1. Texto enviado pelo nosso camarada Constantino (ou
Tino) Neves, ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande desde 2006
Assunto - Ciganos
Desta vez, não vou contar histórias nem enviar fotos, simplesmente lançar um "mote" ou "tema" como queiram chamar, que é: ex-Combatentes de etnia cigana. Este tema ainda não foi abordado na nossa Tabanca Grande.
E porque é que me lembrei disso ? Porque na minha Companhia (CCS/Bcaç 2893) havia um, que vivia no Bonfim, Porto, o qual se vangloriava muito desse estado e do qual eu vou contar uma pequena história.
Já em Bissau, de regresso à Metrópole, estávamos sentados na esplanada da Cervejaria MarSol (assim se chamava, se a memória não me falhar, ou algo parecido, pois era a Cervejaria maior e mais conhecida de Bissau). Foi quando por lá passou um daqueles vendedores ambulantes, vestidos de branco, a vender um rádio portátil, e pedindo por ele 3.000 pesos. O meu camarada cigano ofereceu-lhe 500 pesos, e o vendedor praguejou qualquer coisa e foi-se embora. Mas, passados alguns minutos, apareceu outra vez, com o mesmo rádio, julgo eu, e vendeu-o então ao meu camarada pelos 500 pesos.
Era ver a satisfação do meu camarada que dizia em voz alta e em bom som:
- Eu sou cigano e sei fazer bons negócios!...
Mas houve um imprevisto, cinco minutos depois de o rádio estar a tocar no seu som máximo, "pifou", deixou de tocar mais, O meu camarada surpreendido tratou logo de abrir o rádio a ver o que se passava com ele, e acabou por ver o que não queria, uma caixa quase vazia, somente tinha 2 transistores e alguns fios.
Como não podia deixar de ser, o seu orgulho foi seriamente atingido, e correu logo à procura do "nharro" que conseguiu enganar um cigano... "para o matar", dizia ele, muito irritado.
Conto esta história, não tendo a intenção de ofender os ciganos, pois tenho conhecido e conheço actualmente muitos ciganos e tenho-os por amigos, e mesmo o meu camarada da história sempre foi bom amigo e boa pessoa, somente ficou muito irritado por se sentir enganado.
E também conheci lá em Nova Lamego outro cigano, não me recordo a que companhia pertencia, pois passou por lá apenas alguns meses, falava com ele muitas vezes e só fiquei a saber que era cigano porque ele me confidenciou esse facto, pois se o não fizesse nunca o viria a saber.
Mais tarde vim a saber que ele era jogador de futebol, não me lembro ao certo a equipa, mas talvez o Beira Mar, só me lembro de ser numa equipa do norte. Ele se chama Montoya ou Montoia.
Sem mais
Um Abraço a todos os Camarigos da Tabanca Grande
Tino Neves
2. Comentário de L.G.:
Obrigado, Tino, por te teres lembrado dos nossos camaradas "ciganos portugueses" que fizeram a guerra colonial como todos nós. E por nos teres contado uma história protagonizada por um "cigano português", teu camarada, nosso camarada...
Não sabemos ao certo quantos "ciganos" passaram pelos três teatros de operações de África. Nem mesmo hoje sabemos, ao certo, quantos são os "ciganos portugueses", até por que ao longo dos séculos houve misturas com populações não ciganas, apesar da maior prevalência de práticas endogâmicas entre as comunidades ciganas..
. São 50 mil ? 100 mil ?...
Seria interessante que aparecessem aqui, no nosso blogue, testemunhos em primeira mão e na primeira pessoa de camaradas nossos, "ciganos"...
Concordo contigo: o tema é delicado, sensível, recomendo a consulta do sítio do
Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI). Os "ciganos portugueses" não são diferentes, geneticamente, dos "outros portugueses"... Nem hoje ninguém fala já dos portugueses de origem judia, berbere (moura) ou africana subsariana (descentes de escravos) ... Continuamos a falar dos "ciganos", das "comunidades ciganas", do "povo cigano", muitas vezes por más razões, já que são vítimas de discriminação e de estereótipos sociais, e têm maiores dificuldades de integração e de participação como cidadãos portugueses...
Pessoalmente, tenho reservas ao uso do conceito de "etnia" ou "minoria étnica" aplicado aos portugueses de origem cigana... Mas este é assunto que dá pano para mangas...Há uma "União Romani - União de Todos os Ciganos Portugueses" que tem tomado posições públicas sobre estas questões de "identidade", mas que não tem - ao que eu saiba - uma página na Net.
Por último, e não menos importante, ainda bem que a Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 13.º, o
Princípio da igualdade de todos os cidadãos ("1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.")...
Sabemos, contudo, que da lei fundamental à prática quotidiana vai, muitas vezes e em muitos casos, uma distância considerável, continuando nós a usar indevidamente (na comunicação social, nas nossas conversas, nos nossos escritos...) conceitos como "raça", por exemplo, "raça cigana"...
PS - O título do poste é da responsabilidade do editor. A expressão "o meu camarada cigano" é da autoria do Tino Neves.