Queridos amigos,
Foi um golpe de sorte, encontrar um low cost de pechincha, viajar para a Britânia, nos tempos de hoje, é indispensável gastar umas boas centenas, depois há que contar com as viagens intermináveis de autocarro, também os preços dos comboios andam pela hora da morte. Tinha saudades, contava com a hospitalidade familiar de amigos muito queridos, o que ajudou à festa, e seguimos do sul para o norte para abraçar um moribundo. Era 15 de junho, e havia multidões em toda a Londres, foi um dia de viagem, as autoestradas com um trânsito frenético, nas suas seis faixas em cada lado. E lá cheguei a Faringdon, dei conta das mudanças que a pandemia provocou e o quadro de depressão que se perfila no horizonte. Depressão a sério foi dado ver-me em Swindon, nunca vi tanta loja fechada, gente quase andrajosa. O comércio também começa a mudar de look e natureza, isso vi eu em Oxford, uma lendária livraria a ceder espaço para comes e bebes, pouco antes da pandemia também vi fechar estabelecimentos de música de reputadíssima fama. Proliferam as chamadas lojas de caridade, artigos oferecidos para angariar dinheiro em função desta ou daquela causa, bem me abasteci no passado de boa roupa, música e porcelanas, agora o peso que se transporta tem que ser mínimo, uma mala pode custar um suplemento de 70 libras. Adorei voltar, por múltiplas razões. Espero que gostem destas imagens deste anglófilo inveterado.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (81):
Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (1)
Mário Beja Santos
Chego ao aeroporto de Stansted, aqui toma-se um autocarro até Oxford, são 3 horas por autoestrada e estradas secundárias, há sempre manchas de verde, aproximamo-nos de Londres, reconheço Golders Green, é um subúrbio com muita arquitetura do chamado período entre as guerras, tudo numa mistura por vezes caótica com edifícios eduardianos, Arte Deco e muita arquitetura arrojada, entra-se em Londres por Marble Arch, dá para observar os magotes de gente que percorrem as traseiras do Palácio de Buckingham, aproximam-se as cerimónias fúnebres, hoje é dia 15 de junho. Em Victoria Station apanha-se o Oxford Tube, mais 2 horas no meio de um trânsito infernal até apanhar a M40, segue-se uma enorme circulação à volta da cidade, na estação novo autocarro, o 66, até Faringdon. Cá estamos, infelizmente estadia curta, seguir-se-á viagem para o norte, até Yorkshire, para abraçar alguém acometido de doença incurável. Esboça-se um programa para ver o que ainda não foi visto e tomar o pulso ao que aconteceu a este lugar depois da pandemia. Nada como começar pelo museu local, pequenino, mas sugestivo, a personalidade principal é a de um homem excêntrico, cultíssimo e generoso, Lord Berners, recebeu em Faringdon House notabilidades com Ígor Stravinski ou Salvador Dali, escreveu e teve notoriedade na época no campo musical.
Fotografia tirada por Cecil Beaton a pintar em Faringdon House, nem falta uma égua na sala…
Ballet Sirènes, escrito por Lord Berners, dançado pelo Royal Ballet em 1946 pela inesquecível Margot Fonteyne
Faringdon Folly é o ícone da terra, é uma torre só para ver, Lord Berners consternado com o profundo desemprego que assolava a região mandou construir esta torre no alto de uma colina, era só para dar emprego, não se pode visitar este encantador lugar sem por aqui caminhar e ficar especado a contemplar este rasgo da bondade humana.Imagem do Museu de Faringdon
No exterior do museu dei com esta imagem insólita de um escafandrista, ninguém me dava uma explicação plausível, voltei ao museu e obtive esclarecimento. Quando Salvador Dalí visitou Faringdon House, Lord Berners propôs-lhe que se passeasse dentro de um escafandro, o genial pintor aceitou o repto, do acontecimento se lavrou em pedra, tal como se vê.Impossível não andar à volta deste velho edifício camarário, pensei sempre que viesse do período tardo-medieval, puro engano, é do século XVIII, mas cirando sempre à volta, aprecio imenso a espacialidade, e do lado oposto ao que aqui vemos homenageiam-se os combatentes de duas guerras mundiais, eterna memória a quem tombou pelo dever.
Edifício do período vitoriano, é a antiga bolsa de cereais, hoje é um espaço multiusos, uma manhã dei com aquela porta aberta e com rapaziada da minha idade a fazer ginástica de manutenção, até me apeteceu juntar-me ao rebanho, mas vinha morto de curiosidade em entrar no estabelecimento ao lado, é uma charity shop, ou seja, há uma causa e uma organização não-governamental que a lidera, neste caso ajuda humanitária a África, aqui se encontram centenas e centenas de tarecos, jogos infantis, livros, CDs e DVDs, roupa para todas as idades, etc., aqui tenho comprado boas calças a 4 libras, boa música e porcelanas, agora há que ter imenso cuidado com as limitações de peso impostas pelo low-cost.
A pandemia fez fechar muitos pubs, o álcool está cada vez mais taxado, sente-se que os britânicos já olham para o dinheiro com muito mais cautela, naquele mês de junho já se previam as consequências para diferentes aumentos de preços e para o surto inflacionista. Registei as imagens de dois pubs históricos que desapareceram, era impossível não fotografar a homenagem a Arturo Barea, um republicano espanhol que beneficiou da hospitalidade de Lord Berners e que seguramente deixou boa memória em The Volunteer.
Um dos fenómenos sociais que melhor caracteriza a comunicação dos britânicos é esta indústria de postais que se enviam a torto e a direito, não precisam do Natal nem do aniversário, tem a ver com lembranças, é uma indústria original, mete imagens cómicas, ternas, quem as recebe retribui, é uma circulação que não se apaga, não conheço outro país onde tal aconteça e com tal frenesim.
Visitei Swindon, que no passado recente era dada como uma das regiões mais prósperas, uma rede fulgurante de serviços, um exemplo do dinamismo britânico. Agora tudo mudou, no passado Swindon significava moda, os compradores das classes média e alta agora preferem outros lugares, o comércio degradou-se, é impressionante o número de lojas fechadas, vê-se à vista desarmada que as pessoas vivem com dificuldades. Preferi registar o velha e imponente edifício camarário, a estátua de Brunel, o lendário construtor de caminhos de ferro dos tempos imperiais e mostrar uma recordação de Isabel II, não havia lugar onde não se lembrasse aquela que foi a rainha que mais tempo reinou, deixando um legado de serviço que os britânicos, adeptos da monarquia ou do republicanismo, profundamente respeitam, como pude observar.
Estou agora em Oxford, diante da livraria Waterstone, um dos ex-libris de Oxford, também os tempos mudaram, a livraria encurtou e cedeu espaço aos comes e bebes, para manter o pleno funcionamento. Estou profundamente saudoso de visitar o belo Museu de Oxford, o Ashmolean, de arte e arquitetura, verão como vale sempre a pena aqui entrar.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 10 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23863: Os nossos seres, saberes e lazeres (545): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (80): Do Atelier Júlio Pomar à visita de uma bela coleção privada no Museu do Chiado (Mário Beja Santos)
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