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terça-feira, 29 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26089: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (14): assim nasceram os Jagudis, nome de guerra do meu grupo de combate, na CCAÇ 3 (Barro, 1968/69)


O A. Marques Lopes e o seu guarda-costas









Os meus "Jagudis"

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edução e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Em maio de 1968, o alf mil  at inf A. Marques Lopes está de regresso à Guiné para completar o resto da sua comissão de serviço, depois de nove meses no HMP, em Lisboa (*).

Em junho de 1968 está em Barro, na região do Cacheu, na fronteira com o Senegal, comandando 3º Gr Com da CCAÇ 3.  À frente do COP 4 está o major Correia de Campos.  E da CCAÇ 3, o  cap art Carlos Alberto Marques de Abreu.

Na altura, e de visita a a Barro, o gen Spínola "deu indicação para se dividir a companhia em pelotões de acordo com as etnias (o tirar partido das rivalidades entre eles)"... 

Vamos ver como foi feita essa "partilha" étnica, conforme a "ordem" do Spínola (**).


2. Do livro de memórias do A. Marques Lopes, "Cabra Cega" (Lisboa, Chiado Editora, 2015), reproduzimos as pp.  496 e 500/503) (que também constam  parcialmente da sua página do Facebook, em postagem de 16 de abril de 2022).


Como nasceram os "Jagudis", o nome de guerra do meu grupo de combate, 
na CCAÇ 3 (Barro,1968/69)

por A. Marques Lopes (1944-2024)



 (...) Como eu era o alferes mais antigo, o comandante da companhia perguntou-me o que é que eu queria:

– Quero os balantas – disse eu.

E o meu grupo de combate foi quase todo de balantas (tinha um cabo fula, o Mamadu, e três furriéis brancos, além de mim). Ouviam a rádio do PAIGC mas demo-nos sempre bem. Porque eu sempre fiz por isso. Por exemplo: um dia, fui com um que estava doente através da mata até Bigene, porque em Barro não havia médico; emprestei dinheiro a todos, mas todos me pagaram quando me vim embora...

Foi sempre minha preocupação não matar população civil (o tal alferes Gonçalves terá alguma coisa a dizer sobre isto... lembro-me de uma situação). Mas era difícil, pois a visão e a filosofia da vida deles era diferente. Um dia, por exemplo, foi apanhado no meio de um tiroteio um velho cego.

 – Mata!  – foi a reacção.

 – Não  –  disse eu.

Mas foi complicado.

Numa das tais operações do COP 3, não sei já qual, um guerrilheiro do PAIGC levou uma rajada no baixo ventre e ficou com os tomates pendurados. Disse para fazerem uma maca para o levarem. Fizeram a maca, mas não o quiseram levar:

–  Alfero, deixa estar, vem jagudi [abutre] e come ele...

– Não!

Eu e um furriel pegámos na maca e começámos a atravessar uma bolanha com água pelo pescoço. A meio da bolanha, vieram dois e disseram:

– 
Alfero, a gente pega.

Chegámos à base de operações, onde estava o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira paraquedista, e, azar, o homem do PAIGC morreu.

Em frente destes, formei o grupo de combate e, porque estava furioso, chamei-lhes todos os nomes. O tenente-coronel Correia de Campos estava de boca aberta. É evidente que nós, os ocidentais, temos uma maneira de ver as coisas, a vida e a morte, de uma forma diferente. Assim como outras, por exemplo, a democracia e a política.

Numa outra situação, houve um deles que ficou com a garganta aberta por um estilhaço de RPG2. Sucedeu mais ou menos a mesma coisa. Mas, com visões diferentes da nossas, era gente muito fixe, amigos. Tenho saudades deles e pena de não me poder encontrar com eles. Vou mandando fotografias e vou contado mais alguma coisas. (...).  (**)

(...) Gostava mais dos balantas. Eram pão pão, queijo queijo. Se gostavam, gostavam, se não gostavam, mostravam logo que não gostavam. Os fulas, está bem,  estavam abertamente com a tropa, mas as suas falinhas mansas e de submissão deixavam-me muitas interrogaçóes sobre o que estaria no interior,

Desconfianças minhas,  talvez, mas era facto que gostava mais da natural frontalidade dos balantas. No grupo de combate anterior tinha uns e outros e ficara com essa sensação. (pág. 496).

(...) A seguir houve ordem para destroçar. Disse aos meus para ficarem.  Já tinha magicado umas coisas. Havia um ou outro mais maduro  mas a maioria era  muito jovem,  tinha que lhes incutir motivação.

– Eu quero que vocês sejam o melhor grupo de combate da companhia. Que todos vos admirem e respeitem.  Vou mandar fazer uma boina camuflada e um lenço preto para cada um. Será o nosso distintivo.

Deu resultado, já sabia. Ficaram contentes e cochiraram entre eles. (....)

Vi que estavam satisfeitos e avancei com outra,

– Além disso o nosso grupo de combate tem de ter um nome paar que todos npos conheçam bem, mesmo os turras no mato quando nós aparecermos. Quem dá uma ideia ?

Fiquei a olhá-los por um momento.

–  Jagudis! – disse um deles.

– Ficam com esse nome, é ? – perguntei alto.

Ficaram. Assim nasceram os "Djagudis". Tá bem, fossem abutres. A minha intenção era ganhar a confiança e a simpatia deles. Não propriamente para fazer a guerra, porque já não acreditava nela, mas sim porque tinha que estar ali e queria ter influência sobre aquela gente que desconhecia. Já me apercebera que, no fundo, eram soldados como aqueles que tivera antes, os da metrópole. Tinham sido recrutados como estes e estavam na companhia por isso. Procurei conhecê-los um a um.

O Watna, o Sumba, o Bidinté, o Abna, o N’dafá, o Kuluté, e outros, eram normais, sem nada de especial. Mas havia uns que se distinguiam. Por exemplo:

  • o Falcão, o que avançara com o nome para o grupo de combate e que era o apontador da metralhadora ligeira; apresentava um rosto sempre com ar de dureza e usava umas botas de borracha, chovesse ou fizesse sol; tinha voz seca mas não era conflituoso;
  • o André Gomes, a quem chamavam “o professor”,  porque estudara no Liceu Honório Barreto antes de ser recrutado, que era de etnia balanta mas cristão, sempre impecável com uma camisola branca limpinha por baixo do camuflado;
  • o Blétche Intéte, aquele a quem eu dera um murro por ter abandonado o posto, pequeno de altura mas entroncado, ficara seu amigo, talvez por isso; não lhe dissera que o preterira como guarda-costas mas ele andava sempre por perto com ar protector;
  • e o Otcha, fula no meio de balantas, distinto só por isso, porque, sempre sereno e com voz calma, ia ganhando a simpatia de todos.
Mas o caso deveras singular era o de dois irmãos, o Etudja e o Moba. O Moba, apontador do morteiro 60, era um matulão com cerca de um metro e oitenta e o Etudja não devia ter mais que um metro e sessenta e cinco. Além disso, este era mais novo, um rapazinho meigo e de boas falas enquanto o Moba era um brutamontes sempre sério e pouco atreito a amizades.

Achara tanta piada a esta situação que tentei tirar-lhes uma fotografia em conjunto mas o Moba não deixou. Disse que o Diancong, uma espécie de entidade dos animistas balantas, não permitia porque ele era Ngahy, uma categoria social deles, e o Etudja era Fuur, outra categoria social entre os 17 e os 20 anos., podia fazer com que ele não arranjasse mulher.

Não entendi bem, tal como me custara antes a entender muitas coisas e costumes daquela gente da Guiné. O Moba também não explicou, porque não tinha explicação, era só crença.

Encarreguei o André Gomes de dar aulas de português aos que quisessem, não obriguei ninguém. Nunca foram muitos os alunos porque aquilo era voluntário e a maior parte estava-se borrifando para o português.

O Blétche, se bem que já soubesse o que queria dizer “um murro no focinho”, foi um dos que quis ir, talvez por, tendo sido antes guarda-costas do Rodolfo, ter visto que era bom saber mais português.

Assisti algumas vezes às aulas e fora interessante ver “o professor” explicar palavras em português ao Otcha. Como o André era balanta e não sabia fula, a base da explicação tinha de ser em crioulo.

Com este contacto os três até se tornaram bons amigos. Mas esta amizade teve outra razão mais profunda. É que eu, informalmente mas na prática, tornei os três meus adjuntos. O Otcha por ser o meu guarda-costas, é claro, o André por ser ponderado e ter influência sobre os outros e o Blétche porque, desde o episódio do murro, se tornara um fiel admirador meu.

Mas houve também outro factor de peso nesta escolha. Na primeira noite que saíra com eles para uma emboscada num dos carreiros de infiltração, ficara admirado por vê-los todos a ir munidos de cantil. Não ia ser preciso assim tanta água, mas tava bem, não liguei.

Ao fim de uma hora depois de se instalarem fui dar uma vista de olhos pelos locais onde estavam distribuídos. Espanto. Grande parte deles estava a dormir e os que não dormiam estavam quase bêbedos. Vi logo que o que tinham levado nos cantis era aguardente de cana.

Só o Otcha não, estava ao pé de mim, além de que era fula e não bebia. O André também não, estava atento, só bebia às vezes e pouco, não era por hábito. O Blétche estava bem desperto. Sabia que bebia, mas ele mostrou-me que não tinha levado aguardente de cana. Mas os outros estavam todos mais ou menos apanhados pela cana. Dei um raspanete aos furriéis e ficou assente que, de futuro, ninguém saía à noite com o cantil.

E foi assim em todas as noites que saímos aos corredores para emboscadas (pp. 500/503)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos: LG)

______________

Notas do editor:




domingo, 19 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23367: Op Grande Colheia, 21-23jan69: várias toneladas de material de guerra, apreendido ao PAIGC, no corredor de Sambuiá, fronteira com o Senegal (António Baltazar Dias, ex-Alf Mil Art MA, CART 1745, Ingoré e Bigene, 1967/69)


Foto (e legenda): CECA (2015), pág. 367 (com a devida vénia...)



Alf mil art MA António Baltasar Dias
(1967/69)
1. Mensagem de António Baltazar  [Valente Ramos] Dias, ex-Alf Mil Art MA da CART 1745 (Ingoré e Bigene, 1967/69):

Data - sábado, 18/06/2022, 20:27

Assunto - OP Grande Colheita

Caro Luís Graça, Longe vão os tempos de "A verdade é só uma... rádio Moscovo não fala verdade". Isto para vincar que a narrativa que se segue é a minha verdade e que, portanto, após mais de 50 anos, admito que possa ter sido vista por outros olhos de forma diferente. Contudo, é assim que a recordo, eventualmente com as incorreções que o tempo vem tecendo, mas sem outros propósitos que não sejam o de deixar registada "a minha verdade".

Abraço,
António Baltasar Dias
Ex- Alf Mil Art CART 1745


Operação Grande Colheita (*)

por António Baltazar Dias

No obituário do Almirante Nuno Matias, antigo Chefe de Estado-Maior da Armada, consta a sua participação na operação Grande Colheita, que ocorreu na região de Sambuiá, norte da Guiné, em janeiro de 1969.

Porque participei naquela operação e já li várias descrições da mesma que não coincidem com as recordações que guardo na minha memória, decidi registar por escrito os acontecimentos tal como os vivi e que ainda se mantém bem vivos ao fim de mais de 50 anos.

Naquela manhã de 1968 (já não recordo a data) a maioria dos oficiais da CART 1745 estava reunida no gabinete do comandante da companhia para interrogar o gila (contrabandista) saracolé (1) que periodicamente atravessava a fronteira do Senegal para exercer o seu mister junto à população de Bigene. Entre várias notícias afirmava ele, com ar convicto, que o PAIGC tinha os depósitos de armas em Sambuiá, "dentro de água".

Solicitámos ao intérprete que confirmasse a tradução do discurso, já que a informação parecia perfeitamente inverosímil.

Sabíamos que, por uma questão de sobrevivência, a maioria (se não a totalidade) dos contrabandistas eram nossos informadores e também do PAIGC e que, para agradar aos inquiridores e obter algumas benesses, havia que dar algumas novidades, por mais disparatadas que pudessem parecer.

Assim, perante a perspectiva que nos pareceu absurda de que pudesse haver material de guerra dentro de água, trocámos olhares com um sorriso e rapidamente esquecemos o assunto.

Em janeiro de 1969, já com a CART 1745 integrada no COP 3 (Comando Operacional 3, comandado pelo saudoso major Correia de Campos), foi programada uma operação à península de Sambuiá integrando diversas companhias. Recebi a notícia com resignação, já que estávamos no período final da comissão e, com um pouco mais de sorte, chegaria ao fim vivo e com suficiente saúde física e mental para regressar para junto dos meus entes queridos.

Assim, pelas 22h00 reunimos o pessoal operacional junto às casernas e iniciámos a progressão no negrume da noite atravessando a tabanca (2) silenciosa, onde apenas alguns latidos e a persistência de uma mosca que teimosamente me acompanhava nas primeiras centenas de metros, davam sinais de existência de vida.

Progredindo pelo carreiro que nos levava até à bolanha (3) de Sindina, uma zona em que um contacto com o IN nunca ocorreu durante o período da minha comissão.

Percorrida essa área, fizemos a travessia de um pequeno ribeiro equilibrando-nos sobre um tronco de palmeira que por vezes nos proporcionava momentos hilariantes (que eram aumentados pelo nervosismo), sempre que alguém se desequilibrava e mergulhava nas águas do ribeiro. 

Entrámos então na península de Sambuiá para efetuar o assalto a um acampamento do PAIGC que, supostamente, existiria junto à antiga povoação de Talicó. Na zona foram efetivamente detetadas algumas construções que se encontravam abandonadas e nas quais foram recolhidas duas armas tradicionais e um número pouco significativo de munições. Tratava-se, aparentemente, de local onde habitaria população de apoio aos guerrilheiros do PAIGC.

Completada a tarefa que nos fora atribuída, iniciámos a retirada satisfeitos por regressar ao quartel sem baixas e sem grandes percalços.

Porém, logo que alcançámos a cambança e antes de iniciarmos a travessia, recebemos ordens para atravessar toda a península de Sambuiá e socorrer as outras companhias que haviam tido forte contacto com o IN, sofrendo várias baixas e que estavam com falta de munições.

Fizemos das tripas coração e, após algum tempo, reencontrámos as outras companhias que participavam na operação, as quais haviam sofrido várias baixas e se queixavam de necessitar de reabastecimento de munições.

O estado anímico dos elementos das companhias que tinham estado em contacto com o IN era mais que deplorável. A imagem que me ficou gravada na memória foi a de dezenas de homens em desespero, lamentando-se, e clamando pelo regresso ao quartel o mais rapidamente possível. 

O impacto desta atitude derrotista no moral da minha companhia foi significativo. Perante a situação o comandante terrestre da operação contactou o COP3, solicitando autorização para regressar ao quartel utilizando a LDM (4) que se encontrava estacionada no rio Cacheu em apoio às forças em operações. A resposta do comandante do COP3 foi que a retirada seria autorizada mas apenas por via terrestre.

Dado que já tínhamos sido detetados pelo IN, tal recuo significaria sofrer uma ou mais emboscadas até conseguir atingir uma zona segura perto do quartel, com as consequências que facilmente se poderiam adivinhar.

Não obstante as diversas tentativas para que o comandante do COP3 mudasse de opinião, este manteve-se irredutível. Tinhamos, pois, que iniciar a marcha de regresso ao quartel. Porém, havia que decidir qual a companhia e qual o grupo de combate que iria na frente, abrindo o caminho de volta ao aquartelamento. A decisão não foi fácil pois todos sabíamos que a frente da coluna seria a mais exposta ao fogo inimigo e ninguém se apresentava disposto a correr esse risco. A discussão sobre quem iniciaria a marcha prolongou-se por longos minutos sem que ninguém se disponibilizasse para encabeçar a coluna de regresso. 

Foi então que o comandante da minha companhia (um tenente que havia sido castigado e que substituiu o saudoso Capitão Torre do Valle) me deu ordem formal para iniciar o regresso. Obviamente não fiquei nada agradado e perspetivei a ocorrência de acontecimentos funestos no cumprimento da ordem de retirada. Contudo, havia que cumpri-la e, fazendo das tripas coração, dei ordem de marcha aos soldados do meu grupo de combate.

Poucos minutos após termos iniciado a marcha fui interpelado por um soldado (de que não me recordo o nome) que me solicitou autorização para se afastar um pouco e ir encher o cantil a um braço do rio Cacheu que se situava nas imediações. Concedida autorização, retardei um pouco a marcha para dar tempo ao regresso do soldado. Minutos depois apareceu aquele militar, excitadissimo, a gritar "Armas, armas!... Venha ver se há armadilhas".

Mandei parar a coluna e fui verificar o achado. Tratava-se da existência de uns palanques em madeira, onde se encontravam as armas cobertas por oleados, e colocadas de tal modo que ficavam acessíveis a canoas na maré cheia e rodeados de lodo no caso de maré baixa.

Imediatamente instruí o meu radiotelegrafista para contactar o comandante do COP3,  dando conta da situação e solicitando a vinda de helicópteros para transporte do material, face à sua quantidade e volume. Ao mesmo tempo solicitei a autorização para a retirada via fluvial, perante o facto de transportarmos algum material mais leve, autorização que foi concedida.

Aquando da recolha do material pelo helicóptero,  o IN flagelou-nos com morteiros e recordo que um dos projecteis caíu perto do local onde nos encontrávamos a transferir o material para o helicóptero, quase atingindo um soldado que me apareceu coberto de terra e com ar de quem tinha sobrevivido por sorte. Empurrei-o para dentro do helicóptero e seguiu com o material para Bigene.

Permaneci na zona onde, com alguns soldados, continuávamos a descobrir novos locais com os mais diversos tipos de armamento.

Passados alguns minutos constato que todos os restantes elementos da operação tinham iniciado a retirada em direção à LDM, deixando-me com mais cerca de 7 ou 8 militares na zona dos depósitos de material.

Iniciámos a retirada com alguma relutância já que iríamos deixar no local diverso material e, principalmente, minas anti-pessoal, responsáveis por diversas baixas na companhia.

Lancei para o local uma granada incendiária que procurei destruísse as minas e iniciei a retirada com o restante pessoal, seguindo o considerável carreiro que a tropa foi deixando no capim. Passados alguns minutos que pareceram horas, conseguimos apanhar a coluna e onde fui abordado pelos comandantes das companhias que integravam a operação para que, junto do comandante do COP3,  afirmasse que já não existia mais material a recolher e, assim, nos furtarmos a um regresso ao teatro das operações.

Não me pronunciei sobre o assunto mas, ao chegar a Bigene,  e em conversa com o comandante do COP3, dei a entender que provavelmente haveria mais material a recolher mas que os homens, devido ao cansaço, já não estariam em condições de regressar ao local das operações.

Foi então que os fuzileiros foram indigitados para proceder à recolha do armamento restante, apresentando posteriormente a captura do material como tendo sido um "ronco" (5) da sua unidade.

Mais tarde constatou-se que a quantidade de material apreendida constituiu, na época (1969), a maior captura de armas e munições nas três frentes da guerra colonial.

Pelo resultado da operação o Comandante Nuno Matias ofertou-me uma navalha do Comando da Defesa Marítima/ Guiné - Portuguesa, objeto que guardo religiosamente entre as minhas mais apreciadas recordações.

Recordei, então, o gila saracolé que afirmara que as armas estavam dentro de água... E não é que ele tinha razão...?!
________

(1) saracolé - uma das muitas etnias da Guiné
(2) tabanca - povoação indígena
(3) bolanha - zona alagada onde normalmente se cultivava arroz.
(4) LDM - lancha de desembarque média
(5) ronco - feito notável


2. Sobre a Operação "Grande Colheita" - 21 a 23Jan69

Forças do COP 3, CCaç 3, CArt 1745 e 2412, CCav 2443, 10° Pel Art / BAC, DFE 13 e Caç Nat efectuaram emboscadas em Talicó, reconhecimento e batida na península de Sambuiá, 02.

Detectadas 4 arrecadações lN com diverso material de guerra num total de 10 toneladas. As NT foram flageladas pelo lN sem consequências.

Foi capturado:
  • 1 canhão sem recuo B-10, 
  • 1 metralhadora pesada Degtyarev de 12,7 cm,
  • 1 metralhadora ligeira Breda, 
  • 16 pistolas metralhadoras  M-25, 
  • 8 esp Mauser, 
  • 1 aparelho pontaria de morteiro, 
  • 2 cunhetes de gran art 12,7 cm, 
  • 130 granadas mort 60 mm e de LGFog RPG-2, 
  • granadas de mão defensivas, munições de armas ligeiras e documentos.

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1967-1970, 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp,. 346/37 (Com a devida vénia...).


3. Ficha de unidade > Companhia de Artilharia n.º 1745

Identificação: CArt 1745
Unidade Mob: GACA 2 - Torres Novas
Cmdt: Cap Mil Art José Maria Torre do Vale Santos | Ten Mil Inf Jorge Vilar Gomes Gilde | Alf Mil Art António Baltazar Valente Ramos Dias

Divisa: -
Partida: Embarque em 20Ju167; desembarque em 25Jul67 | Regresso: Embarque em 07Jun69

Síntese da Actividade Operacional

Em 26Ju167, seguiu para Ingoré, a fim de efectuar o treino operacional até 19A9067, com a CCaç 1590, sob orientação do BCaç 1854 e seguidamente manter-se naquele sector como subunidade de intervenção e reserva do referido batalhão.

Em 30Ag067, rendendo a CCaç 1547, assumiu a responsabilidade do subsector de Bigene, ficando então integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1887 e depois do BCaç 1932 e seguidamente do COP 3 e novamente do BCaç 1932. 

Tomou parte em diversas operações e acções sobre as linhas de infiltração do inimigo, com captura de cerca de 6 toneladas de armamento e material e causando-lhe muitas baixas, destacando-se as operações "Despeneirar", "Derrubante II", "Derrubante III" e, particularmente, a operação "Grande Colheita", entre outras.

Em 2Jun69, foi rendida pela CCaç 2527 e recolheu a Bissau para embarque
de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n." 120 - 2.A Div/4.ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pág., 454
___________

Notas do editor:

(*) Vd. anterior versão > 29 de setermbro d  2020 > Guiné 61/74 - P21403: Operação "Grande Colheita", Península de Sambuiá, Janeiro de 1969: sem termos disparado um único tiro, descobrimos um dos maiores depósitos de armamento do PAIGC, cerca de 10 toneladas (António Baltazar Dias, ex-Alf Mil Art MA da CART 1745)

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23353: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (4): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte III: Cerco e ataque IN (650/700 elementos) a Guidaje, de 8 de maio a 12 de junho de 1973



Guiné > Região do Cacheu > Carta da província da Guiné (1961) > Escala 1/ 500 mil > Detalhe: A fatídica picada Binta - Genicó - Cufeu -Ujeque - Guidaje...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012)




1. Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G, ou a "batalha dos 3 G" (ou batalhas ?),  já aqui tão acaloradamente discutida, analisada, comentada, ao ponto de alguns de nós termos perdido a serenidade e a contenção verbal que devem ser apanágio deste blogue de antigos combatentes...

Em 2023, os três G vão fazer meio centenário... Bolas, como estamos velhos como o c...!

Mas ainda há muito coisa para dizer, ler, ouvir e aprender, sobretudo aqueles de nós que não viveram na pele as agruras daqueles longos, trágicos mas também heróicos dias de maio e junho de 1973... Dias que não se podem resumir à contabilidade (seca) das munições gastas ou das baixas de um lado e do outro (e foram muitas, as baixas, as perdas). (*)

Nestes dia que correm de fim de prinevera, em que passam 49 anos sobre a Op Amílcar Cabral, em que o PAIGC jogou forte (em termos de meios humanos e materiais mobilizados) contra as posições fronteiriças de Guidaje (no Norte) e Guileje e Gadamael (no Sul), pareceu-nos oportuno repescar alguns postes e comentários que andam por aí perdidos... E publicar novas histórias ou informção de sinpose dos aconteimentos.

Daí esta série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?"...

Felizmente que ainda temos muitos camaradas vivos, que podem falar "de cátedra! sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael... Outros, entretanto, já não estão cá, que "da lei da morte já se foram libertando"... Do lado do PAIGC, por seu turno, é cada vez mais difícil  poder-se contar com testemunhos, orais ou escritos, sobre os acontecimentos de então.

Damos continuação à publicação de um excerto da CECA )2015) sobre estes acontecimentos(*).


CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 2. Nossas Tropas

2. 1. Ataque lN a Guidaje, no Norte (de 8 de maio a 12 de junho de 1973)



(...) O inimigo desencadeou no mês de Maio uma operação que tinha por finalidade isolar Guidaje, tendo para o efeito flagelado esse aquartelamento e Bigene, quer para obrigar ao abandono e posterior destruição, quer ainda para impedir o auxílio da artilharia e das NT. 

Além disso deslocou elevado número de elementos para a estrada Binta-Guidaje com o fim de tentar neutralizar qualquer tentativa de reabastecimento.

No início de Maio, a guarnição militar de Guidaje (sob comando operacional do COP 3 com sede em Bigene), era constituída pela CCaç 19 e 24° Pel Art (10,5 cm), num total de um pouco menos de 200 militares.

Os efectivos do PAIGC, que se encontravam na região de Cumbamori 
[no interior do Senegal a escassos 7 km da fonteira] Senegal, julgam-se que eram os seguintes:
  • Corpo de Exército 199/B/70, com cinco bigrupos de infantaria e uma bataria de artilharia; 
  • Corpo de Exército 199/C/70, com cinco bigrupos de infantaria e uma bataria de artilharia; grupos de foguetes da Frente Norte, com quatro rampas; 
  • três bigrupos de infantaria, um grupo de reconhecimento e uma bataria de artilharia do Corpo de Exército 199/A/70 deslocados de Sare Lali (Zona Leste) (efectivos estimados em 650 a 700 homens).
[Veja-se a cronologia dos acontecimentos: ]

(i) Em 8 de Maio, Guidaje esteve debaixo de fogo por cinco vezes num total de 2 horas; dia 9 sofreu 4 ataques; dia 10, três e até 29Mai todos os dias foi flagelada, num total de quarenta e três ataques principalmente com artilharia, foguetões e morteiros. Todos os edificios do aquartelamento ficaram danificados. A guarnição teve 7 mortos e 30 feridos militares e a população 15 feridos .

(ii) Em 8Mai pelas 16h00,numa acção de escolta a uma coluna de viaturas no itinerário Farim-Guidaje por forças de 1 GCom 1ª C/BCaç 4512/72 e 1 GComb/CCaç 14, accionaram uma mina anticarro que danificou uma viatura. A seguir as forças foram emboscadas durante 15 minutos por um grupo lN fazendo uso de armas automáticas, morteiros e LGFog 
RPG-2 e RPG-7. Pernoitando no local, no dia seguinte pelas 05h20, as
 forças foram atacadas durante 4 horas. Devido à falta de munições as forças foram compelidas a retirarem para Binta. O lN teve 13 mortos e vários feridos prováveis. As NT sofreram 4 mortos, 8 feridos graves e 10 ligeiros. Quatro viaturas foram incendiadas e destruídas.

(iii) Em 10Mai, uma força constituída por 2 GComb 1ª C/BCaç 4512/72, 2 GComb/ 2ª C/BCaç 4512/72,2 GComb/CCaç 14 e 1Bigrupo da 38ª CCmds, encarregada de escoltar uma coluna entre Farim e Guidaje, accionou 2 minas A/P , cujo rebentamento provocou 1 morto, 1 ferido grave e 1 ligeiro às NT.

No mesmo dia, 2 GComb/CCaç 19 saíram de Guidaje para executarem a picagem e abertura do itinerário até Cufeu, juntamente com 2 GComb/CCaç 3 (da guarnição de Bigene e que foram reforçar Guidaje) que realizavam a protecção à picagem e tinham por missão continuar a mesma até Genicó, onde se daria o encontro com a coluna saída de Binta.

A força da CCaç 19, accionou 1 mina A/P reforçada com 1 mina A/C , de que resultou 1 ferido grave e 1 ligeiro.

A força da CCaç 3: 

"Antes de entrar na região do Cufeu, foi por mim pedido fogo de artilharia para ambos os lados da estrada de modo a ser batida a bolanha.

Entretanto instalei o pessoal em linha do lado esquerdo da estrada no sentido Guidaje-Binta [... ]

"A Artilharia entretanto fez um dos tiros pedidos, do que resultou saírem do lado esquerdo da bolanha 22 elementos ln nos quais foram referenciados alguns de cor branca. No contacto resultante, o lN foi posto em fuga, seguindo para o lado direito da Bolanha.

"Em virtude do acontecido e visto os restantes tiros pedidos não terem ido executados, dei ordem para seguir para a tabanca do Cufeu. Ao entrar na referida tabanca o lN desencadeou forte emboscada, a partir de lado direito da estrada, com apoio de canhão sem recuo, morteiro 82 mm e armas pesadas. Tendo em vista a situação dei ordem para avançar, saindo assim da zona de morte do mort 82 mm, tendo pedido de novo apoio ao Pel Art de Guidaje e aos 2 GComb da CCaç 19 que faziam a picagem.

"Não tendo sido prestado esse apoio, [... ] dei ordem para retirar por secções, tendo como pontos de encontro Guidaje e Genicó. Com um grupo de 8 elementos tentei seguir para Genicó a fim de contactar com o Comandante da coluna saída de Binta; [... ] tal foi no entanto possível [... ], tendo então dado ordem aos elementos em melhor estado físico de seguir para Guidaje, onde exporiam a situação. Com os 4 elementos restantes prossegui a deslocação tendo pernoitado a noite na bolanha de Fajonquito, Rep Senegal, e atingido Guidaje em 11Mai73, pelas 7h30. [... ]

De acordo com as informações recebidas o lN sofreu 12 mortos confirmados e 9 feridos, as NT tiveram um ferido ligeiro. [... ]". 
 

[Nota: Relatório de acção de protecção à picagem no sentido Guidaje-Genicó realizada em 10Mai73 pelo Cmdt da coluna da CCaç 3. ]


(iv) Em 12Mai, uma coluna de reabastecimento, ida de Farim, escoltada pelos DFE nºs 3 e 4, conseguiu atingir Guidaje. Em 15, no regresso a Farim, as NT accionaram 2 minas, sofrendo 2 feridos graves; mais tarde foram emboscadas, sofrendo 5 feridos.


(v) Em 15Mai uma força constituída por 2 GComb/CCaç 3518, Pel Mil 322 e 1 GComb da CCaç Africana Eventual-Cuntima  [sic] , comandada pelo Cmdt da 2ª C/BCaç 4512/72, efectuou uma coluna de reabastecimento a Guidaje partindo de Farim. Tinha apoio para execução de picagem de 1 GComb/1ª C/BCaç 4512/72, 1 Grupo de Milícias de Farim e 2 GComb/ CCaç 3; 1 DFE emboscado no Cufeu e o apoio de artilharia do 24° Pel Art e 27° Pel Art. Chegou a Guidaje pelas 15h30 do mesmo dia, sem contacto com o lN.

O retorno da coluna a Farim, reforçada com 2 GComb/CCaç 3 e um agrupamento do DFE, faz-se pelas 10h00 do dia 19Mai.

Antes da coluna ter penetrado na tabanca do Cufeu, a equipa que seguia picando o itinerário accionou uma mina anticarro que originou um morto e um ferido grave às NF. Pouco depois, accionada outra mina anticarro por uma viatura Berliet, que ficou parcialmente danificada,
mas incapaz para prosseguir o deslocamento. De seguida um civil ficou ferido por ter accionado uma mina antipessoal. Pelas 12h20, na zona de tabanca do Cufeu, a coluna é emboscada, frontal à sua testa, por um grupo lN estimado em cerca de 100 elementos.

A força dos DFE nºs 1 e 4 reagiu à emboscada, tendo sido pedido apoio aéreo e fogo da Artilharia de Guidaje. Pelas 12h55 o lN activou dois mísseis terra-ar que partiram do lado sul da bolanha do Cufeu. Pelas 13h20 é dada ordem de regresso a Guidaje em virtude do esgotamento de munições; abandonou-se a viatura Berliet minada. 

No total as NT sofreram 5 feridos. A coluna permaneceu em Guidaje, de 20 a 29Mai, tendo sofrido 4 mortos num ataque lN a Guidaje em 26Mai, às 23h00. 

Em 30 a força, incorporada numa coluna organizada em Guidaje, com forças ali estacionadas e outras chegadas a 19Mai, regressou a Farim".

 [Nota: Extractos do Relatório da Operação "Reabastecimento a Guidaje realizado em 15Mai73" da 2ª C/ BCaç 4512/72 e dos Relatórios da "acção realizada em 19Mai73" dos Iº e 20º  GComb/CCaç 3.]


(vi) Em 23Mai, saiu de Binta, uma coluna de reabastecimento com destino a Guidaje. Era constituída pelas seguintes subunidades: CCP 121, DFE nºs 1 e 4, 1 GComb/CCaç 14 e 1 GComb/CCaç 3.

"Até Genicó a coluna correu sem dificuldades. Em Genicó o GComb/CCaç 3 começou a picagem, correndo também sem dificuldades até ao momento que 1 elemento accionou uma mina anticarro reforçada com uma antipessoal, que lhe causou morte imediata. Segundo um elemento do GComb/CCaç 3 que conhecia mais ou menos a zona, devia a coluna estar aproximadamente a 3 Km do Cufeu. Entrou-se logo em contacto com Águia (Cmdt COP 3 Avançado) o qual mandou prosseguir, apesar de haver já um morto. Ia a coluna a prosseguir, outro elemento do GComb/CCaç 3 accionou uma outra mina anticarro reforçada com uma antipessoal, que lhe causou também morte imediata e 1 ferido grave do mesmo grupo. [... ] Entrou-se logo em contacto com o Cmdt do COP 3 Avançado informando-o da situação actual da coluna.

"Foi-nos dada ordem do mesmo para prosseguirmos com a coluna a corta-mato. Estávamo-nos a preparar para progredirmos com as viaturas a corta-mato, quando um elemento dos DFE nºs 1 e 4 accionou uma mina antipessoal a uns 4 metros da picada, que lhe decepou uma perna e mais ferimentos. De novo entrámos em contacto com o Cmdt do COP 3 Avançado, informando-o da situação actual da coluna. Logo após termos accionado a 1ª mina, entrámos em contacto com o Grupo da CCaç 14 que tinha ficado em Genicó, para ir ao nosso encontro a fim de transportar os feridos e os mortos para Binta. Passados 3/4 de hora, apareceu um grupo junto de nós, mas não era da CCaç 14, mas sim 1 GComb da 2Ç CCaç/BCaç 4512/72 de Jumbembem. 

"Entretanto o Cmdt do COP 3 Avançado deu-nos ordem para regressarmos ao ponto inicial da partida. Do local onde nos encontrávamos até Binta, a coluna correu bem. Chegados a Binta, tratamos de evacuar os dois feridos e de arranjar urnas para os dois mortos. De Binta a Ganturé fomos transportados pelo NRP Hidra sem problemas. De Ganturé para Bigene também não houve problemas.?" 

 [Nota: Relatório da coluna Binta-Guidaje realizada em 23Mai73 pelo GComb/CCaç 3.]

Como já referido foi decidido que a coluna regressasse a Binta com excepção da CCP 121, que recebeu a missão de atingir Guidaje. Pelas 16h30, na região do Cufeu, a CCP 121 é emboscada por numeroso grupo inimigo, sofrendo 4 mortos e 2 feridos graves e provocando, com o apoio da Força Aérea, baixas não controladas ao lN. A CCP 121 atingiu Guidaje ao final do dia.

(vii) Em 29Mai, o COP 3 levou a efeito uma coluna de reabastecimento e abertura do itinerário entre Binta e Guidaje, articulando as suas forças em seis Agrupamentos:

A - 2 Bigrupos/38* CCmds e Pel Sapadores do BCaç 4512/72

B - 1 GComb/1ª C/BCaç 4512/72, 1 GComb/2ª C /BCaç 4512/72, GE Mil 342 e 2° GComb/CCav 3420

C - CCav 3420 (-)

D - CCaç 3414

E - CCP 121

F-DFE

A CCP 121 montou emboscada na região do Cufeu. O DFE montou emboscada na clareira de Ujeque. O 24º Pel Art, em Guidaje, apoiou o deslocamento a partir da antiga tabanca do Cufeu.

O Agrupamento B levou um D-6 do BEng 447.

"Pelas 05HOO o Agr A saiu de Binta seguido do Agr B. Iniciou-se a progressão até Genicó indo o Pel Sap e GE Mil 342 de Olossato, do Agr B, alternando-se na picagem da estrada. Seguidamente continuou-se a progredir ao longo da picada de molde a atingir-se o limite Sul de um suposto campo de minas ln, na zona das viaturas destruídas. Nesta zona um picador accionou uma mina A/C  ao picar, causando-lhe morte instantânea e ferimentos graves num Furriel desta CCmds e ferimentos ligeiros em vários militares. a morto e os feridos foram transportados para Genicó por um GComb/2ª C/lBCaç 4512/72. Imediatamente se começou a abrir uma nova picada para oeste utilizando o D-6.

"A abertura fez-se em bom andamento devido à arborização do terreno. Nesta altura, atendendo a que o Agrupamento B se encontrava desfalcado de um GComb que fez a evacuação para a retaguarda, fez--se a junção dos Agr A e B.

Pelas 11h30 do lado Nordeste elementos ln foram detectados pelo Soldado "Comando" NM - 15306371 Santos Silva que abriu fogo, tend o lN ripostado. Debaixo do combate aceso o Agrupamento A lançou-se ao assalto; entretanto o Alf Rocha do mesmo Agrupamento conseguiu colocar o mort 81 mm em posição batendo a zona do ln. Durante o assalto o ln redobrou o fogo dos morteiros 82 mm, RPG e armas ligeiras pelo que o Agrupamento A não conseguiu concretizar o assalto; noentanto em resposta o Agr A redobrou o fogo tendo calado o fogo lN.

"Passados 10 minutos numerosos elementos ln vindos de oeste o dispondo-se em linha começaram a avançar para a frente noroeste das NT; então o Agr A formou também uma linha para dar combate ao lN.

"As NT abriram fogo tendo o lN ripostado com fogo cerrado de armas ligeiras e pesadas nomeadamente canhão sem recuo e mort 82 mm.

"Salienta-se nesta altura o Soldado António Mendes que correu atrás trazendo o mort 81 mm para a frente noroeste ao pé de mim e montou-o com a ajuda da guarnição, fazendo de apontador, de pé, indiferente ao cerrado fogo do lN. [... ] a lN abandonou a posição acabando por retirar em direcção a Uália. [... ]

"Às 13h00 a coluna voltou a pôr-se em movimento com o mesmo dispositivo de segurança ( 2 GComb em linha à frente e segurança lateral), depois do Cmdt do cap 3 ter dado ordem para prosseguirmos até Guidaje. Atravessou-se a bolanha do Cufeu e entrou-se em contacto
com Agr E (Paras) e daí fez-se um desvio para a picada Cufeu- Ujeque. Mal se entrou na picada um Unimog 404 da CCaç 3414 accionou uma mina anticarro de que resultou a destruição do Unimog, a morte do condutor e ferimentos em vários militares. 

"Nesta altura um Soldado Milícia de GE Mil 342 accionou uma mina antipessoal que estava na berma e que lhe originou amputação duma perna. Em virtude destes acontecimentos, voltou-se a abrir nova picada paralela à antiga até Ujeque onde se encontravam emboscados os Fuzileiros (Agr F); a coluna voltou à picada antiga e a testa e uma viatura foram emboscadas a 3 Km de Guidaje, sem consequências, com armas pesadas (mort 82 mm), lgfog e armas automáticas.

"Às 18H30 todas as forças atingiram Guidaje. [... ]" 

 [ Nota: Transcrito do Relatório da "escolta entre Binta e Guidaje em 29Mai73" da 3S" CCmds, do Relatório da operação "reabastecimento a Guidaje em 29Mai73" do Agr B/COP 3 e do Relatório da operação de "abertura do itinerário Binta-Guidaje e reforço ao COP 3 que decorreu de 2SMai a 30Jun73" da CCav 3420.] 
 
O IN teve feridos prováveis e foi-lhe capturada 1 granada de RPG-2 e uma granada de mão F -1". As NT sofreram 2 mortos, 1 ferido grave e 11 feridos ligeiros .

(viii) Em 5Jun um GComb da guarnição de Binta efectuou a picagem do itinerário Binta-Farim e a segurança a uma coluna. Quando esta acabou de transpor a ponte do rio Caur,  um elemento do grupo accionou com a pica uma mina A/C tendo morte instantânea, tendo a mesma causado ferimentos ligeiros a outro elemento. Acorreu em auxílio, dada a hipótese de haver elementos lN na zona, 1 GComb/2ª C/BCaç 4514/72 e 1 GComb PMil 282, que transportaram o morto e o ferido para Farim.

(ix) Em 11Jun, às 05h00,  saiu uma coluna auto de Guidaje com destino a Binta, abrindo novo itinerário. A força era constituída por 1 GComb/lª C/BCaç 4512/72, Pel Sap do BCaç 4512/72, GMIL 342, 1 Sec AM Panhard do ERec 3432, Pel Caç Nativos 56 e 65.

Forças de 3 GComb/CCav 3420, 38ª CCmds e 3ª C/BCaç 4514/72 emboscaram na ponta nordeste da bolanha do Cufeu, entre 1000 metros nordeste da ponta nordeste do Cufeu e Alabato, todas estas forças balizando e definindo o itinerário de marcha. A coluna chegou a Binta pelas 15h00 sem contacto com o lN. Regressou a Guidaje pelas 16h30 com mais sete viaturas da 3ª C/BCaç 4514/72 carregadas com reabastecimentos percorrendo o itinerário aberto em sentido inverso, também sem contacto IN. 

  [
Nota: Relatório de acção realizado em 11Jun73 do Posto Comando Avançado do COP 3.]
 
(x)  Em 12Jun, constitui-se nova coluna que saiu de Guidaje pelas 09h00 com destino a Binta que à medida que percorria o itinerário, foi recolhendo os 3 GComb/CCav 3420 e 38ª Cmds. Depois da passagem da coluna a 3ª C/BCaç 4514/72 recolheu a Guidaje. O Tenente-Coronel de Cavalaria António V. Correia de Campos, que comandava o COP 3, veio também na coluna .

(xi) No mês de Junho de 1973 o Inimigo apenas flagelou por uma vez Guidaje o que indica que desistira das suas intenções sobre este aquartelamento.

(Continua)

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 306/313. (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos,  pata efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

______________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série;


6 de junho de 2022  Guiné 61/74 - P23332: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (3): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte II: Inimigo, atividade militar

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23029: Notas de leitura (1423): “Pequenos Grandes Navios na Guiné” nos Anais do Clube Militar Naval, número de Janeiro/Março de 1998 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
É facto que já existe bastante literatura sobre a presença da Marinha no teatro de operações da Guiné. O Vice-Almirante Lopes Carvalheira esboça um quadro rigoroso, em termos históricos, acerca da intervenção da Armada na fiscalização e intervenção que era efetivada pelos Destacamentos de Fuzileiros Especiais. Atenda-se ao desenvolvimento que dá à Operação Tridente, a maior operação em que intervém a Marinha na Guiné, a guerra dos rios e as vicissitudes por que passou a gloriosa LDM 302.
Um belo resumo a ter em conta.

Um abraço do
Mário



Pequenos grandes navios na guerra da Guiné

Beja Santos

O Vice-Almirante José Alberto Lopes Carvalheira escreveu um muito bem elaborado artigo intitulado “Pequenos Grandes Navios na Guiné” nos Anais do Clube Militar Naval, número de janeiro/março de 1998. É um documento sobre a presença da Armada nos rios da Guiné, ilustrado pelos meios envolvidos. Começa por mencionar que na fase de prevenção de conflitos a ocorrer em África foi possível fazer chegar à Guiné em 19 de maio de 1961 as primeiras unidades navais: duas Lanchas de Fiscalização Pequenas (LFPs) e duas Lanchas de Desembarque Pequenas (LDPs). 

A partir dessa data outras unidades foram sucessivamente chegando, atingindo a Esquadrilha de Lanchas o seu número máximo em setembro de 1969, com 8 LFPs, 14 LDMs-F (Lanchas de Desembarque Médias) para fiscalização, 9 LDMs-L (para transporte logístico) e 8 LDPs, perfazendo um total de 39 unidades, houve depois o abate, ainda em 1969, de duas LDMs.

A Marinha atuava na fiscalização e na intervenção, mas também apoiando para reabastecimento de toda a espécie e para escoamento de produtos económicos.

No que toca à fiscalização dos rios, havia missões no rio Cacheu, nos rios Cacine, Cobado e Cumbijã, no rio Geba com apoio à navegação de e para Bambadinca; havia ainda a fiscalização de Bolama, rio Grande de Buba, havendo de ter em conta um Destacamento de Fuzileiros sediado em Bissau e outro em Bolama; por fim a fiscalização do rio Mansoa em permanência efetuada pelo Destacamento de Fuzileiros sediado em Bissau. E escreve:

“Este dispositivo de fiscalização foi ao longo dos anos sofrendo os necessários ajustamentos, de modo a criar o maior dissuasor possível para fazer face às linhas de ação do inimigo. Assim, a partir de 1967, dentro do novo conceito de contra-penetração então estabelecido foi formado, ao norte do rio Cacheu, com base em Bigene, o Comando Operacional n.º 3 (COP 3). A este Comando que também foi comandado por um oficial da Marinha, além das forças terrestres, chegaram a estar atribuídos, em permanência, três destacamentos de fuzileiros para intervenção na zona. Com os fuzileiros instalados em Ganturé, em aquartelamento para o efeito construído pela Marinha, tornou-se possível a estes atuarem com grande eficácia por meio de patrulhas e emboscadas em botes de borracha em colaboração com as unidades navais da TG3, igualmente atribuídas ao COP 3 para fiscalização da extensa zona do rio Cacheu, ao mesmo tempo que permitia a sua utilização no apoio direto às operações deste Comando Operacional”.

Este dispositivo naval manteve-se praticamente até ao final da guerra, impôs-se como um travão às tentativas de infiltração do PAIGC no Norte da Província. A partir de 1967, no Sul da Província, os rios Cacine, Cobade e Cumbijã deixaram de ter fiscalização permanente. Nesta altura, no rio Grande de Buba foi montado dispositivo idêntico ao do rio Cacheu. Em 1970, retomou-se o dispositivo de contra-penetração do rio Mansoa, interrompido em 1967. Ainda em 1970, no rio Cacheu, mais junto à sua foz, montou-se igual dispositivo com destacamento de fuzileiros sediados na vila de Cacheu. 

“Em 1971, após o ataque levado a efeito com mísseis sobre Bissau em 9 de junho, retomou-se a fiscalização contínua do rio Geba, a montante de Bissau, até ao Geba estreito, complementando a patrulha noturna ao porto de Bissau e seus acessos que se mantinha desde 1963”

Passemos agora da fiscalização para a intervenção. Era normalmente efetuada pelos Destacamentos de Fuzileiros Especiais que tinham como tarefa base a fiscalização que desempenhavam em permanência, sempre que não eram chamados a intervir em operações.

Quanto à sua atuação, destaca-se a Operação Tridente. O autor menciona a missão e organização operacional para se poder avaliar a sua envergadura naquela que foi a maior operação de sempre da Marinha na Guiné, detalha a missão, as unidades navais em presença, as forças de intervenção e o seu comando, o apoio logístico e a execução, concluindo nestes termos: 

“Não pode deixar-se de salientar que foi muito honrosa a atuação dos cerca de mil e quinhentos homens das nossas forças navais, terrestres e aéreas empenhados nesta operação que, no terreno em combate, sofreram oito mortos e trinta e três feridos, sendo alguns com gravidade”.

Quanto às vias de comunicação, o autor refere o armamento do PAIGC utilizado nos frequentes ataques das margens dos rios, o que confere importância ao capítulo seguinte, a guerra dos rios, pondo acento tónico nos reabastecimentos, no transporte operacional e rendição das nossas forças, bem como no transporte de pessoas e bens. 

“Teve a Marinha com todas as suas unidades navais, mais particularmente com as destinadas aos transportes logísticos (LDGs Alfange, Montante e Bombarda e LDMs), permanente, intenso, discreto, mas importantíssimo trabalho. Desde junho de 1963, quando se verificou que ao risco dos ataques das margens se juntava o risco da fuga de embarcações para a República da Guiné, quer por ação exclusiva do inimigo, quer por iniciativa conivente das próprias tripulações das embarcações civis, o Comando da Defesa Marítima da Guiné decidiu-se pela organização dos seguintes comboios, o que se manteve até final, com periodicidade mensal, embora com ligeiras alterações de execução.

Comboio de Bedanda... Bissau – Bedanda – Bissau
Comboio de Catió... Bissau – Catió – Bissau
Comboio de Farim... Bissau – Farim – Bissau
Comboio de Bissum... Bissum no rio Armada

Para outras povoações, tais como Cacine e Gadamael, as embarcações a proteger seguiam em companhia até à foz do rio Cumbijã, juntamente com o comboio de Bedanda, seguindo depois pelo Canal do Melo para Cacine e Gadamael Porto, com escolta embarcada e escoltadas por uma unidade naval para o efeito. O mesmo acontecia para Buba, Bambadinca, Encheia e Teixeira Pinto, apenas com as embarcações civis com escolta embarcada e, irregularmente, protegidas por navios escolta"
.

O artigo do Vice-Almirante Lopes Carvalheira conta a história da LDM 302, a lancha que, ao longo dos anos, mais duramente sofreu as consequências da guerra dos rios da Guiné, abstemo-nos de mais pormenores, já aqui se contou as vicissitudes que sofreu, inclusive foi referida a esplêndida banda-desenhada que lhe consagrou António Vassalo.[1]


A LDM 302, imagem retirada do blogue reservanaval, com a devida vénia.
A LDM 307, imagem retirada do blogue reservanaval, com a devida vénia.
____________

Notas do editor

[1] - Vd. poste de 14 DE AGOSTO DE 2015 > Guiné 63/74 - P15003: Notas de leitura (747): “A Epopeia da LDM 302”, por A. Vassalo, em BD, Edições Culturais da Marinha, 2011 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 21 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23013: Notas de leitura (1422): “Descolonizações, Reler Amílcar Cabral, Césaire e Du Bois no séc. XXI”, é coordenadora Manuela Ribeiro Sanches; Edições 70, 2019 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22230: Casos: a verdade sobre... (25): a vida e a morte do maj inf graduado Jaime Frederico Mariz (1936-1973): "sei muito poucas coisas do meu pai" (Frederico Rezende)


Jaime Frederico Mariz Alves Martins (Oeiras, 8/1/1936 - Guiné, 6/4/1973).


1. Mensagem de Frederico Resende, filho do nosso infortunado camarada major de infantaria graduado Jaime Frederico Mariz
 
Date: segunda, 24/05/2021 à(s) 09:27
Subject: Maj Infª Grad Jaime Mariz
 

Caro Sr Luís Graça, bom dia

 A minha filha Maria deu-me ontem conta da existência deste blogue.

O meu nome é Frederico (como o meu pai) Rezende (apelido que uso de minha mãe ). Sou filho do Maj Jaime Mariz.

Gostaria que, se não se importar, me enviasse informações sobre a sua vida e morte. Eu e minha mãe que entretanto já morreu, nunca soubemos exactamente o que se passou. Apenas que o avião tinha sido atingido e que não foram encontrados destroços.

A minha mãe foi à Suiça contactar a Cruz Vermelha e na altura a PIDE teve conhecimento e fez-lhe a vida num inferno. Desta forma contactou o PAIGC que confirmou que tinha abatido o avião.

Mas de concreto nunca soubemos muito mais.

Fico a aguardar.

ObrigadoCumprimentos

Frederico Rezende

2. Resposta do editor Luís Graça:

Caro Frederico:

O nosso blogue tem pelo menos 7 referências ao seu querido pai e nosso infortunado camarada. Não o conheci pessoalmente, estive na Guiné em 1969/71, mas quem com ele lidou, escreveu que era "pessoa de fino trato, aberto, civilizado, camarada". Pode ver aqui as referências que temos sobre o então comandante do COP 3 (*):
 
Se mo permitir, vou publicar a sua mensagem, na expetativa de poderem aparecer mais testemunhos sobre o senhor seu pai e as circunstâncias que antecederam aquele voo fatídico. Tudo indica que a avioneta DO 27, no percurso Guidaje-Bigene, em 6 de abril de 1973, terá sido abatida por um míssil Strela. E os restos mortais do seu pai nunca terão sido encontrados. 

Oxalá possamos escalarecer algumas das suas dúvidas  (**). Disponha do nosso blogue. Se tiver fotos e outras recordações do seu pai, e se as quiser publicar no nosso blogue, esteja à vontade. De resto, como gostamos de dizer, "os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são"... Este é um blogue exclusivamente de partilha de memórias e de afectos dos bravos que estiveram na Guiné, entre 1961 e 1974, dos 3 ramos das Forças Arnadas,

Um alfabravo (ABraço), Luís Graça, editor

3. Resposta do Frederico Rezende, com data de 27 do corrente:

Caro Sr Luís Graça:

Muito obrigado pela sua resposta que muito me sensibilizou.

Peço-lhe então o favor de publicar a minha mensagem e de me ir dando novidades caso as haja.

Sei muito poucas coisas sobre o meu pai. Sei que fez o curso de Lamego, sei que fez alguns cursos de contra-informação na África do Sul e das comissões que ele fez. Sei que foi Cmdt da PSP em Lisboa e pouco mais.

Caso seja possível mais informações ficaria muito agradecido.

Fico a aguardar. Bem haja
Frederico Rezende

4. Elementos para uma nota biográfica do major inf grad Jaime Frederico Mariz (Oeiras, 1936-Guiné, 1973), recolhidos  no nosso blogue (*)

Jaime Frederico Mariz Alves Martins:

(i) nasceu em Oeiras, em 8 de janeiro de 1936;

(ii) entrou para a Escola do Exército (antecessora da Academia Militar) em 16 de outubro de 1954, com 18 anos;  era o nº 400 do Corpo de Alunos;

(iii) fez três comissões de serviço no ultramar: em Moçambique, com  o posto de tenente (setembro de 1961 / fevereiro de 1964); em Timor, como capitão (abril de 1965 / maio de 1967); de novo em Moçambique, como capitão (setembro de 1968/setembro de 1970);

(iv) morte em combate no TO da Guiné, em 6 de abril de 1973;

(v) circunstâncias da morte: tendo embarcado num DO-27 em Guidaje com destino a Bissau, no decurso de uma missão de evacuação (TEV), o avião foi abatido por um míssil Strela, na região de Sambuiá, no norte da Guiné, entre Guidaje e Bigene; não foram encontrados vestígios do aparelho nas buscas posteriores quer terrestres quer aéreas; foi um dia fatídico para a FAP pois o PAIGC, em cerca de três horas, abateu 3 aviões e falhou o ataque a outros dois; o aparelho, DO-27 3470 era pilotado pelo fur pil Fernando António de Carvalho Ferreira; o major Jaime Frederico Mariz, cmdt do COP 3, aproveitou uma "boleia", pretendendo ficar em Bigene

(vi) segndo pesquisa efetuada pelo nosso coeditor Jorge Araújo, a aeronave da FAP, DO 27 3470, foi localizada submersa (algures na região norte da Guiné) tendo sido fotografada pelo médico holandês Roel Coutinho (vd. poste P18702)



Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > D 09 > Portuguese plane wreck in Northern liberated areas > Guinea-Bissau > Airplane wing number with Coutinho watching [Asa do avião,  DO-27, com o nº 3470, e o Coutinho a observar] 

(vii) No seu Diário da Guiné, o ex-alf mil António Graça de Abreu (CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar. 1972/74), descreve o major Jaime Frederico Mariz nestes termos:  (...) "o major Jaime Mariz que conhecia muito bem, desempenhou durante algum tempo as funções de 2º. Comandante do Batalhão 3863, de Canchungo (Teixeira Pinto). Almoçámos e jantámos muitas vezes juntos na messe de Teixeira Pinto. Era pessoa de fino trato, aberto, civilizado, camarada. " (...) (Em nota de rodaté: "O corpo do major Jaime Mariz jamais foi encontrado, nem sequer foi possível fazer-lhe um funeral digno" (Mansoa, 7 de abril de 1973) (vd. poste P3826).

________

Notas do editor:

(*) Vd.  os 7 postes com o descritior "Jaime Frederico Mariz (maj)":


25 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21391: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XLIV: Jaime Frederico Mariz Alves Martins, maj grad inf (Oeiras, 1936 - Guidaje, 1973)

2 de junho de  2018 > Guiné 61/74 - P18702: (D)o outro lado do combate (31): Os dois aviões DO-27-A1, da FAP, nºs 3333 e 3470, abatidos em 6 de abril de 1973... Fotos do médico holandês Roel Coutinho (Jorge Araújo)

24 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13031: 10º aniversário do nosso blogue (22): Quando os senhores coronéis da censura censuravam notícias com declarações de Spínola e a escalada da guerra no CTIG, incluindo a queda do DO 27 em que pareceu, entre outros, o major Jaime Frederico Mariz, comandante do COP 3, em 7/4/1973 (António Duarte, leitor do blogue)

29 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)

1 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strella, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

(**) Último poste da série > 20 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22215: Casos: a verdade sobre... (24): o roubo de 200 cartas (ou mapas) do Serviço Cartográfico do Exército, atribuido às Brigadas Revolucionárias, em dezembro de 1972: o seu impacto no CTIG (Luís Graça / C. Martins / António J. Pereira da Costa)

sábado, 23 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21798: (Ex)citações (384): A evacuação do capitão paraquedista Valente dos Santos, no decurso da Op Grande Empresa (Manuel Peredo, ex-fur pqdt, CCP 122, 1972/74 / Moura Calheiros, ex-maj pqdt, 2º cdmt, BCP 12, 1972/74)

 
Guiné > Bissau > Bissalanca> BCP 12 (1972/74)

Foto (e legenda): © Manuel Peredo (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dois comentários ao poste P21779 (*)


(i) Manuel Peredo 

[ ex-fur mil paraquedista, na foto acima é o primeiro do lado direito, armado de RPG-2, seguido do sagento Carmo Vicente e do Fernandes, caboverdiano, fur mil, todos do 4º Gr Comb da CCP 122 / BCP 12, Bissalanca, 1972/74; vive em França, ou vivia até há uns anos; tem 7 referências no nosso blogue: integra o nosso blogue desde 2008](**)


Tendo eu participado na "reconquista do Cantanhez” [Op Grande Empresa], queria fazer uma observação. Eu estava presente quando o capitão Valente dos Santos [,comandante do CCP 122,]foi ferido com uma bala que lhe atravessou um braço.

Ele estava incluído no quarto pelotão, que era o meu e nessa emboscada tivemos quatro feridos,ou talvez cinco: o capitão Valente dos Santos,o radiotelegrafista Ribeiro,o enfermeiro Azenha e o soldado Severino que transportei às minhas costas.

Todos foram evacuados ao mesmo tempo, incluindo o capitão Valente dos Santos que, vendo em que estava o seu braço, não podia continuar a operação.

Eu li o livro do major Moura Calheiros (um excelente livro) (***) e a passagem sobre a evacuação do capitão Valente dos Santos deixou-me surpreendido ao afirmar que o capitão recusou ser evacuado querendo continuar a operação, o que não corresponde à verdade.

Em Maio de 2012 estive com o major Moura Calheiros em Tancos no dia da Unidade, onde se juntam várias gerações de paraquedistas. Dei-lhe os meus parabéns pela obra, mas disse-lhe que não estava de acordo com ele quando diz que o capitão Valente dos Santos recusou-se a ser evacuado. Disse-lhe que eu estava presente e que o capitão foi evacuado quando os restantes feridos, mas ele disse-me que eu estava errado e que o que escreveu estava certo pois andava a sobrevoar a zona na Dornier.

Nesse dia da Unidade encontrei-me com vários elementos do meu pelotão [4º  da CCP 122] que fizeram parte dessa operação e todos estavam de acordo com a minha versão.

Depois de os feridos terem sido evacuados, veio outro pelotão da CCP 122 reforçar o meu grupo e voltámos ao local onde tínhamos sofrido a emboscada, sendo a minha secção a ir na frente do bigrupo. 

Encontrámos várias granadas e munições e quando nos preparávamos para sair daquela zono, fomos atacados novamente e o furriel Aníbal Martins foi ferido gravemente. Esteve alguns dias no Hospital Militar, vindo a falecer dos ferimentos. A morte dele deixou-me abalado, pois éramos amigos e no BCP 12 dormíamos no mesmo quarto.

Também participei na operação Muralha Quimérica, onde o meu pelotão encontrou uma grande quantidade de bandeiras do PAIGC e ainda hoje tenho uma.


Capa do livro de José Moura Calheiros, "A Última Missão" 
(Porto, Caminhos Romanos,
2ª edição, 2011). A 1ª edição de 2010.

 (ii) Moura Calheiros

[tem 22 referências no nosso blogue, coronel paraquedista reformado, gestor e escritor; das três comissões de serviço no ultramar, destaque para a da Guiné (1971-1973) como 2º Comandante e Oficial de Operações do BCP12, COP4 e COP5 e ainda como Comandante do COP3]

"Sou" o Major Moura Calheiros, referido pelo Amigo e camarada paraquedista Manuel Penedo, no seu comentário ao meu livro "A Última Missão ", cujo elogio agradeço. 

Mas apresento-me hoje, e aqui, com mais 48 anos — meio século!!! — de vida do que aqueles que então exibia nos tempos que ele recorda, os da "invasão" do Cantanhez, na Guiné...

Tudo aquilo que ele refere se passou numa clara e muito quente manhã, tipicamente guineense, no dia 12 de Dezembro de 1972. E foi relatado, no livro, em 2010; logo, 38 anos depois..., passível, pois, de algumas pequenas imprecisões por efeito da falta de memória e de relatórios escritos sem muito detalhe e precisão, pois que aquele período não permitiu tempo para "burocracias", cuja falta hoje se fazem sentir... e que lamentamos existirem..

Mão amiga fez chegar ao meu conhecimento o comentário do Amigo e camarada Paraquedista Manuel Penedo a uma imprecisão existente no livro de minha autoria atras referido. E existe na verdade uma imprecisão: contrariamente ao que eu lhe tinha afirmado em Tancos, num Dia da Unidade...

Só que agora pude recorrer ao Comandante da Companhia, então Cap Paraq Valente dos Santos, muito mais jovem que eu, logo, com melhor memória. Ele confirmou-me que eu lhe propus a sua evacuação e de todos os outros feridos, mas que ele se recusara a ser evacuado sem que tivesse atingido o quartel inimigo; e, diferentemente do que eu afirmo no livro, os restantes feridos não foram logo evacuados por decisão sua, pois que não eram graves, mas sim, conjuntamente com ele, logo após a ocupação do objectivo.

Em resumo: o Amigo Manuel Penedo tem toda a razão no que afirma no seu Post, mas penso que a inexatidão não é relevante, pois em pouco ou nada o momento da evacuação é importante na narrativa; excepto, claro está, para os feridos... E felizmente tudo correu bem com eles... E com tudo o resto nesse dia, com excepção do raio do desembarque em Cadique...

As minhas desculpas aos leitores do meu livro por esta minha — quanto a mim, ligeira — imprecisão; e também ao Amigo e camarada Manuel Penedo, com o meu pedido de desculpas pelas minhas afirmações em Tancos, no Dia da Unidade. Como compensação, vai daqui um forte abraço para ele.

E, para terminar, saúdo os seguidores deste magnífico Blog, que em tempos idos eu visitava com muita frequência. Mas a idade não perdoa... (****)

_________


(**) Vd. poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

(***) Vd.postes de;

 17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7805: Notas de leitura (204) A Última Missão, de José de Moura Calheiros (1) (Mário Beja Santos)

18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7815: Notas de leitura (205): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (2) (Mário Beja Santos)

27 de fevereiro de  2011 > Guiné 63/74 - P7872: Notas de leitura (210): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (3) (Mário Beja Santos)


2 de dezembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7371: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (2): Excerto de Discurso do autor

3 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7375: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (3): Sítio promocional

(****) Último poste da série > 6  de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21741: (Ex)citações (383): Jaime Frederico Mariz Alves Martins, Major Graduado Infantaria, vítima mortal por derrube de aeronave em 6 de Abril de 1973, na Região de Sambuiá (António Carlos Morais Silva, Cor Art Ref)