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quinta-feira, 25 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22034: Memória dos lugares (419): Ilha do Sal, ao tempo da CART 566 (17/10/1963 - 25/7/1964) (José Augusto Ribeiro, 1939-2020)


Brasão da CART 566, "Bravos e Sempre Leais" 
(Ilha do Sal, Cabo Verde, e Olossato, Guiné, 1963/65), "



1. Reproduzimos, agora com melhor resolução, um texto já antigo (*) do nosso saudoso José Augusto Miranda Ribeiro, falecido há 3 meses (**), e que foi fur mil at art, CART 566, tendo estado  9 meses na Ilha do Sal, antes de ser colocada no Olossato, região do Morés, Guiné.  

O texto merece ser divulgado: o Ribeiro era um homem e um militar com sensibilidade sociocultural acima da média, até pelo facto de ser professor do ensino primário, e a sua descrição das condições de vida na ilha têm interesse documental para se poder cotejar com a dramática experiência vivida pelo 1º batalhão expedicionário do RI 11 (Setúbal) que lá esteve duas décadas antes, ao tempo da II Guerra Mundial (junho de 1941 / março de 1943, acabando a comisão, em dezembro desse ano, na ilha de Santo Antão). (***) 

Em comentário,que também reproduzimos no final, o Ribeiro confirmava, citando uma fonte local, aquilo que já sabíamos: além de 16 mortos, o batalhão do RI 11,  teve cerca de metade de baixas por doença, devido à fome na Ilha do Sal... Tudo isto são malhas que o Império teceu... [A esse batalhão da fome pertenceu o pai do nosso camarada Augusto Silva Santos, o então 1º cabo Feliciano Delfim Santos (1922-1989)].(****)

Vinte anos depois ficamos a saber que a ilha do Sal (*****) funcionava, na logística da guerra colonial, pelo menos em 1963/64,  com uma espécie de plataforma de reserva do CTIG: várias das primeiras companhias colocadas no TO da Guiné, passaram por Cabo Verde, e em especial pela Ilha do Sal...Além da CART 566 (1964/65),vieram de Cabo Verde a CART 349 (1963/64), a CCAV 353 (1963/64), a CCAV 678 (1964/66)... A CCAÇ 414, por seu turno, esteve primeiro na Guiné e depois foi para Cabo Verde (1963/64).

Outro apontamento não menos interessante: o nosso camarada, aproveitou a estadia de 9 meses na Ilha do Sal, para  levar a exame da 4ª classe muitos dos homens da sua companhia (e e em especial do 2º pelotão)... (LG)

 
 















Texto (e fotos): © José Augusto Miranda Ribeiro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentários ao texto (que infelizmente não teve a continuação prometida) (*):

(i) Hélder Sousa:  

Caros camaradas: É interessante conhecer estas passagens. Como temos (tinha) o pensamento na Guiné,  não ocorria pensar nas permanências em Cabo Verde. Para mim, Cabo Verde era qualquer coisa que tinha tido tropa durante a 2ª Guerra Mundial... Afinal, agora acabei de recordar que as divisas de Furriel e o dolmen me foram cedidos por um amigo e antigo colega de escola em Vila Franca, que fez a sua comissão de serviço em Cabo Verde. (...)

(ii) Augusto Silva Santos:

Camarada e Amigo [Ribeiro], é sempre com alguma emoção que leio relatos da nossa passagem por terras da Guiné, por aquilo que efectivamente nos toca, mas essa emoção é para mim ainda mais forte, quando se relata algo sobre Cabo Verde, nomeadamente sobre a Ilha do Sal. Se tiveres tempo e oportunidade, sugiro-te que consultes no nosso blogue o post P9674 (Meu pai, meu velho, meu camarada - Feliciano Delfim dos Santos) (***)e  vais perceber o porquê. 

Se nos anos sessenta foram essas as condições que a vossa Companhia  foi encontrar, imagina o que não foi viver uma situação idêntica 20 anos antes, portanto nos anos 40. Devido à minha actividade profissional entre 1968 / 1970, tive ocasião de conhecer bem algumas ilhas de Cabo Verde, e também um pouco da ilha do Sal, e sei bem dar o valor o que terá sido a vossa passagem por aquelas paragens. (...)

(iii) César Dias:

Também eu na ida para a Guiné fiz escala na ilha do Sal, e recordo-me dessa imagem da mulher que empurra o barril de água, penso que salobra, pois não foi fácil fazer a barba nesse dia com aquela água. (...)

 (iv) José Augusto Miranda Ribeiro:
 
Caros amigos e Camaradas:  (...) Fiquei bastante admirado ao ter lido o que escreveram sobre a Ilha do Sal. Em 1963 conheci um velho funcionário da Companhia francesa que extraia sal. Ele trabalhava na secretaria daquela empresa, na Pedra do Lume e com ele falei muitas vezes sobre assuntos sérios, passados ali no Sal. 

O batalhão  [ do RI 11, Setúbal] que esteve naquela ilha (****) , segundo dizia o tal amigo cabo-verdiano de cabelos todos brancos, tinha ido para Cabo Verde, por castigo, tinham feito um levantamento de rancho numa unidade militar em Lisboa. 

Seria assim ou não? Não sei, mas talvez fosse uma forma de seleção. Falou-me numa grande epidemia que matou mais de metade dos militares ali estacionados. Naquela altura ninguém podia entrar nem sair do Sal, para que a epidemia não alastrasse às restantes ilhas. Um dia apareceu uma equipa de médicos que fizeram o diagnóstico a todos os doentes. Esse diagnóstico foi enviado para Lisboa e era igual para todos. Causas da doença: FOME, FOME, FOME... 

Naquele tempo, em plena II Guerra Mundial não era facil mandar um navio pelo Atlântico, por isso viviam mal e mal alimentados. Mas parece que, com isto, o Salazar resolveu, finalmente mandar esse navio. No cemitério de Santa Maria havia uma zona reservada para os militares, daquele batalhão que iam morrendo diariamente. No dia de Finados de 1963, a CArt.566 foi prestar honras militares naquele local, onde se ouviu um discurso do representante do comandante do CTI de Cabo Verde. 

Sei que a estrada entre a povoação de Espargos (Aeroporto) e a capital Santa Maria foi construída e calcetada por esses nossos camaradas. Era a única estrada da ilha com cerca de 20 quilómetros, embora com muitas zonas degradadas pelas ondas do mar e pelas dunas de areia que apareciam de um dia para o outro. Muitas histórias ouvi sobre esses militares, que contarei oportunamente. (...)



 Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Foto nº 27 > "A fome, a miséria"... A grande seca de 1943 foi evocada no romance de Manuel Ferreira, ele próprio expedicionário, "Hora di Bai"... O título diz tudo sobre o dramático dilema que enfrentava o cabo-verdiano de ontem (e de hoje): a vontade de ficar, a necessidade imperiosa de partir.

Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:


(***) O batalhão expedicionário do RI 11, Setúbal, com pessoal basicamente originário do distrito, partiu de Lisboa em 16 de junho de 1941 e desembarcou na Praia, ilha de Santiago, no dia 23. 

Esteve em missão de soberania na ilha do Sal cerca de 20 meses (até 15 de março de 1943), cumprindo o resto da comissão de serviço (até dezembro de 1943) na ilha de Santo Antão.

Para além de 16 mortos, o batalhão expedicionário do RI 11 terá tido um número impressionante de baixas por doença, cerca de metade, segundo o depoimento do  José Rebelo. Ao fim de 20 meses de permanência na Ilha do Sal, e na véspera de partir para a Ilha de Santo Antão, os expedicionários do Onze estavam reduzido a 16 oficiais, 22 sargentos e 460 praças..

Vd. em especial os seguintes postes da série:


26 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17284: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte XII: O "cancioneiro" da Ilha do Sal

4 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17205: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte X: Foram mil e regressaram menos de quinhentos... Recordações do Fernando Pais, emigrado nos Estados Unidos da América

16 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17147: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte VII: Quando o Onze foi castigado, por portaria de 26/6/1941, por alegada falta de galhardia e aprumo na marcha para o embarque, ficando inibido de poder ostentar a bandeira do exército...

13 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17133: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte VI: 16 mortos, devido a doença e desnutrição, ficaram no cemitério da vila de Santa Maria

23 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17076: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte IV: por castigo ("falta de brio e aprumo" de alguns militares no desfile de embarque!...) , o 1.º Batalhão do Onze é impedido de ostentar a Bandeira do Exército Português... (O cmdt do Onze era o cor inf Florentino Coelho Martins, um português da "escola de Mouzinho")... Na ilha do Sal, "a vida e a morte lá iam decorrendo"...

sexta-feira, 8 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19563: A Galeria dos Meus Heróis (23): Cirurgião no Hospital Militar de Bissau - Parte I (Luís Graça)


Luís Graça, CCAÇ 12,
CIM Contuboel,
 junho/julho de 1969

A Galeria dos Meus Heróis > 

Cirurgião no Hospital Militar de Bissau, 1968/70 - Parte I (Luís Graça)





Fizeram-me um almoço de despedida nessa semana em que passei à reforma.

Sempre detestei as festas de despedida. É como partir, de barco, de um porto seguro para uma viagem desconhecida. Sabes o que tens, ou o que acabas de perder, desconheces o que te espera.

Aconteceu-me isso, talvez pela primeira vez, quando fui mobilizado para a Guiné, em rendição individual, aos 28 anos, em março de 1968. Amigos da faculdade e do hospital, colegas de curso e um ou outro antigo colega do tempo do liceu de Setúbal, fizeram-me uma festa, discreta mas comovente, de despedida.

Foi num café-restaurante das Avenidas Novas, em Lisboa, que já não existe, hoje é uma agência bancária ou coisa parecida. Na altura, eu era monitor de Anatomia na Faculdade de Medicina e trabalhava no Hospital de Santa Maria, à borla, na equipa de um dos "barões" que eram os donos dos serviços… Não havia ainda carreiras médicas, os jovens licenciados em medicina tinham que "pagar para aprender", com um patrono, um grande clínico ou um grande cirurgião…

Como o local do almoço era público e a PIDE costumava vigiar aqueles sítios, não houve grande discursos, e muito menos efusivos, e muito menos ainda contestatários… Aquilo era mais um velório do que outra coisa... Bolas, eu era médico, ia para a Guiné, haveria de voltar, com vida e saúde. Fui eu que tive de animar os meus amigos!

Só muito mais tarde, há uns anos atrás, é que fui à Torre do Tombo, movido por uma curiosidade legítima, mas algo mórbida, e acabei por saber que tinha uma ficha no arquivo da PIDE/DGS… Alegadamente por ser amigo de um tipo da direção da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina, envolvido na crise estudantil de 1962… 

Fator aparentemente abonatório para a minha pessoa: ser filho de militar de carreira, com boa folha de serviços no Ultramar e tido como “adepto da situação”…

Em boa verdade, eu nunca me tinha metido em encrencas até acabar o curso de medicina, não queria ver o meu pobre pai embrulhado em maus lençóis, e sobretudo perder a minha valiosa bolsa de estudos, paga pelo Exército.

Em suma, não tinha liberdade económica para me poder armar em herói antifascista e anticolonialista, como alguns colegas (que papás da classe média alta). Mas confesso, em 1968, era contra o regime e contra a guerra colonial, tal como parte da juventude universitária daquele tempo.

Não vou dizer "boa parte da juventude universitária",  porque quem estudava naquela época eram filhos e filhas de gente da situação, ou que tinha algum poder económico, empresários, proprietários, comerciantes, professores, advogados, médicos, médio e alto funcionalismo público… Mas a maior parte da juventude estudantil, liceal e universitária, acomodava-se e tratava da vidinha, como acontece em todas as ditaduras. Para mais a nossa que até tinha a benção da Igreja...
 Bom, já não era bem assim, tive colegas, católicos, que já não liam a missa pelo mesmo missal...

Entretanto, eu dava conta de que a guerra , de que pouco ou nada se falava em público, começava a mexer com a malta. Havia mortos e feridos, havia refratários e desertores, e alguns até eram da nossa rede de relações ou conhecimentos… 

Guerra, em todo o caso, que era bem longe da nossa terra, da nossa casa, da nossa família, das nossas escolas e locais de trabalho, enfim, dos nossos cafés das Avenidas Novas... (Na altura, eu morava por ali, perto do Campo Grande.)

Quando chegava a hora da verdade, poucos afinal davam o corpo ao manifesto. Participei, em 1962, num ou noutra manifestação de estudantes, com cargas da polícia de choque, tinha 22 anos, sangue na guelra e asco ao autoritarismo, mas sem nunca me meter em nenhuma organização clandestina, nem muito menos assinar papéis que me comprometessem.

Também nunca tive conversas, nem grandes nem pequenas, com o meu pai, quando vinha de férias, ou regressava de mais um comissão de serviço, sobre a situação nos territórios ultramarinos, como então se dizia e escrevia. Sei que ele "não morria de amores pelo regime" mas não podia dar-se ao luxo de morder a mão de quem lhe pagava o vencimento ao fim do mês. Além disso, era um militar de secretaria.


A minha mãe, embora apenas com a 4ª classe mal tirada, era mais politizada do que o meu pai. Ela era natural de Grândola, emigrara, muito jovem, para Setúbal com a família. Trabalhara como empregada doméstica, logo acabada a escola, e depois como operária na indústria conserveira. Foi em Setúbal que os meus pais se conheceram. E foi aí que eu nasci. Tempos difíceis. Valeu-me uma bolsa de estudos do Exército que me permitiu ir fazer, em Lisboa, o curso de medicina, em 1958. Sou do curso de 1958/59.

Em solteira, quando operária conserveira, aos 17/18 anos, a minha mãe terá chegado a distribuir o clandestino jornal "Avante", na fábrica e no bairro onde residia. Não sei se alguma vez foi "antifascista", foi palavrão que nunca lhe ouvi, da sua boca. 

De qualquer modo, depois de casada, acabou o seu eventual "antifascismo". Julgo que ainda viveu, com alguma euforia e esperança, o fim da II Guerra Mundial. Mas teve que ser pai e mãe durante o resto da vida.

A minha mãe também não era beata, se bem que fosse à igreja, uma vez por outra, em cerimónias militares oficiais e em certas datas, por conveniência social: na festa de Natal, no dia do Regimento, no dia nacional da infantaria, etc. Afinal, era casada com um militar de carreira e a tropa era também um pouco a sua família alargada… Se bem que não houvesse grandes misturas, entre as famílias dos senhores oficiais e as dos sargentos…


Em todo o caso, para completar o magro vencimento do meu pai, a minha mãe via-se obrigada a trabalhar de costura, em casa, e fazer bolos para festinhas, nomeadamente para as famílias dos oficiais e sargentos do RI 11, em Setúbal.

Nunca acompanhou o meu pai nas quatro comissões de serviço no ultramar (Cabo Verde, Índia, Angola e Moçambique), ou nas mudanças de regimentos (além do RI 11, em Setubal, esteve em Tomar e nas Caldas da Rainha). E ficaria viúva bastante cedo, aos quarenta e tal anos. 

Era mais nova nove anos do que o meu pai. Nascera em 1920 e teve-me, a mim, aos 20 anos e à minha irmã, mais nova, aos 26, já depois do meu pai regressar de Cabo Verde. (Essa minha irmã, já falecida, foi enfermeira, estava nos finais dos anos 60 no Alcoitão, quando o meu pai faleceu em maio de 1968, ia completar os 57 anos.)


Nasci num ano bissexto, em 1940, no dia 29 de fevereiro, uma quinta-feira, recordava a minha falecida mãe. Nasci em casa, de um parto difícil, já quase de madrugada. Daí talvez eu ser mais mocho do que cotovia.

Não chegou a ser preciso chamar o médico do regimento, o RI 11, onde o meu pai estava colocado, na altura já 2º sargento de infantaria. O médico era um bom homem, alentejano de Évora. O meu pai era de Estremoz. E até se dizia que era do reviralho, só por ser alentejano e republicano.

Tenho uma vaga ideia de o ter ido esperar, ao meu pai, já criança com quatro anos,ou coisa assim,  a Lisboa, ao Cais da Rocha Conde de Óbidos. Regressava de Cabo Verde, com a sua companhia ou batalhão, não sei ao certo.

Terá sido a primeira vez que andei de automóvel e, depois, de barco. Fomos, eu e a minha mãe, de carro, à boleia. Não sei de quem era o carro, penso que era conduzido por um amigo da família, que tinha carros de aluguer na praça de Setúbal. Talvez também fosse de Estremoz, conterrâneo e amigo do meu pai. 

Fomos até Cacilhas, ainda não havia a ponte sobre o Tejo. Apanhámos um cacilheiro até ao cais do Sodré. Não reconheci o meu pai, naturalmente, ele andara fora trinta e tal meses. E não terá vindo bem de saúde, segundo contava a minha mãe. Tinha estado na ilha do Sal e depois na ilha de São Vicente, já para o fim, antes do regresso.

Ou, se calhar, foi mais tarde. Tenho as memórias de infância baralhadas. Se calhar foi quando ele voltou a partir para outra comissão, desta vez para a Índia, já como 1º sargento, aí por volta de 1947 ou 1948. Eu devia ter 7 ou 8 anos. Já andava na escola, deve ter sido, pois, em 1948.

Ele acabou por fazer lá duas comissões, a segunda como voluntário, com direito a vir de férias em 1950. Aproveitou para fazer o 7º ano no liceu de Goa. Virá depois a frequentar, em 1956, a Escola Central de Sargentos, que era em Águeda. Ainda esteve em Angola, em 1961, aqui já com o posto de tenente SGE. Acabou a sua carreira militar em Moçambique, em 1965… 


Regressou em 1967, para morrer um ano depois, já eu estava na Guiné. Morreu cedo demais, o meu pai, ainda primeiro que o Salazar. Foi em maio de 1968. Estava o Schulz a ir-se embora. E eu em Bambadinca, quando recebi a triste notícia. Não fui ao funeral do meu pai, não me deram a devida autorização a tempo de apanhar o avião da TAP. Uma prepotência que nunca perdoei ao comandante do batalhão. Talvez por esse motivo nunca morremos de amores um pelo outro.

Escassos meses depois de chegar à Guiné, fui colocado no Hospital Militar de Bissau, "onde fazia muito mais falta do que no mato", segundo a ordem pessoal que recebi de Spínola, ainda brigaddeira,  que tive a honra de conhecer na altura. 

Com o recrudescimento da guerra e o aumento dos efetivos, havia falta de cirurgiões, anestesistas, estomatologistas, para além dos tipos da medicina tropical, que as doenças infectocontagiosas eram mais do que muitas.

Se não erro, o Hospital Militar de Bissau era o HM 241. E, em boa verdade, foi um grande escola para mim e outros cirurgiões. Foi lá que fiz verdadeiramente o meu internato de ortopedia. Tive lá grandes mestres de cirurgia e medicina. E depois, com o Spínola, o Hospital tornou-se um verdadeiro orgulho para todos nós. Dizia-se, sem exagero, que era o melhor hospital da África Subsariana, só tendo paralelo nos hospitais centrais da África do Sul… (Não sei, nunca lá estive.)

Em suma, cresci com um pai ausente, que eu mal conhecia, a não ser pelos retratos que a minha espalhava pela casa. Quando vinha a casa, recompensava-me com alguns brinquedos, baratos, e sobretudo muitas histórias. Era um bom contador de histórias, sabia as aventuras todos do Tigre da Malásia, dos livros do Emílio Salgari. Mas não falava da guerra do ultramar...


Era um homem meigo, contrariamente à minha mãe, que tinha de ser pai e mãe, que tinha de nos dar o pão, o amor e a educação. Era uma mulher precocemente marcada pela dureza da vida e pelas agruras do casamento. 

Por tudo isto, é difícil responder à pergunta se eu tive uma infância feliz...

Na semana em que fiz 70 anos, o dia 28 de fevereiro de 2010 calhava a um domingo e o dia 1 de março era segunda-feira. Alguém sugeriu fazer a minha festinha de despedida na sexta-feira à noite, mas eu opus-me logo.

Durante os dias úteis da semana não dava jeito, porque afetava o normal funcionamento do serviço e muita gente não poderia vir. E depois nunca se deve comemorar o aniversário natalício, na véspera, porque dá azar. E eu nessas coisas, sou mesmo supersticioso. Ou não fosse cirurgião.

As profissões de risco têm os seus mecanismos de defesa mental. Já alguém me explicou isso: dos toureiros aos pilotos de avião, dos mineiros aos tipos que trabalham nos arranha-céus, dos artistas de circo aos pescadores de alto mar, sem esquecer os polícias e os militares… Todos temos que saber racionalizar os riscos a que estamos expostos. 

No caso dos médicos, lidamos todos os dias com a doença e a morte, pelo que acabamos por ter a perigosa ilusão de que somos invulneráveis e imortais. Por outro lado, estamos sujeitos ao erro.

Enfim, a minha festa acabou por ser marcada para um sábado, dia 6 de março de 2010.

Bolas, já lá vão 9 anos!... Como o tempo passa. Para o ano, se lá chegar, farei os oitenta. Há meio século atrás andava em Bissau a amputar pernas e braços, de homens, brancos e pretos, apanhados pelas malditas minas e armadilhas que o PAIGC punha nos trilhos e picadas. Mas também da população civil, nomeadamente fula, que era atacada com armas pesadas, nas suas tabancas, sem dó nem piada. 

Com Spínola, há uma escalada da guerra. Mas não discriminávamos ninguém: cheguei a operar guerrilheiros do PAIGC, feridos e aprisionados pelas nossas tropas, e evacuados de helicóptero.

(Continua)

© Luís Graça (2019). Revisão; 5/8/2023
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de fevereiro e 2019 > Guiné 61/74 - P19491: A Galeria dos Meus Heróis (22): O "Duque de Palmela" ou o pão que o diabo amassou - II (e última) Parte (Luís Graça)

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17623: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte XIII: Quarenta nos depois, continuavam a reunir-se e a homenagear os seus mortos...



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1. Continuação da publicação da brochura "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE ref José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp. inumeradas, il.) [, imagem da capa, à direita].(*)

José Rebelo, capitão SGE reformado, foi em plena II Guerra Mundial um dos jovens expedicionários do RI I1, que partiu para Cabo Verde, em missão de soberania, então com o posto de furriel (1º batalhão, RI 11, Ilha de São Vicente, ilha do Sal e ilha de Santo Antão, junho de 1941/ dezembro de 1943). 

Faria depois da Escola de Sargentos de Águeda, tal como o futuro cap SGE e escritor Manuel Ferreira (1917-1992), mobilizado como furriel miliciano pelo RI 7 (Leiria) (esteve no Mindelo entre 1941 e 1946). 

Promovido a alferes, o José Rebelo comandou a GNR em Tavira, até 1968. Colaborava com regularidade, no jornal "Povo Algarvio", onde o nosso camarada Manuel Amaro o conheceu, pessoalmente. Em 1969, já capitão, foi o Comandante da Companhia da Formação no Hospital Militar da Estrela, em Lisboa.

É  muito provável que já não esteja entre os vivos. De qualquer modo, é credor de toda a nossa simpatia, apreço e gratidão, cabendo-nos por isso honrar a sua memória e a dos seus camaradas, onde se incluíram os pais de alguns de nós, mobilizados para Cabo Verde, por este e por outros regimentos.


[Foto, à esquerda, do então furriel José Rebelo, expedicionário do 1º batalhão do RI 11]


2. A brochura, de grande interesse documental, e que estamos a reproduzir, é uma cópia, digitalizada, em formato pdf, de um exemplar que fazia parte do espólio do Feliciano Delfim Santos (1922-1989), que foi 1.º cabo da 1.ª companhia do 1.º batalhão expedicionário do RI 11, pai do nosso camarada e grã-tabanqueiro Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada e foi fur mil da CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73).

Recorde-se que se trata de um conjunto de crónicas publicadas originalmente no semanário regional, "O Distrito de Setúbal", e depois editadas em livro, por iniciativa da Assembleia Distrital de Setúbal, em 1983, ao tempo do Governador Civil Victor Manuel Quintão Caldeira.

A brochura, ilustrada com diversas fotos, dos antigos expedicionários ainda vivos nessa altura, tem 76 páginas, inumeradas. As páginas que publicamos hoje [cap XV],  não vêm numeradas no livro. [corresponderiam às pp pp. 52 a  57].

O batalhão expedicionário do RI 11, Setúbal, com pessoal basicamente originário do distrito, partiu de Lisboa em 16 de junho de 1941 e desembarcou na Praia, ilha de Santiago, no dia 23. Esteve em missão de soberania na ilha do Sal cerca de 20 meses (até 15 de março de 1943), cumprindo o resto da comissão de serviço (até dezembro de 1943) na ilha de Santo Antão.

Quarenta anos do seu regresso, os expedicionários do Onze  conrtinuavam a reunir-se e a homenager os seus mortos. É um ritual universal, que aontece em todos os países, em todas as épocas, em todas as guerras... (LG)

PS - Nesta cerimónia, realizada em Setúbal, em 9 de abril de 1981,  esteve presente  o cor inf Luís Casanova Ferreira (1931-2015) que fez duas comissões no CTIG (1964/66 e 1970/74) e foi um dos capitães de Abril. Provavelmente na sua qualidade de antigo comandante do RI 11, tendo passado à reserva justamente nesse ano de 1981.

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quarta-feira, 26 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17284: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte XII: O "cancioneiro" da Ilha do Sal



Cabo Verde > Ilha do Sal > Pedra Lume > 1942 > Militares expedicionário da 1ª companhia do 1º batalhão do RI 11 (Setúbal).  O primeiro à esquerda é o 1º cabo Feliciano Delfim Santos,  pai do nosso camarada e membro desta Tabanca Grande Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada e foi fur mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73).

Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






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1. Continuação da publicação da brochura "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE ref José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp. inumeradas, il.) [, imagem da capa, à direita].(*)
José Rebelo, capitão SGE reformado, foi em plena II Guerra Mundial um dos jovens expedicionários do RI I1, que partiu para Cabo Verde, em missão de soberania, então com o posto de furriel (1º batalhão, RI 11, Ilha de São Vicente, ilha do Sal e ilha de Santo Antão, junho de 1941/ dezembro de 1943). Faria depois da Escola de Sargentos de Águeda. Promovido a alferes, comandou a GNR em Tavira, até 1968. Colaborava com regularidade, no jornal "Povo Algarvio", onde o nosso camarada Manuel Amaro o conheceu, pessoalmente. Em 1969, já capitão, sendo o Comandante da Companhia da Formação no Hospital Militar da Estrela, em Lisboa.

É provável que já não esteja entre os vivos [, e no caso de estar vivo, terá os seus 96/97 anos]. De qualquer modo, é credor de toda a nossa simpatia, apreço e gratidão, cabendo-nos por isso honrar a sua memória e a dos seus camaradas, onde se incluíram os pais de alguns de nós, mobilizados para Cabo Verde, por este e por outros regimentos.

[Foto, à esquerda,  do então furriel José Rebelo, expedicionário do 1º batalhão do RI 11]

A brochura, de grande interesse documental, e que estamos a reproduzir, é uma cópia, digitalizada, em formato pdf, de um exemplar que fazia parte do espólio do Feliciano Delfim Santos (1922-1989), que foi 1.º cabo da 1.ª companhia do 1.º batalhão expedicionário do RI 11, pai do nosso camarada e grã-tabanqueiro Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada e foi fur mil da CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73).

Recorde-se que se trata de  um conjunto de crónicas publicadas originalmente no semanário regional,  "O Distrito de Setúbal", e depois editadas em livro, por iniciativa da Assembleia Distrital de Setúbal, em 1983, ao tempo do Governador Civil Victor Manuel Quintão Caldeira. 

A brochura, ilustrada com diversas fotos, dos antigos expedicionários ainda vivos nessa altura, tem 76 páginas, inumeradas.  

O batalhão expedicionário do RI 11, Setúbal, com pessoal basicamente originário do distrito, partiu de Lisboa em 16 de junho de 1941 e desembarcou na Praia, ilha de Santiago, no dia 23. Esteve em missão de soberania na ilha do Sal cerca de 20 meses (até 15 de março de 1943), cumprindo o resto da comissão de serviço (até dezembro de 1943) na ilha de Santo Antão.

As páginas que publicamos hoje [cap XVIII,  das pp.  63 a 66ap ] não vêm numeradas no livro.

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Nota do editor:

Último poste da série  > 11 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17234: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte XI: trinta e nove anos depois, homenagem aos mortos, em 1981, em Setúbal


terça-feira, 11 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17234: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte XI: trinta e nove anos depois, homenagem aos mortos, em 1981, em Setúbal





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1. Continuação da publicação da brochura "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE ref José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp. inumeradas, il.) [, imagem da capa, à direita].(*)

José Rebelo, capitão SGE reformado, foi em plena II Guerra Mundial um dos jovens expedicionários do RI I1, que partiu para Cabo Verde, em missão de soberania, então com o posto de furriel (1º batalhão, RI 11, Ilha de São Vicente, ilha do Sal e ilha de Santo Antão, junho de 1941/ dezembro de 1943). Faria depois da Escola de Sargentos de Águeda. Promovido a alferes, comandou a GNR em Tavira, até 1968. Colaborava com regularidade, no jornal "Povo Algarvio", onde o nosso camarada Manuel Amaro o conheceu, pessoalmente. Em 1969, já capitão, sendo o Comandante da Companhia da Formação no Hospital Militar da Estrela, em Lisboa-

Não temos mais informações atualizadas sobre este nosso velho camarada (e nomeadamente, por onde andou depois do 25 de Abril). De qualquer modo, é credor de toda a nossa simpatia, apreço e gratidão. Se for ainda  vivo, e oxalá que sim, terá então a bonita idade de 96 ou 97 anos. Cabe-nos em,todo o caso honrar a sua memória e a dos seus camaradas, onde se incluiram os pais de alguns de nós, mobilizados para Cabo Verde, por este e por outros regimentos.

A brochura, de grande interesse documental, e que estamos a reproduzir, é uma cópia, digitalizada, em formato pdf, de um exemplar que fazia parte do espólio do Feliciano Delfim Santos (1922-1989), que foi 1.º cabo da 1.ª companhia do 1.º batalhão expedicionário do RI 11, pai do nosso camarada e grã-tabanqueiro Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada e foi fur mil da CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73).

[Foto, à direita, do então furriel José Rebelo, expedicionário do 1º batalhão do RI 11]

Trata-se de um conjunto de crónicas publicadas originalmente no jornal "O Distrito de Setúbal", e depois editadas em livro, por iniciativa da Assembleia Distrital de Setúbal, em 1983, ao tempo do Governador Civil Victor Manuel Quintão Caldeira. A brochura, ilustrada com diversas fotos, dos antigos expedicionários ainda vivos, tem 76 páginas, inumeradas. Por se tratar de zincogravuras, a qualidade das imagens que reproduzimos, infelizmente, é fraca ou muito fraca.

O batalhão expedicionário do RI 11, Setúbal, com pessoal basicamente originário do distrito, partiu de Lisboa em 16 de junho de 1941 e desembarcou na Praia, ilha de Santiago, no dia 23. Esteve em missão de soberania na ilha do Sal cerca de 20 meses (até 15 de março de 1943), cumprindo o resto da comissão de serviço (até dezembro de 1943) na ilha de Santo Antão.

As páginas que publicamos hoje [cap XIV, de 46 a 50, cap ] não vêm numeradas no livro.  
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