sábado, 31 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23935: Antologia (88): Cabo Verde: história das suas forças armadas, constituídas a partir de um núcleo de antigos combatentes do PAIGC (excertos de artigo de Pedro dos Reis Brito, "Revista Militar", n.º 2461/2462, de fev / mar 2007)

1 Apesar de tudo, Cabo Verde está também no coração de muitos de nós; os pais de alguns de nós foram lá expedicionários durante a II Grande Guerra; temos camaradas naturais de lá, que estão inscritos na Tabanca Grande; um ou outro dos membros da Tabanca Grande fez lá também a sua comissão de serviço militar,  nalguns casos estiveram lá alguns meses, ou em trânsito para o CTIG, sobretudo no início dos anos 60...  

Cabo Verde é um país da CPLP sobre o qual temos falado pouco... Ou sobre o qual tem havido pouco que falar, aqui no nosso blogue, apesar da presença histórica de Portugal na região e nas ilhas desde meados do séc. XV. E pode vir a ser, num futuro próximo, um parceiro da NATO.

Bem, na realidade temos 470 referências sobre Cabo Verde, o que não é nada mal.  Temos falado pouco de Cabo Verde dos anos 60 para cá, como antiga colónia portuguesa e depois como país lusófono independente.  

Temos falado muito pouco sobretudo da sua discretíssima independência (mas nem por isso "pacífica", dados os interesseses geoestratégicos em jogo, com o PAIGC , pós-Amílcar Cabral, na altura claramente pró-soviético).  

Como temos falado pouco do golpe de estado de 'Nino' Vieira em 14 de novembro de 1980 que deu a machada final no "mito" da unidade Guiné-Bissau / Cabo Verde, tão acarinhado por Amílcar Cabral e um punhado de cabo-verdianos do seu partido e aceite, a contra-gosto, por muitos guineenses (alguns dos quais saudaram efusivamente o golpe, que teve consequências irreversíveis).

Não sou dos saudosistas que pensam que Cabo Verde hoje bem poderia ser uma região autómoma de Portugal  e estar plenamente integrada na União Europeia, tal como as Canárias, os Açores ou a Madeira. A escolha (política) do povo cabo-verdiano é/foi soberana.   

A memória é curta, pelo que é bom recordar  que "a 19 de Dezembro de 1974 foi assinado um acordo entre o PAIGC e Portugal, instaurando-se um governo de transição em Cabo Verde. Este mesmo Governo preparou as eleições para uma Assembleia Nacional Popular que em 5 de julho de 1975 proclamou a independência." (Sítio oficial do Governo de Cabo Verde > O arquipélago > História )

Mas nós aqui temos a natural curiosidade, como antigos combatentes,  em saber o que se passou até à independência, e mesmo depois sob o regime único do PAIGC / PAICV.  E vamos continuar a fazê-lo dentro do respeito do princípio da não-ingerência, dos antigos combatentes da guerra colonial,  na vida interna de Cabo Verde e da Guiné-Bissau (dois países que nos são queridos, além das demais antigas colónias portugueses, hoje países independentes). Além disso, a "morabeza" impõe...


2. Excertos de um artigo publicado na Revista Militar, n.º 2461/2462, fevereiro/março de 2007, "Os Quarenta Anos das Forças Armadas de Cabo Verde", do então tenente-coronel Pedro dos Reis Brito, na reserva, entretanto falecido (1953-2014).

Segundo o semanário Expresso das Ilhas, de 23 de agosto de 2015, este oficial das Forças Armadas de Cabo Verde que atingiria o posto de posto de coronel "entrou para a corporação após ter concluído o estágio de Comissário Político de Companhia, em junho de 1975 em Cuba"... Trata-se, pois, de um dos primeiros elementos a integrar as Forças Armadas da República de Cabo Verde.

Voltando à nossa fonte, "de julho a agosto de 1975, desempenhou as funções de comissário político da Companhia Manuel Monteiro do Comando da Primeira Região Militar, de agosto de 1975 a maio de 1976, desempenhou as funções de comissário político no Centro de Instrução Político Militar do Tarrafal; em 15 de maio de 1976 foi promovido ao posto de segundo-oficial, para a 4 de Janeiro de 1978, ser promovido ao posto de tenente" (...) e em 1995 foi promovido ao posto de capitão, tendo entretanto concluído, em novembro de 1995, "a licenciatura em Economia, por correspondência, na Universidade de Havana, em Cuba".

Era então tenente-coronel quando escreveu este artigo para a "Revista Militar", portuguesa. Desse artigo vamos selecionar com a devida vénia, alguns excertos com factos relevantes para a história das Forças Armadas de Cabo Verde. Vão em itálico e separados por parênteses curvos, os subtítulos são nossos.


As Forças Armadas, uma instituição que orgulha os cabo-verdianos

(...) Celebrar os quarenta anos de existência das Forças Armadas é, de facto, revisitar marcos históricos da Nação Cabo-Verdiana, alguns perdidos no tempo ou nos recônditos da memória, outros mais presentes. Para além da comemoração ser um dever da instituição é, simultaneamente, um tempo de festa - pelas realizações e êxitos conseguidos - e de análise e reflexão com vista a corrigir os erros, projectar melhor o futuro e agir com maior coerência no presente.
 
Trinta e um anos depois da conquista da sua independência, Cabo Verde - este país ilhéu e saheliano do Atlântico médio - deixa o grupo dos PMA (Países Menos Avançados) e ascende à condição de país de desenvolvimento médio. Mérito é, facto, do povo caboverdiano, mérito dos sucessivos governos e mérito das instituições, pequenas e grandes, que enformam o estado e a sociedade. O nível de desenvolvimento atingido nestas dez ilhas é fruto de trabalho árduo e de muitos sacrifícios, (...)


Nesses anos de construção sobressai uma instituição que orgulha os cabo-verdianos e que acaba de completar 40 anos: as Forças Armadas de Cabo Verde. A história das Forças Armadas, assim como a formação da Nação, precede a independência e confunde-se nas trilhas da luta emancipadora com o doloroso, sacrificante e honroso caminhar para a nova aurora.

O Núcleo Fundador das Forças Armadas de Cabo Verde - ver listagem completa no final do artigo - por circunstâncias e vicissitudes diversas - diria, quase, por imponderáveis do tempo histórico - é constituído em meados dos anos sessenta do Século XX e lá do outro lado do oceano.

Realmente, a necessidade de dar inicio à luta armada em Cabo Verde levou a direcção do PAIGC - movimento libertador das Ilhas e da Guiné - no fragor da luta a mobilizar um punhado de jovens de que faziam parte estudantes, camponeses e trabalhadores emigrantes, juntamente com outros militantes anteriormente mobilizados, e enviá-lo a Cuba, onde, em plena clandestinidade e nas montanhas dessa ilha, permanece cerca de dois anos, recebendo preparação militar que seria, posteriormente, continuada na União Soviética.

É a 15 de janeiro de 1967, ainda em Cuba, finda a preparação e em vésperas de partir que, perante Amílcar Cabral, a quase totalidade dos membros do Grupo, individualmente, prestou um juramento solene: “de fidelidade à luta pela independência de Cabo Verde 
[sic 
 ]  fosse em que circunstâncias fosse. Esses jovens, então, afirmaram-se, dispostos para o sacrifício supremo se necessário para se poder alcançar a liberdade da Pátria, mas também pelo seu desenvolvimento e engrandecimento”. (...)

Hoje, é com orgulho que se constata que se cumpriu o Juramento. Por isso, em 1988, o Governo de Cabo Verde no primeiro gesto de reconhecimento da importância deste facto, escolheu e fixou o dia 15 de Janeiro como “Dia das Forças de Cabo Verde” (...)

Em 1975 é nomeado Ministro o Primeiro-Comandante Silvino da Luz e o Primeiro-Comandante Agnelo Dantas nomeado Comandante-Geral das então Forças Armadas Revolucionarias do Povo (FARP).


 Núcleo Fundador das Forças Armadas de Cabo Verde 

Por conseguinte, retomando, a trajectória iniciada nos anos sessenta, feita com perseverança e determinação, pode-se afirmar que, com certeza, se cumpriu, também, o destino. De facto, o Núcleo Fundador das Forças Armadas, após ter-se empenhado duramente em todos os sectores e frentes da luta pela independência, onde alguns dos seus integrantes tombaram no campo da honra, nas vésperas da independência nacional e nos anos que se seguiram, assume activamente a organização das Forças Armadas nacionais, integrando, preparando e dirigindo os jovens voluntários que massivamente se prontificaram em defender o país e prosseguiram edificando as Forças Armadas caboverdianas.

E não se limitaram à esfera militar, tendo-se registado uma vasta e qualitativa participação aos mais altos níveis de actividade do Estado de membros desse Núcleo. Assim, depois da proclamação da Independência Nacional, a Lei de Organização Politica do Estado atribui ao Ministério da Defesa e Segurança - criado pelo Decreto-Lei n.º 4/75 de 23 Julho - a responsabilidade pela defesa da independência, da soberania e integridade territorial, sendo nomeado Ministro o Primeiro-Comandante Silvino da Luz 3 e o Primeiro-Comandante Agnelo Dantas4 nomeado Comandante-Geral das então Forças Armadas Revolucionarias do Povo (FARP).

É o Decreto n.º 26/75 de 20 de Setembro, que cria o Comando-Geral das FARP e Milícias e o Comissariado Político Nacional das FARP, tendo este último à frente o Comandante João José Lopes da Silva. É esta, pois, a liderança - apoiada por vários oficiais, ainda sem postos definidos e sem patentes - que no dia-a-dia vai erigindo o novo “edifício militar” cabo-verdiano, em paralelo com a construção do novo Estado.

(...) Ao longo desses quarenta anos várias foram as gerações de cabo-verdianos que de uma forma ou de outra, viriam a dar o seu indispensável contributo para a formação das Forças Armadas, seguindo as peugadas do Núcleo fundador.  
 
(...) A sua estrutura orgânica sofreu adaptações aos momentos e contextos históricos vividos no país, mas como reestruturação de fundo registam-se: na década de oitenta, a aprovação de legislação estruturante, designadamente a Lei Orgânica, o Estatuto do Oficial e do Sargento, as Normas de Promoção e o Regulamento de Disciplina Militar (RDM); na década de noventa, que começa com introdução de novas missões para as Forças Armadas no quadro da Nova Constituição, a aprovação de leis decisivas destacando-se a Lei das Forças Armadas, a lei que define o estatuto da condição militar, a lei que define a organização global e efectivo das FA, o Estatuto dos Militares, o Estatuto Remuneratório, o Código de Justiça Militar e a revisão de várias outras normas jurídicas, onde sobressai o RDM; no período actual, convencionalmente enquadrado na reforma das Forças Armadas, a elaboração de importantes estudos conceptuais: o Projecto da Reforma das Forças Armadas e o Projecto de Conceito Estratégico da Defesa Nacional; e a adopção de dispositivos conceptuais e legais: as Grandes Opções do Conceito Estratégico da Defesa e Segurança Nacional, a Lei que estabelece o Regime Geral das FA e outros documentos importantes para organização sistémica e integrada da defesa nacional.

Se nos anos noventa se assistiu à criação da Guarda Costeira, composta por Unidades Navais e Unidades Aéreas e à formação da primeira Companhia de Fuzileiros Navais, depois de uma experiência que não vingou em finais dos anos setenta, este período que a instituição vive ressalta a sua reestruturação por forma a poder dar melhor resposta no que respeita, também, à segurança interna.

É assim que surge a Guarda Nacional, que será integrada essencialmente por Unidades de Policia Militar, de Fuzileiros Navais e de Artilharia e a Guarda Costeira, reorientada para os objectivos essenciais da sua constituição que são: a vigilância e fiscalização dos espaços marítimo e aéreo, bem como a sua preparação para acções de busca e salvamento, ao mesmo tempo que se forma a primeira unidade especial de reacção rápida para o enfrentamento das ameaças, sobretudo à segurança interna, de carácter mais violento.

Antes de abordar as realizações de vulto no seio das Forças Armadas, no transcurso de tempo decorrido, importa dizer que a perenidade da instituição deve muito ao seu papel que tem desempenhado e à sua utilidade na sociedade. Realmente, não obstante estar vocacionada e lhe seja cometida pela Constituição a “… defesa militar da república contra qualquer ameaça ou agressão externa.”, e ainda para missões com maior afinidade com a responsabilidade referida, aliás assumida em demais leis que enformam o corpo normativo da instituição, elas têm sabido dar uma contribuição de valor em várias outra frentes do desenvolvimento.

O testemunho da sua presença começa nas campanhas de arborização e protecção do meio ambiente e vai até ao apoio às populações em tempos de crise. No concernente a realizações, propriamente ditas, deve-se registar que o crescimento da instituição castrense cabo-verdiana foi acompanhado de um grande esforço no sector da formação de quadros. Desde o início as Forças Armadas preocuparam-se com a formação dos seus efectivos no domínio técnico-militar e no cultural, independentemente da sua condição de prestação de serviço, visto que a formação do homem é sempre um investimento no desenvolvimento.

É gratificante encontrar pelo país fora, nos mais diversos ramos de actividade, profissionais de níveis e especialidades mais díspares formados pelas Forças Armadas ou graças à sua acção e apoio. Eles são professores e músicos, médicos e enfermeiros, engenheiros e marinheiros, técnicos de construção civil, etc. Dificilmente, o nível de desenvolvimento e o estádio de organização seria atingido se não tivéssemos contado durante esses 40 anos com a colaboração internacional.

Com efeito, o crescimento das Forças Armadas, desde do primeiro instante teve na cooperação técnico-militar um elemento fundamental e o leque de apoiantes é extenso: países como a antiga União Soviética, os Estados Unidos da América, Portugal, a França, a Angola, a Alemanha, China, Cuba e Senegal têm sido excelentes parceiros nas várias etapas da vida das FA, tendo o Governo, através do Ministro da Defesa, na década de noventa do século passado, em sinal de reconhecimentos e agradecimento, agraciado algumas das suas representações aqui no país, com a Medalha Militar de Serviços Relevantes.

Mas a presença internacional das Forças Armadas não se tem limitado à cooperação, no plano operacional as tropas cabo-verdianas, nos últimos anos têm tido uma participação em vários exercícios internacionais, o que evidencia o bom nível de preparação das nossas tropas no total de treze exercícios militares multinacionais, no quadro da CPLP (...).

As Forças Armadas cabo-verdianas completaram, no passado dia 15 de Janeiro 40 anos de existência. A efeméride vem sendo comemorada desde o mês de Novembro, tendo o Programa iniciado com a cerimónia de condecoração de militares e civis que participaram com brilho no Exercício da NATO “STEADFAST JAGUAR 2006”, pela Ministra da Defesa Nacional.

O ponto alto da celebração aconteceu na Cidade da Praia no dia 14 em que foram homenageados os Membros do Núcleo Fundador da instituição. O Acto Central do 40.º aniversário das Forças Armadas de Cabo Verde foi assinalado no passado dia 14 de Janeiro - Domingo, presidido por Sua Excelência o Presidente da República, Pedro Verona Rodrigues Pires. O acto contou, também, com a presença do Primeiro-Ministro, Dr José Maria Pereira Neves.

Durante a cerimónia, carregada de simbolismo e emoção, foi homenageado o Núcleo Fundador das Forças Armadas, que recebeu do Chefe do Estado-Maior das FA a Medalha Estrela de Honra das Forças Armadas. A medalha colectiva foi recebida, em representação do Núcleo, pelo 1.º Comandante Agnelo Dantas, membro do núcleo, em seguida ela foi oferecida às Forças Armadas, sendo colocada no Estandarte das FA pelo Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, Pedro Pires, então Líder do Núcleo Fundador.

Os membros do Núcleo presentes (14) receberam as correspondentes insígnias representativas da condecoração colectiva. Usaram da palavra no acto o 1.º Comandante Agnelo Dantas - ex-Chefe do Estado-Maior das FA, em nome do Núcleo para agradecer a homenagem recebida, a Ministra da Defesa Nacional, Dra Cristina Fontes Lima, o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Coronel Antero Matos e o Presidente da República, Pedro Pires.

A cerimónia terminou com um desfile das Forças em parada, que integrou a Infantaria da Guarnição do Estado-Maior das FA, a Polícia Militar, a Artilharia de Campanha, a Defesa Aérea e a Banda Militar da terceira Região Militar e os Fuzileiros Navais da Guarda Costeira, num total de 300 militares. 

De ressaltar que enquadrado no Programa de comemorações que se prolongará até 18 de Março - Dia da Unidade “Justino Lopes”, do Comando da 3.ª Região Militar - foram realizados: o Exercício Militar “Zézé Aguiar”, levado a cabo nos Concelhos de Santa Catarina e São Miguel, na ilha de Santiago; os Jogos Militares Nacionais, em que a equipa da 3.ª Região Militar se sagrou vencedora; palestras alusivas à data em vários estabelecimentos de ensino do país; paradas militares nas sedes das 1.ª e 2.ª Regiões Militares; e encontros entre militares no activo e Combatentes da Liberdade da Pátria, na sua maioria militares e/ou Membros do Núcleo Fundador. (...)


MEMBROS DO NÚCLEO FUNDADOR DAS FORÇAS ARMADAS DE CABO VERDE

Primeira Unidade Combatente de Cabo-verdianos

1. Alcides Évora (Batcha)
2. Afonso Gomes*
3. Agnelo Dantas
4. Amâncio Lopes
5. António Leite
6. Armando Fortes
7. Armindo Ferreira
8. Estanislau João Ramos
9. Fernando dos Santos Rosa
10. Honório Chantre
11. Jaime Mota*
12. Joaquim Pedro Silva (Barô)
13. José Anselmo Corsino
14. Júlio César de Carvalho
15. Manuel Jesus Gomes
16. Manuel João Piedade
17. Manuel Maria dos Santos
18. Manuel Monteiro
19. Manuel Pedro dos Santos
20. Maria Ilídia C. Évora
21. Nicolau Pio*
22. Olívio Melício Pires
23. Osvaldo Azevedo
24. Pedro 
[Verona Rodrigues ] Pires**
25. Silvino Manuel da Luz
26. Sotero Nicolau Fortes
27. Wlademiro Carvalho*.

* Já faleceram (até à data da publicação do artigo)

** Líder do Grupo

*** (LG) Falecidos depois da data do artigo (2007): (i) Joaquim Pedro Silva (Baró) (2019)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Linsk / Parênteses retos com notas / Subtítulos: LG. ] 

[ Não nos compete contestar ou apoiar a tese do autor, que já é de resto institucional, sobre a data de 15 de janeiro de 1967, em que um punhado de jovens cabo-verdianos jurou lutar pela libertação de Cabo-Verde, na presença de Amílcar Cabral, em Cuba,  no final do seu treimo e formação político-militares. O assunto já é do domínio da história e do seu contraditório, não devendo, por isso,  servir para degradar ainda mais  as relações entre antigos militantes do PAIGC e,  nomeadamente, entre guineenses e cabo-verdianos. ]
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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23905: Antologia (87): Apresentação do livro de Daniel dos Santos, "Amílcar Cabral: um outro olhar", pelo eng.º Armindo Ferreira, na Praia, em 5/9/2014

Vd. também poste de 20 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23899: Antologia (86): Excertos da entrevista de Daniel Santos, ao "Expresso das Ilhas" (15/9/2018): Amílcar Cabral e a "falsificação da história"

Guiné 61/74 - P23934: Os nossos seres, saberes e lazeres (548): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (83): Uma visita ao Ashmolean, o Museu de Arte e Arqueologia da Universidade de Oxford (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Impensável passar férias no Condado de Oxford sem bater à porta do Ashmolean; em visitas passadas, pré-estabelecia usufruir umas vezes do Mundo Antigo ou subir ao terceiro andar para apreciar pintura de renome mundial; mas não conheço nenhum museu que tenha um espaço como este intitulado "Explorando o passado", é uma pedagogia de mestres para cativar jovens, dando-lhes a perceber a importância de conservar e restaurar, atraí-los para o conhecimento histórico e artístico através da escrita e da sucessão de materiais que levaram até ao livro, a história do dinheiro, é uma vivacíssima viagem através da história material e imaterial como não conheço outra. E aqui fica uma amostra dos tesouros, quem sabe se o leitor não vai um dia destes visitar Oxford, então não perca a oportunidade de conhecer este expoente da museologia e da museografia.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (83):
Uma visita ao Ashmolean, o Museu de Arte e Arqueologia da Universidade de Oxford

Mário Beja Santos

Com que alegria, com que frenesim e entusiasmo, aqui chego, sabendo antecipadamente que serei surpreendido num dos mais belos museus do mundo, para os britânicos é o seu primeiro museu público, alberga meio milhão de anos de história humana e criatividade, desde a sua monumental representação da história egípcia até à arte moderna. Lord Ashmole tinha um gabinete de curiosidades, foi o ponto de partida para o museu que nasceu em 1683 e que hoje está albergado neste edifício neoclássico que data do final da primeira metade do século XIX. À entrada entregam-nos um folheto com uma proposta de um conjunto de obras para quem vem com o tempo comprimido. Aprendi muito com um incidente que sofri na Galeria dos Ofícios, em Florença. Ia para uma reunião de trabalho, proporcionou-se ir um dia mais cedo, ficava por conta própria, sem ilusões de que ia ver Florença por um canudo. Naquele tempo os museus italianos abriam às 8h30 e fechavam às 14h, uma hora antes já ali estava pespegado, devia ter a presunção que estava capaz de absorver o conteúdo daquele fabuloso museu. Comecei no duecento, depois o trecento, depois o quattrocento, ainda não eram 12h e em frente ao Nascimento de Vénus, de Botticelli, veio-me uma formidável dor de cabeça, ocorreu-me que tinha chegado a minha hora, fui a correr para a pensão, lá sosseguei com dois comprimidos de paracetamol e umas horas de descanso. Agora nunca mais, agarro no mapa e escolho um conjunto de obras, subo e desço airosamente sem me agarrar a cronologias ou movimentos artísticos. O Ashmolean tem uma secção que eu considero das mais pedagógicas em museologia e museografia, dedicada à conservação de objetos, à história dos têxteis, da escrita e da leitura e do dinheiro, é tão cativante que não acredito que os jovens não saiam dali fascinados.
Bom, vou passear-me entre o mundo egeu, o velho Chipre, o Egito antigo, o próximo Oriente, a pintura chinesa, a escultura greco-romana e o mundo grego, a Índia e a Itália antes de Roma vão ficar para outra visita.
O Ashmolean possui belas peças da escultura síria e impressiona-me muito este acervo da cultura cicládica, há mesmo um museu em Atenas só dedicado a esta cultura, é de um valor impressionante, permite-nos conhecer a arte do mediterrâneo oriental naquele berço do comércio marítimo que precede as viagens fenícias.
Continuo no Mundo Antigo e as suas manifestações artística deslumbrantes, temos aqui Cnossos, é um dos momentos gloriosos da arte cretense.
Senti-me tentado a visitar as diferentes salas da escultura greco-romana, fiquei-me por esta com os seus moldes em gesso, dei comigo a imaginar como terá sido deslumbrante aquele centauro à esquerda.
Já cheguei ao século XIX, há uma imensidão de obras para fruir, comecei com aquele esplêndido van Gogh e não resisto a mostrar-vos esta mulher de Manet, cativa-me a depuração nas linhas, a quietude do rosto, ela é figura que o genial pintor escolheu para centrarmos o nosso olhar, o resto é sóbrio, um fundo de encenação que parece projetar a figura para fora do quadro.
Acertei na escolha, gosto dos Pré-Rafaelitas, eles estão presentes em vários lugares do Condado de Oxford, William Morris tinha a sua casa de verão em Kelmscott Manor, Burne-Jones trabalhou em várias localidades, caso dos vitrais na igreja normanda de Eaton Hastings e Buscot Manor. Foram geniais nas artes decorativas, como exemplificam estas duas peças de mobiliário e não resisti a fotografar esta escultura do Diabo, tem uma envolvente original.
Rendo-me a estas atmosferas onde se respira romantismo, naturalismo, há mesmo uma alvorada ténue de realismo e simbolismo. O primeiro quadro é de Turner, impressiona aquele ambiente montanhoso, fixamo-nos na ponte, e fica-nos a questão em aberto de como se pode miniaturar, com tal rigor e precisão, aquele gigantismo alpino; Edward Lear é o autor do quadro de Jerusalém, impressiona como o artista reparte os espaços, o declive agreste e talvez um contemplação de pastores sobre aquela cidade suave onde estão representadas as mais importantes religiões teístas, evola-se daquele branco o sigilo da contemplação divina.
Já chega de emoções, despeço-me com bela azulejaria turca e holandesa, ainda vou cumprimentar o coronel Lawrence da Arábia, embora custe a acreditar que esta era a sua indumentária, foi um construtor de nações e um dos grandes autores de língua inglesa. E agora vou andarilhar por Oxford, a cidade prepara-se para as exéquias de Isabel II.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23914: Os nossos seres, saberes e lazeres (547): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (82): Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23933: Parabéns a você (2132): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23923: Parabéns a você (2131): António Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCS/BCAÇ 2884 (Bissau, Buba e Pelundo, 1969/71)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23932: Boas festas 2022/23 (13): E o nosso coeditor jubilado Virgínio Briote saiu-se com esta...

1. O Virgílio Briote, nosso querido "coeditor jubilado", um histórico do nosso blogue, para começar bem o ano, e animar a caserna (!), foi desencantar "esta", que eu aceito também como "prova de vida"... 

Ando tão "piurso" e tão desanimado da vida, há 15 dias que não saio de casa com um merda que pode ter muitos nomes (fruta da época, virose, gripe, covid, pêdêi, depressão de natal & fim de ano...), que aceito qualquer "piada" que me faça sorrir, mesmo com meia cara e uma muleta... 

É que nem sequer tenho nada de jeito para publicar no fim do ano... e o balanço do ano é francamente mau: foram mais os que saíram pela lei natural da vida do que os que entraram na Tabanca Grande (tão poucos que se contam pelos dedos!)...

Obrigado, Vb, vou tentar entrar o melhor possível no Novo Ano (já não sei como se faz com as pilhas em baixo, e trocando os pés...), é um ano que será (para mim, para o blogue, para nós, editores, colaboradores permanentes, autores, leitores, comentadores, etc.) um ano de grandes decisões: afinal vamos fazer 19 anos de existência, em 23/4/2023, e a p... da guerra já acabou há muito!... (Ou deveria ter acabado, tenho aqui um garrafa de espumante de Sacavém, que vai passando de ano para ano, à espera que...  a guerra acabe de vez!)...

********************

Data - 30 dez 2022 , 20:17
Anedota - Colegas de escola... !

Entrem bem, não se esqueçam…

Abraço
V. Briote

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2. Já lhe aconteceu, ao olhar para pessoas da sua idade,  pensar: "não posso estar assim tão velho(a)?!"... Veja o que me contou uma amiga.

Estava sentada na sala de espera para a minha primeira consulta com um novo dentista, quando observei que o seu diploma estava exposto na parede.

Estava escrito o seu nome e, de repente, recordei-me de um gajo moreno, alto, que tinha esse mesmo nome.

Era da minha turma do Liceu, uns 30 anos atrás (!), e eu perguntei-me: "poderia ser o mesmo rapaz por quem eu tinha tido uma paixoneta na altura?!"

Quando entrei no gabinete, afastei essa ideia. Este homem grisalho, quase calvo, gordo, com um rosto marcado, enrugado... era demasiado velho para ter sido do meu tempo de liceu.

Depois de ele ter examinado o pobre meu dente, perguntei-lhe se tinha estudado no Pedro Nunes.

 − Sim, sim  −  respondeu.

  E quando é que saiu?   − perguntei.

  1985. Por que é que a senhora pergunta?

 − É que... bem... o senhor era da minha turma!

E então, "aquele velho horrível daquele dentista,  cretino, careca, barrigudo, flácido, filho da mãe, lazarento, safado " (!) saiu-me com esta:
 
− A senhora era professora...  de quê?
__________

Guiné 61/74 - P23931: Boas festas 2022/23 (12): Mensagem do nosso camarada António Graça Abreu, com oferta de dois poemas breves, do poeta chinês Su Dongpo (1037-1101)

O escritor e tradutor
António Graça
de Abreu com a esposa,
Hai Yuan

1. Do nosso António Graça de Abreu, que regressou há algumas semanas de um cruxeiro à África do Sul (Durban, Cidade do Cabo...) (vem moderadamemte otimisma sobre a classe média negra que lá, sob o  regime de Mandela,  se está a desenvolver, contrastando com a miséria social que continua por essa África subsariana fora que se libertou do colonialismo há 50/60 anos)... 

Deseja-nos a todos boas festas e as melhoras do editor e fundador do blogue, com a oferta de dois "jueju" do grande poeta chinês Su Dongpo (1037-1101), traduzidos primorosamente por ele:


Data - 29 de dezembro de 2022, 00:59  
Assunto  - Dois jueju, poemas breves, vinte caracteres,  
de Su Dongpo (1037-1101)



Vazio e silêncio


欲令诗语妙

无厌空且静

静故了群动

空故纳万境




Para a maravilha do poema,

o melhor é o vazio e o silêncio.

Em silêncio, floresce tudo o que se move,

o vazio alberga dez mil imagens.




我心空无物

斯文定何间

君看古井水

万象自往还




O meu coração vazio, suportando coisa nenhuma,

não importam as comezinhas coisas do mundo.

Olhem a água de um velho poço,

dez mil imagens aparecem, desaparecem. 
[1]

Nota do tradutor:

[1] A propósito destes versos, do silêncio e da água no velho poço, escreve He Qing, letrado chinês nosso contemporâneo:

Le vide et le silence sont considérés comme le principe premier de la poésie. Plus um poème sonne vide et silencieux, plus il gagne en valeur esthétique.

(…) On peut imaginer ce silence, cette immobilité, cette limpidité, cette fraicheur, cette profondeur temporelle de l’eau d’un puits ancien, et se figurer que cette eau silencieux reflète, sereinement, les vols d’oiseaux, les voyages des nuages. les vibrations de la lumière du soleil, les oscilations des brins d’herbes et des branches des arbres, les mille couleurs de la nature. Dans cette image poétique reside non seulement la plus grande sagesse chinoise, mais aussi l’état ideal de l’ésthétique chinoise: rester ancré dans le silence le plus profund et contempler les mouvements les plus intimes de l’univers…

Tr. do Google, fr / pt (LG):

O vazio e o silêncio são considerados o princípio primordail da poesia. Quanto mais um poema soa a vazio e silêncio, mais ele ganha em valor estético. (…) Pode-se imaginar este silêncio, esta imobilidade, esta limpidez, esta frescura, esta profundidade temporal da água de um velho poço, e imaginar que esta água silenciosa reflite, serenamente, os voos dos pássaros, as viagens das nuvens. as vibrações da luz solar, as oscilações dos fios de ervas e galhos de árvores, as mil cores da natureza. Nesta imagem poética reside não só a maior sabedoria chinesa, mas também o estado ideal da estética chinesa: permanecer ancorado no silêncio mais profundo e contemplar os movimentos mais íntimos do universo

Fonte: He Ding, Images du Silence, Pensée et Art Chinois, Paris, L’Harmattan, 1999, pag. 80.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
O trabalho de investigação de Hurley e Matos, que aqui se condensa, tem, para além do mérito próprio da probidade da avaliação dos factos que fazem, revelar a insídia que se veio a montar acerca dos primeiros líderes militares na Guiné, na eclosão da guerrilha. Louro de Sousa, nomeado comandante-chefe em cima dos acontecimentos, enviou sempre ao Governo relatórios fidedignos da crescente guerrilha, não dispunha de nenhum sistema de informações fiável, deparou-se com a fuga das populações e uma tremenda falta de recursos, nomeadamente terrestres e aéreos para contrariar os efeitos da guerrilha, que se manifestava muito atuante na região Sul, no Corubal e no Morés, principalmente. Não havia informações sobre os efetivos da guerrilha, nem até mesmo das bases de apoio na República da Guiné Conacri. Os efetivos eram tão minguados que quando o capitão Alípio Tomé Pinto chegou a Binta, em 1964, este importante porto estava praticamente cercado por forças e população afeta ao PAIGC. Hurley e Matos diagnosticam aqui as carências de meios aéreos e mostram como Louro de Sousa e a FAP estavam conscientes de que se impunha um abrir mão a meios humanos e materiais de grande envergadura. Era sempre tudo às pinguinhas, a fartura só virá com o superstar Spínola.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Os capítulos subsequentes permitem-nos ter, mediante processo diacrónico, a evolução dos decisores políticos quanto à formação e equipamento da FAP nos diferentes teatros de operações, e depois o trabalho incide sobre a Guiné, os equipamentos existentes no período que precede a eclosão da guerrilha e as sucessivas respostas para permitir à FAP sucesso na multiplicidade dos desempenhos. Estamos agora a acompanhar a evolução dos primeiros anos da guerra e a resposta da FAP.

Como vimos no texto anterior, o General Venâncio Deslandes deslocou-se à Guiné e produziu um relatório alertando para a gravidade da situação, propôs um conjunto de medidas para melhorar a eficácia do aparelho político-administrativo, incluindo a fusão da estrutura do comando militar, recomendação que foi posta em prática no ano seguinte, mas em 1963 a autoridade política e militar permaneceu dividida entre o Governador Vasco Rodrigues e o Comandante-Chefe Louro de Sousa. A falta de entendimento entre os dois oficiais inevitavelmente criou atrito e complexidade desnecessária no planeamento militar. Deslandes recomendou igualmente o emprego de forças de “intervenção” de reação rápida capazes de responder rapidamente a atos hostis que se pudessem desencadear em qualquer ponto do território.

Baseado em parte na insistência de Deslandes, chegaram a Bissalanca em setembro os primeiros helicópteros Alouette II, “emprestados” do Esquadrão 94 em Angola, foram os precursores da frota de helicópteros que irá gradualmente revelando significativa. Um relatório suplementar de 1963, do Tenente-Coronel Augusto Brito e Melo da Secretaria-Geral da Defesa Nacional, deu ênfase às necessidades da FAP na Guiné. O dispositivo aéreo em Bissalanca incluía sete F-86, oito T-6, oito Austers, três C-47, um Broussard, um P2V-5 Neptune (este em alerta na Ilha do Sal). Os aviões Sabre estavam atrasados. Brito e Melo não deixava de sublinhar que “a coordenação ar-terra é deficiente e, portanto, a eficiência da campanha ar-terra é baixa”.

Enquanto Deslandes e Brito e Melo redigiam os seus relatórios, a FAP sofreu as suas primeiras perdas em combate na Guiné. Em 22 de maio de 1963, no decurso da operação Seta, aviões F-86 e T-6 atingiram alvos no reduto da guerrilha na Ilha do Como. O Furriel António Lobato, tendo suspeitado sido atingido por fogo de metralhadora, pediu ao seu asa, Eduardo Casals, que voasse por baixo dele e inspecionasse a parte inferior para avaliar os danos. O T-6 de Casals tocou na hélice de Lobato durante a inspeção, o que causou a queda do avião de Casals e a sua morte (o seu corpo foi recuperado nesse mesmo dia pelas forças portuguesas). Lobato conseguiu direcionar o seu avião danificado para um arrozal, onde foi capturado por militantes do PAIGC, assim começava o cativeiro mais longo da Guiné, ele passaria os próximos sete anos recluso, primeiro na Maison du Force de Kindia e depois na prisão de La Montaigne em Conacri. Foi o único aviador português prisioneiro de guerra.

Apenas nove dias depois de Lobato ter sido capturado, em 31 de maio, dois F-86 pilotados pelo Capitão Fausto Valla e pelo 2.º sargento Manuel Pereira Clemente, enquanto realizavam uma missão de bombardeamento na região de Bedanda, as aeronaves sofreram estilhaços de uma das suas próprias bombas de 250 kg, os pilotos voltaram imediatamente para Bissalanca, mas o F-86 de Fausto Valla incendiou-se, forçando-o a ejetar-se. Pereira Clemente conseguiu aterrar em Bissalanca sem mais incidentes, depois de despejar a sua artilharia no Geba, o jato de Fausto Valla explodiu antes de chegar a Bissalanca. Três meses mais tarde, a FAP sofreu uma das perdas mais mortíferas da guerra quando um Auster caiu após bater numa palmeira quando descolava de Bissalanca, em 4 de setembro. Nenhum dos três aviadores a bordo (Alferes Eduardo Spínola Freitas e José Madureira Nobre e Primeiro-Sargento José Pinheiro Garcia) sobreviveu. No mês seguinte, ãem 14 de outubro, o Capitão João Cardoso Rebelo Valente faleceu quando o seu T-6 se despenhou durante manobras na região de Morés-Olossato.

Os desaires da FAP continuaram quando o único Broussard sofreu um grave acidente, nove meses depois de ter sido introduzido no teatro da guerra; em 4 de dezembro um segundo Auster descolou e caiu, matando o piloto 2.º Sargento André Miranda Farinha e dois meteorologistas da FAP, Tenente Austrelindo Gaspar Dias e o 1.º Sargento Humberto Silva Matos. Em síntese, a FAP perdeu sete aeronaves e sete pilotos (seis mortos e um prisioneiro) devido a acidentes ou fogo hostil durante o primeiro ano de guerra – uma taxa considerada insustentável.

Em setembro de 1963, Louro de Sousa, perante o Conselho Superior da Defesa Nacional, reclama mais aeronaves para apoiarem operações previstas, pediu entre dez e quinze helicópteros Alouette III para substituir os três helicópteros Alouette II; pediu mais doze T-6, nove DO-27 e quatro F-86. Durante a sua exposição, destacou a insuficiente cobertura aérea, a inadequada capacidade de reconhecimento aéreo para assegurar eficiência às suas forças na Guiné. Louro de Sousa, tendo exposto o caráter das operações da guerrilha do PAIGC, apelou ao envio de forças de reação rápida incluindo paraquedistas e transporte aéreo adequado – no fundo, seguia as propostas de Venâncio Deslandes.

A operacionalidade dos meios aéreos disponíveis era um tremendo desafio. De acordo com uma avaliação da 1.ª Região Aérea, elaborada em agosto de 1963, apenas metade dos oito Auster em Bissalanca estava em condições operacionais, os outros em grandes reparações ou a aguardar peças. Um dos quatro DO-27 recém-entregues a Bissalanca já estava inoperável, por falta de peças. A situação complicava-se por falta de mecânicos e pelo uso criterioso de baterias. A eficácia de combate do T-6 estava limitada pela ausência de informações técnicas sobre o uso e manutenção das armas. Três C-47 estavam na revisão periódica nas OGMA, e a falta de peças de substituição era crónica. Na Ilha do Sal, os dois Neptune também se debatiam com limitações operacionais devido à falta de recursos. O relatório da 1.ª Região Aérea avaliou os oito caças Sabre como operacionais, apontava-se para obrigatoriedade de um ciclo periódico de manutenção; considerava-se que o armamento dos F-86 era precário, exigindo substituições nos dispositivos de suporte das bombas. Em agosto de 1963, o Coronel Krus Abecassis, Chefe-de-Estado-Maior da 1.ª Região Aérea, identificou a necessidade de enviar para Bissalanca oficiais experientes para preencher vagas e alertou para a escassez de especialistas em comunicação. Na já referida reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional, Louro de Sousa instou para o reforço dos quadros superiores, era indispensável a presença de dois tenentes-coronéis em Bissalanca.

Por último, havia a necessidade imperiosa de enviar meios financeiros para melhorar as instalações, quartéis, torres de vigilância e iluminação perimetral. Louro de Sousa apelou à introdução de radares e sistemas de comunicação adequados e equipamentos para lidar com qualquer intrusão do espaço aéreo da Guiné. Já ao tempo havia a preocupação dos meios aéreos dos dois vizinhos hostis.

Operações portuguesas de contraguerrilha, 1963
Destroços do T-6 do capitão Rebelo Valente que caiu em outubro de 1963 (Coleção Alberto Grandolini)
Outra imagem da queda do T-6 do capitão Rebelo Valente (Coleção Alberto Grandolini)
Um P2V-5 Neptune na Ilha do Sal, ao lado de um F-86 que esporadicamente era enviado para Cabo Verde para participar na defesa aérea local (Coleção Touricas)

(Continua)

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Notas do editor:

Poste anterior de 23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23922: Notas de leitura (1537): Germano Almeida, prémio Camões (2018), filho de pai português e mãe cabo-verdiana, explica a origem mítica de Cabo Verde: uma criação divina, não por maldição... por distração (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P23929: Fotos à procura de uma legenda (167): "Apanhado" na Guiné, "apanhado" no PREC, "apanhado" por viver 287 km dentro (!) do Círculo Polar Ártico!... (J. Belo, Suécia)

Um aquário decorado com corais e cornos de rena... e temperatura amena, (24,9º)... Coisas do nosso J. Belo (que está vivo e recomenda-se, embora irremediavelmente "apanhado do clima")




1. Mensagem de Joseph Belo:

Data - quinta, 29/12/2022, 17:46

Assunto - Os "apanhados" do blogue com votos de Bom Ano Novo

“Apanhado” na Guiné,” Apanhado” no PREC,” Apanhado” por viver há 44 anos a 287 quilómetros dentro (!) do Círculo Polar Árctico!

(Obviamente que o aquário é decorado com… cornos de rena!!!!.)

Um abraço, 
J. Belo


2. Comentário do editor LG:

Dizia-se dos gajos, no meu tempo, chegavam da Guiné, que vinham "apanhados do clima"... Eu, que ainda estava do lado de cá do cais de embarque, em vésperas de partir no "Niassa" (em 24/5/1969) só depois é que me dei conta que os portugueses, em matéria linguística, são um povo criativo...

Mas os lexicógrafos, os dicionaristas, os especialistas de língua (e dedo),  vêm-se em papos de aranha para acompanhar o ritmo de produção das "frases feitas"... Esta é uma delas, "Apanhado do clima"... Mas já em 20/2/1998, o especialista do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, José Neves Henriques, lá tentava em vão satisfazer a curiosidade de uma consulente sobre a origem da expressão "anda tudo apanhado do clima".

(...) "Estamos em presença duma frase feita que anda por aí. É muito difícil saber a origem de frases e de diversas expressões desta natureza. Às vezes têm origem na representação de tal ou tal obra de teatro, fita cinematográfica, etc., como é o caso desta, que já pouco se ouve: Não tens planta nenhuma. Dos dicionários que tratam especificamente destas coisas, nenhum regista a frase apresentada pela nossa consulente. E mesmo que registasse, como saber a origem?

Orlando Neves publicou um «Dicionário das Origens das Frases Feitas». Elas são tantas, tantas!... São milhares. Pois o autor só conseguiu dar a origem dumas trezentas e tal. É muito difícil. Não conheço quem informe do que deseja saber.

José Neves Henriques  20 fev. 1998" (...)

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/anda-tudo-apanhado-do-clima/1878 [consultado em 30-12-2022]

Já o termo "apanhado" consta do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa:

a·pa·nha·do
(particípio de apanhar)

adjectivo

1. Que se apanhou.

2. Tacanho, mesquinho, estreito.

3. [Portugal, Informal] Que não é bom da cabeça ou age de modo insensato (ex.: é um casal simpático mas um bocado apanhado). = PIRADO

4. [Portugal, Informal] Que está dominado por sentimento de grande paixão (ex.: ficou logo apanhada pelo amigo do irmão; o tipo é completamente apanhado por futebol). = APAIXONADO
nome masculino

5. Resumo.

6. Refego, prega.

7. [Cinema, Televisão] Filmagem, geralmente feita com câmara escondida, onde os participantes são surpreendidos com situações cómicas, constrangedoras, provocatórias ou insólitas.

"apanhado", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/apanhado [consultado em 30-12-2022].

Cá no blogue, em mais de 5 mil descritores, "tags" ou marcadores", também temos a frase feita" "apanhados do clima"... Vinte e cinco referências pelo menos, embora ainda não tenha arriscado uma definição. 

... Apesar de tudo, ninguém nos ligou nada. Tanto gritámos estes anos todos que estávamos "apanhados do clima", que aconteceu o que aconteceu com a história do rapaz e do lobo... Os gajos da aldeia cansaram-se, preferiram tratar da vidinha de cada um e que se lixe as ovelhas do rapaz!... E pior: o presidente da junta, que é do partido dos animais, até deu uma medalha de mérito ao lobo... que zela pela biodiversidade e pela liberdade de presas e predadores lá nos baldios.... O sacana do rapaz é que era "apanhado do clima", coitado... Pode ser que melhore com as alterações climáticas que toda a gente, há anos, grita que aí vêm... Mas o presidente da junta não ouve, usa aparelho...
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Nota do editor:

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23928: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XV: Op Ebro, março de 1965, ajudando o BCAV 490 a reocupar Canjambari


Guiné > Região do OIo > Farim > Canjambari > c. 1969/71 > Foto do Carlos Silva, publicada a preto e branco no livro do Amadu Djaló, na pág. 115. O Carlos Silva foi fur mil arm pesa inf,  CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71).

Foto (e legenda): © Carlos Silva (2010).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais um excerto das memórias do nosso camarada Amadu Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), membro da nossa Tabanca Grande desde 2010, terá sido o único, até agora dos nossos camaradas guineneses, que deixou em vida um livro com as suas memórias:  "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.).

O Virgínio Briote (foto à direita), um histórico do nosso blogue, nosso coeditor jubilado, disponibilizou-nos o manuscrito da obra, em formato digital, no qual trabalhou, com o autor, durante cerca de um ano, com infinita paciência, generosidade, rigor e saber. Na prática, ele exerceu aquilo a que se chama nas editoras as funções de "copydesk" (editor literário). O livro nunca teria sido escrito, tal como o conhecemos em papel sem esse contributo essencial do Virgínio Briote: nascido em Cascais, frequentou a Academia Militar, foi alf mil cav em Cuntima, CCAV 489 / BCAV 490 (Jan-Mai1965);  fez o 2º curso de Comandos do CTIG; comandou o Grupo Diabólicos (Set 1965 / Set 1966); regressou em jan 1967; casado com a Maria Irene, professora do ensino secundário ref., foi quadro superior da indústria farmacêutica.



Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.

A edição de 2010, da Associação de Comandos, com o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está infelizmente há muito esgotada. E não é previsível que haja, em breve, uma segunda edição, revista e melhorada. Entretanto, muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro, nem muito menos o privilégio de conhecer o autor, em vida.


Amadu Djaló (1940-2015)

Recorde-se, aqui, o último poste desta série (*): O Grupo de Comandos "Fantasmas", da Companhia de Comandos do CTIG, comandado pelo alf mil 'comando' Maurício Saraiva, nascido em Angola,  faz uma rápida incursão nas matas do Oio, a norte de Bissorã... Estamos agora en finais de março de 1965,  o Grupo vai participar na Op Ebro, destinada a recuperar o controlo de Canjambari, nas mãos do PAIGC,


A luta por Canjambari (pp. 115/118)

por Amadu Djaló 

Em Março [1] de 1965, saímos para o Norte, para Farim. Estavam a decorrer operações do Batalhão de Cavalaria 490, com o objectivo de ocupar a povoação de Canjambari, que até àquela altura era uma zona onde a guerrilha andava à vontade.

Saímos do aeroporto de Bissalanca num Dakota que nos levou para Farim. Daqui partimos em coluna, primeiro até Jumbembem e depois virámos à direita, até ao cruzamento de Canjambari, onde já estava uma companhia do batalhão a ocupar a povoação. Era só tropa, população não tinha nenhuma. Os únicos vizinhos que eles tinham eram os guerrilheiros do PAIGC.

Eram aproximadamente 13 ou 14h00, quando lá chegámos. A coluna não se demorou, deu logo a volta, de regresso a Farim. Entrámos na povoação fortificada e ali nos mantivemos até à hora de saída, que estava prevista para o anoitecer.

Não tínhamos que andar muito, o nosso objectivo era o acampamento de Tite Sambo, situado muito perto do quartel das nossas tropas.

Por volta das 20h00, arrancámos directos a Canjambari lojas. Eu era o primeiro homem do grupo. O alferes Saraiva mandou cortar à esquerda, para deixarmos a estrada que divide a pequena povoação ao meio. Desconfiávamos que a guerrilha tinha sentinelas na área das lojas de Canjambari.

Para a esquerda, para onde o alferes nos tinha mandado seguir, era só capim seco. Progredir num terreno assim era quase impossível manter o silêncio. Espaçámos os intervalos entre nós, sempre com a preocupação de caminharmos com o mínimo de barulho. Atrás da primeira loja, estava a travessia de um pequeno curso de água[2]. A ponte era uma prancha e no outro lado do riacho calculávamos estar o quartel-general de Samba Culo.

Quando cortámos à esquerda, redobrámos ainda mais os cuidados. A noite estava muito escura, não havia luar e o capim seco estava a dificultar-nos a marcha. Ainda não tínhamos acabado todos de entrar no capim, ouvimos uma sentinela, em crioulo, a perguntar alto:

- Quem está partir capim ali?

Parei logo e abaixei-me de vagar, até os meus joelhos tocarem no chão. Fui continuando a deslizar para o chão, até ficar de gatas. O alferes fez a mesma coisa, depois apoiou a G-3 nas minhas costas, apontando para a frente. A sentinela voltou a falar alto com alguém, que lhe perguntou o que se estava a passar. Ouvimos a resposta da sentinela. Que alguém estava a fazer barulho ali à frente, no capim. O outro, que estava na outra margem do riacho, disse para ele não fazer fogo ainda.

O alferes é que não obedeceu, disparou logo uma rajada e nós recuámos, a correr, atravessando a estrada para o outro lado.

Logo de seguida, começámos a ouvir tiros e rebentamentos na área do quartel. Estavam a atacá-lo. Mas o PAIGC não podia demorar, já sabia que havia militares fora do quartel, e poderia ter problemas no regresso. A flagelação não demorou muito, retiraram rapidamente, a correr, para irem receber os visitantes, que éramos nós e que também não os encontrámos em casa.

Passámos a noite ali. Por volta das 06h00, começámos a andar até ao local onde tinha havido o contacto com a sentinela. Atingimo-lo, havia ali vestígios de sangue, até na prancha da travessia do riacho.

A guerrilha devia estar, calculámos nós, a mais ou menos 200 metros. Ouvíamos a fala deles. O alferes disse que eles não sabiam que nós andávamos por perto e que era boa ideia ir ter com eles.

Então deu-me ordem e ao Cabo Cruz para nos mantermos ali em vigilância, no próprio local da travessia. Havia duas árvores de grande porte, a que nós na Guiné chamamos bissilão[3], uma atrás da outra.

Não sabíamos que o pessoal do PAIGC estava a observar os nossos movimentos. Eles estavam à espera que nós atravessássemos, tinham preparada uma emboscada do outro lado do ribeiro. A conversa em voz alta que eles estavam a ter, era de certeza um chamariz para nós atravessarmos e cairmos na emboscada.

A certa altura, deviam ser 07h00, fomos surpreendidos com rajadas. Um dos tiros bateu na árvore onde eu estava abrigado. Atirei-me para o chão e meti-me entre as raízes do bissilão. O fogo estava bem forte e eu interrogava-me como é que íamos agora sair dali.

Quando os tiros abrandaram, o alferes correu para junto de nós e deu-nos ordem de retirar daquele local. Corremos para junto do grupo, debaixo de fogo.

Os Comandos são treinados para não fazerem fogo à toa, cada bala é para abater um. Mas, desta vez, abrimos mesmo fogo de qualquer maneira, para tentar abrir o nosso caminho. Entretanto, o alferes pediu reforço à companhia. Não demoraram, chegaram em viaturas e o fogo abrandou, sem nós termos ido ter com eles e eles também não quiseram vir ter connosco. Abandonámos Canjambari Lojas e de seguida retirámos para o quartel.

Depois de dois dias de descanso em Canjambari, por volta das 20h00, saímos em direcção a Cunacó. Não tínhamos desistido da visita. O nosso objectivo era o mesmo. Nesta saída [4], com o Kássimo à frente, andámos a noite quase toda, mas atrasámo-nos muito. Como fomos sempre pelo caminho, a progressão teve que ser muito cautelosa por causa das minas.

Por volta das 06h00, fomos detectados mesmo à entrada da tabanca. Fugiram todos e nem tempo tiveram de soltar as cabras. Nós entrámos por um lado e saímos pelo outro, sem encontrarmos ninguém.

Trouxemos as cabras todas connosco e nesse dia tivemos ao jantar caldeirada de cabras.

Não descansámos muito. Na saída seguinte, saímos mais cedo do quartel de Canjambari, levávamos um prisioneiro cabo-verdiano, já idoso, amarrado como uma corda pela cintura. Marchava à minha frente, ligado a mim.

Fomos andando até às 02h00, mais ou menos, que foi quando atingimos o rio Canjambari. Quando parámos, o alferes deu-me instruções para eu atravessar primeiro e só depois de eu estar na outra margem, o grupo passava todo. Passei a corda do prisioneiro já não me lembro a quem e entrei na água do rio, cauteloso, a apalpar com os pés o lodo do fundo.

Quando estava quase a meio, não sei que bicho [5] foi que saltou com grande estrondo para a água. A maré que ele levantou molhou-me a cara. Passada a surpresa, comecei a movimentar-me para o lado contrário de onde eu vira a sombra do bicho a saltar para a água. Vi uma pequena clareira e só respirei fundo quando a atingi.

Ao meu sinal, o grupo entrou na água e veio ter ao local onde eu me encontrava. Nem deu tempo para sacudir a água do camuflado. Começámos logo a andar, até que por volta das 08h00, com o sol já muito alto, sem termos visto nada que nos desse uma indicação, o alferes resolveu retirar.

Foi uma saída, para deixar as nossas marcas na zona e para eles ficarem a saber que nós íamos aonde queríamos, disse o alferes. Durou uma noite inteira, muita água e um susto que apanhei com um bicho que ainda hoje não sei qual foi.

Regressados ao quartel de Canjambari, apanhámos lugar nas viaturas até Farim e daqui regressámos a Bissau, de avião.[7]


Notas do autor ou editor literário (VB)

[1] 26 Março de 1965.

[2] Rio Canjambari.

[3] A madeira do bissilão é uma espécie de mogno avermelhado.

[4] Nota do editor: 31 de Março 1965.

[5] Nota do editor: Jacaré? OU antes pequeno crocodilo, não há jacarés na Guiné [LG]

[6] Nota do editor: 11/12Abril de 1965.

[7] Nota do editor: 

A ocupação de Canjambari, operação "Ebro",  foi iniciada em 22 de Março de 1965.

“Os relatórios referem terem sido feitas várias acções no itinerário Jumbembem-Canjambari e na própria região de Canjambari. Apesar de levantadas numerosas abatizes, o referido itinerário ainda se encontra com algumas árvores de pequeno porte nas imediações da bolanha que dá acesso ao pontão danificado sobre o rio Tufili (dados obtidos através do reconhecimento aéreo de 17Mar65). Parece, este pontão, de fácil transposição desde que se utilizem pranchas adequadas.

Dos contactos com o IN a reacção deste tem-se limitado a flagelações de longe, não sendo de desprezar a possibilidade de o mesmo dispor, na região, de forças importantes e, eventualmente, colocar minas nos itinerários de acesso.

O objectivo das NT é proceder à ocupação permanente de Canjambari. Elaborado o plano para a acção, foram constituídas as forças executantes, comandadas pelo próprio Cmdt do BCav 490, Ten. Cor. Cavaleiro. Às 03H00 de 22Mar65 iniciou-se o movimento, a partir de Farim. Atingido Jumbembem às 04H20, a força executante prosseguiu, rumo a Canjambari.

À passagem por Sare Tenen, um Gr Comb da CCav 488 apeou-se, emboscando-se de seguida junto ao caminho que cruza o itinerário. A partir daqui a equipa de sapadores encarregada da detecção de minas passou a picar a estrada nos locais mais suspeitos. Apesar das precauções, às 06H15 e a cerca de 9 kms de Jumbembem, a GMC da frente da coluna calcou um engenho explosivo, ficando a parte posterior da viatura enfiada na cratera aberta pelo engenho. Os dois homens que nela se deslocavam foram projectados, não tendo sofrido ferimentos de maior.

Passados cerca de 500 metros encontrou-se a 1.ª de uma série de cerca de 30 abatizes, algumas de grande porte, que se espalhavam numa extensão de quase 4 kms, até 1 km e meio de Canjambari Morocunda, que só foi atingida já passava das 12H00. O esgotante trabalho de levantamento de abatizes durou cerca de 5 horas e meia, sob constantes flagelações do IN, que utilizou metralhadoras pesadas e morteiros. As medidas de segurança adoptadas, apesar da extensão da coluna de 30 viaturas pesadas, revelaram-se eficazes, porquanto o IN nunca conseguiu aproximar-se de modo a causar baixas às NT”.

 (…). Ultrapassada a zona das abatizes, a coluna prosseguiu deixando um GrCombate emboscado a dois quilómetros do cruzamento de Canjambari Morocunda. Atingiu-se a povoação de Canjambari, com o IN a assinalar a entrada das NT com tiros à distância, disparados da margem sul do rio Canjambari.

Tabanca revistada, os indícios apontavam para uma retirada apressada. As casas comerciais deixaram indícios de movimento recente, praticamente até momentos antes da entrada das NT. Pelas 15H00, a coluna regressou ao cruzamento de Canjambari Morocunda. Deu-se então início aos trabalhos de instalação e organização do terreno em volta do edifício do Posto de Socorros aí existente.

Informações posteriores revelaram que o IN tivera conhecimento antecipado da acção e que tivera mesmo tempo para receber reforços de Morés e de Mansodé, que se mantiveram na zona dois dias à espera das NT, regressando mais tarde às suas bases, por coincidência no mesmo dia do início da operação das NT.” (**)
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