sábado, 10 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23864: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XIII: uma incursão à Ilha do Como, em princípios de 1965, com o Grupo "Fantasmas" a 18 operacionais...


Guiné > Região de Tombali > Catió > Interior do aquartelamento  >
 CCS / BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Victor Condeço (1943-2010), ex-fur mil furriel mecânico de armamento.


Guiné > Região de Tombali > Catió >  CCS / BART 1913 (Catió 1967/69) > Avenida das palmeiras.


Guiné > Região de Tombali > Catió >  CCS / BART 1913 (Catió 1967/69) > Chegada a Catió da lancha vinda do Cachil.  

Fotos (e legendas): © Victor Condeço (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Cachil > 1966 > Interior do aquartelamento. Foto do álbum de Benito Neves, ex.fur mil,  CCAV 1484, (Nhacra e  Catió,  1965/67) d 

Foto (e legenda): © Benito Neves (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais um excerto das memórias do nosso camarada Amadu Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), membro da nossa Tabanca Grande desde 2010, autor do livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.).

O Virgínio Briote, nosso coeditor jubilado (ex-alf mil, CCAV 489 / BCAV 490, Cuntima, jan-mai 1965, e cmdt do Grupo de Comandos Diabólicos, set 1965 / set 1966) disponibilizou-nos o manuscrito, em formato digital. Recorde-se que, durante cerca de um ano, com infinita paciência, generosidade, rigor e saber, ele exerceu as funções de "copydesk" (editor literário) do livro do Amadu Djaló, ajudando-o a reescrever o livro, a partir dos seus rascunhos e da sua prodigiosa memória.



Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue >
20 de Junho de 2009... O Virgínio Briote e o Amadu. Foto: LG (2010)



Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.


A edição de 2010, da Associação de Comandos, com o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está infelizmente há muito esgotada. E não é previsível que haja, em breve, uma segunda edição, revista e melhorada. Entretanto, muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro, nem muito menos o privilégio de conhecer o autor, em vida.

Recorde-se, aqui, o último poste desta série (*): O Grupo de Comandos "Fantasmas", da Companhia de Comandos do CTIG, comandado pelo alf mil 'comando' Maurício Saraiva, nascido em Angola,  faz um incursão de 3 dias nas matas no Oio, com apenas 12 operacionais.





"Vinte dias em Catió, Cachil e Como, no princípio de 1965, com o Grupo de Comandos  "Fantasmas" agora com 18 operacionais ...
(pp. 108/112)

por Amadu Djaló (*)

 
(i) Na toca do lobo, na ilha do Como


João Parreira,
ex-fur mil op esp,  'comando', 
CART 730 / BART 733
e Grupo de Comandos “Fantasmas”,
 
Bissorã e Brá, 1964/66,
membro da Tabanca Grande
desde 3/12/2005


Em resposta ao pedido do alferes Saraiva de voluntários para reforçar o grupo, o QG enviou  alguns militares que se tinham oferecido. Com a chegada a Brá do furriel João Parreira, europeu [em fevereiro de 1965], de um soldado africano, Braima Bá, e de mais quatro praças europeus, o grupo “Fantasmas” ficou com 18 homens operacionais.

A primeira missão com o grupo reforçado foi no Como. Primeiro deslocámo-nos para Catió, onde estivemos três dias.

Depois seguimos de barco, chegámos à tarde ao Cachil e ficámos a fazer tempo para a hora de saída.

Depois de jantarmos pusemo-nos a caminho, rumo ao objectivo. Ia connosco um guia balanta.

O Como é uma ilha com mata muito densa nalguns locais. A mata é cercada por uma clareira toda à volta, que, segundo as informações que nos deram, a guerrilha tinha cavado abrigos onde sentinelas espaçadas, se vissem tropa a aproximar-se, chamavam gente para defender a posição.

O alferes, antes de sairmos, explicou como íamos fazer. O pessoal da companhia ia servir de isco, preparavam-se como se fossem fazer uma operação e de forma que fossem vistos pelas sentinelas do PAIGC. Nós que iríamos andar toda a noite, o mais silenciosamente possível, quando os guerrilheiros fossem chamados pelas sentinelas, cairíamos então em cima deles. Esta era a ideia do alferes.

Mas as coisas não correram desta forma.

À meia-noite e qualquer coisa, encontrámos os abrigos ocupados pelos seus donos. Quando progredíamos no máximo silêncio,  ouvimos murmúrios, o alferes mandou parar e parámos todos, ninguém piou. Mandou-nos avançar com toda a precaução, novas conversas chegaram aos nossos ouvidos e parámos novamente. Como deixámos de ouvir, continuámos, sempre com o máximo cuidado. Só que um companheiro meteu um pé num daqueles buracos e vimos logo duas pessoas a correr. Quando nos apercebemos,  era um grande barulho de pessoal a abandonar os abrigos.

Não tínhamos alternativa, retirámo-nos cautelosamente e entrámos no capim, que era mais alto que nós, e deitámo-nos. De repente, uma granada rebentou tão perto de mim, que fiquei surdo. A seguir uma rajada e outras se seguiram para cima do local onde estávamos deitados. O barulho dos tiros ecoava na minha cabeça como se fosse muito longe, a quilómetros.

Levantámo-nos e, aos ziguezagues,  começamos a correr em direcção às palmeiras, para nos podermos abrigar melhor. Sempre acompanhados pelas chicotadas dos tiros, atingimos o quartel do Cachil.

No porto do Cachil, embarcámos no mesmo barco que nos tinha trazido de Catió e que transportava géneros e regressámos nele a Catió, onde chegámos quase ao meio-dia.

Aproveitámos para descansar uns dias,  para depois partimos para fazer uma emboscada na picada para Cufar. Num dia desses aproveitei para ir às rolas com uma espingarda de pressão. Não correu muito bem a caçada. Quando foi preciso que disparasse, a espingarda não disparou, depois, quando eu estava a tentar ver porque não tinha disparado, disparou e acertou-me, de raspão, num dedo do pé direito.

O alferes disse que eu me tinha ferido de propósito, para não ir. E eu respondi, mas eu vou, custe o que custar. E o alferes a dizer não vais!... Senti-me tão mal comigo que até chorei.

O grupo saiu, emboscou-se na picada, e um grupo da guerrilha caiu na emboscada, perderam homens e quatro armas automáticas. O grupo entrou em Catió, sem baixas e com as armas.

Tivemos mais dois dias de descanso, enquanto o alferes preparava um golpe de mão a um acampamento na zona de Cufar.

Deixámos o quartel aí pelas 20h00 e andámos sempre sem problemas até às 02h00 da madrugada, quando chegámos à mata de Cufar. Tínhamos quatro horas, mais ou menos à nossa frente, para podermos atacar durante a noite.

A mata era tão cerrada como escura era a noite. Agarrámo-nos uns aos outros pelo cinto, para não nos perdermos. A progressão foi difícil e muito lenta. Aí pelas 07h00, com o sol já alto, fomos dar a um carreiro que levava ao acampamento. Vimos que estava bem utilizado.

O alferes entrou em contacto rádio com o capitão Lacerda da companhia que nos dava apoio e segurança  
CCav 703 / BCAV 705, Bissau, 1964/66, comandada pelo cap cav Fernando Manuel dos Santos Barrigas Lacerda]. 

 Entretanto, nós continuámos a andar até que,  ao ver, a pouca distância, ramos de uma árvore a mexer, disparei um tiro. Logo uma pessoa saltou a correr e desapareceu no mato. Corri para o sítio e apanhei a arma que ele não teve tempo de levar.

Regressámos ao encontro da companhia do capitão Lacerda e tomámos juntos o caminho para Cufar. Aqui a companhia ficou e nós prosseguimos para Catió. No caminho ainda encontrámos uma vaca e uma vitela, que uma secção de milícias que ia connosco, aproveitou para tomar conta delas.

Entrámos em Catió de manhã e, naquele dia, jantámos vitela. No dia seguinte apanhámos o barco para Bissau.


(ii) Com uma noiva no barco, de regresso a Bissau

Na lancha ia uma noiva e a comitiva, três raparigas e três mulheres. A mais velha dava-se mais ao respeito, as restantes, incluindo a noiva, iam numa grande brincadeira. A noiva ia vestida com roupa branca e queria manter-se séria.

Na zona de Bolama, apanhámos tempestade e o barco balançava muito. Ficámos todos mal dispostos e, como é costume, alguns vomitaram. Rapazes, raparigas, senhoras, a noiva até, tudo começou a vomitar. Nenhum de nós conseguia ficar de pé com o temporal. O Braima Bá pediu-me para dizer ao irmão dele que o Braima não tinha morrido na guerra, mas tinha morrido no barco. 

A viagem não foi nada para graças, chegámos a ter dúvidas se chegaríamos a Bissau. Mas chegámos, quase à meia-noite, ao cais onde as nossas viaturas nos aguardavam.

Esta estadia em Catió durou 20 dias.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Parênteses retos com notas / Subtítulos: LG]

(Continua)
___________

Nota do editor:

3 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Leiam o Público de hoje.
Será verdade que o PR condecorou o Amílcar?
Porquê?
Ora tirem a questão a limpo...´
Um Ab.
António J. P. Costa

Manuel Luís Lomba disse...

Julgo que a narrativa do Amadu Djaló acusa lapsos de memória, no referido a Cufar.

A CCav 703, comandada pelo Capitão Fernando Lacerda, está bem vivinho e recomenda-se, nomadizou sessenta e tal dias nas ruínas da fábrica de descasque de arroz na destruía tabanca de Cufar, foi a segunda posição da Guerra a Guiné objectivo de expugnação (Tite foi a primeira),participou nas Operações Campo, Alicate I, II, III e Ursa com as Companhias 617, 619 e Companhia de Milícias de Catió, esta comandada pelo alferes João Bacar Jaló, e pelo desfalcado grupo de Comandos Os Fantasmas, comandados pelo tenente Maurício Saraiva e pelo meu amigo furriel João Parreira.

O golpe de mão à base da mata de Cufar Nalu, comandada pelo Manuel Saturnino da Costa (julgo que ainda vivo) era a missão dos Comandos Os Fantasmas, apoiados pela CCav 703. Na primeira hora da madrugada do dia 26 de Janeiro de 1965, o grupo de combate de dois pelotões, comandado pelo Capitão Lacerda acabara de sair do estacionamento em cumprimento dessa missão, o Saturnino estava a montar-nos o ataque, o seu avançado deu um tiro de pistola e saltou duma laranjeira sobre o capelão tenente Lavajo Simões, a sua queda sobrou para o capitão, este pregou-lhe um tabefe, julgando-o um dos seus, o inimigo desencadeou o ataque, o Capitão Lacerda manobrou para a defesa do acampamento, o Tenente Saraiva emboscou a retirada, os atacantes deixaram mortos e armamento e juntou-se-nos já dia alto.

O rancho do almoço foi carne à jardineira, não de gado capturado pelos Comandos, mas de meia vaca trazida pelo Dakota que nos reabasteceu de munições e evacuou os feridos.

(Para mais e melhor leiam o livro Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu, editado em 2012)

Abraço

José Botelho Colaço disse...

Amigo João Parreira gostava que respondesses a esta questão á aventura do alferes Saraiva sobre a ida á ilha do Como sem coordenação do CTIG comentava-se que ele foi chamado á responsabilidade pois as idas á mata do Cassaca estavam desautorizadas.Dizia-se que tinha havido um acordo entre o CTIG e o PAICC Não sei se é verdade ou não.
Passo sguinte aqui não te peço opinião mas se te parecer que adeves dar agradeço, desde meados do mês de Abril de 1964 em que uma força das nossas tropas que bombardeou a mata com a artelharia de Catió durante a noite e avião P2V5 descarregou as suas bombas ao nasccer do sol 2caças F86 bombardearam a mata do Cassaca a seguir vieram 2 aviões T6 de apoio ás tropas terrestre mal tent-amos entrar na clareira de acesso á mata do cassaca fomos repelids com fogo de armas ligeiras e pesadas, resultado 12 feridos nas nossas tropas nem ao local onde no dia anterior um simples pelotão tinha feito o reconhecimento as forças especiais regressaram a Bissau e nós c. caç 557 ao quartel do Cachil, se não fosse o caule do capitão secalhar não estava aqui hoje a comentar, era o alferes meu capitão vamos lá não está lá ninguém, resposta do capitão amanhã é que é o dia da operação amanhã é que nós vamos lá.
Foi nessa fase que foi recebida mensagem em que desaconselhava as batidas á mata do Cachil mata por onde tinha-mos que passar para ir á mata do Cassaca e a seguir proíbidas mesmo batidas á mata do Cachil e até a própria aviação era um dos locais que estava proibida de bombardear era a ilha do Como, quem souber mais que responda. Um piloto amigo quando lhe fiz a pergunta respondeu-me só sei que estava proibido ele mesmo com a patente de tenente só sabia o que não podia fazer os motivos eram ordens superiores. Abraço