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quarta-feira, 29 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24174: In Memoriam (474): Domingos Miranda (1947 - 2023), ex-fur mil op esp, CCAÇ 2549, comandada pelo cap inf Vasco Lourenço (Cuntima e Farim, 1969/71)... Funeral, hoje, dia 29/3/2023, pelas 16h00, em Torres Vedras (Eduardo Estrela)






1. Mensagem do nosso amigo e camarada Eduardo Estrela (ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71; vive em Cacela Velha, a jóia da Ria Formosa, cantada por Sophia):

Data - 27 mar 2023, 13:49

Assunto - Mais um companheiro que parte

Boa tarde, Luís!

Acabo de receber a triste notícia do falecimento do camarada Domingos Miranda, através do seu filho Bruno Miranda.

O Domingos Miranda era o fur mil op esp da CCAÇ 2549/BCAÇ 2879 (Cuntima e Farim, 1969/71). comandada pelo cap inf Vasco Lourenço.

Estivemos juntos em Cuntima e, quando o meu grupo de combate reforçou a 2549 em Dezembro de 1970, era na cama dele que eu dormia dado o facto do grupo dele estar no K3 na margem esquerda do Cacheu.

Julgo que será justo prestarmos a um homem que deixou na Guiné dois bons anos da sua juventude, uma última homenagem, agradecendo eu desde já e em nome da família aos camaradas que possam estar presentes na despedida.(*)

Abraço fraterno e desejos, para ti, de continuadas melhoras.

Eduardo Estrela


 
Guiné-Bissau  > Região do Oio >  Farim > Nema > 2014 > Antigo quartel das NT, por onde passou a CCAÇ 2549. ["O monumento de Nema é da CCaç 2549 e tem lá o nome inscrito do seu comandante que deu o nome ao estádio que fica por trás: Vasco Correia Lourenço e muito mais. Basta consultar os postes que escrevi sobre o BCAÇ 2879". Legenda de Carlos Silva] (**)

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24100: In Memoriam (473): António Cunha (Tony) (c. 1950 - c. 2022), ex-fur mil enf, 38ª CCmds, HM 241, CCS/BCAÇ 4514/72, e CCAÇ 6 (Bissau, Mansoa, Bolama e Bedanda, 1972/74): vivia nos EUA há mais de 40 anos (João Crisóstomo, Nova Iorque)


(**) Vd. poste de 17 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14042: Memória dos lugares (278): Antigos quarteis de Farim e Nema (Patrício Ribeiro, sócio-gerente da Impar Lda)

sábado, 30 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23214: Humor de caserna (53): O anedotário da Spinolândia (III): a "melena" do cap inf Vasco Lourenço que irritou o célebre "Coronel Onze" (Fernando Magro, ex-cap mil art, BENG 447, Bissau, 1970/72)

 


Capa do livro do Fernando Magro - Memórias da Guiné. Lisboa: Edições Polvo, 2005, 86 pp.  Na foto, o filho, Fernando Manuel, e o seu cão, na casa em que a família vivia em Bissau. 



Fernando Pinto Valente (Magro), ontem e hoje


1. Mais uma história da Spinolândia (*): desta vez não envolve diretamente a figura do gen Spínola,  mas sim um dos seus próximos colaboradores, o "Coronel Onze",  e um futuro capitão de Abril, o capitão inf Vasco Lourenço, cmdt da
CCAÇ 2549/BCAÇ 2879 (Cuntima e Farim, 1969/71).

Foi já aqui oportunamente contada  pelo Fernando Valente (Magro) (**) que, aos 33 anos, casado e pai de um filho menor, foi mobilizado para o CTIG,  como cap mil art,  BENG 447,Bissau, 1970/72, e que publicou em 2005 um livrinho com as suas memórias da Guiné, de 86 pp.  (reproduzidas no nosso blogue, na série "Memórias da Guiné,  por Fernando Valente (Magro)".

Há dias recebi, pelo correio, uma cópia do livro, via Hélder Sousa (que faz parte parte dos corpos sociais da ANET - Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos, tal como o Fernando Magro; aliás, a edição do livro teve o apoio da ANET, e havia por lá sobras do livrinho: obrigado, Hélder, pela encomendinha que chegou a boas mãos pelo correio).



Capa do livro de Vasco Lourenço do Interior da Revolução, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro, Lisboa, Âncora, 2009, 608 pp.  

"Vasco Correia Lourenço nasceu em 19 de junho de 1942, em Lousa, Castelo Branco. Integrando desde o início o Movimento dos Capitães, coordenou a organização da sua primeira reunião em 9 de setembro de 1973, vindo a pertencer à sua Comissão Coordenadora e à sua Direção. Único oficial que pertenceu sempre aos órgãos de cúpula do Movimento dos Capitães (CC e Dir.) e do MFA (CCPMFA, CE, C20 e CR). Das várias condecorações que possui, destacam-se a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Presidente da Direção da Associação 25 de Abril, desde a sua fundação em outubro de 1982. Coronel na Reforma". Fonte: Wook


A melena, pouco "regulamentar", 
do cap inf Vasco Lourenço 


(...) Instalado no Clube de Oficiais, em Santa Luzia, próximo do Quartel-General, iniciei a 21 de Abril de 1970 a minha actividade nos Serviços de Reordenamentos Populacionais no Comando Chefe (Amura).

Durante a minha estadia nesse clube tive contacto com vários oficiais do quadro permanente e do quadro de complemento (milicianos) que também lá se encontravam instalados ou que, estando sediados fora de Bissau, por lá passaram para tratar assuntos relativos às companhias que comandavam.

Em finais de Abril o General Spínola reuniu numa grande sala do Palácio praticamente todos o capitães em serviço na Guiné. Eu, praticamente acabado de chegar, também estive presente nessa reunião.

O General traçou novos rumos no que dizia respeito à luta contra a subversão. Deu a entender que se estavam estabelecendo negociações com os chefes terroristas no sentido da resolução política do diferendo. Ordenou que as Companhias Operacionais não mais tomassem atitudes ofensivas, mas simplesmente defensivas. Mandou que se procedesse sem ódio nem brutalidade contra os prisioneiros de guerra e as populações afectas ao inimigo, de modo a que se possibilitasse a sua apresentação às autoridades e se pudesse caminhar para a pacificação.

 (...) Na referida reunião dos capitães com o General Spínola, fui surpreendido pela forma descontraída, directa e muito incisiva, como o Capitão Vasco Lourenço procurou saber do General mais pormenores sobre o modo como actuar futuramente face às novas directivas. Directivas que passados alguns dias foram canceladas, dado que foram mortos três majores e um alferes que, desarmados, procuravam o contacto com chefes terroristas de que havia indicação de se quererem entregar.

Um dos majores (Pereira da Silva) conhecia-o muito bem, pois havia privado com ele no GACA 3 tendo ele, na altura, o posto de Tenente.

A minha vida ia correndo sem grandes sobressaltos entre o Comando-Chefe e o Clube de Oficiais. Aqui no Clube, havia uma piscina e à noite por vezes havia cinema e outros espectáculos ao ar livre. Lembro-me de ter visto espectáculos de música, de ilusionismo e uma vez de hipnotismo. Neste último um soldado, depois de hipnotizado, foi convencido que estava uma noite gélida (ao contrário do que acontecia, pois tratava-se de uma cálida noite africana) e recordo-me como ele tremeu de frio e se agasalhou o mais que pôde com as roupas que tinha por perto.

Estando à beira da piscina, no dia 19 de Maio de 1970, ouvi pela primeira vez a artilharia dos independentistas em acção. Eram cerca de 23 horas quando foi desencadeado um ataque com artilharia ao Quartel de Tite. Os rebentamenros era perfeitamente audíveis em Bissau. O poder de fogo era grande, tendo havido lançamento, por parte das forças inimigas, de cinco mísseis.

No Clube de Oficiais fazia a minha vida depois de findo o meu serviço no Comando-Chefe. Era a minha casa. Lá tinha tudo: alimentação, dormida e até barbearia. Foi justamente na barbearia onde certo dia fui cortar o cabelo que se deu este episódio com o Capitão Vasco Lourenço que vou passar a contar.

Encontrando-me uma vez sentado numa das cadeiras da barbearia do Clube de Oficiais de Bissau, acomodou-se a meu lado o Capitão Lourenço. Imediatamente solicitou que lhe cortassem o cabelo. Este pedido surpreendeu o soldado da barbearia que, tartamudeando, se aprontou para o atender.
Mas... meu capitão, ainda nem há uma hora lhe cortei o cabelo!
– Pois é. Mas vais cortar-mo de novo.

O rapaz não replicou, mas muito em surdina, ainda conseguiu pronunciar duas palavras que só eu pude entender, embora com dificuldade.
– Está "apanhado".

Também fiquei intrigado com o que se passava, pelo que procurei esclarecer o assunto mais tarde. Quando ambos abandonamos o Clube de Oficiais, o Capitão Lourenço satisfez a minha
 curiosidade.

Segundo me explicou, havia-se cruzado, após o primeiro corte de cabelo, com um dos chefes militares de Bissau. O Coronel Onze, como era conhecido e não me perguntem porquê, era muito rigoroso com o atavio e o porte dos seus subordinados, principalmente com os oficiais. Quando se cruzou com o Capitão Lourenço te-lo-á interpelado com severidade, chamando-o à atenção para o facto de o seu corte de cabelo não ser o regulamentar.
– O Senhor Capitão é miliciano?
– Não, não, meu Coronel. Eu pertenço ao quadro permanente.
– Mas isso é indisculpável. Faça o favor de ir cortar o cabelo imediatamente. Essa melena na testa é uma vergonha. Depois apresente-se no meu gabinete.

Seguidamente a este relato, que tentei aproximar tanto quanto me foi possível da realidade, o Capitão Lourenço teceu várias considerações e deu curso à sua revolta interior.

Explicada a razão pela qual o Capitão Lourenço teve necessidade de cortar o cabelo, pela segunda vez no mesmo dia, o referido oficial encaminhou-se para o gabinete do Coronel Onze. 
(...)

Fonte: Excertos de Fernando Magreo - Memórias da Guiné. Lisboa: Edições Polvo, 2005,  pp. 37

[Fixação / revisão de texto / título do poste: LG]

2. Comentário do nosso editor LG:

O nosso camarada José Câmara, em comentário ao poste P12028 (**) identificou o "Coronel Onze" como sendo o "Coronel Santos Costa". E acrescentava: "não era só austero, era desumano". Não conseguimos, no entanto,  encontrar nenhum coronel, no CTIG, com este apelido nos livros da CECA...

Será que se trataria do cor cav Fernando Rodrigues de Sousa Costa, um dos comandantes do COMBIS (Bissau), não ?!

O Carlos Pinheiro acrescentou (**): "Gostei desta memória e acima de tudo de ouvir falar do tal "coronel 11" que era mais que famoso na cidade de Bissau. A maior parte dos militares nem o chegou a conhecer, mas histórias acerca dele toda a gente conhecia."

Veja-se este episódio do "anedotário da Spinolândia" também como uma homenagem ao sentido do humor do nosso veterano Fernando Magro (um dos seis membros da família Magro que fizeram a "guerra do Ultramar") e sobretudo ao capitão de Abril , Vasco Lourenço, uma figura que, como diz o Carlos Silva (**), já pertence à história deste país, tal como o gen Spínola,  e que, como tal, merece o nosso respeito. (Felizmente ainda está vivo e vai fazer em breve 80 anos.)

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22524: Agenda cultural (782): Apresentação, pelo cor Vasco Lourenço, na Feira do Livro de Lisboa, sexta-feira, dia 10, às 15h00, do livro de Moisés Cayetano Rosado, "Salgueiro Maia: das Guerras em África à Revolução dos Cravos" (Edições Colibri, 2021, 210 pp.)

 

Convite das Edições Colibri, que nos chegou por intermédio do nosso camarada Mário Gaspar: apresentação do livro de Moisés Cayetano Rosado, "Salgueiro Maia: das Guerras em África à Revolução dos Cravos" (2021, 210 pp.).  Data e local: 10 de setembro de 2021, sexta-feira, às 15h00, na Feira do Livro de Lisboa, Auditório Nascente, Parque Eduardo VII, Lisboa


Trata-se da tradução portuguesa da edição original em espanhol, “Salgueiro Maia – de las Guerras en África a la Revolución de los Claveles y su Evolución Posterior”.

"Moisés Cayetano Rosado, o autor da obra Salgueiro Maia, tem a particularidade de poder olhar, de forma mais distanciada e desapaixonada, os acontecimentos que narra nesta obra diferentemente de autores portugueses que se têm dedicado aos temas da Descolonização, do 25 de Abril e da ação e personalidade do Capitão Salgueiro Maia.

"É um historiador, interventivo e corajoso, na busca da verdade histórica e da defesa e salvaguarda da cultura do seu país, mas também apaixonado pelo seu país vizinho – Portugal – participando na organização de inúmeros eventos literários e culturais.
Nasceu em La Roca de la Sierra (Badajoz, Espanha), em 1951. É licenciado em Filosofia e Ciências da Educação. Mestre em Instrução Primária e tem doutoramento em Geografia e História." (Fonte_ Wook)
.

Sinopse do livro (excerto do prefácio, do Presidente da República, Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa):

“Foi há quarenta e dois anos!

Um homem em cima de uma Chaimite. Que interpela o poder que está a cair, enquanto o novo poder tarda em chegar.

Simples. Sem ambições de mando ou de glória.

Que ali está porque sente dever cumprir aquela missão militar, que é também e acima de tudo cívica.

Que não pensa um segundo sequer no simbolismo daquela presença, nem no significado histórico daquele momento.

Que, terminada a missão, regressa ao quartel, para voltar a ser o que era. Com a naturalidade de quem não reclama louros, nem aspira a celebridade.

À sua maneira, Salgueiro Maia deu expressão a um povo e a uma maneira de ser e de viver ao longo dos séculos. (…)

Salgueiro Maia foi o retrato desse povo, que é o que Portugal tem de melhor. (…)

Foi esse povo que fez Portugal. E, nele, os soldados de Portugal. Sem ele e eles os chefes mais ilustres não teriam triunfado, os políticos mais brilhantes não teriam vencido, os empreendedores mais visionários não teriam criado.”


Fonte: Edições Colibri, página no Facebook

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20879: In Memoriam (364): Dos sete militares chacinados pelo PAIGC no “Chão Manjaco”, mártires da sua fé na autodeterminação e na consagração do direito do Povo da Guiné- Bissau ao poder (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 17 de Abril de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) traz-nos à lembrança o Massacre dos Três Majores no Chão Manjaco  ocorrido há precisamente 50 anos.


IN MEMORIAM

Dos sete militares chacinados pelo PAIGC no “Chão Manjaco”, mártires da sua fé na autodeterminação e na consagração do direito do Povo da Guiné- Bissau ao poder.

Em 16 de Abril de 1970, o Governador e Comandante-Chefe General António de Spínola reuniu em Bissau cerca de 400 oficiais do CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné), capitães do mato na sua maioria, para directivas e anúncio do “fim da guerra” – o fim do seu sonho louco, de sentar Amílcar Cabral no Palácio cor-de-rosa da Praça do Império, em Bissau, investido das funções de Secretário-Geral (Chefe do Governo) da Guiné, a oportunidade para o Capitão Vasco Lourenço, Comandante da CCaç 2549, na quadrícula de Cuntima, revelar a sua verve conspiratória e, também, o momento em que ele o tomou de ponta, com a inspecção ao seu comando, 15 dias depois, circunstância que ajudará à emergência do MFA (Movimento das Forças Armadas) e às suas consequências.

No entendimento do General Spínola, o “fim da guerra” da Guiné começara no Norte, pela transumância das FARP do comando do PAIGC o comando do Exército Português, trabalhada pela PIDE e manobrada pela nata dos oficiais do seu Estado-Maior, os malogrados Majores Magalhães Osório, Passos Ramos e Pereira da Silva, extensiva às restantes, por efeito sistémico, a começar pelas do Sul.


Para Amílcar Cabral e seus pares cabo-verdianos, a ideia spinolista do “fim da guerra” presenteou-os com a oportunidade de lhe aprontar a cilada da sua liquidação física (já recorrente, afirmará Nino Vieira), sob a superintendência do Comandante Pedro Pires, do Conselho Superior de Luta, manobrada por Quintino Vieira e Luís Correia, responsáveis da pide paigcista na região e na zona Norte, comandada pelo corajoso André Gomes, ora membro do Comité Executivo, que havia sido condecorado com a medalha da “Estrela Negra”, pelo seu êxito no ataque do aeroporto de Bissalanca com morteiros de 82, em 1968, e que o ex-milícia Braima Camará, implacável comandante militar da zona Norte, executou mas não consumou, pela falta de comparência do General Spínola.

O Comandante-Chefe surpreendera o seu 9.º encontro com a sua presença, abraçara o Quintino e o André, mostrou grande satisfação em corresponder à continência deste, o caso teve o seu desenvolvimento, foram aprazados o 10.º encontro, o dia D e a hora H para a renegação, com uma última condição pelos renegados: Só se renderiam ao Comandante-Chefe, com o seu armamento, mas ele e a sua escolta teriam de comparecer desarmados…

Pelas 16H00 do dia 20 de Abril de 1970, aqueles três Majores, o Alferes Miliciano Ranger Palmeiro Mosca, os naturais e milícias 1.º Cabo Patrão da Costa, condutor, Aliú Sissé e Mamadu Lamine, guias, todos inermes, compareceram no ponto de encontro, junto aos destroços duma autometralhadora Daimler, na estrada Pelundo-Jolmete, foram logo assassinados a rajadas de metralhadoras, cobardemente, e os seus corpos esquartejados à catanada, criminosamente.

“Sacrifício das vidas para nada” – últimas palavras do Major Pereira da Silva, o operacional daquela manobra.

Enquanto no seu tempo, o Major Teixeira Pinto era o “Capitão Diabo”, no tempo General Spínola, a Guiné era a “Spinolândia”, e nem sempre este terá estado à altura daquele seu predecessor.

Meio século antes, os antepassados manjacos da mesma região massacraram a pequena força portuguesa que construía um pontão, refugiaram-se no Senegal, Teixeira Pinto disfarçou-se de comerciante, fez o reconhecimento a todos, comandou a patrulha que os foi catar, cuidou de negociar a paz com a autoridade gentílica, mas vitorioso.

Terá havido um Alto-Comando para a Guerra da Guiné? Não obstante as evidências do aventureirismo militar, do grau de temeridade dessa operação e da tragédia do seu resultado, por se ter subestimado a “natureza substantiva” do IN, o Comandante-Chefe da Guiné não só não foi demitido, como a recorrência lhe será permitida, com a “vendeta” a Conacri, que serviu para projectar o prestígio do PAIGC e acelerar a internacionalização da sua guerra.

O “massa dos majores” e o quase falhanço do assalto a Conacri evidenciaram a mediocridade atávica da PIDE, como agência de informações para acções militares. 

Manuel Luís Lomba
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20807: In Memoriam (363): Coronel Luís Fernando de ANDRADE MOURA (6-5-1933 - 23-3-2020), notável soldado da Pátria e da Democracia (Manuel Luís Lomba)

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20202: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte II: recruta no RI 5, Caldas da Rainha, na 5ª companhia, comandada pelo ten inf Vasco Lourenço

RECORDAÇÕES E DESABAFOS DE UM ARTILHEIRO > Parte II:  recruta no RI 5, Caldas da Rainha, na 5ª companhia, comandada pelo ten inf Vasco Lourenço

por Domingos Robalo (*)



[, Foto à esquerda: Domingos Robalo:

(i)  tem página no Facebook desde março de 2009 e administra também o grupo Artilharia de Campanha na Guiné-BAC1/-GAC7

(ii)  filho de militar, foi fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71; 

(iii) vive em Almada, está ligado à Universidade Sénior Dom Sancho I, de Almada, onde faz voluntariado, desde julho de 2013, como professor da disciplina de "Cultura e Arte Naval"; 

(iv) trabalhou na Lisnave: é praticante de golfe; 

(v) e passou a integrar a Tabanca Grande, com o nº 795, desde 21 de setembro último]

(Continuação)


Durante três meses e uns dias [, desde o início de janeiro de 1968] vamos aprender . [, no RI 5, Caldas da Rainha,] a “ordem unida”, o manejo da G3, fazer fogo em carreira de tiro e toda a teoria necessária e aplicável á época para se preparar um sargento para a “guerra colonial”. Mergulhar no tanque da merda, ou mesmo atravessar o cano dos esgotos sanitário era prática de alguns pelotões na recruta das Caldas, porém tenho de referir que a minha Companhia de instrução, a 5ª, não nos fez passar por estas situações.

Conhecer a hierarquia militar, a forma como no devíamos dirigir a um sargento ou a um oficial, fosse ele subalterno ou superior, fazia parte do conhecimento básico da instrução militar. Marchar bem e com garbo, manejar a arma; tudo fazia parte do nosso quotidiano.

Estou colocado na 5ª Companhia, tendo como comandante o tenente Vasco Lourenço, que em 25 de abril de 1974 viria a fazer parte do Movimento dos Capitães.

Não era um Comandante acessível. Militar oriundo da Academia Militar, chegou a castigar-me com cinco dias de detenção, embora a infração, disciplinarmente, e de acordo com o RDM, daria 3 dias de prisão. “Apenas porque me desenfiei de domingo para segunda, para poder participar no casamento de uma amiga da minha namorada que sendo Luso-Americano, obteve autorização dos seus superiores para vir dos USA casar a Portugal, mas já com guia de marcha para o Vietname." (Recordam-se do que era a guerra naquele território?). Mas isto dava outra história que agora não vem a propósito.

[Um ano depois,] em março/abril de 1969, sou mobilizado para a Província da Guiné. Dois cursos de CSM a seguir ao meu já tinham sido mobilizados e um terceiro a terminar a especialidade na EPA [Escola Prática de Artilharia], Vendas Novas. Estava com planos de casório, pois já estava na expectativa de não vir a ser mobilizado, resultado também da minha boa classificação de curso na Arma de Artilharia na especialidade de Campanha.

Lembro-me que o mundo desabou sobre os “noivos”. A guerra do Ultramar tinha este efeito devastador sobre a vida dos jovens do meu tempo. Interrompiam-se casamentos, carreiras profissionais e estudos académicos. Mas,  apesar de todos estes contratempos, a juventude dizia sim a Portugal, embora poucos ainda se questionassem sobre as motivações da guerra. 

Grande parte da juventude do meu país vivia longe das cidades, eram iletrados e muitas vezes ávidos de sair da casa dos pais onde trabalhavam de sol a sol e sem independência. Ou fugiam a salto para a Europa do pós-guerra, ou vinham à aventura da vida militar, muitos deles como voluntários, quer para a força aérea, quer para a marinha.

Cascais > Monumento aos Mortos do Ultramar > Guiné.
Foto: Cortesia do Blogue Povo de Portugal, 31/3/2016

A minha mobilização para a Guiné ocorrera para cumprir uma rendição individual de um militar que não teve oportunidade de chegar ao fim. Ia substituir o furriel miliciano Batista [,  António da Conceição Dias Baptista, natural de Murtal, São Domingos de Rana, Cascais ], que infelizmente não terminara a sua comissão no tempo normal. No dia 14 de fevereiro de 1969, morre heroicamente ao lado do seu Comandante de pelotão, o alferes Gonçalves [, José Manuel de Araújo Gonçalves, natural de Lisboa],  São vítimas de um ataque IN no aquartelamento de Guileje.

Merecem, entre muitos outros, serem aqui referidos porque o seu sacrifício resultou de um ato heroico, não por falta de discernimento ou inconsequente, mas, na sequência da intensidade do fogo IN terem querido proteger os seus soldados, todos negros e do recrutamento da Província. Ordenou o Alferes que todos se recolhessem no abrigo. O Furriel Batista manteve-se a seu lado respondendo ao fogo IN, como se de um duelo de artilharia se tratasse. Mas a má hora chegou. Uma morteirada cai sobre o ferrão do lado esquerdo do obús 10,5cm e ali morrem os dois. 

Guileje era uma povoação a sul da Província da Guiné e sobejamente conhecida de todos os militares mobilizados para esta Província Ultramarina.

A sete de maio de 1969, embarco no “Niassa” com destino a Bissau.

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Nota do editor:

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19794: (In)citações (131): A dureza da nossa infância e a guerra (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BCAÇ 3872)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 15 de Maio de 2019:


A dureza da nossa infância e a guerra

No passado dia 17 fui à Associação 25 de Abril assistir ao lançamento de "A Minha Guerra a Petróleo" da autoria do José António Pereira da Costa. O apresentador da obra foi o Coronel Carlos Matos Gomes, ex-Comando e escritor de créditos mais que provados.

Excelente orador, deu ali uma lição histórica de literatura portuguesa, com especial incidência no que se refere ao colonial e pós colonial. Mas ao vê-lo lembrei-me de antigos camaradas de escola, que foram comandos também e com principal relevo para dois que estiveram na Guiné mais ao menos no período que eu também lá estive.

O Aníbal Gavião (Laredo de alcunha) foi meu colega na escola em Alcobaça na 1.ª classe e mais tarde na 4.ª quando regressei à vila. O Augusto foi meu colega na escola da Vestiaria entre o final da minha 1.ª classe e a 3.ª e o que aqui escrevo, acaba por se focar na história das crianças daquele tempo, com especial ênfase para as fracas condições económicas, que a grande maioria tinha que ultrapassar com escolas a quilómetros, descalços e com almoço que não passava de um pedaço de pão duro, para render, e um cubo de toucinho assado frio, que lhes servia de pequeno almoço, almoço e lanche, especialmente dos que moravam nas aldeias.

Em 1957 entrei para a escola primária de Alcobaça.
Era uma sala cheia de crianças de bata branca em frente da professora. A secretária ligeiramente para o lado direito, deixava livre a visão para o quadro preto, a cruz e as fotografias emolduradas de António Salazar e Craveiro Lopes que era presidente da República por essa altura. Reza a História, que este não era dos predilectos do regime e assim, ao contrário dos que se eternizavam no lugar, foi despachado tão depressa quanto possível.


A professora era e foi, senhora temida até ao fim da sua carreira. Conhecida por mais que uma geração e que estava castigada a dar só a primeira classe por via de algumas “carícias” feitas com mais afinco na malta pequena.

Naquele tempo a sala de aula era um sítio austero pouco convidativo, onde imperava a máxima da reguada e a cana da índia, para quem não sabia ou se esquecia de trazer os trabalhos de casa feitos, quem sujasse a bata, quem não tivesse algum material, etc.

Éramos obrigados a sair e regressar a casa com a bata vestida impecavelmente limpa, facto que me custou alguns safanões dados pela a minha mãe, pois por vezes tinha que ma lavar quando eu chegava a casa e enxugá-la sabe Deus como, para que eu me apresentasse sem mácula às nove horas do dia seguinte na escola.
A falta dela era imperdoável.

Na verdade, frequentaram comigo a escola crianças de todos os estratos sociais e a bata tornava-nos à primeira vista iguais. As diferenças eram assim mais subtis para quem não soubesse, que haveria crianças com várias batas e umas, a maioria como eu, que só tínhamos uma.
Mas juntando o feitio da professora, com o terror que a minha mãe tinha de vivermos numas águas furtadas na travessa da Cadeia, bem por cima do hoje afamado António Padeiro, que já existia naquele tempo sem tanto “pedigree” mas com a qualidade que o tempo não esmoreceu, por essas razões acabamos por ir viver para a aldeia da Vestiaria, situada a pouco mais de 3 quilómetros, mais precisamente na rua que ia para lavadouro e mais tarde, para a Rua do Loureiro. Dali até ao cruzamento entre os Casais e quem ia para o Pinhal Fanheiro ficava a escola. Palmilhávamos mais ao menos uns 1500 a 2000 metros para cada lado quer chovesse quer fizesse Sol.

A lei era taxativa e vigorava uma sobre a proibição de se andar descalço, mas quando cheguei à nova escola eu parecia um extraterrestre, pois batas e sapatos era coisa que não se via por aquelas bandas. Os garotos descalços traziam umas sacolas com uma ardósia e livro de leitura, mais uma sebenta para os trabalhos casa e assim, é fácil adivinhar o espanto que a minha mala reluzente, com caixa de lápis cadernos e livros encadernados, tudo arrumadinho, causou.
A disciplina na escola também coisa de assombrar, pois conviviam todas as classes da primeira à quarta e não eram poucos os alunos que eram maiores que a professora. A D. Emília, jovem professora de Aveiro para ali desterrada, a viver num quarto alugado, quando ia para lhes bater, eles simplesmente seguravam-lhe os braços “o quê que você quer mulher ?”, quando não saltavam simplesmente pela janela e estava o assunto arrumado.

Não raramente eram as mães que os levavam de volta à escola por medo de represálias, uma vez que a escola era obrigatória e se não fosse isso, teriam muito que lhes dar a fazer no campo ou à volta do gado, na vez de andarem a alimentar a boa vida do rapaz a passear os livros.
As mães de alguns alunos quando chamadas à escola por algo que o filho tivesse feito, usavam da sua autoridade aplicando-a à pancada. Condenação e castigo, que eles levavam logo ali com um sarrafo seco de videira, agarrados por um braço e saltando ao ritmo das bordoadas.
- “Sra professora, você arreie-lhe com força, arreie-lhe” - e iam-se embora a maldizer a sorte, o rapaz, mais a escola, que assim ele nunca mais ia trabalhar.
No fundo era a grande chatice pois sem a 4.ª classe ninguém lhe podia dar emprego, se não ficava assim mesmo, pois para a enxada não era preciso saber o abecedário nem geometria.

Comigo andaram o Zé Loureço e o Coelho, que assentaram praça no CICA4 no mesmo dia que eu. O Mário Farelo, o “Escalracho”, os irmãos Manel e Augusto, o Mendes que me ia furando um olho com uma cana acabada de arrancar da vinha ao lado da escola, quando fez dela uma lança. O Manel e o Augusto, estes dois irmãos mais o “Escalracho”, eram por assim dizer responsáveis por todas as malandrices que se faziam e mesmo quando não eram eles, que roubavam a fruta ou roubavam os ovos da capoeira, era certo e sabido que eram os suspeitos e culpados costume.

A vida da escola era assim colorida e assim fui passado de classe à medida que me iam confundindo no aspecto geral, perdi o brilho e o brio, deixando a bata em casa, com a mala toda esfolada ao estilo de quem te viu e quem te vê.

Voltei para Alcobaça a tempo de fazer a quarta classe. Os meus colegas mais velhos foram trabalhar para os fornos da Crisal ou em oficinas na vila, outros por lá ficaram no amanho das terras. Perdi o contacto com a esmagadora maioria deles e se não fora a tropa nunca mais veria outros tantos. O Manuel trabalhou numa marcenaria lá para os lados da Fonte Nova e o irmão mais novo Augusto, encontrei-me com ele no avião que nos trouxe de férias à Metrópole. Era dos Comandos o que não me admirou dado o espírito voluntarioso e belicoso que lhe conheci. Ostentava orgulhosamente os símbolos da 35.ª ou 38.ª, possivelmente esteve envolvido nas operações em Copá e Canquelifá ou mesmo Guidage.

Voltei a viajar com ele no regresso das férias e bebemos uns whiskies para nos prepararmos para o impacto do arame farpado do aeroporto de Bissau e aí chegados, abrasados pelo o impacto do calor ele foi para os Comandos e eu para os Adidos de má memória.
Não tenho ideia de o ter voltado a ver mas duma coisa não tenho dúvida, é que foi naquela vida dura que se forjaram os nossos jovens, o que lhes permitiu aguentar a dureza daquela guerra durante tantos anos.

Mesa de Honra com: Coronel Carlos Matos Gomes, Coronel Vasco Lourenço e o autor de "A Minha Guerra a Petróleo", Coronel António José Pereira da Costa

Na mesa de honra, no lançamento do livro do Coronel António José Pereira da Costa, estavam três soldados que participaram no 25 de Abril, data que como sabemos, embora sujeita aos detratores de todas as latitudes, continua a ser o primeiro dia de liberdade do resto das nossas vidas.
Um muito obrigado por isso.

Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19767: (In)citações (130): As Comemorações de Abril, A Memória e a História (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2679)

quinta-feira, 31 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15920: Memória dos lugares (337): Cuntima, junto ao Senegal... Imagens do antigo quartel (Patrício Ribeiro, Impar Lda, Bissau)


Foto nº 1 > Rua principal de Cuntima


Foto nº 2 > Antigo quartel de Cuntima: depósitos de água


Foto nº 3 > Antigo quartel de Cuntima: marca da passagem do 4º Gr Comb, "Xonés", da CART 3360 (não temos, salvo erro, nenhum representante desta subunidade na Tabanca Grande)


Foto nº 4 > Antigo quartel de Cuntima: marca da passagem do BENG 447 (Bissau)


Foto nº 5 >  Antigo quartel de Cuntima: a equipa da Impar Lda em trabalho (1)


Foto nº 6 > Antigo quartel de Cuntima: a equipa da Impar Lda em trabalho (2)


Foto nº 7 > Antigo quartel de Cuntima: mais marcas da passagem das NT


Foto nº  8 > Antigo quartel de Cuntima:o vice-administrador Samba Candé [, da vila de Cuntima], ex- milícia português, no local onde morreu o seu grande amigo,  o cabo Machado, assim como o furriel Dorindo, em um dos ataques com morteiros.


1. Estas fotos foram-nos enviadas recentemente pelo nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro [,foto à esquerda: português,natural de Águeda,criado e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde 1984, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda; também conhecido carinhosamente como "pai dos tugas"]

 De vez em quando ela pega  na máquina fotográfica (ou no telemóvel?)  e tira umas chapas sobre os "sítios de nenhures", os bu...rakos onde nos meteram ou nos metemos, entre 1961 e 1974... Para a gente, masoquista como nós, "matar saudades"... Cuntima foi um deles... O quartel era protegido por um pelotão de artilharia. E tinha uma delegação da PIDE/DGS... Era um ponto importante para a segurança da província. Vejam aqui fotos da época, dos nossos camaradas Vitor Silva e Humberto Nunes...  (*). Há mais de meia centena de referência no blogue sobre Cuntima. Mas é preciso saber procurá-las: o Blogger só nos mostra meia dúzia. Pesquisar também no Google > Imagens > Cuntima Guiné.

Quem esteve em Cuntima foi o Vasco [Correia] Lourenço, hoje cor inf ref (ex-cap inf, CCAÇ 2549, Cuntima e Farim, julho de 1969/junho de 1971]. E quem sabe mais de Cuntima é o nosso camarada Carlos Silva, dirigente da ONGD Ajuda Amiga [e nosso grã-tabanqueiro, de longa data: jurista, foi fur mil inf, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71; tem mais de 90 referências no nosso blogue].

Refira-se ainda, e por fim, que Cuntima, dois anos depois da independência da Guiné-Bissau, em novembro de 1976, foi palco de cenas de terror e violência de Estado, a execução sumária e pública de dois antigos milícias, "cães dos colonialistas", por ordem do famigerado comandante Quemo Mané, cenas essas  aqui já reconstituídas num poste memorável e corajoso do nosso amigo Cherno Baldé (**), um poste que merece ser lido e relido: na altura teve cerca de meia centena de comentários.

Dos 42 graus, no mato...

Junto algumas fotos da vila de Cuntima (e em especial do antigo quartel das NT).

É também uma pequena homenagem aos que aqui viveram, aos que aqui morreram, aos que agora aqui agora trabalham.

Tenho pena… mandei deitar abaixo a casa onde estava instalado o gerador no tempo português.

Vou lá instalar,  no furo feito pelos Portugueses junto à casa, uma bomba solar 50 m3/dia, um reservatório de 30 m3, vai levar diversos fontanários, espalhados pela vila e pela tabanca mais próxima, para abastecimento de água.

Caminho difícil, os 33 km de Farim até lá, terra de ninguém… onde mandam os que lá estão…

Em uma das fotos [foto nº 8], pode ver-se um antigo abrigo, e junto está o vice-administrador da vila Samba Candé, ex-milícia português, no local onde morreu o seu grande amigo, o Cabo Machado, assim como o Furriel Dorindo, em um dos ataques com morteiros. [Não há indicação de data nem da subunidade] (***)

Abraço,
Patrício Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Tel, 966623168 Guiné Bissau
Tel / Fax 00 351 218966014 Lisboa 
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com



Guiné - Mapa de Colina do Norte (1956); Escala 1/50.000 - Localização de Cuntima

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
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Notas dos editores

(*) Vd. alguns dos nossos postes com imagens e outras memórias de Cuntima:

22 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4993: Memória dos lugares (44): Cuntima, na fronteira com o Senegal (Ex-1º Cabo Vitor Silva, CART 3331, 1970/72)

17 de março de 2008 > Guiné 63/74 - P2657: Cuntima nos tempos da CART 3331 (1970/72) (Vítor Silva)

6 de setembro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10340: Álbum fotográfico do ex-Alf Mil Art Humberto Nunes (3): Cuntima

3 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10320: Álbum fotográfico do ex-Alf Mil Art Humberto Nunes (2): Cuntima

(**) Vd. poste de 25 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11762: Memórias do Chico, menino e moço(Cherno Baldé) (45): Horror e terror em Cuntima, em novembro de 1976: a revoltade um grupo de antigos milícias, a execução pública de Soarê Seidi e de AbbaroCandé, por ordem do histórico comandante do PAIGC, Quemo Mané (Recordações deDemburri Seidi, tradução e texto de Cherno Baldé)

(***) Último poste da série > 27 de março de  2016 > Guiné 63/74 - P15907: Memória dos lugares (336): Cancolim, subsetor de Galomaro (Rui Baptista, ex-fur mil, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, 1972/74) - Parte I

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14194: Casos: a verdade sobre... (7): O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou à Tabanca Grande (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 23 de Janeiro de 2015:

Prezado amigo e camarada Carlos Vinhal.

A atitude do jornalista escritor José Vicente Lopes de eleger o blogue como fonte, viva, para a reconstrução da história da Guerra da Guiné é sábia da parte dele e gratificante para nós. Essa guerra onde empenhamos a juventude, a saúde e avida é um romance real e nós os seus actores.

Copiei o estilo dos camaradas António Rosinha e C. Martins para o texto anexo e dá-lhe o destino que entenderes.

Com um abraço e expectativa das notícias prometidas...

Manuel Luís Lomba


“Uma Guerra Desnecessária”… 

O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou ao convívio da Tabanca Grande, neste mês de Janeiro, efeméride do início da sua guerra “militar”, com o ataque a Tite, em 23/01/63), da derrota, morte e eventual profanação do cadáver do comandante paigcista Jaime Mota(1), em 7/01/74, na mesma altura em que, ali ao lado, o pelotão dos 29 valentes derrotava o cerco e assalto combinados de infantaria, artilharia e blindados do IN a Copá, narrado pelo camarada António Rodrigues(2).

Exército Português há só um, o fundado por D. Afonso Henriques e mais nenhum!

Em 1128, o rei fundador, ao comando da sua primeira batalha, derrotou o IN galego Fernão Peres de Trava, não o matou, não o maltratou e concedeu-lhe o dom da sua pessoa para o escoltar até à sua mãe, não como prisioneiro, não obstante vitorioso, mas como um homem e companheiro afectivo dela.
Num teatro de guerra, D. Afonso Henriques elevou ao auge o seu respeito pela dignidade humana do combatente.

As guerras são loucura humana, injustas, desnecessárias, exceptuando as de legítima defesa.

Quando o nosso compatriota Amílcar Cabral detonou a Guerra na Guiné, éramos país com mais de 8 séculos de história civilizacional e pluricontinental há 5 séculos. A nossa Constituição, essa lei fundamental, imperava em toda a dimensão da portugalidade e reconhecida por todas as instâncias internacionais.

“Vestiram-nos a camisola” (a farda) e expedidos para a Guiné, fazer uma guerra para acabar com aquela guerra…

Jamais o Povo da Guiné-Bissau beneficiará de cooperação tão extensa e profunda como a que lhe prodigalizou o Exército Português, ao custo de sangue, suor e lágrimas, como contrapartida…

Amílcar Cabral trocou a ética e tradições do Exército Português, que terá servido até à patente de alferes miliciano, pela doutrina e métodos de guerrilha de Mao Tsé Tung, líder da China, onde se tirocinou, em 1960, com passaporte de cidadão português…

Correspondemos sempre por cima aos martírios que nos eram impostos no teatro de operações, cedo nos apercebemos que Amílcar Cabral sabia muito melhor o que fazia do que nós que aquela guerra da Guiné não acabaria no binómio derrota-vitória: só teria fim por desistência, por falta de comparência…
Como assim, se Portugal era país, tinha exército e o PAIGC era exército e não era país? Paradoxalmente, de derrota em derrota, o PAIGC levou os portugueses a desistir primeiro… E não lhe entregaram um país em Bissau; foram desfazer-se dele, em Argel…

Por esse formato de independência, pouco mais sobrou para o Povo da Guiné-Bissau que o PAIGC de Conakry, Moscovo e Havana e o seu exército… A história vem tratando a Guerra da Guiné como “Uma Guerra Desnecessária” – citando Churchil…

No tocante aos aludidos crimes de guerra, a criminalidade é imanente à condição humana (está bem dito, Luís Graça?). Pela multiplicidade da gente que a informa, a sociedade castrense não será excepção à regra. Há muitas provas da coragem de muitos em não pactuar com ela, pelo silêncio, sabendo de antemão que passariam a ser pisados.

Trazemos à colação o testemunho e autocrítica do coronel Vasco Lourenço, o principal motor do MFA, vertidos no seu livro Do Interior da Revolução (Âncora Editora, 2009), pags. 38 e 39.

Era comandante da subunidade de Cuntima, mandou prender dois régulos, conotados com o IN, entendeu despachar o mais notório para a sede do batalhão, para ser interrogado por especialista, com as mãos algemadas atrás das costas. Só que aquele detido era príncipe da sua etnia e reagirá, não à detenção, mas ao que considerou grave afronta à sua condição, com uma greve de fome, até à morte. O general Spínola levantou-lhe um auto de averiguações e só não o terá punido porque o seu comandante do batalhão reclamou junto do Comandante-chefe a responsabilidade da ocorrência; mas não deixou de ser transferido de Cuntima para Nema…

É este o meu (nosso) Exército e D. Afonso Henriques o seu patrono…

O exército do PAIGC foi o primeiro a atormentar a vida dos guineenses, começando por destruir a sua economia, os seus equipamentos sociais, a matá-los e a estropiá-los.

O Exército Português bombardeava e assaltava as suas bases, na floresta; o exército do PAIGC flagelava as vilas e tabancas densamente povoadas, que aboletavam guarnições militares (chegou a dirigir 300 por mês). As baixas dos relatórios registam as vítimas do costume: velhos, mulheres, crianças e incapazes…

Em 1962, o exército do PAIGC começou a atormentar e a matar guineenses em Catió, Susana, Varela, S. Domingos - e nunca mais parou…

A malta grisalha que foi envolvida nessa guerra, vai-se reunindo a curtir a nostalgia do tempo que não volta, sem patriotismo africano saudosista. Haja libertação e libertadores, mas mitologias à parte.

Amílcar Cabral foi o instituidor da pena de morte na Guiné, há 100 anos abolida por Portugal, aplicando-a a delitos comuns e a delitos políticos, no I Congresso de Cassacá, em Fevereiro de 1964, e ordenou execuções imediatas. Quando em 1 de Junho de 1970 foi a Roma receber as bênçãos de S. S. o Papa Paulo VI, poucos dias antes havia ordenado fuzilamentos em Quitafine, pelo delito de oposição política, entre os quais o de Abdulai Seck, chefe da segurança do partido, em Ziguinchor.

Todos os homens são iguais e guerra é guerra – parafraseando o ex-sapador Braima Cassamá.

Um abraço para o Luís Graça, os editores, camaradas intervenientes, extensivo ao José Vicente Lopes(3).

Descansa em paz, comandante Jaime Mota.

Manuel Luís Lomba
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Notas do editor

(1) Vd. postes de:

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1) Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II (Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca, 1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)

17 de janeiro de  2015 > Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)
e
18 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

(2) Vd. poste de 7 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14128: Efemérides (181): Copá – Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)

(3) Vd. postes de:

3 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10221: Notas de leitura (387): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (1) (Mário Beja Santos)

6 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10230: Notas de leitura (388): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (2) (Mário Beja Santos)
e
10 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10247: Notas de leitura (390): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14193: Casos: a verdade sobre... (6): Tratamento de prisioneiros do PAIGC (ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70)

sábado, 10 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13124: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte V: (i) A praxe (a história de uma partida a um alferes pira e que envolve também o cap inf Vasco Lourenço); e (ii) a cabra do mato que chorava (Fernando Pires, ex-fur mil at inf)


Capa da brochura "Histórias da CCAÇ 2533"



1. Histórias da CCAÇ 2533 > Parte V (Fur mil at inf, 3º pelotão, Fernando Pires)


[Imagem à esquerda: guião da CCAÇ 2533, cortesia de Carlos Coutinho, cuja coleção de guiões nos foi facultado pelo nosso camarada António Pires, do portal Ultramar Terraweb]


Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do livro editado pelo 1º ex-cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). Esta publicação é uma obra coletiva, feita com a participação de diversos ex-militares da companhia (oficiais, sargentos e praças).

A brochura chegou-nos digitalizada através do Luís Nascimento (que também nos facultou um exemplar em papel e que, até ao momento, é o único representante da CCAÇ 2533, na nossa Tabanca Grande). Temos autorização do editor e autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as peripécias por que passou o pessoal da CCAÇ 2533, companhia independente que esteve sediada em  Canjambari e Farim, região do Oio, ao serviço do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras, cuja história já aqui foi publicada pelo nosso camarada e amigo Carlos Silva, carinhosamente tratado por "régulo de Farim".

 Começamos hoje a publicar a colaboração do fur mil at inf Fernando J. do Nascimento Pires, que pertenceu ao 3º pelotão,  São duas pequenas histórias: (i) a praxe (pp. 27/28); e (ii) a cabra de mato (p. 29). 

Aproveito para, em troca da sua colaboração, convidar o Fernando Piers para se juntar à nossa Tabanca Grande. Só precisamos de 2 fotos dele, uma atual e outra do tempo da tropa... O convite é extensivo aos restantes autores, que iremos publicando. (LG)










Cortesia de Fernando Pires (ex-fur mil at inf, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71), e dos seus camaradas Joaquim Lessa e do Luís Nascimento


(Continua)
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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13036: Notas de leitura (583): "Capitãs de Abril - A revolução dos cravos vivida pelas mulheres dos militares", por Ana Sofia Fonseca (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
São ouvidas neste precioso livro de testemunhos mulheres de alguns dos mais significativos nomes dos militares de abril. Como elas tinham visto a evolução da guerra, como acompanharam os maridos ao longo de todo o processo conspirativo, como tomaram conhecimento dos acontecimentos da madrugada em que o regime de Caetano caiu, como colaboraram a escrever os documentos de circulação ultra restrita, a inquietação enquanto aguardavam notícias pela rádio, os famosos comunicados do MFA, a história de duas mulheres, uma que leu comunicados no Rádio Clube Português, outra que trabalhava num self-service, o patrão mandou fechar as portas e deu-lhes cravos destinados aos clientes, uma delas irá subir a Baixa a pôr cravos nas armas, mal sabia que estava a compor História.
É a revolução dos cravos no feminino, são depoimentos por vezes comoventes sobre aqueles momentos decisivos em que tombou a ditadura.

Um abraço do
Mário


Capitãs de Abril: como elas viram nascer o golpe de Estado

Beja Santos

A abordagem é original: indagar mulheres que estiveram por detrás de quem fez um golpe militar, quem, naquele ato de sublevação, arriscou praticamente tudo. O que Ana Sofia Fonseca propõe em “Capitãs de Abril, a revolução dos cravos vivida pelas mulheres dos militares”, A Esfera dos Livros, 2014, é contar a revolução no feminino, vivida dentro de casa, como lutaram nas fileiras da conspiração, como deram cobertura às reuniões clandestinas, como passaram à máquina manifestos. “Esta é também a história da única mulher que leu um comunicado do Movimento das Forças Armadas e da rapariga que, sem saber, deu nome à revolução. São personagens de um dos mais importantes acontecimentos do século XX português. Todas elas, cada uma à sua maneira, protagonistas na sombra”. Projeto aliciante e com resultados dignos de reflexão.

Começando com Maria Dina Afonso Alambre de Carvalho, mulher de Otelo, aquele tempo foi dobadoira, como se escreve: “Foram meses de reuniões, sabe bem que o golpe anda a ser preparado. À sua maneira, ajudou quanto pôde. Nos últimos dias, sentava o filho no banco de trás, ocupava o lugar da frente e acompanhava Otelo por onde quer que ele conduzisse. Aceleravam até à casa de camaradas, estacionavam a observar o Forte de Caxias para melhor planear a libertação dos presos políticos. Como se nada fosse, ela ficava no carro, a ver o filho brincar, a disfarçar. Ansiosas, as agulhas de renda burilavam sem descanso uma toalha com rosetas”.
Outra protagonista, Natércia Salgueiro Maia, também recebeu a mesma informação: “Vai ser hoje…”. Uma despedida que lhe deixou o coração apertado. Sabe que o marido partirá à frente de uma coluna a partir da Escola Prática de Cavalaria, tem desempenho primacial na operação “Fim do regime”.
Nessa mesma noite, Ana Coucello, mulher do adjunto operacional de Otelo, Luís Ferreira Macedo preparou um jantar para receber familiares, era preciso aparentar naturalidade, confundir a polícia política. Pouco antes de abril, Ana bateu à máquina um documento intitulado “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação”, afinal um manifesto redigido por Ernesto Melo Antunes. Não tem ilusões, algo de formidável está em marcha, este documento fora lido na reunião de Cascais, em 5 de março, no ateliê do arquiteto Braula Reis, agora vai ser difundido pelos oficiais que aderiram ao Movimento. Vitor Alves diz a Teresa: “Olha, é esta noite”. E ela pergunta-lhe: “É esta noite, o quê?”. E ele, de imediato: “A revolução que temos andado aí a preparar…”. Teresa está apreensiva, é a filha do Chefe de Estado-Maior da Armada. E fica à escuta, sabe que a uma determinada hora alguém, na rádio, dirá que se vai ouvir a canção de Paulo Carvalho “E Depois do Adeus”.

Esta ansiedade toma as mulheres de todos os golpistas, Aura Costa Martins, a namorada de Costa Martins, oficial da Força Aérea, ela gritará exuberante, “Já está, já está!”, João Paulo Dinis, pelas 22h55 anuncia a canção de Paulo Carvalho. O golpe de Estado começa a desenrolar-se. A vida desta mulher terá esta e outras alegrias, mas muito sofrimento posterior. Costa Martins, depois do 25 de novembro, sentindo-se perseguido, irá para Luanda, aí celebrarão casamento. O que se segue é desconhecido de muitos portugueses: “O militar colabora com os camaradas do MPLA. Trabalha nos ministérios da Defesa, do Comércio, dos Transportes e do Trabalho. E veio o golpe de 27 de maio de 1977. Será arrastado na desgraça. Foi torturado até acreditar que a morte não é o pior dos tormentos. A maldade tem excesso de imaginação – chicote, espigão de ferro, correia de camião. O rosto numa bola irreconhecível, o corpo em chaga. Aura desesperada à sua procura. Nada sabia do que se passava, apenas conhecia o que acontecera debaixo do seu olhar – uns homens à porta, decididos a levar o português para prestar declarações”. Mas a sua alegria não terá limites quando na Rádio Renascença, pela meia-noite e vinte, Leite Vasconcelos anunciou “Grândola, Vila Morena”. Uma noite à volta da rádio, começara, na plenitude, a madrugada da libertação.

E aqui entraram mulheres que nada tinham a ver diretamente com o golpe. Foi o caso de Clarisse Guerra, locutora na Rádio Clube Português, onde se estreara em 1962. Joaquim Furtado convida a ler um comunicado do MFA. E pelas duas e meia da tarde a sua voz vai para o ar:
“Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas.
Pretendendo continuar a informar o País sobre o desenrolar dos acontecimentos históricos que se estão processando, o Movimento das Forças Armadas comunica que as operações iniciadas na madrugada de hoje se desenrolam de acordo com as previsões, encontrando-se dominados vários objetivos importantes…”. Tudo numa agitação, nos Açores, Melo Antunes e Vasco Lourenço já se apresentaram numa unidade militar, começaram a ser tomadas as medidas necessárias no arquipélago. Fala-se de Custódia do Martins Guerreiro, de Gabriela Ataíde Mota e de Ernesto Melo Antunes de Maria Luísa e António Marcos Júnior, abril já se faz nas ruas, chegou a hora dos cravos.

É uma anónima quem vai batizar a revolução. Mais tarde, saber-se-á de tudo. Celeste Martins Caeiro chegou ao self-service de onde trabalha, o patrão anuncia que não abrirá as portas, há confusão na rua, militares e carros de combate. Distribuiu uma molhada de cravos pelas empregadas, hoje não há clientes para receberem cravos. O que interessa é que Celeste vai desembarcar na Baixa com uma braçada de cravos. A descrição feita pela autora é tocante:
“Admirada com o cenário da Praça Dom Pedro IV, Celeste não arreda pé, deixa-se ficar a ver os militares passarem. A curiosidade enche-a de coragem, aproxima-se de um soldado:
— O que é que estão aqui a fazer?
— Uma revolução!
— E é para melhor ou para pior?
— É para acabar com a guerra e com a PIDE. Saímos do quartel ainda era noite…
— Então, e precisam de alguma coisa? Como é que posso ajudar?
— Se tiver um cigarrinho… Um cigarro calhava bem.
— Bem gostava de lhe dar um, mas nunca fumei… Olhe, tome lá um cravo que tanto se oferece a uma senhora como a um senhor”.
E depois o Largo do Carmo, onde o regime de Marcelo Caetano tombará. A autora ouve Pedro Lauret e muito se fala da Guiné, de Guidage, Guileje e Gadamael, episódios do maior dramatismo. Lauret irá na lancha Orion subir o Cumbijã, embarcou uma companhia de paraquedistas e vai levá-la até ao porto de Cacine, onde se vivem momentos de desespero. A autora atribuiu a Lauret a seguinte apreciação: “Em Guileje, as ordens de Spínola tinha sido no sentido de que os cobardes eram para morrer”.
O 25 de abril triunfou. Todas estas mulheres distendem, sorriem em liberdade. Os homens que amam estão na bênção da vitória. “Capitãs de Abril” preenche uma lacuna, é uma reportagem bem urdida sobre as mulheres esquecidas que enfunaram aqueles dias tempestuosos que precederam a democracia.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13017: Notas de leitura (582): "Por Terras de África - da Terra dos Cancurans ao Reino da Rainha Gunga", por Francisco Búzio Reis (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13018: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte III: A vida em campanha (Sidónio Ribeiro da Silva, hoje cor inf ref)

1. Histórias da CCAÇ 2533 > Parte III (Cap Inf Silvino R. Silva, hoje cor ref)


Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do livro editado pelo 1º ex-cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia. Esta publicação é uma obra coletica, feita com participação de diversos ex-militares da companhia (oficiais, sargentos e praças). As primeras 25 páginas são do cap Sidónio Ribeiro da Silva, hoje cor ref.

A brochura chegou-nos digitalizada através do Luís Nascimento. Temos autorização do editor e autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as andanças do pessoal da CCAÇ 2533, que andou por Canjambari e Farim, região do Oio, estando na dependência do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras, cuja história já aqui foi publicada pelo nosso camarada e amigo Carlos Silva, carinhosamente tratado por "régulo de Farim".

Recordo, por outro lado, que as nossas duas companhias, a minha CCÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12), e a CCAÇ 2533, do Luís Nascimento e do Joaquim Lessa, viajaram, juntas no mesmo T/T, o Niassa, em 24 de maio de 1969, e regressaram juntas, a 17 de março de 1971, no T/T Uíge!... Ah! uma fantástica coincidência!...

Publicamos agora a parte correspondente às pp. 12 a 17, onde o cap inf Sidónio R Silva  fala de diversos aspetos da "vida em campanha", comuns à tropa que estacionou no CTIG: (i) formaturas e toques; (ii) o pelotão da "lata" (os miúdos que iam rapar o tacho da tropa); (iii) o primeiro ataque de abelhas; (iv) tropas nativas Pel Caç Nat 58 e 61, Pel Mil 183; (v) minitornados e seus efeitos devastadores; (vi) as colunas de reabastecimentos e a ida da Farim (c, 4 mil habitantes, fora a tropa), sede do BCAÇ 2879, apanhar o "ar da civilização"; (viii) a mascote da companhia. o nº 33, um macaco-cão; e, por fim,  (ix) o correio (; esta parte está truncada, vou pedir ao Luís Nascimento que volte a digitalizar as páginas 16/17).















Cortesia de Sidónio Ribeiro da Silva (ex-comandante da CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71), do Joaquim Lessa e do Luís Nascimento


(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de abril de 2014> Guiné 63/74 - P13005: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte II: Embarque e as primeiras impressões do aquartelamento e tabanca (Sidónio Ribeiro da Silva, hoje cor inf ref)