sábado, 24 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23914: Os nossos seres, saberes e lazeres (547): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (82): Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Foi um dia em cheio, o do regresso a este ponto do condado de Oxford, que não se visitava depois da pandemia. Deu para recordar e anotar diferenças, os velhos bares afundaram-se , a taxa sob bebidas alcóolicas e o confinamento levaram ao encerramento de casas históricas; o comércio local também vai mudando de natureza, são as cadeias de grande distribuição que presidem agora ao abastecimento, até as caixas de multibanco se sumiram, a entrega do correio faz-se numa loja de jornais, revistas e bombons. É uma zona cada vez mais residencial, faz parte da lógica do viver britânico, estar perto do campo, não viver em prédios; a natureza mantém-se acolhedora, vê-se à vista desarmada que as condições de vida e o poder de compra já não são o que eram, cada conversa desliza rapidamente para o preço do gás e da eletricidade, há quem tema mudanças no aquecimento das casa, fazem-me perguntas, olham-me surpreendidos quando lhes respondo que reforço a vestimenta em casa, aliás dou-me mal com o aquecimento.E agora há que contar o bem que me soube voltar a Oxford, onde as diferenças também são muito grandes, deu-se uma relativa pulverização das lojas de livros e de música, lê-se de outro modo e arrenda-se a música para 3 dias. Aconteceu visitar a cidade em dia de solenes exéquias da rainha, inadvertidamente apanhei um concerto de truz em magnificência de catedral. Eu depois conto.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (82):
Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (2)


Mário Beja Santos

Prometera dar-vos conta de uma visita a Oxford, venho atrás com a minha palavra, com a pressa de alinhar as imagens esqueci outras lembranças de Faringdon, vividas no primeiro dia. A Oxford e ao seu portentoso museu de arte e arqueologia iremos logo a seguir.
A primeira imagem de hoje é de quem foi ao posto de turismo, onde agora se situa o museu local e que no passado era a casa da bomba de água, chegou a ser hospital, tornou-se depois propriedade de Lorde Faringdon que a cedeu à autarquia, é aqui que se pode visitar o museu a que fizemos referência no número anterior. Em frente está uma bomba manual, serviu de fonte, terá sido construída no século XVI e reconstruída no século XVIII, adicionaram-lhe duas lâmpadas de gás. Felizmente que a deixaram de pé, é talvez o melhor agradecimento que se pode fazer àquela que foi ao tempo a principal reserva de água para abastecimento público.

Pump House e o que resta da velha fonte de abastecimento público

Uma das visitas obrigatórias em Faringdon dá pelo nome da igreja All Saints Church, faz parte da história local, Faringdon está perto do Vale do Cavalo Branco, conserva um celeiro do século XIII, ocupou uma posição estratégica durante a guerra civil do século XVII, os fiéis de Carlos I aqui se confrontaram com as forças parlamentares, os adeptos de Oliver Cromwell lançaram umas bombardas para a torre, e o resultado está à vista, ficou uma torre minguada. All Saints Church assenta numa antiga igreja do tempo saxão, a sua nave é tipicamente normanda, obviamente com alterações introduzidas no período gótico, a sua porta é uma preciosidade. Não é a primeira vez que vos falo deste assunto, mas apraz-me frequentar este espaço cemiterial, nada tem de medonho, é uma bela evocação da serenidade que julgo necessária para rememorar entes queridos que nos ficam para trás. Vejam as imagens, não há nada de tétrico, que os mortos estejam em paz neste coberto florestal.
Uma bela porta ao gosto normando
Faringdon foi até ao século XIX uma importante encruzilhada de caminhos, não é por acaso que esta rua de chama London Street, hoje é uma área residencial, está nas rotas do turismo interno devido às suas atrações periféricas (Vale do Cavalo Branco, Buscot Park e Buscot Manor, cuja visita aqui se registará e Kelmscott Manor, casa de verão de um genial artista, William Morris, ligado ao movimento Art and Crafts, algo como a arte nova decorativa britânica). Não esqueço a primeira visita que fiz a Faringdon, e logo aqui fiz referência, um celeiro que dá pelo nome de Great Coxwell Barn, fazia parte de uma abadia, foi construído no século XIV, Morris chamava-lhe uma das mais belas peças da arquitetura inglesa.
Interior do celeiro do século XIV, impecavelmente restaurado
O passeio até à torre Folly é uma exigência para abarcar uma vastíssima panorâmica deste belo ponto do condado de Oxford. Foi-se por esta vereda até se avistar a construção de 1935 proporcionada por Lorde Berners. Toca-nos pela sua elegância, pelo gesto humanitário que lhe está subjacente (ajudar gente desempregada), o edifício tem pouquíssima aplicação, há para ali umas reuniões anuais, mas diga-se o que se disser é o ícone de Faringdon, se o Lorde era excêntrico extravasou na perfeição para o empreendimento a que nenhum turista se furta, e a compensação do desfrute é sempre muito elevada.
Todos os passeios pedestres em tarde ensoleirada maravilham quem gosta de contemplar a natureza. Foi o que se fez, caminhando à margem da estrada que leve a Lechdale, um calor inusitado para a estação, mas aqui também a meteorologia anda às avessas, é um verde sempre muito lavado pelos orvalhos bem gotejantes, os caminhos bem tratados, a natureza pródiga, foi um passeio que deixou saudades.
É aqui que me encontro aboletado, com direito a tratamento familiar, o que se vê desta janela é uma paisagem deslumbrante, sentado olhei para aqueles inesperados reflexos da luz na parede, dou-vos a minha palavra que me pareceu um quadro, foi só puxar pela câmara, creio que resultou, ao leitor cabe decidir.
Aqui se deixa o prenúncio da visita a Oxford, o Museu Ashmolean é uma atração irresistível, espraia-se por cave, subcave e três andares, lá em baixo é o ponto de eleição para levar a miudagem, tem uma organização profundamente didática para ensinar a explorar o passado, a explicar o que é a conservação de um objeto de arte, mostra as sucessivas etapas do dinheiro, da leitura e da escrita e dos têxteis. Sobe-se umas escadarias e entra-se no mundo egeu, no Egito, na Mesopotâmia, na China, na Pré-História europeia, na escultura greco-romana, na Índia primitiva, na Itália antes de Roma e nas artes do império romano. E não digo mais para vos falar a seguir das minhas escolhas. Antes da fachada do Ashmolean que aqui se vê, temos a imagem de uma época de intolerância, no reinado de Maria a Sangrenta esta mandou para a fogueira recalcitrantes religiosos, aqui fica a lembrança de que não se deve brincar com o fogo que é a fé de cada um.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23888: Os nossos seres, saberes e lazeres (546): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (81): Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (1) (Mário Beja Santos)

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