quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20178: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte I: aurado para todo o serviço militar

O Domingo Robalo, no BAC1, 
Bissau, 1969
RECORDAÇÕES E DESABAFOS DE UM ARTILHEIRO > Parte I: apurado para todo o serviço militar

por Domingos Robalo (*)




Durante o mês de junho de 1967, á beira de fazer 20 anos de idade, estou a viver na cidade de Almada.

Estou na inspeção médica para ingressar no serviço militar obrigatório. (A ida às sortes, como se dizia na época.)

Muitos dos meus colegas de escola e de trabalho, já tinham seguido “a salto” rumo a França ou à Alemanha.

A inspeção médica decorria no antigo quartel da GNR de Almada. Pergunta o médico, ladeado de dois enfermeiros mal-encarados e embigodados com “torcidinho”:


- Então rapazola, vês bem? És saudável?

- Sim, Sr. Doutor,  está tudo bem  
respondi eu com as pernas ligeiramente trémulas e com ar enfezado.



Domingos Robalo (2019). 
Foto de Manuel Resende
- Bem!.... vamos lá ver isso.

- Que letras vês ali ao fundo naquele painel?

- A, B, X, V…..

- Agora as de baixo...

Rapa de um carimbo e estampa num papel: “Aprovado para todo o serviço militar”.

Esta cena foi comum a milhares de jovens, meus compatriotas,  que vieram, nesta ambiência, a ter o seu primeiro contacto com a tropa.

Para mim já não era assim tão estranho. Por força da profissão do meu pai, já sabia, desde tenra idade, o que era um soldado, um sargento ou um oficial.

E esta hierarquização levou-me desde muito cedo a saber responder à pergunta que se faz a todos os jovens: "O que queres ser quando fores grande?"... Quero ser capitão!" 
- respondia,  garboso.

Não era tolo,  não senhor; é que eu via o capitão ser obedecido pelos soldados, cabos e sargentos a quem todos tinham respeito e alguns até subserviência.

Se os havia absolutistas e disciplinadores ou sem condescendência, também havia capitães corretos e respeitadores da dignidade dos seus comandados. Por isso uns eram “amados” pelos seus subordinados e outros odiados,  como de fossem filhos do diabo. 

Domingos Robalo: foto do BI militar (1969)
Esta diferença comportamental marcou toda a minha vida e mais ainda o período em que fui militar como tantos jovens do meu tempo.

Num amanhã dos primeiros dias do mês de janeiro do ano de 1968, saio de casa pela primeira vez,  deixando em pranto a minha mãe e com o peito esmagado pelo abraço do meu pai. Do meu irmão já me tinha despedido na véspera, já que, por se encontrar a trabalhar,  tinha saído mais cedo de casa.



Apanho o comboio em direção às Caldas [, linha do Oeste], onde vou fazer a recruta para o CSM (Curso de Sargentos Milicianos). Era o primeiro recrutamento de CSM, em que todos os mancebos possuíam, como habilitação académica, o 5º ano. (Entenda-se como equivalência ao atual 9º ano.)  

(Continua)
_________

Nota do editor:

(*) Vd.. poste de 25 de setembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20175: Tabanca Grande (484): Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71; senta-se à sombra do nosso poilão sob o nº 795

7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Domingos, quando fomos às sortes (, inspecção militar,) podiam.nos acontecer 4 coisas: i) apurados para todo o serviço militar; ii) aptos para os serviços auxiliares; iii) adiados; e iv) isentos de todo o serviço militar...

Recorde.se a legislação da época:

Tenha–se presente, nesta parte, o artigo 13º da Lei nº 1961, de 1 de setemnbro de 1937 (Lei do Recrutamento e Serviço Militar), na redacção da Lei nº 2034, de 18 de julho de 1949, e do Decreto–Lei nº 40602, de 15 de Maio de 1956, no tocante ao conceito de "serviços auxiliares":

"A junta de recrutamento julga por inspecção directa da aptidão ou inaptidão dos indivíduos recenseados e inquire das suas habilitações profissionais e literárias.

Conforme a aptidão física para o serviço, os indivíduos presentes às juntas de recrutamento são por estas divididos nas seguintes categorias:

1º. Apurado para todo o serviço militar;
2º. Aptos para serviços auxiliares;
3º. Adiados;
4º. Isentos de todo o serviço militar.

a) São considerados aptos para serviços auxiliares, independentemente de apresentação às juntas de recrutamento, os sacerdotes e clérigos da religião católica e os indivíduos que façam parte dos organismos de formação missionária, os quais só poderão ser obrigados a serviço de assistência religiosa e, em tempo de guerra, a prestar também serviço nas formações sanitárias;

b) Ficarão sujeitos ao mesmo regime, na parte aplicável, os auxiliares das missões, durante o tempo que permanecerem ao seu serviço nas colónias portuguesas.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Excerto, com a devida vénia, de artigo publicado na Revista Militar,nº 2592, janeiro de 2018

https://www.revistamilitar.pt/artigo/1295


O SERVIÇO MILITAR EM PORTUGAL – O DEBATE NECESSÁRIO
Tenente-general Joaquim Formeiro Monteiro

1. Evolução e contexto

Em Portugal, desde o início do Século XX, a mobilização e o recrutamento de pessoal para o serviço nas Forças Armadas (FA), com excepção dos seus quadros permanentes, esteve assente num sistema de conscrição, denominado como Serviço Militar Obrigatório (SMO), interrompido em 2004, como resultado da sétima revisão constitucional, em 1997, que retirou da Constituição da República Portuguesa a obrigação da prestação de serviço militar aos cidadãos nacionais.

Analisando a evolução da prestação de serviço militar, em Portugal, ao longo da sua vigência, verifica-se que o mesmo veio assumir o seu valor mais elevado, em número dos jovens cidadãos recrutados, durante o período de guerra em África, entre 1961 e 1974.

Em 1961, foram recenseados, aos 20 anos de idade, 73.366 cidadãos do sexo masculino, tendo sido apurados para o serviço militar 64,8% do universo recrutável, com o tempo de serviço alargado para dois anos e, dez anos mais tarde, em 1971, o recenseamento foi estendido, pela primeira vez, aos cidadãos que completavam 18 anos, atingindo um número de 91.363, tendo sido apurado 72% do contingente de recrutamento.

Em 1973, no Exército, o ramo das FA com mais efectivos, aqueles números apresentavam valores da ordem dos 150.000 elementos nos três teatros de operações da Guiné, Moçambique e Angola, a que acresciam os efectivos ao serviço nos territórios continental e insular. (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tanto quanto me lembro, ia-se às sortes (inspeção militar) aos 18 anos... Todos os jovens da minha terra, Lourinhã, que completavam 18 anos, em 1965, como eu, foram às sortes.No meu caso, a inspeção realizou-se no salão nobre da antiga Câmara Municipal... Não havia quais condições de privacidade... Fomos todos ao molhe e fé em Deus... "Ir às sortes" significava ser apurada ou não para o serviço militar... Quem constava dos editais camarários como tendo nascido em 1947, e completado 18 anos em 1965, tinha por obrigação comparecer na junta de recrutamento...

O exame médico era a "olhómetro", como muito bem descreve o Domingos... Quem faltava, passava a ser considerado "faltoso"... Quem, dois ou três anos depois, era convocado para a recruta, passaria a ser "refractário", se não se apresentasse no respetivo quartel...

Eu também fui parar às Caldas da Rainha no segundo turno de 1968 do CMS... As Caldas da Raiinha, o RI 5, ficavam a escassos 30 e tal quilómetros da minha terra, mas nessa altura era longe...

Depois de jurar bandeira, um militar que abandonasse as fileiras, de motu próprio, era considerado "desertor"...

Desde 2004 que deixou de haver "serviço militar obrigatório" no nosso país... Os putos novos não sabem do que é que estamos a falar... "Ir às sortes" era um rito de passagem, para a "maioridade"...Um rapaz passava a ter outro estatuto para os seus pares, colegas de escola, de vizinhança ou de trabalho...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Atenção: a maioridade legal (civil) em Portugal só baixou para os 18 anos com a reforma do Código Civil, em 1977... Isto quer dizer, que muitos de nós fomos para a tropa e para a guerra colonial com o estatuto de "menores", ou seja, com menos de 21 anos... Não foi o meu caso, fui para a tropa com 21 anos e meio, em meados de 1968, e e parti para a Guiné um ano depois, em 24 de maio de 1969... Regressei com 24 anos e dois meses...

Éramos menores mas com licença para matar e morrer...

Valdemar Silva disse...

Segundo se dizia, a partir de 1961 só havia um único carimbo nas Juntas de Recrutamento: APURADO PARA TODO O SERVIÇO MILITAR.
Esquisito apuramento.
Assisti na EPA, Vendas Novas, em 1967, ser dada Instrução a
rapaziada, não sei se do CSM ou COM, com visíveis problemas físicos, ao ponto de alguns marcharem com movimentos descontrolados e deficiente mobilidade. Não sendo indivíduos de ocupação religiosa/assistencial não teriam sido apurados para os Serviços Auxiliares. Quer dizer que até os deficientes eram apurados para todo o serviço militar.

Quanto a Domingos Robalo, seja bem-vindo.
Valdemar Queiroz

Abílio Duarte disse...

Olá
Somos contemporâneos, pois também entrei no RI5 nas Caldas, no dia 16.01.68, ainda com 20 anos.
Fui colocado na 6ª. Companhia, do Ten. Vasco Lourenço.
Passei por Vendas Novas, onde estive no CSM -Atirador.
E Fui dar com os costados, na Guiné - CART.2479-CART/CCAÇ.11.
E felizmente ainda por cá ando.
Tudo de bom.
Abraço.

Valdemar Silva disse...

Olá Duarte
Quer dizer que estiveste em Vendas Novas a partir de Abril/Maio 1968.
Julgo que por essa data, o Cunha (o célebre cor.mil. Lukas Titio) era Cabo Mil. da Instrução.
Em Janeiro 1968, depois do CSM, em Vendas Novas, eu e o Cunha fomos colocados no RAP3, Figueira da Foz, mas ele ficou lá por 'empréstimo' até ser mobilizado e juntar-se a nós em Espinho.

Abraço e saúde da boa
Queiroz