quinta-feira, 20 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22215: Casos: a verdade sobre... (24): o roubo de 200 cartas (ou mapas) do Serviço Cartográfico do Exército, atribuido às Brigadas Revolucionárias, em dezembro de 1972: o seu impacto no CTIG (Luís Graça / C. Martins / António J. Pereira da Costa)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca, a porta do leste > Carta de Bambadinca > Escala 1/50 mil (1955) > Detalhe, posição relativa de Bambadinca, posto administrativo do concelho de Bafatá, com as várias direções: a norte,o regulado do Cuor (Finete e Missirá, Fá Mandinga); a nordeste, Bafatá; a sul, Mansambo, Xitole, Saltinho; a sudoeste, Xime; a oeste, Enchalé, Portogole... A única zona a que ainda não tinha chegado a guerra era a leste e imediatamente a sul de Bambadinca, abrangendo o regulado de Badora... Todos os outros regulados (Enxalé e Cuor, a norte do Geba), Xime e Corubal (a sul) estavam em guerra...

Infografia : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)

1. Comentários ao poste P22208 (*)

Luís Graça

C. Martins, salvo melhor opinião, e respeitando a tua, eu não daria tanta importância assim às acções das Brigadas Revolucionárias… (Enfim, acaba de morrer, vítima de Covid-19, um dos seus cofundadores e líder, o Carlos Antunes).

Leia-se, em todo o caso, com atenção este excerto da tese de doutoramento em História, já aqui citada po mim, a propósito do assalto aos serviços cartográficos do exército, em dezembro de 1972, pp. 289/290 (**)

"(…) 4.2.7. Assalto aos serviços cartográficos do exército

Em Dezembro de 1972, as Brigadas Revolucionárias realizam um assalto aos Serviços
Cartográficos do Exército e apoderaram-se de cartas militares de Angola, Guiné, Cabo Verde e Moçambique que seriam, posteriormente, entregues aos movimentos de libertação das colónias.

Eram mapas secretos, que registavam o posicionamento das tropas portuguesas no terreno e planos de ataque aos movimentos de libertação.

Os planos desta acção foram sofrendo várias alterações, pois parecia difícíl entrar nos
Serviços Cartográficos. Por fim, prevaleceu a ideia de fazer o assalto através do Laboratório de Engenharia Civil, por haver ligações entre as duas instituições e porque um dos elementos das BR, Maria Elisa da Costa, trabalhava aí. Maria Elisa confirmou a existência de mapas, mas não sabia como chegar a eles, nem tão pouco de que tipo de mapas se tratava. Porém, conhecia um funcionário dos Serviços Cartográficos que, na altura prestava serviço militar no Laboratório.

Reuniram com ele diversas vezes ao longo de várias semanas e compreenderam que a melhor forma de entrar nos Serviços Cartográficos seria de noite, de modo a retirar os mapas de madrugada. José Paulo Viana ficou encarregado de executar a acção, entrou disfarçado no edifício, escondeu-se, e às duas da manhã abriu a porta aos restantes elementos das Brigadas, que retiraram os mapas. 

Mais tarde, José Paulo Viana levou-os para Paris, de onde seguiram para Argel e foram aí entregues aos representantes do MPLA, PAIGC e FRELIMO na capital argelina (…) . Agostinho Neto, presidente do MPLA, chegou a enviar uma carta de agradecimento às Brigadas Revolucionárias pelo resgate das cartas militares de Angola (..) 

No total foram retirados cerca de 200 mapas que, de acordo com os movimentos de
libertação, constituíram um instrumento importante para a intensificação da luta, pois permitiram planear de modo mais eficaz a movimentação das tropas africanas no terreno.

A acção expressava a solidariedade e entreajuda entre os movimentos de libertação e as BR, traço fundamental da sua orientação, no sentido de articular a luta nas colónias com a luta no interior, já que defendiam que o fim da guerra colonial dependia do fim do regime.

A partir desta acção verificaram-se excepcionais medidas de segurança em todas as
instalações militares (...) , não impedindo, porém, que as BR viessem a realizar novas acções dentro da instituição militar, como se verificou em 1973. (,,,)"

 Ainda voltando à carga...

Meu querido amigo e camarada C. Martins, pergunto:

(i) em 200 cartas ou mapas que teriam sido roubadas dos serviços cartográficos do exército pelas Brigadas Revolucionárias, em dezembro de 1972 (e posteriormente entregues ao PAIGC, MPLA e FRELIMO, a partir de Argel), quantas seraim as respeitantes à Guiné ? (Só as da Guiné eram mais de 70, no total)...

(ii) a nossa doutora  Ana Sofia de Matos Ferreira (e seguraente o seu orientador) não sabia do que estava a falar quando escreveu esta enormidade: "Eram mapas secretos, que registavam o posicionamento das tropas portuguesas no terreno e planos de ataque aos movimentos de libertação." (!!!)

(iii) recorde-se que as cartas ou mapas da Guiné estão publicadas no nosso blogue, desde 2005, por cortesia do nosso camarada Humberto Reis: "Quando voltou à Guiné-Bissau, em 1996, em viagem de negócios (mas também em romagem de saudade), o Eng. Humberto Reis (ex-furriel miliciano da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) já tinha adquirido as 72 cartas da antiga província portuguesa, à escala de 1/50.000. (...) Em Dezembro de 94 já me custaram 450$00 cada uma". O mapa geral custou 600$00."

(iv) by the way, o Humberto gastou, em 2005, 33 contos pela aquisição das 73 cartas (, com a devida autorização da embaixada da República da Guiné-Bissau!), o que, a preços de hoje, equivaleria a cerca de... 200 euros (!);

(v) deixámos logo expressa, em 2005, a nossa homenagem aos nossos cartógrafos militares:

(...) "Fica também aqui a nossa homenagem aos valorosos cartógrafos militares portugueses. Esta (a de Bambadinca) e outras cartas da Guiné resultam do levantamento efectuado em 1955 pela missão geo-hidrográfica da Guiné – Comandante e oficiais do N.H. Mandovi. A fotografia aérea é da aviação naval (Março de 1953). Restituição dos Serviços Cartográficos do Exército. Fotolitografia e impressão: Arnaldo F. Silva. A edição é  da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, do antigo Ministério do Ultramar, s/d. Digitalização efectuada na Rank Xerox (2005)."

(vi) todo este trabalho da cartografia portuguesa é dos anos 50, longe ainda do início da guerra, pelo que os mapas (ou cartas) nunca poderiam (nem nunca seria essa a intenção dos nossos cartógrafos) dar qualquer informação relevante sobre o dispositivo das nossas tropas (aquartelamentos e destacamentios)  e muito menos sobre as "barracas" do PAIGC...

(vii) se os mapas (ou cartas) tivessem chegado às mãos do PAIGC  no princípio da luta armada, talvez ainda pudessem ser uma boa ajuda e ter alguma mais valia para o movimento do Amílcar Cabral... Mas em 1973 ?!...Repare-se que não são sabemos quando chegaram às mais dos operacionais dos 3 movimentos nacionalistas: seguramente terão levado algunjs meses, tendo em conta o percurso, Lisboa - Paris - Argel - Comacri, etc.

(viii) no caso do PAIGC, por certo que o "material roubado" dos Serviços Cartográficos do Exército  já não chegou a tempo (útil)  da batalha dos três GG - Guidaje, Guileje, Gadamael, em maio/junho de 1973;

(vii) por outro lado, tirando um ou outro artilheiro, cabo-verdiano ou cubano, quem eram os comandantes da guerrilha que sabiam utilizar as nossas cartas, nomeadamente para efeitos de regulação de tiro de armas pesadas de infantaria e de arilharia  ?... Se é que alguma vez foram utilizadas!... )Memso em Guileje, foi tudo a "olhómetro"!)... 

C. Martins

(..) Quanto aos comunicados do PAIGC, valem o que valem, que é zero, aliás com o exagero e aproveitamento de sempre.

Quem colocou os engenhos explosivos, em Bissau, foram as BR. Cada um pense o que quiser. No mato gozamos com a situação caricata na piscina do QG.

Quanto a doutoramentos sobre a guerra colonial, de alguns só dá vontade de rir da ignorância tanto dos doutorandos como dos avaliadores.

Sobre as cartas militares se soubessem utilizá-las, nomeadamente para fazerem fogo com a artilharia, seria muito complicado para as NT.

Senti isso em Março de 74 quando fomos flagelados com granadas incendiárias caindo todas na orla da mata em frente aos obuses. Mais tarde soube que os cálculos de tiro foram feitos por oficiais cubanos, e mesmo estes, felizmente para nós, não eram muito eficazes, provavelmente porque tinham que mudar constantemente a base de fogos. (...)

António J. Pereira da Costa


Os "mapas" (cartas 1/50.000) eram classificados de "reservado". Obviamente que o trabalho de localização dos quartéis era um trabalho a fazer pelos guerrilheiros, o que não seria difícil. As nossas posições eram mais "conhecidas do que o peixe frito" e ninguém assinalaria a posição dos quartéis nos mapas em depósito no Serviço Cartográfico do Exército (SCE).

Devo esclarecer que as cartas do SCE - em 1/25.000 ou em 1/50.000 - eram muito perfeitas.

As cartas 1/25.000 (em uso na Metrópole) eram muito parecidas com pranchetas de tiro e durante muitos anos eram a única carta de fomento que existia no nosso país

Sempre me surpreendeu que o PAIGC não se tivesse envolvido mais cedo em acções de terrorismo urbano. Tinha todas as condições para isso. Ter-se-á limitado a colectar informação junto da estrutura militar ou civil (entre os habitantes da cidade).

Lembro o ataque a todos os quartéis da área de Bissau no noite de 09/10Jun71, assim como as flagelações à BA 12, que só pode ter sido levado a efeito com uma estrutura deste tipo.
A BA 12 considerava como ponto muito sensível a enfermaria que ficava junto da casa da guarda e a cerca de 5 metros da estrada. O pessoal da BAA 3434 tinha ali um posto de sentinela guarnecido por 3 homens e uma metralhadora quádrupla.

Dá-me a impressão de que os guerrilheiros tinham um certo receio que lhes tolhia(?) a eficácia. (,...) (***)


Revisão / fixação de texto: LG

_____________

Notas do editor: 
 
(**) Fonte: Ana Sofia de Matos Ferreira - Luta Armada em Portugal (1970-1974): Tese de Doutoramento em História, Especialidade em História Contemporânea. Lisboa: Universidade NOVA d4e Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Maio de 2015, 331 pp. (Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em História, realizada sob a orientação do Professor Doutor Fernando Rosa, com o apoio financeiro da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia.)

Disponível aqui em formato pdf:

https://run.unl.pt/bitstream/10362/16326/1/Tese%20Doutoramento%20Luta%20Armada%20em%20Portugal.pdf

4 comentários:

Valdemar Silva disse...

Mas, afinal, que Cartas foram roubadas pelas BR que depois foram entregues ao PAIGC?
Foram Cartas/simples Mapas como as que temos aqui de consulta no blogue ?
Ou foram Cartas de "tiro de Artilharia" com indicações de alcance/local de batida?
(Embora tivesse feito o CSM na EPA, como atirador, não me lembro dos termos apropriados para explicar como seriam estas Cartas de Tiro, os nossos camaradas artilheiros saberão explicar esta terminologia.)
Tratando-se de Cartas/simples Mapas seriam de registos cartografados de localidades/tabancas/estradas/picadas dos anos 50, que em 1973 não só estariam desatualizados com tabancas desaparecidas como outros aquartelamentos foram criados com o crescimento da guerra. E quanto a Cartas de "tiro de Artilharia" julgo que estas eram feitas no "terreno" pelas estruturas do Comando.
Lembro-me de haver em Paunca umas Cartas de "tiros de Artilharia" com as marcações da "batida" fornecidos pela Bateria existente para no destacamento de Guiro Bocari sabermos os locais dos "tiros".
Julgo que os ataques/emboscadas do IN eram feitos em locais já estudados antecipadamente, e outro coisa seria a nabice no cálculo de tiro da sua artilharia ligeira de morteiros e canhões s/recuo não por falta de mapas de local. Aliás, a escala da Carta só tem "leitura" da distância entre determinados lugares e como o local da localidade/tabanca é assinalado com pequenos pontos não teria nenhuma utilidade, só por tentativas de diversos ataques mas para isso não precisavam de Mapas.
Talvez tivessem utilidade no caso de lançamento de mísseis para uma área que "se visse", exemplo de uma pista da aviação como aconteceu no meu tempo ao Nova Lamego.

Abraços
Valdemar Queiroz

António J. P. Costa disse...

Ok Camaradas!

Um pouco de ordem na casa!
As cartas roubadas eram classificadas de reservado e não secreto (quem se lembra da classificação dos documentos sabe do que falo). As da Guiné eram na escala 1/50.000, estariam desactualizadas (levantadas em finais dos anos 50) em relação à certos pormenores. Nos aspectos físicos do terreno estavam óbvia e perfeitamente actualizadas. Claro que, de algumas das tabancas assinaladas só existiam as ruinas e que os caminhos e até picadas poderiam já não existir como tal. Quem foi "afagador de capim" sabe do que falo. À falta de maior precisão usávamo-las para retirarmos os elementos - algumas vezes iniciais - de tiro para resposta às acções do IN. Fiz uma regulação de tiro de precisão (modelo Vendas Novas) sobre o quartel abandonado de Cacoca, mas esta na tal prancheta de tiro na escala 1/25.000 o que é outra coisa. Nelas (1/50.000) marcávamos também tiros pré-preparados para apoio de certas acções (exemp. colunas) ou contra-morteiro/canhão (durante as flagelações IN). Era assim constituídas "concentrações" das quais era possível pedir tiros isolados. Usei estas concentrações como referencias para dizer "ao quartel" onde me encontrava.
O resto são devaneios dos mestrandos/as "devidamente" orientados/as pelos catedráticos/as com vista a uma graduação em ciências sociais. Ih! O que eles/as sabem Santo Deus! Um bocadinho de humildade evitava tanta humidade (na água que metem).

Um bom dia para todos
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Concordo contigo, Tó Zé, não custava aos nossos mestrandos e doutourandos que se metem em assuntos técnicos e profissionais da área das ciências militares, de que não percebem nada, irem bater à porta de quem sabe, neste caso, da Academia Militar!... Que é Academia e é Militar!~

Estamos a falar de cartografia militar...Ora um doutor em história tem que saber minimamente destas e doutras áreas especializadas quando o assunto é "guerra", "luta armada", "exército", "guerrilha", e por aí fora...

Quem se metem em doutoramentos sobre a guerra colonial, tem que saber coisas mínimas como distinguir uma G3 de uma "longa" ou de "canhangulo"...

Valdemar, as cartas que foram roubadas, de noite, a molhe, deduzo eu, sem qualquer critério, eram cartas da Guiné Portuguesa e de outros territórios ultramarinos (ao que parece, Angola e Moçambique), como por exemplo a carta de Nova Lamego (Gabu), que tu deves ter utilizado e conheces bem...

Esta carta, por exemplo, é de 1957, resultou como outras do levantamento efectuado em 1957 pela missão geo-hidrográfica da Guiné – Comandante e oficiais do N.H. Pedro Nunes. A fotografia aérea é da aviação naval (Abril de 1956). Restituição dos Serviços Cartográficos do Exército. Fotolitografia e impressão: Lito União, V.N.Gaia, s/d.

A edição é/foi da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, do antigo Ministério do Ultramar, s/d. Digitalização efectuada na Rank Xerox, por encomenda do nosso camarada Humberto Reis (2006), que a comprou (não a roubou...) no Centro de Documentação e Informação do Instituto de Investigação Científica e Tropical, em Lisboa.

A escala, como sabes, é de 1 para 50 mil. E eram cartas de um rigor impressionante.

https://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial50_mapa_Nova_Lamego_Gabu.html

Aqui podes ver o índice das folhas confinantes: Paunca, Pirada, Canquelifá | Sonaco, Nova Lamego, Piche | Cansissé, Cabuca, Dalibá

Anónimo disse...

Há algum tempo, o Exmo. Professor Doutor Fernando Rosas - creio que orientador deste doutoramento onde se fala nestas cartas - num programa que passou na RTP (se bem me lembro) relativo Guiné e estando ele na Guiné, não é que o ouvi falar de uma povoação a que ele chamou de GUILAGE... estamos conversados quanto ao rigor e ao conhecimento daquilo que se fala. Baralhava-se todo com Guilege, Gadamael e Guidage. Enquanto historiador deixa muito a desejar. É a minmha opinião.