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sábado, 10 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23864: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XIII: uma incursão à Ilha do Como, em princípios de 1965, com o Grupo "Fantasmas" a 18 operacionais...


Guiné > Região de Tombali > Catió > Interior do aquartelamento  >
 CCS / BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Victor Condeço (1943-2010), ex-fur mil furriel mecânico de armamento.


Guiné > Região de Tombali > Catió >  CCS / BART 1913 (Catió 1967/69) > Avenida das palmeiras.


Guiné > Região de Tombali > Catió >  CCS / BART 1913 (Catió 1967/69) > Chegada a Catió da lancha vinda do Cachil.  

Fotos (e legendas): © Victor Condeço (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Cachil > 1966 > Interior do aquartelamento. Foto do álbum de Benito Neves, ex.fur mil,  CCAV 1484, (Nhacra e  Catió,  1965/67) d 

Foto (e legenda): © Benito Neves (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais um excerto das memórias do nosso camarada Amadu Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), membro da nossa Tabanca Grande desde 2010, autor do livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.).

O Virgínio Briote, nosso coeditor jubilado (ex-alf mil, CCAV 489 / BCAV 490, Cuntima, jan-mai 1965, e cmdt do Grupo de Comandos Diabólicos, set 1965 / set 1966) disponibilizou-nos o manuscrito, em formato digital. Recorde-se que, durante cerca de um ano, com infinita paciência, generosidade, rigor e saber, ele exerceu as funções de "copydesk" (editor literário) do livro do Amadu Djaló, ajudando-o a reescrever o livro, a partir dos seus rascunhos e da sua prodigiosa memória.



Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue >
20 de Junho de 2009... O Virgínio Briote e o Amadu. Foto: LG (2010)



Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.


A edição de 2010, da Associação de Comandos, com o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está infelizmente há muito esgotada. E não é previsível que haja, em breve, uma segunda edição, revista e melhorada. Entretanto, muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro, nem muito menos o privilégio de conhecer o autor, em vida.

Recorde-se, aqui, o último poste desta série (*): O Grupo de Comandos "Fantasmas", da Companhia de Comandos do CTIG, comandado pelo alf mil 'comando' Maurício Saraiva, nascido em Angola,  faz um incursão de 3 dias nas matas no Oio, com apenas 12 operacionais.





"Vinte dias em Catió, Cachil e Como, no princípio de 1965, com o Grupo de Comandos  "Fantasmas" agora com 18 operacionais ...
(pp. 108/112)

por Amadu Djaló (*)

 
(i) Na toca do lobo, na ilha do Como


João Parreira,
ex-fur mil op esp,  'comando', 
CART 730 / BART 733
e Grupo de Comandos “Fantasmas”,
 
Bissorã e Brá, 1964/66,
membro da Tabanca Grande
desde 3/12/2005


Em resposta ao pedido do alferes Saraiva de voluntários para reforçar o grupo, o QG enviou  alguns militares que se tinham oferecido. Com a chegada a Brá do furriel João Parreira, europeu [em fevereiro de 1965], de um soldado africano, Braima Bá, e de mais quatro praças europeus, o grupo “Fantasmas” ficou com 18 homens operacionais.

A primeira missão com o grupo reforçado foi no Como. Primeiro deslocámo-nos para Catió, onde estivemos três dias.

Depois seguimos de barco, chegámos à tarde ao Cachil e ficámos a fazer tempo para a hora de saída.

Depois de jantarmos pusemo-nos a caminho, rumo ao objectivo. Ia connosco um guia balanta.

O Como é uma ilha com mata muito densa nalguns locais. A mata é cercada por uma clareira toda à volta, que, segundo as informações que nos deram, a guerrilha tinha cavado abrigos onde sentinelas espaçadas, se vissem tropa a aproximar-se, chamavam gente para defender a posição.

O alferes, antes de sairmos, explicou como íamos fazer. O pessoal da companhia ia servir de isco, preparavam-se como se fossem fazer uma operação e de forma que fossem vistos pelas sentinelas do PAIGC. Nós que iríamos andar toda a noite, o mais silenciosamente possível, quando os guerrilheiros fossem chamados pelas sentinelas, cairíamos então em cima deles. Esta era a ideia do alferes.

Mas as coisas não correram desta forma.

À meia-noite e qualquer coisa, encontrámos os abrigos ocupados pelos seus donos. Quando progredíamos no máximo silêncio,  ouvimos murmúrios, o alferes mandou parar e parámos todos, ninguém piou. Mandou-nos avançar com toda a precaução, novas conversas chegaram aos nossos ouvidos e parámos novamente. Como deixámos de ouvir, continuámos, sempre com o máximo cuidado. Só que um companheiro meteu um pé num daqueles buracos e vimos logo duas pessoas a correr. Quando nos apercebemos,  era um grande barulho de pessoal a abandonar os abrigos.

Não tínhamos alternativa, retirámo-nos cautelosamente e entrámos no capim, que era mais alto que nós, e deitámo-nos. De repente, uma granada rebentou tão perto de mim, que fiquei surdo. A seguir uma rajada e outras se seguiram para cima do local onde estávamos deitados. O barulho dos tiros ecoava na minha cabeça como se fosse muito longe, a quilómetros.

Levantámo-nos e, aos ziguezagues,  começamos a correr em direcção às palmeiras, para nos podermos abrigar melhor. Sempre acompanhados pelas chicotadas dos tiros, atingimos o quartel do Cachil.

No porto do Cachil, embarcámos no mesmo barco que nos tinha trazido de Catió e que transportava géneros e regressámos nele a Catió, onde chegámos quase ao meio-dia.

Aproveitámos para descansar uns dias,  para depois partimos para fazer uma emboscada na picada para Cufar. Num dia desses aproveitei para ir às rolas com uma espingarda de pressão. Não correu muito bem a caçada. Quando foi preciso que disparasse, a espingarda não disparou, depois, quando eu estava a tentar ver porque não tinha disparado, disparou e acertou-me, de raspão, num dedo do pé direito.

O alferes disse que eu me tinha ferido de propósito, para não ir. E eu respondi, mas eu vou, custe o que custar. E o alferes a dizer não vais!... Senti-me tão mal comigo que até chorei.

O grupo saiu, emboscou-se na picada, e um grupo da guerrilha caiu na emboscada, perderam homens e quatro armas automáticas. O grupo entrou em Catió, sem baixas e com as armas.

Tivemos mais dois dias de descanso, enquanto o alferes preparava um golpe de mão a um acampamento na zona de Cufar.

Deixámos o quartel aí pelas 20h00 e andámos sempre sem problemas até às 02h00 da madrugada, quando chegámos à mata de Cufar. Tínhamos quatro horas, mais ou menos à nossa frente, para podermos atacar durante a noite.

A mata era tão cerrada como escura era a noite. Agarrámo-nos uns aos outros pelo cinto, para não nos perdermos. A progressão foi difícil e muito lenta. Aí pelas 07h00, com o sol já alto, fomos dar a um carreiro que levava ao acampamento. Vimos que estava bem utilizado.

O alferes entrou em contacto rádio com o capitão Lacerda da companhia que nos dava apoio e segurança  
CCav 703 / BCAV 705, Bissau, 1964/66, comandada pelo cap cav Fernando Manuel dos Santos Barrigas Lacerda]. 

 Entretanto, nós continuámos a andar até que,  ao ver, a pouca distância, ramos de uma árvore a mexer, disparei um tiro. Logo uma pessoa saltou a correr e desapareceu no mato. Corri para o sítio e apanhei a arma que ele não teve tempo de levar.

Regressámos ao encontro da companhia do capitão Lacerda e tomámos juntos o caminho para Cufar. Aqui a companhia ficou e nós prosseguimos para Catió. No caminho ainda encontrámos uma vaca e uma vitela, que uma secção de milícias que ia connosco, aproveitou para tomar conta delas.

Entrámos em Catió de manhã e, naquele dia, jantámos vitela. No dia seguinte apanhámos o barco para Bissau.


(ii) Com uma noiva no barco, de regresso a Bissau

Na lancha ia uma noiva e a comitiva, três raparigas e três mulheres. A mais velha dava-se mais ao respeito, as restantes, incluindo a noiva, iam numa grande brincadeira. A noiva ia vestida com roupa branca e queria manter-se séria.

Na zona de Bolama, apanhámos tempestade e o barco balançava muito. Ficámos todos mal dispostos e, como é costume, alguns vomitaram. Rapazes, raparigas, senhoras, a noiva até, tudo começou a vomitar. Nenhum de nós conseguia ficar de pé com o temporal. O Braima Bá pediu-me para dizer ao irmão dele que o Braima não tinha morrido na guerra, mas tinha morrido no barco. 

A viagem não foi nada para graças, chegámos a ter dúvidas se chegaríamos a Bissau. Mas chegámos, quase à meia-noite, ao cais onde as nossas viaturas nos aguardavam.

Esta estadia em Catió durou 20 dias.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Parênteses retos com notas / Subtítulos: LG]

(Continua)
___________

Nota do editor:

domingo, 14 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22007: In Memoriam (384): Ex-Fur Mil Cav Vítor Manuel de Carvalho Serrão da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66 (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

IN MEMORIAM

Vítor Manuel de Carvalho Serrão, natural de Lisboa, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964-1966
O Vítor Serrão, ao centro, na cabeça o sumbiá idêntico ao de Amílcar Cabral, ante o indício duma mina anticarro, na estrada Buruntuma - Piche, ao seu lado direito o furriel Silva, ao seu lado esquerdo o Capitão Fernando Lacerda, nosso comandante.


1. Em mensagem de hoje, 14 de Março de 2021, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), manda-nos mais uma triste notícia, desta feita a do falecimento do seu camarada de armas Vítor Serrão.

Acabo de saber do falecimento ontem (dia 13) deste amigo e camarada da Guiné.
Além de camarada e de protagonista de todos os eventos de guerra da Companhia, recordo o Vítor Serrão como um amigo sólido e sereno.

Em sua memória, acabo de ouvir o “Il Silenzio” tocado em trombete, de que ele tanto gostava, nos momentos de folga na Guiné.





Descansa em paz, Vítor.

As minhas condolências à Família.
Manuel Luís Lomba


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Nota:
- Os editores e a tertúlia deste Blogue não podem deixar de se associar ao pesar do nosso confrade Manuel Luís Lomba pela perda do seu camarada de armas, ao mesmo tempo que envia à família do malogrado Vítor Manuel de Carvalho Serrão, as mais sentidas condolências.
É um facto que sempre que parte um camarada de armas, leva um pouco de todos nós antigos combatentes.
Que descanse em Paz.

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21803: In Memoriam (383): General Ricardo Durão (1928-2021), ex-2.º Comandante do BCAV 705 (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

domingo, 24 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21803: In Memoriam (383): General Ricardo Durão (1928-2021), ex-2.º Comandante do BCAV 705 (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

IN MEMORIAM

General Ricardo Durão
(1928-2021)


1. Em mensagem de 23 de Janeiro de 2021, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor do livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu"), enviou-nos este texto de homenagem ao General Ricardo Durão, que foi 2.º Comandante do BCAV 705, falecido no passado dia 22.


In Memoriam
General Ricardo Durão, meu Comandante, meu Camarada na Guerra da Guiné

Faleceu sexta-feira, dia 22, aos 92 anos de idade.

A notícia é oriunda do Comité Olímpico de Portugal… como atleta da modalidade de pentatlo moderno, que representou Portugal nos Jogos Olímpicos de Helsínquia, em 1952.
O cidadão Ricardo Durão era mais que atleta – era um militar português de primeira água.

Eis o que conheci dele.

Em meados de 1965, o meu Batalhão foi colocado no sector do Leste da Guerra da Guiné, sediado em Nova Lamego, as suas subunidades em Madina do Boé, Beli, Camajabá, Buruntuma, etc. e a unidade foi perdendo o brio e o moral, reflexo de um comando omisso, e, sobretudo, das idiossincrasias do seu 2.º comandante.
Aguentei a crise aguda de paludismo, mas em sequela fiquei muito debilitado, os rins afectados, as costas curvadas e arrimava-me a um cajado, para me deslocar. O sempre solícito Alferes-Dr. João Sequeira – está de saúde e recomenda-se, ainda operacional lá para os lados de Almada - receitou-me um tratamento externo, na Missão do Sono – cheguei a Nova Lamego no dia a seguir ao da tomada do Major Ricardo Durão do posto Segundo-comandante, o QG tinha posto os patins ao que viera substituir.

A CCS Jogava futebol a meio da manhã, ele vinha participar, notou-me entre os poucos assistentes, quis saber o que tinha e disse-me que podia contar com ele. Era um superior de outro campeonato!
O jogo decorria, subitamente o capitão das “Informações e Operações” "fez-se” ao cabo mecânico e berrou: - Fora, rua!
- Meu Major, ele “espetou-me uma pantufada!
- Sentença do Major: - Nosso cabo, entre! Nosso capitão, isto não é para senhoras, saia!

Todos emudeceram de espanto – e disputa continuou e mais dura.
O tratamento era doloroso, aplicavam-me umas injecções parecidas com azeite que me paralisavam as ancas, além de paralítico ceguei durante dois ou três dias e todas as manhãs o Major Durão vinha interessar-se pelos externos pacientes – éramos quatro. Em menos de um mês o Batalhão estava galvanizado e tornou-se notória a exultação pela mudança dos capitães operacionais – Fernando Lacerda e Fernando Ataíde, ainda bem vivos e recomendam-se.
Nós viemos embora e o Major Ricardo Durão foi para o QG.

Recordo o seu aparecimento na TV, como delegado da JSN no Ministério do Trabalho, com a farda n.º 1, os galões de Tenente-coronel e a sua explicação que também era trabalhador e aquela a sua roupa de trabalho e a reportagem da sua ida a Tancos com o Capitão Salgueiro Maia, no contexto do 11 de Março de 1975 – foi metido na prisão, mas, com o seu depoimento, salvou dessa sorte aquele seu subordinado, aquele valente e honesto “capitão de Abril”.
O Capitão Salgueiro Maia nunca mais foi o mesmo, após os eventos daquele 11 de Março.

Noutro contexto, comovi-me, ao ver o já General Ricardo Durão, de lágrimas a deslizar no rosto e a dizer, na sua sinceridade, sem ódio nem rancor, ter sido metido no Forte de Caxias, obrigado a despir-se, a ficar nu em pêlo, para ser escarnecido pelos “revolucionários”…

Descanse em paz, General Ricardo Durão. Sentidos pêsames à sua Família.
Manuel Luís Lomba


********************

GENERAL RICARDO DURÃO

- Nasceu em Setúbal em 13 de Junho de 1928.
- Fez os estudos primários em Setúbal e os secundários no Colégio Militar (1938-45).
- Frequentou os Preparatórios Militares na Faculdade de Ciências de Lisboa (1945-46) e de Coimbra (1946-47) e completou o Curso de Cavalaria em 1950.
- Foi promovido sucessivamente a Alferes (1950), Tenente (1952), Capitão (1959), por distinção por feitos em campanha a Major (1965), Ten. Coronel (1969), Coronel (1974), Brigadeiro (1978), General (1983).
- Como Oficial General desempenhou as funções de Comandante da Região Militar Sul (1979/81), Director do Serviço de Justiça e Disciplina do Estado Maior do Exército (1981/83), Director da Arma de Cavalaria (1983/84), Comandante da Região Militar de Lisboa/Governador Militar de Lisboa (1984/87), Juiz Vogal do Supremo Tribunal Militar (1987/93).
- Cumpriu as seguintes comissões no Ultramar: Comandante de Companhia de Cavalaria 122 em Angola (1961/63), Oficial de Operações do Batalhão de Cavalaria 757, 2.º Comandante do Batalhão de Cavalaria 705, Chefe da Secção de Contra-Informação/Repartição de Informações do QG do Comando Territorial Independente da Guiné (1965/67), Chefe da Repartição de Operações do QG do Comando-Chefe da Guiné (1968/70), Comandante Militar de S. Tomé e Príncipe (1971/74).
- Tem averbado 22 louvores individuais (sendo 9 de Oficial General, 3 de Chefe do Estado-Maior do Exército e 3 de Ministro) e 2 colectivos da Companhia de Cavalaria que comandou em Angola.
- Após 25 de Abril de 1974 desempenhou funções de Delegado da Junta de Salvação Nacional no Ministério do Trabalho e foi Delegado da Assembleia do MFA, eleito na Região Militar de Tomar (1974-1975).
- Transitou para a situação de Reserva em 1987 e passou à Reforma em 1995.


Com a devida vénia a Gugol Livreiros

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21802: In Memoriam (382): Isabel Levezinho (1952-2020): (e)terna lembrança, um mês depois da sua partida para a última viagem, sem regresso, que um dia todos teremos de fazer (Luís Graça)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21712: (D)o outro lado do combate (63): Amílcar Cabral e o Boé: a importância estratégica da região (Jorge Araújo)

Foto 1> Citação: (1966-1973), "Amílcar Cabral com um destacamento das FARP do PAIGC (na região do Boé; Frente Leste)", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44176, com a devida vénia.



Foto 2 > Citação: (1963-1973), "Amílcar Cabral com combatentes do PAIGC, no Boé", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44296, com a devida vénia.



Mapa da região do Boé (Centro - Sul). Infografia: Jorge Araújo (2020)



O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, 
ainda no ativo; tem cerca de 280 referências no nosso blogue.

 

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > 

AMÍLCAR CABRAL E O BOÉ:

A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DA REGIÃO

- DIRECTIVAS E INSTRUÇÕES MILITARES DIFUNDIDAS EM 1965 -     

 

1.   - INTRODUÇÃO


Perto de completar trinta meses, após o início do conflito em Tite [em 23Jan63], e quinze meses antes da «Operação Madina do Boé» [em 10Nov66], a maior acção militar realizada até então pelos guerrilheiros do PAIGC, em cooperação com meia-dúzia de elementos do contingente cubano chegados, em 29Abr66, a Conacri – P21547 –, Amílcar Cabral (1924-1973) decide enviar uma "mensagem" aos seus camaradas operacionais, combatentes do exército popular, em nomadização na região do Boé (ver mapa acima).


Nessa "mensagem", datada de 1 de Julho de 1965, uma quinta-feira, reafirma, como "palavra de ordem", a importância estratégica dessa região para a libertação de toda a área circundante, compreendida entre Xitole, Bambadinca, Bafatá e Gabu.


Pela relevância do seu conteúdo, pois faz parte da historiografia do conflito a que designei anteriormente de «Guerra dos Doze Anos» [CTIG; 1963-1974 (P21547)], e porque o dossiê  "Madina do Boé" continua em aberto, tomei a iniciativa de o partilhar no nosso fórum, organizando a apresentação em pequenos fragmentos, com o objectivo de facilitar a sua leitura, tendo por fonte de investigação, uma vez mais, o valioso espólio documental de Amílcar Cabral, disponível na Fundação Mário Soares.


2.   - MENSAGEM DIRIGIDA AOS COMBATENTES DAS FARP DO BOÉ DATADA DE 01 DE JULHO DE 1965




Ø 
Camaradas.


Vocês todos sabem que a região do Boé é muito importante para a nossa luta na nova fase em que nos encontramos. Na verdade, se acabarmos rapidamente de libertar a região do Boé, se conseguirmos tirar dali todas as forças inimigas, criamos uma situação difícil para as tropas portuguesas que estão em Bafatá e no Gabu. Criamos além disso uma base muito boa para libertar rapidamente toda a área compreendida entre o rio Corubal, Xitole, Bambadinca, Bafatá e o Gabu.


O Partido tem feito grandes esforços para libertar totalmente o Boé, onde tem operado uma subsecção e dois bigrupos bem armados.


Sabemos que as nossas forças têm tido dificuldades por falta de consciência política da população e por falta de alimentação em alguns momentos numa região onde há pouca comida. Vocês têm feito algumas acções boas e conseguiram destruir [?] a "jangada de Xexe [Ché-Che, em 11 de Maio de 1965, 3.ª feira, conforme comunicado abaixo, manuscrito por Umaro Djaló [1940-2014], cmdt da subsecção "Rui Djassi"] e atacar Madina do Boé com sucesso. Mas temos de lembrar que podíamos ter feito muito mais, se agíssemos sempre com mais conhecimento das condições do inimigo e se não cometêssemos certos erros.



Durante as chuvas, não faltará água. Por outro lado, o nosso Partido vai continuar a pôr à disposição dos combatentes do Boé todo o alimento necessário para um período de 2 meses. Não faltará armas nem faltará munições.


Sabemos que o inimigo já refez outra jangada [?], mas sabemos todos que ele tem pouca gente no Boé. Cremos que basta uma subsecção forte e decidida para criar ao inimigo uma situação difícil e correr com ele do Boé durante esta época das chuvas. Além disso, reduzindo o número de combatentes no Boé fica mais fácil dar comida para esses combatentes, em virtude das dificuldades de transporte durante as chuvas.


Mas têm de ficar no Boé os combatentes que têm dado provas de coragem e de audácia para garantirem o cumprimento do nosso dever nessa região.



 

Ø  Camaradas,


O Boé tem condições muito favoráveis para a nossa luta. Desde que haja alimentação, não haverá razão nenhuma para não libertarmos totalmente o Boé em pouco tempo.


O que é preciso é iniciativa, audácia, coragem e acção, com base no conhecimento concreto do inimigo.

Temos de libertar completamente o Boé até ao fim do mês de Julho [de 1965]. Este é um trabalho importante do nosso Partido que nada poderá evitar.


Avante, pois, na libertação total do Boé, região importante para o grande avanço da nossa luta.

Pelo Bureau Político do PAIGC


Amílcar Cabral (Secretário-Geral)

1 de Julho de 1965

 

Ø  Que devemos fazer para correr com os portugueses do Boé?

- Nós (PAIGC] deveremos:


■ 1. - Limitar o número de homens a uma subsecção, bem armada e dispondo de morteiros e bazucas. Obter informações sobre o inimigo.


■ 2. - Instalar armas anti-aéreas (DCK) para ataques aos aviões. Fazer sempre tiros contra os aviões e helicópteros. Destruir os campos de aviação.


 

■ 3. - Destruir a ponte da estrada do Boé que fica logo depois de Contabane. Minar essa estrada.


■ 4. - Colocar um grupo de emboscada perto a Guilejezinho.


■ 5. - Destruir a jangada de Xexe [Ché-Che], mesmo que para isso seja possível combater. Devemos atacar e destruir a jangada no momento em que esteja a trabalhar, quando chegar à margem do lado de Madina.


■ 6. - Colocar armas pesadas no porto de Xexe para não deixar passar o inimigo.


■ 7. - Bombardear Madina [do Boé] com morteiros de dia e de noite.


■ 8. - Fazer ataques rápidos e muitas vezes a Madina [do Boé], sobretudo com bazucas, para destruir casas em que está a tropa. Retirar-se.


■ 9. - Concentrar forças e atacar Madina [do Boé], para destruir o quartel inimigo e todos os soldados inimigos (mortos ou presos).


■ 10. - Concentrar forças e atacar Béli, depois de bombardear com morteiros e bazucas.


■ 11. - Controlar as estradas de Xexe [Ché-Che], Contabane e Palaque (ao norte de Béli), que vai para Cabuca).


■ 12. - Organizar e controlar a população em todas as zonas dentro do Boé.


■ 13. - Colocar armas pesadas ao longo do rio Corubal (em todos os quartéis) para evitar o regresso do inimigo.


■ 14. - Instalar várias armas anti-aéreas em pontos estratégicos de maneira a destruir todos os aviões que venham a Boé.



Fonte: Citação:
(1965), "Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis, combatentes do exército popular em Boé", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40509


3.   - DESTRUIÇÃO [?] DA "JANGADA DE CHÉ-CHE"

  - EM 11 DE MAIO DE 1965 – COMUNICADO DE UMARO DJALÓ


De modo a poder validar a informação descrita na "mensagem" de Amílcar Cabral sobre a destruição da "jangada de Ché-Che", em Maio de 1965, encontrámos uma referência a essa ocorrência, assinada pelo Cmdt, à época, na região do Boé – Umaro Djaló –, que seguidamente se transcreve:


Ø   Comunicado


Comunicamos à direcção do nosso Partido que destruímos a "jangada de Cheche" no dia 11 do mês corrente [Maio de 1965], às 4 horas da manhã. Foi totalmente destruída, e o homem que guardava a jangada conseguiu fugir no momento em que os camaradas progrediam em direcção do objectivo, e não conseguiram prendê-lo. Também os camiões que se encontravam na travessia foram igualmente destruídos.


A reacção das tropas em Madina [do Boé], depois de se aperceberem da detonação do explosivo, chamaram a intervenção da aviação, que imediatamente chegaram dois aviões às 6 horas do mesmo dia e rondaram até às 12 horas.


Agora estamos preparando um novo ataque sobre Béli, às sabotagens repetidas, sem interrupções. Pedimos que nos mandem munições, o mais depressa possível.

L-1-10 + bazucas, obuses chineses e checos, binóculos.


Madina do Boé, 12-5-1965

O comandante; Umaro Djaló.

 


Fonte: Citação:
(1965), "Comunicado [Frente Leste]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40708

 

4.   - CONSIDERAÇÕES FINAIS


Chegados ao fim da presente narrativa, mais uma tendo por temática «Madina do Boé»: factos encontrados na literatura, escritos por Amílcar Cabral dois anos e meio após o início do conflito, não nos foi possível localizar qualquer "contraditório", por parte das NT, quanto à destruição da «Jangada de Ché-Che» em 11 de Maio de 1965.


Como última hipótese de tal poder vir a acontecer, acreditamos que o nosso camarada Manuel Luís Lomba esteja em situação privilegiada para legitimar/confirmar, ou não, esse facto (caso ainda dele tenha memória), já que, como é aludido no P18623, "a região do Boé foi também um dos 'amores' da malta operacional do BCAV 705, transferido de emergência para o Leste, em Maio de 1965 [a mesma data da ocorrência acima], e calhou à CCAV 704 [Companhia de Cavalaria 704] assentar arraiais em Madina [do Boé] e Béli, comandada pelo então Capitão de Cavalaria Fernando Ataíde."

Aguardemos o seu feedback.    

► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.012. Título: Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis combatentes do exército popular em Boé. Assunto: Mensagem de Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, aos militantes e responsáveis combatentes do Exército Popular no Boé, reafirmando a importância estratégica dessa região para a libertação de toda a área circundante (Xitole, Bambadinca, Bafatá e Gabu). Directivas e instruções militares aos combatentes para a conquista e libertação do Boé. Data: Quinta, 1 de Julho de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.027. Título: Comunicado [Frente Leste]. Assunto: Comunicado assinado pelo Comandante Rui Djassi (erro) [Umaro Djaló] sobre a acção de destruição da jangada de Cheche e a preparação de um novo ataque a Béli. Data: Quarta, 12 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

 

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Um melhor Ano de 2021.

Jorge Araújo.

28DEZ2020


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sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21497: (In)citações (173): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

1. Em mensagem do dia 27 de Outubro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor do livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu") enviou-nos um texto a que deu o título: "Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano", do qual publicamos hoje a II Parte.


Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II 

Manuel Luís Lomba

Esse I Congresso de Cassacá constitui referência da evolução para a segunda fase da sua guerra revolucionária, e, também, marco organização e estruturante do PAIGC, estereótipo de Partido-estado-armado. Entre outras providências, Amílcar Cabral dividiu os combatentes em milícias guerrilheiras e em exército revolucionário (as FARP), o seu armamento e orgânica à imagem e semelhança dos regimes ditatoriais comunistas (oficiais executivos e oficiais comissários políticos), o seu núcleo duro enformado por ex-praças e ex-sargentos do Exército Português, na disponibilidade e desertores, formados no quartel de Santa Luzia, em Bissau, e no CIM, em Bolama, que mandara tirocinar na China, Rússia e Checo-Eslováquia, reorganizou o seu dispositivo territorial, explicitou um Código de Justiça Militar, a legalizar a pena capital, para eliminar as diferenças (dissidentes e desalinhados) e visando os seus compatriotas que se distinguissem ou tivessem distinguido ao serviço das forças militares e militarizadas portuguesas, já praticada na eliminação dos feiticeiros e noutros fatalidades, concluiu-o a presidir ao julgamento, a condenar e a mandar fuzilar alguns dos seus subordinados, acusados de comportamentos desviantes. 

Localização de Cassacá, na Região de Cacine, onde decorreu o I Congresso do PAIGC
© Luís Graça & Camaradas da Guiné - Infogravura da Carta de Cacine 1:50.000

Amílcar Cabral ”libertara” tanta área, no entanto a “sua” capital esteve sempre instalada em Conacry), aqui redigiu um comunicado de guerra triunfalista da batalha do Como, que só a agência noticiosa France Press aceitou difundir (a Comunicação social francesa foi o grande porta-voz do PAIGC, talvez efeito da afinidade) ter causado 600 baixas aos actores da “Operação Tridente” e valorizou esse alarde com uma exposição de alguns despojos de material de guerra e de logística, focada nos destroços de 20 aviões abatidos. 

Sem correspondência com a verdade.

Essa “Operação Tridente” decorreu durante 72 dias, o Comando militar investiu nela 1150 homens e os três Ramos, houve 9 mortos, 15 feridos graves, 32 feridos ligeiros em combate e apenas um avião foi abatido, o bombardeiro T6, pilotado pelo Alferes José Manuel Pité; o PAIGC investiu 400 combatentes guineenses, um número não apurado de cooperantes estrangeiros, sofreu mais de 100 baixas, incluindo 3 comandantes, entre mortos, prisioneiros e feridos graves, tendo a tropa socorrido e evacuado 9 destes para o Hospital Militar de Bissau… 

Os destroços mais atractivos patentes nessa exposição eram de dois aviões T6, caídos muito antes dessa operação, por sinistro em manobra e não por danos em combate, um pilotado pelo Furriel Eduardo Casals, que não sobreviveu, outro pilotado pelo então Sargento-Ajudante Sousa Lobato, que foi capturado, levado prisioneiro para Conacry e libertado pela “Operação Mar Verde”. Os destroços pertencentes ao T6 do Alferes Pité não seriam apelativos, por Alpoim Galvão e os seus fuzileiros os terem deixado escaqueirados a trotil. 

Os bissau-guineenses continuam a pagar a factura das meias verdades e das grandes mentiras do PAIGC daquele tempo. 

Em alinhamento com o “politicamente correcto” e descartando a verdade dos factos e a multiplicidade de relatos na primeira pessoa dos actores “Operação Tridente” e de toda aquela guerra ultramarina, a generalidade da nossa Comunicação social, os autores domésticos, os militares da nova geração e os seus institutos perfilham as narrativas do PAIGC. Ou história contada por outros, versus parcialidade. 

As FARP criadas no I Congresso de Cassacá, infernizaram a vida e não raro superaram as clássicas e formais FA portuguesas em mobilidade táctica, em agilidade em eficiência, foram fazendo o seu caminho evolutivo e até as superaram na qualidade do armamento. O PAIGC aplicava esse Código de Justiça Militar, desde Janeiro de 1964, fuzilando opositores políticos e militares naturais capturados. 

Ao ignorá-lo, o MFA não terá cuidado de salvaguardar os mais de 60 000 naturais guineenses, militares e militarizados, voluntários ou recrutados ao serviço das FA portuguesas. Foram deixados para traz – uma traição a eles e uma indecência (no mínimo) para com os mais de 100 000 dos veteranos da Guerra da Guiné, para com os seus 2 500 mortos, para com os seus 4 000 feridos, a maioria no grau de deficiente e para com cerca de 20 000 pacientes de stresse pós traumático. 

O seu irmão e sucessor Luís Cabral, começou a aplicá-lo logo no após o cessar-fogo, e, diz-se que, entre 1974 e até 1976, sancionou com o fuzilamento, sem qualquer julgamento, mesmo sumário, diz-se que cerca de 11 000 guineenses, somando militares, militarizados portugueses e oposicionistas políticos ao regime do PAIGC. 

Parafraseando o Padre António Vieira, o povo português em armas fez o preciso e a sua República fez o costume. 

Enquanto subvencionava a novel classe política, pelos seus mandatos, abrangente a refractários e desertores, a República Portuguesa ignorava e ostracizava o povo que deixou tudo, não negou o sacrifício das próprias vidas ao país, foi carne para canhão na Guerra do Ultramar, em cumprimento do seu dever de cidadania, `os nossos governantes demoraram mais de 40 anos, até à chegada do jornalista Paulo Portas a Ministro da Defesa, que, sem sequer ter assentado praça, conseguiu um “suplemento de reforma” de 130 € anuais para os combatentes europeus. 

Enquanto a República da Guiné-Bissau criou um Ministério dos Combatentes da Pátria, a República Portuguesa nem uma Direcção Geral. Por ironia das suas ironias, o destino uniu os ex-inimigos terríveis Alpoim Calvão, então empresário em Bolama e Nino Vieira, então PR da Guiné-Bissau, em defesa da extensão do direito ao subsídio de reforma dos bissau-guineenses, que serviram Portugal, como militares ou militarizados. 

A propósito da sua condecoração, o 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro José Soares Biscaia era um moço aprumado, competente e muito humano, partilhamos todas as operações de “intervenção” da CCav 703, excluindo a “Operação Tornado”, ao Cantanhez, e incluindo o sangrento evento de combate, cuja prestação lhe mereceu essa condecoração. 

A Companhia colocou rapidamente duas fiadas de arame farpado, escavou trincheiras e abrigos no perímetro interior do estacionamento. 

Ao princípio da madrugada de 25 de Janeiro de 1965, o “nosso” Capitão Fernando Lacerda delegou o comando do estacionamento ao Alferes Nuno Bigotes, Comandante do 1.º Pelotão, de que eu fazia parte, saiu ao comando do grupo de combate, formado pelo 2.º e 3.º Pelotões, como parceiro da CCaç 617, do Grupo de Comandos "Os Fantasmas" e do Grupo de Milícias de Catió na “Operação Alicate”. 

No dia anterior (soubemos mais tarde), Nino Vieira havia saído do seu santuário (em Quitafine?) no santuário do PAIGC no Cantanhez, com um bi-grupo a reunir-se na base de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino da Costa, outro tirocinado na China e um peso pesado da luta do PAIGC. 

Em Cufar Nalu formou um Corpo de Exército (efectivo equivalente a uma Companhia do Exército Portiguês, mas portador de maior potencial de fogo), manobrou-o à maneira de exército clássico, montou o cerco em meia-lua a essa nossa morada nas ruinas da fábrica de descasque de arroz, lançou dois ataques, tentou o assalto no segundo, decidido à nossa expulsão e captura. 

Porquê a prioridade de fazer prisioneiros? Amílcar Cabral fizera a cabeça dos seus comandantes de que a grandeza da vitória não era matar, era capturar e fazer prisioneiros e de que exército que mata prisioneiros perderá a guerra. 

Localização de Cufar e Cufar Nalu.
© Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné - Infografia da Carta de Bedanda 1:50.000

Estava o nosso grupo de combate na sua progressão em “bicha de pirilau” e em “passo fantasma” por esse laranjal, fronteiro à testa da pista de aviação e de uma laranjeira caiu um vulto sobre o Tenente Capelão Lavajo Simões, que integrava a coluna a seguir ao Capitão Fernando Lacerda (rectifico o erro meu), disparou um tiro de pistola, este voltou-se e ferrou um tabefe naquele “coirão” que quebrara a surpresa da operação: não era um soldado seu, era um vigia da vanguarda do inimigo. E logo rebentaram um medonho tiroteio e explosões de armas ligeiras e pesadas, de tiro tenso e de tiro curvo. 

Pela seteira do meu abrigo via a saída de múltiplas faíscas dos canos das armas, lembraram-me os pirilampos numa noite de Junho, a referência do posicionamento dos nossos e do inimigo, estimei em 50 metros o distanciamento entre nós e entre eles, abri a nossa hostilidade com uma rajada de G3, logo secundada pela nossa metralha, o inimigo passou a dirigir o seu fogo em duas frentes, para o laranjal e para as ruínas da fábrica, a nossa metralhadora Breda, a bazuca e o morteiro activaram-se, pela minha “banana” (emissor/receptor HVS) informei o Alferes Bigotes desse cálculo. O abrigo do comando ficava no lado oposto ao meu e seguiu-se o lançamento de granadas do nosso morteiro de 81. 

O estacionamento tinha sido implantado em círculo, conforme as NEP, dividido em dois meios círculos, de um lado referenciado pelo caminho de acesso à pista de aviação, de outro pelo caminho de acesso ao cais do rio Meterunga. 

Eu pertencia a esse 1.º Pelotão, a minha e as outras duas Secções ficaram desde o início posicionadas em frente ao alçado principal das ruínas da fábrica, separados da orla da mata de Cufat Nalu por um campo aberto de pouco mais de 1 km, o Alferes Bigotes mudou-se para o posto de comando, passei a substituí-lo nessa frente e a segundo mais graduado operacional do estacionamento, porque o Alferes João Sequeira era médico. 

O Furriel Santos Oliveira, nosso camarada tabanqueiro, viera trazer-nos adidos um morteiro de 81 e a sua Esquadra, do seu Pelotão de Morteiros 912, batalhador na ilha do Como e em Jabadá, situara o seu espaldão junto ao Posto de Comando, e, nessa circunstância, a defesa dessa frente foi cometida aos cozinheiros, padeiro, faxinas, escriturário, enfermeiro, maqueiros, mecânicos, transmissões, condutores e desempanadores, o comando directo exercido pelo Furriel O´Connor Shirley da CCS, um sapador adido a nós. 

Passado algum tempo, tiroteio e rebentamentos passaram a intermitentes, entendeu-se que retirada do inimigo, a “banana” avisou-me que o grupo combate do laranjal rastejava de regresso, cumpriu-me rastejar de abrigo em aviso a espalhar esse aviso e postar-me junto ao cavalo de frisa, para trocar o “santo e a senha” com a sua vanguarda, calculei e indiquei duas das mais prováveis rotas de retirada do inimigo aos briosos apontadores dos morteiros e da bazuca, que logo diligenciaram o lançamento de granadas, para lhes “acelerar o passo”. 

Estava a malta a rastejar do laranjal para chegar ao cavalo de frisa, o inimigo retomou os rebentamentos e tiroteio, ora posicionado em meia-lua no lado do alçado posterior dos edifícios em ruínas e as suas RPG puseram logo fora de combate o nosso morteiro de 81 e a sua Esquadra, com as suas granadas foguete. O 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro José Biscaia deixou o abrigo, percorreu o campo aberto, indiferente a projécteis e rebentamentos, começou por carregar o 1.º Cabo Gregório da Silva Lopes, já cadáver, seguiram-se os três municiadores gravemente feridos, um a um, deixou-os na tenda enfermaria, aos cuidados do Alferes Médico Dr. João Sequeira, regressando ou ao seu posto de combate todo ensanguentado.

 O inimigo ousou cortar primeira fiada de arame farpado, iniciou a tentativa de assalto, e ele, o Furriel Shirley e outros saltaram para os tectos de cibes dos seus abrigos, estiraram-se a disparar, o Alferes Bigotes (também condecorado) a exercer o seu comando, com a sua habitual calma olímpica. A malta do laranjal começou a retomar suas posições e o inimigo foi rechaçado pelo novo potencial de fogo. 

O objectivo do inimigo era ocupar o nosso lugar, o seu comando apercebera-se da fragilidade de defesa daquele lado e da eficiência do morteiro de 81 – a nossa única arma pesada de tiro curvo (éramos atacados com dois de 82) – e o abrandamento e a intermitência do seu fogo não fora indicador de retirada mas da sua rotação para essa posição. 

Não tivemos acesso ao plano e à ordem dessa “Operação Alicate”. O certo é que a CCaç 617, o Grupo de Milícias de Catió e o Grupo de Comandos "Os Fantasmas" montaram emboscadas nos três eixos de retirada dos nossos atacantes, um bi-grupo (talvez o comandado pelo Manuel Saturnino da Costa) caiu na emboscada dos Comandos – e 8 deles ficaram na “zona de morte”, não regressaram vivos às bases da mata de Cufar Nalú ou de Quitafine. 

Sofremos um morto, sete feridos graves e mais alguns ligeiros. Ao primeiro clarear da manhã, o chão do estacionamento apresentava-se pejado de covões dos rebentamentos proliferavam pelo estacionamento, os cozinheiros fizeram e distribuíram um caldeiro de café, o ar fatigado e silêncio da tristeza imperavam, o Furriel Manuel Simas saiu com um grupo de combate a fazer o reconhecimento, deu contas de manchas de sangue e de grande quantidade de invólucros de calibres 7,62, 9 e 12,7 mm. Fomos cercados e atacados por cerca de 70 combatentes e alvos de impactos de PPSH (costureirinhas),de Kalash´s, de duas RPG, de 2 morteiros de 82 e de 2 super-metralhadoras. Tínhamos vivido uma eternidade de 2 horas sob o fogo dos infernos. 

O mesmo grupo de combate foi fazer a segurança à pista, eliminou um espião, e, ao fim da manhã e pela primeira vez, desde a sua construção, em 1955, um Dakota aterrou na pista de Cufar, com reabastecimentos da intendência, de munições e para evacuar o morto e os feridos. 

O Grupo de Comandos Os Fantasmas e o Grupo de Milícias de Catió vieram partilhar o rancho do almoço connosco, oportunidade de conhecer os lendários Tenente Maurício Saraiva, o Marcelino da Mata, os malogrados Alferes de segunda linha João Bacar e Teófilo Sayeg (futuro capitão do futuro MFA, que o PAIGC fuzilará) e abraçar o amigo, camarada e tabanqueiro João Parreira, amizade nascida no Café Bento e consolidada à mesa Restaurante Tropical, com os pés debaixo da mesa… 

Dos protagonistas de Cufar, do nosso lado faço a evocação da memória de Nuno Bigotes, Manuel Simas, José Biscaia, Maurício Saraiva, João Bacar e Teófilo Sayeg, já não estão entre nós; do lado do PAIGC apenas o Manuel Saturnino da Costa será vivo. 

Tivemos algo de responsabilidade pelo durante da guerra; nada tivemos de responsabilidade pelo seu finalmente. 

Camaradas da “Operação Tridente” e da saga de Cufar houve desenvoltos na arte da guerra e da pena, combatentes e plumitivos, cito de memória Armor Pires Mota, Mário Fitas e António de Graça Abreu (os omissos que me desculpem), e permitam-me não dar o ponto sem nó: envio o meu livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu", ao preço de 13 €, os portes (e autógrafo) incluídos, basta encomendar para a: manuelluislomba@gmail.com

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Nota do editor

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