cima do carro e novas rajadas se notavam a bater no mesmo. Voltamos a reagir e entretanto quando tudo ficou calmo. Fomos até aos camaradas que estavam do outro lado e verificamos que eles tinham feito fogo sobre o grupo que tinha ido em perseguição do IN. Sem acidentes ao que se julgava, visto se terem apercebido que eram camaradas e não elementos do IN.

Esta nossa missão consistia em fazer passar uma auto-metralhadora e um granadeiro para Enxalé e, como a zona de perigo já estava passada, eles seguiram tendo a restante coluna regressado a Mansoa convencidos de que tudo não tinha passado de susto.

Ao chegar verifiquei que tinha uma roda furada e no outro dia ao desmanchá-la encontrei uma bala de nove milímetros introduzida entre a jante e o pneu, mas não ficou por aqui, porque pela noite comecei a ouvir uns rumores de que faltava um camarada da CCAÇ 413, que decerto teria ficado na operação do dia anterior. Assim, no dia vinte e dois de manhã lá me vejo de novo a caminho da tabanca de Flora, só que, cerca de um quilómetro antes do local de destino, rebentou uma mina na frente do meu carro, mas de novo sem consequências para nós. Entretanto o rebentamento foi precedido de novo ataque com a mesma intensidade do anterior. Respondemos ao ataque, tendo então um pelotão ido mato fora em busca do camarada perdido, sem resultado algum. Quando a escaramuça acabou, tanto eu como a restante guarnição do meu carro, estávamos intoxicados pelo fumo e pelos gases da pólvora que se acumularam dentro dele. Eu tive que ser assistido pelo médico, porque ao sair do carro se não me tivessem amparado tinha caído para dentro da bolanha.

O tempo continuou a passar com escoltas quase todos os dias, por vezes mais do que uma.

Entrou o mês de Outubro e nem no dia dos meus anos (10) tive descanso escoltas atrás de escoltas umas de dia outras de noite para colocar Pelotões ou a Companhia a fazer tentativas de emboscada ao IN. Numa destas operações, no dia 15, eu sofri uma entorse no dedo polegar da mão direita que me deixou um pouco debilitado. Ainda continuei a fazer os serviços que me eram destinados, mas com algum esforço. Um certo dia, devido a algumas dores e a um pouco de ronha, fui queixar-me ao capitão dizendo que não podia continuar a trabalhar e teria que ir a Bissau fazer uma radiografia à mão. Ele ficou um pouco atrapalhado, mas compreendeu o meu esforço e pediu-me para ir ter com o Furriel Mecânico para ver se ele arranjava quem fosse capaz de me substituir. Assim fiz e, em conjunto com o Furriel, preparamos um condutor que depois de umas breves noções já se desenrascava, era um camarada de Freixo de Espada à Cinta que pertencia à CCAÇ 413.

A sua primeira e única saída, no dia dezassete, foi para Bissorã, e passado algum tempo da coluna ter partido de Mansoa chegou uma comunicação via rádio de que tinha rebentado uma mina debaixo da auto-metralhadora e que o condutor tinha ficado ferido. Resultado, o carro ficou com a frente parcialmente destruída, tendo uma das rodas ido pelo ar e ficado em cima de uma árvore. Apenas o condutor tinha sofrido algumas escoriações no rosto e numa das pernas.

Mais uma vez o meu bom anjo intercedeu por mim e creiam que não ficou por aqui este meu fado.

Como o carro ficou inutilizado, no dia 18 de Outubro regressei a Bissau, substituído por outro carro e outra guarnição.
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 21 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7649: O Alenquer retoma o contacto (1): De Bissau para Mansoa com intervenções em Mansabá, Cutia, Bissorã e Porto Gole (Armando Fonseca)